RESENHAS REVIEWS
CANCER EPIDEMIOLOGY AND PREVENTION. David Schottenfeld & Joseph F. Fraumeni Jr. (editores). 2a ed., Oxford: Oxford University Press, 1996. 1.521 pp.
ISBN 0-19-505354-0
Esta nova edição do Cancer Epidemiology and Prevention representa uma significativa atualização sobre o tema desde a primeira edição, publicada em 1982. Trata-se de um importante volume para a biblioteca do epidemiologista e do oncologista, mas também oferece um grande manancial de informações para outros especialistas em cuja atuação profissional está colocada a interface com a questão do câncer. O livro é composto por cinco partes que englobam 67 capítulos, escritos por 109 colaboradores, a maioria proveniente de universidades americanas.
A primeira parte, intitulada "Conceitos Básicos", inicia-se com uma discussão sobre causalidade, abordando, em paralelo, aspectos importantes do processo de carcinogênese, como a teoria de múltiplos estágios e as questões referentes aos períodos de indução e de latência. Os oito capítulos subseqüentes discutem a avaliação do risco de câncer com base em estudos experimentais; a classificação morfológica dos cânceres humanos; a história natural dos precursores do câncer, com ênfase no câncer do colo do útero, de mama, do estômago e do intestino grosso; os estágios do desenvolvimento do câncer, aspectos moleculares e genéticos da transformação neoplásica e a contribuição da chamada Epidemiologia Molecular na prevenção do câncer e, por fim, a avaliação quantitativa do risco de câncer (quantitative risk assessment) e modelos matemáticos na epidemiologia desta doença.
A magnitude do câncer é apresentada na segunda parte do livro, inicialmente com a descrição do padrão de distribuição dos cânceres mais comuns em várias partes do mundo, seguida por uma análise específica da incidência, mortalidade, sobrevida, aspectos étnicos, migratórios e econômicos deste grupo de doenças nos Estados Unidos.
As causas do câncer são amplamente discutidas em 14 capítulos da parte seguinte. O hábito de fumar é exaustivamente avaliado em relação a sua associação com diversos tipos de neoplasia. Um aspecto preocupante apontado pelos autores é a tendência da maior popularização do fumo nos países em desenvolvimento, enquanto os países industrializados vêm apresentando tendência oposta. Extensa e interessante revisão sobre a relação entre o consumo de bebida alcoólica e desenvolvimento de câncer, com apresentação de tabelas que sumarizam os principais estudos publicados, atribui a este hábito um aumento do risco de câncer da cavidade oral, faringe, laringe, esôfago e fígado. Os efeitos sinérgicos com o hábito de fumar e com o vírus B da hepatite, bem como os aspectos controversos em relação ao fator de proteção conferido pelo álcool quanto às doenças cardiovasculares também são discutidos.
A seguir, focaliza-se a exposição à radiação ionizante; a exposição à radiação ultravioleta e sua conexão com a agressão à camada de ozônio da estratosfera; os variados aspectos relacionados aos ambientes de trabalho, com apresentação de três tabelas com informações detalhadas sobre os estudos com achados positivos e/ou negativos no que se refere a agentes específicos ou grupos de ocupação e a poluição atmosférica.
Dois fatores de interesse crescente quanto ao potencial carcinogênico são abordados em profundidade. O primeiro, a poluição das águas potáveis, com definição de prioridades de pesquisa voltadas para substâncias orgânicas diversas (organoclorados) e câncer de pele, bexiga, rim e pulmão; metais (arsênico) e câncer de bexiga e do trato gastro-intestinal, especialmente o de reto; radionuclídeos (radon) e câncer de pulmão; material particulado (asbestos) e nitratos e câncer do trato gastro-intestinal, especialmente o de estômago; além de fluoretos e agentes microbianos. O segundo fator, dieta e nutrição, mereceu bastante atenção principalmente quanto às dificuldades metodológicas que cercam a avaliação da exposição. Os papéis de alguns agentes como fibra, vitaminas A, C e E e selênio na prevenção de certos cânceres, e do sal e da gordura na causação de outros são também considerados.
Outro importante grupo composto por hormônios e por medicamentos é abordado com detalhe. De forma geral, analisa-se a associação entre o uso de contraceptivos orais, de contraceptivos injetáveis e a reposição hormonal na pós-menopausa com o aumento do risco de câncer do endométrio, do colo uterino, do ovário, da mama, do fígado, da tireóide e melanoma. Medicamentos sobre os quais suspeitas têm sido levantadas são também alvo de atenção: arseniacais, cloranfenicol, alcatrão, drogas citotóxicas, difenil-hidantoína, diuréticos, agentes imuno-supressores, ferro, isoniazida, metronidazol, antiinflamatórios não esteróides, fenacetina, fenazopiridina, fenobarbital, fenilbutazona, propiltiouracil, metoxsalen (8-MOP) e reserpina.
Os últimos quatro capítulos desta parte apresentam revisão atualizada sobre a implicação do vírus Epstein-Barr no aparecimento do linfoma de Burkitt, do carcinoma nasofaríngeo e da Doença de Hodgkin; do retrovírus HTLV-I e tumores agressivos envolvendo os linfócitos T; dos vírus B e C da hepatite e carcinoma hepato-celular; do papilomavírus e câncer do colo uterino. Os fatores imunológicos incluindo os estados de imunodepressão e imunoestimulação são igualmente contemplados. A agregação familiar e hereditariedade são dois fatores que vêm ganhando importância na última década com os conhecimentos a respeito dos oncogenes e dos genes de supressão tumoral. Neste sentido, é discutida a extensão do modelo do retinoblastoma para outros cânceres, as síndromes de múltiplos cânceres em família, a síndrome de Li-Fraumeni e o papel do p53, a polipose familiar e o gene apc e a presença dos genes BRCA1 e BRCA2 no câncer de mama. De grande relevância é a discussão sobre a interação gene-ambiente, trazendo como modelo o câncer de pulmão e o papel dos citocromos P450, do glutation-S transferase e da N-acetil transferase.
A abordagem por tipo de câncer toma lugar na parte subseqüente. Cada um dos 35 capítulos analisa um tipo de câncer por localização topográfica, sendo um dedicado ao câncer infantil e outro aos cânceres primários de múltiplas localizações. Em geral, são discutidos aspectos geográficos, demográficos e epidemiológicos (incidência, mortalidade, sobrevida, tendência temporal), fatores de risco, genética molecular, carcinogênese experimental, patogênese, medidas preventivas e direção das futuras pesquisas. Para alguns tipos de câncer, são mostradas extensas tabelas com resultados de estudos epidemiológicos dirigidos para determinados fatores de risco. Alguns exemplos são o câncer de estômago (dieta), de pâncreas (dieta e ocupação), doença de Hodgkin (Epstein-Barr vírus, trabalho na indústria madeireira e exposição ocupacional a agentes químicos), linfoma não-Hodgkin (exposições ocupacionais específicas na indústria química, madeireira, do papel, entre outras), mieloma múltiplo (imunoestimulação crônica, radiação ionizante e ocupação), câncer ósseo (radiação), de tireóide (radiação), de ovário (utilização de talco no períneo, gravidez a termo, uso de contraceptivo oral e consumo de café), do endométrio (reposição de estrógeno, obesidade, diabetes, hipertensão, doença biliar e hábito de fumar), de próstata (vitamina A, ingestão de gordura), de testículo (criptoquirdia), cerebral (ocupação, trauma, RX diagnóstico, fumo, dieta, campo eletromagnético) e melanoma (exposição solar e luz fluorescente).
A última parte do livro é dedicada ao controle e prevenção do câncer por meio de distintos mecanismos, como, por exemplo, via legislação, especialmente no que se refere aos ambientes de trabalho e à comercialização de cigarros; controle da poluição; controle dos agentes biológicos; ações de educação para a saúde; encorajamento de comportamentos preventivos (auto-exame); e screening para os principais cânceres (pulmão, mama, colo do útero, estômago, intestino grosso e próstata).
Portanto, trata-se de uma obra bastante atual, cujo valor ultrapassa o próprio texto, alcançando a extensa lista de artigos e livros que compôs a revisão da literatura, e que se constitui em um manancial de informações de grande importância para todos aqueles envolvidos com a área de câncer em atividades de pesquisa, da clínica, de ensino e de prevenção.
Marco Antônio V. Rêgo
Programa de Doutorado em Saúde Pública/Epidemiologia.
Instituto de Saúde Coletiva - UFBA