OPINIÃO OPINION |
André-Pierre Contandriopoulos 1 | Pode-se construir modelos baseados na relação entre contextos sociais e saúde? Can models be built on the basis of the relationship between social contexts and health?
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1 Groupe de Recherche Interdisciplinaire en Santé et Departement d'Administration de la Santé, Université de Montréal. C. P. 6128, Sucursale Centre-Ville. Montréal, Québec, H3C 3J7, Canada. | Abstract As more is known about the complexity of the relationships between social, economic, and environmental contexts and the health of the population, it appears clear that the concepts of illness and health, while not independent, are not synonymous. A major challenge now facing the field of public health is to organize a true dialogue between the life sciences working mainly on illness seen as a disturbance in one of the functions of a living organism and human sciences dealing with a population's health. Society's challenge is to grant each individual access to high-quality health care services when needed, while developing public policies to promote the health of the population as a whole. Key words Health; Illness; Epidemiology; Biological Sciences; Social Sciences Resumo À medida que se conhece melhor a complexidade das relações entre os contextos sócio-econômico, ambiental e a saúde da população, parece claro que os conceitos de saúde-doença, embora não sendo independentes, não são sinônimos. O maior desafio para o campo da saúde pública nesse momento é sua capacidade para estabelecer um verdadeiro diálogo entre as ciências da vida, trabalhando principalmente sobre a doença, vista como um distúrbio em uma das funções do organismo vivo, e as ciências humanas, trabalhando sobre a saúde das populações. O desafio para a sociedade é permitir a cada indivíduo o acesso a serviços de saúde de alta qualidade e ao mesmo tempo desenvolver políticas públicas para promover a saúde da população. |
As relações existentes entre os contextos sociais, culturais, ambientais, econômicos e a saúde são particularmente complexas e ainda mal conhecidas. Entre os numerosos modelos que têm sido propostos para interpretar as informações disponíveis, o do "Institut Canadien de Recherche Avancé ICRA" permite compreender que os fenômenos em estudo fazem interagir vários níveis de análise do macrossocial ao funcionamento biológico do corpo, estendendo-se sobre horizontes temporais que vão do muito curto prazo (alguns segundos) a várias dezenas de anos e são continuamente interativos. Este modelo, que não tem a pretensão de ser exaustivo nem perfeito, permite fazer duas grandes observações.
A primeira é que, não obstante os progressos da medicina e do crescimento dos recursos destinados ao sistema de saúde, as disparidades nessa área, entre os países desenvolvidos, não diminuem não mais que as disparidades dentro de cada país. O valor dos recursos destinados ao tratamento das doenças não está necessariamente associado a uma melhoria do estado de saúde das populações. Observa-se, por exemplo, que os indicadores de saúde dos japoneses são bem superiores aos dos americanos, embora os primeiros destinem muito menos recursos para o seu sistema de saúde. Em 1993, os americanos destinaram 14,1% de seu PIB aos serviços de saúde e os japoneses, 7,3%. No mesmo ano, a esperança de vida dos americanos era de 3,5 anos inferior à dos japoneses (OCDE, 1995).
A segunda é que o estado de saúde é influenciado de maneira inequívoca pelas características contextuais como o status social, o nível de educação, a ocupação, a riqueza do ambiente durante a infância, o suporte social etc., existindo um gradiente entre a posição ocupada em função destes indicadores e a saúde. A taxa de mortalidade dos funcionários públicos britânicos entre 40 e 64 anos é, analisando-se um período de dez anos, três vezes maior entre os trabalhadores manuais do que entre o pessoal administrativo (Marmot, 1986). Observa-se também que estas características não estão associadas a doenças específicas. A taxa de mortalidade dos funcionários britânicos, ajustando-se a idade, é duas a sete vezes maior entre os trabalhadores manuais em relação aos funcionários administrativos, tanto para o câncer, como para as doenças respiratórias, distúrbios gastrintestinais, ou doenças cardiovasculares (Marmot, 1986). Um fenômeno de mesma amplitude tem sido observado nos Estados Unidos a propósito da prevalência de diferentes doenças em função do nível de educação (Pincus et al., 1987). Esses resultados parecem indicar que as características do ambiente social reforçam a resistência às doenças de uma maneira geral (Antonovsky, 1992) e que elas permitem a alguns, uma vez doentes, uma menor gravidade e recuperação mais rápida. Assim, após um infarto do miocárdio, constata-se, nos Estados Unidos, que, entre os homens cujo nível de educação é baixo, a probabilidade de morte é três vezes maior do que entre os de nível elevado, e essa probabilidade, entre os que levam uma vida estressante e que são socialmente isolados, é seis vezes mais alta do que entre aqueles que levam uma vida calma e com um bom suporte social (Ruberman et al., 1984).
Essas duas grandes constatações mostram que os fatores, as situações, os contextos que são favoráveis à saúde, isto é, que aumentam "a possibilidade para o ser vivo de se realizar" (La Recherche, 1995), não são da mesma natureza que os mecanismos existentes quando se trata de diagnosticar, tratar, e até mesmo de prevenir doenças específicas. Se as doenças e a saúde não são fenômenos independentes, elas não são no entanto redutíves uma à outra. A doença não é o inverso da saúde. Isso se manifesta muito claramente nas sondagens junto à população. No Canadá, quando perguntados: "O que você espera do sistema de saúde?, 80% dos entrevistados respondem que querem cuidados assistenciais acessíveis e de qualidade, somente 10% respondendo que querem melhorar sua saúde.
Quando uma população vive mais tempo, isso não significa que seus membros sejam menos doentes. Os japoneses não são menos doentes que os franceses, o mesmo ocorrendo, de uma maneira geral, entre as mulheres e os homens. O prolongamento da vida é acompanhado por uma transformação da incidência e da prevalência de diferentes tipos de doença e de causas de mortalidade (transição epidemiológica), e não pela eliminação da doença. Os modelos explicativos da saúde são diferentes dos da doença. As disciplinas mobilizadas para analisar e comprender a saúde das populações (as ciências sociais e comportamentais) não são as mesmas que servem de base para a compreensão da doença e de seu tratamento (as ciências biológicas) (Figura 1). As ciências fundamentais que contribuem para diagnosticar, prevenir, tratar as doenças baseiam-se principalmente nas funções biológicas do ser humano. Elas visam, ao decompô-lo (órgãos, tecidos, células, moléculas, gens, etc.), analisar de maneira científica cada um de seus componentes para comprender os mecanismos biológicos da vida e a patologia (Canguilhem, 1966). Quanto às ciências humanas, elas objetivam compreender o homem na sociedade. A análise se faz sobre os indivíduos em seus grupos e sobre as relações entre os grupos sociais (família, comunidade, sociedade, humanidade). É em torno do indivíduo, como ser social e ser biológico, que se encontram esssas duas esferas de conhecimentos.
Se hoje é largamente reconhecido que o ser biológico e o ser psicossocial interagem (a neuropsicoimunologia, descrevendo os sistemas biológicos de comunicação que existem entre o sistema nervoso central e o sistema imunitário, reforça os trabalhos dos psicólogos e dos psicanalistas sobre os efeitos recíprocos da mente sobre o corpo), ainda não se comprende como o contexto social, em seu sentido mais amplo e em toda sua complexidade, age sobre os indivíduos para melhorar sua saúde, quer dizer, para permitir que a generosidade da vida possa se expressar o mais plenamente possível, e, caso a doença aconteça, possa curá-la (Canguilhem, 1966). Dito de outra forma, sabe-se pouco sobre o que está operando no contexto social. Com efeito, se existem muitos trabalhos sobre os homens e animais mostrando quando se controla por idade, sexo, hábitos de vida que a posição social, o tipo de emprego, o sentimento de controle afetam as funções biológicas, não se sabe, ao inverso, de maneira específica e precisa, que modificações deveriam ser feitas no ambiente social para que ele produza o que é necessário à melhoria de saúde da população.
O esquema da Figura 2, inspirado por Frenk et al. (1994), constitui uma tentativa de explicitar o sentido das relações entre os diferentes fatores que condicionam a saúde da população, de precisar seus níveis de ação e definir as grandes categorias de riscos.
O contexto em nível sistêmico é estruturado pelas relações que existem entre, de um lado, o ambiente físico (condição de higiene, poluição, condições de trabalho, que estão na origem dos riscos ambientais, dos riscos ocupacionais e da difusão de todo tipo de agentes patogênicos) e, por outro lado, o ambiente social. Este último é definido, em uma dada sociedade, em um determinado momento, pela interação entre os valores ou a cultura dessa sociedade e suas modalidades de organização, isto é, sua estrutura econômica, suas instituições políticas e o nível de desenvolvimento da tecnologia. Trata-se do conjunto de instituições e de fenômenos que, de uma maneira muito geral, é a origem da prosperidade da sociedade. Eles estruturam a organização social, os mecanismos de redistribuição da riqueza e definem a estrutura ocupacional, ou seja, a organização da divisão do trabalho. Estas dimensões sistêmicas têm uma influência direta sobre o conjunto de outros fatores que afetam a saúde. Trata-se primeiramente das condições de vida que se materializam pelas condições de acesso aos diferentes bens e serviços consumidos pelas famílias e indivíduos (as diferenças de acesso a diferentes bens e serviços privados e públicos e os efeitos de seu consumo sobre a saúde formam o conjunto de riscos sociais). Como segunda dimensão, há o sistema assistencial, cujo efeito sobre a saúde se materializa pela acessibilidade e eficácia dos serviços preventivos, diagnósticos, curativos e paliativos que ele oferece, quer dizer, por sua capacidade em curar doenças e em manter ou aumentar a competência funcional dos indivíduos e assim contribuir para a saúde da população.
Para que o conjunto desses fatores tenha uma influência sobre a saúde, é preciso que, de alguma maneira, eles atinjam os indivíduos que são simultaneamente biológicos e psicossociais. Pode-se conceber esse conjunto de fatores como se constituindo em um imenso campo de forças positivas e negativas (suporte social, agentes patogênicos, alimentação, stress) que se exerce sobre os indivíduos e suas famílias. A influência dessas forças sobre a saúde depende da resistência biológica da pessoa, que é largamente determinada pela sua bagagem genética e sua idade, seus comportamentos (hábitos de vida), seu senso de coerência e pelos recursos que ela pode mobilizar. As respostas a essas forças manifestam-se, seja por uma desregularização do sistema biológico, ou seja, pela doença, seja pela manutenção do estado de saúde.
A aparição da doença mobiliza os recursos do sistema de cuidados assistenciais, e todo um ciclo de utilização de serviços de saúde se instaura até que a pessoa recupere um funcionamento biológico normal ou ocorra o óbito.
Essa descrição esquemática das relações entre os contextos sociais e a saúde permite, à guisa de conclusão, de fazer as observações seguintes:
O sistema assistencial, que tem como objetivo principal a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e os cuidados paliativos das diferentes doenças dos indivíduos, obedece a uma lógica que é ditada pelos conhecimentos existentes sobre o funcionamento biológico do corpo. Ele é relativamente independente do sistema de saúde em seu sentido mais amplo e não pode certamente ser tido como o responsável pelo nível da saúde da população e das desigualdades de saúde entre diferentes grupos dessa população.
A complexidade das relações existentes entre o contexto social e a saúde é tal, que é preciso utilizar com muita precaução o conceito de determinantes da saúde. Pode-se levar a crer que existe uma função de produção da saúde que a pesquisa permitiria definir. Seria então possível encontrar uma combinação 'ótima' dos fatores determinantes da saúde e propor políticas que deveriam otimizá-la (Stoddart, 1995). Isto é declaradamente não só ingênuo, mas também profundamente perigoso. Haveria o risco de aumentar a desigualdade de acesso ao sistema assistencial de saúde com o corte das despesas públicas destinadas ao setor sob o pretexto que ele não contribui para a saúde da população. Em não se investindo nos programas que visem reduzir os riscos sociais cujos efeitos sobre a saúde não podem se manifestar que a longo prazo e sobre os quais é muito difícil intervir, há conseqüentemente um crescimento das disparidades entre as diferentes camadas da população, o que, então, a médio e longo prazo, afeta negativamente sua saúde.
A saúde e a doença são duas entidades que não podem ser quantitativamente comparaveis. Há entre estes dois estados uma diferença qualitativa (Canguilhem, 1966), isto é, não há unidade de medida que permita apreciar uma em função da outra. Elas estão, na sociedade, em uma situação paradoxal. Não se pode escolher uma em detrimento da outra. É preciso encontrar meios para simultaneamente promover a saúde e cuidar das doenças. A idéia de que é possível arbitrar entre o tratamento das doenças e a promoção da saúde da população repousa sobre um postulado econômico que diz, em última análise, que é em função dos ganhos de bem-estar de cada indivíduo que é preciso fazer as escolhas. Não obstante sua elegante simplicidade, esse postulado não traz muito progresso ao debate e abre caminho para novas questões: Bem-estar de quem? Medir como? Por quem? Na medida em que, em nossas sociedades, a saúde e o tratamento das doenças são considerados como direitos, somos obrigados a reconhecer que cabe ao Estado, considerando-se sua responsabilidade, tomar uma decisão em função não mais das preferências de cada indivíduo, mas levando em conta o bem coletivo. O conceito de bem-estar individual não é então de grande valia, pois o que está em causa é a capacidade do Estado em implantar e fazer funcionar dispositivos equitáveis e eficientes da distribuição de recursos.
A melhoria da saúde pela implantação de intervenções visando às diferentes categorias de risco ilustradas na Figura 2 baseia-se em uma nova compreensão de determinantes da saúde. Esta compreensão só poderá emergir se um verdadeiro diálogo se estabelecer entre as ciências humanas e as ciências da vida (Figura 1). Este diálogo, para ser portador dessa nova compreensão, não poderia deixar de ser perturbador, incômodo; ele supõe que os pesquisadores de cada disciplina repensem os fundamentos de seus trabalhos, que eles aceitem trabalhar com outros métodos, que encarem horizontes temporais diferentes e conseqüentemente que modifiquem a maneira de conceber os fenômenos que estudam.
Referências
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