Suely Rozenfeld


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Paulo Barragat

 

Os comentários do Prof. Barragat enriquecem este debate com a sua larga experiência no campo da produção farmoquímica e no Conselho Consultivo da CEME. Tenho estado atenta ao efeito danoso dos produtos ineficazes, e também dos produtos eficazes usados inadaquadamente, como é o caso da talidomida, cuja múltipla eficácia o professor aponta: sedativo, anti-emético e poderoso anti-inflamatório. Já na década de 1970, apresentei um caso de má-formação congênita dos membros suspeita de ter sido ocasionada pela talidomida (Rozenfeld, 1974); posteriormente, na elaboração de um guia terapêutico, fiz constar extensos quadros onde aparecem os fármacos que podem produzir más-formações congênitas, os que quando administrados às mães podem atingir o feto e o recém-nascido, bem como aqueles que são contra-indicados durante a lactação (Rozenfeld & Pepe, 1992).

Atualmente, com a expansão do uso da talidomida para os indivíduos portadores de AIDS, a implantação de um sistema de monitoramento de reações adversas daria uma contribuição inestimável, funcionando como um verdadeiro observatório para registro de casos nacionais e para o desencadeamento de ações voltadas para a redução da prevalência dos mesmos.

 

Jorge Bermudez

 

Uma das decisões mais relevantes no campo da regulamentação dos medicamentos, tomada pelo Ministério da Saúde em 1993, com a participação do Prof. Bermudez, foi a edição do Decreto 793, que estabelece a obrigatoriedade de utilizar a denominação genérica em destaque, com relação aos nomes de marca. Creio mesmo que a sua importância ­ como a de muitas medidas legais no campo da regulamentação e da fiscalização ­ reside em grande parte nas mudanças culturais que podem provocar, independentemente do seu cumprimento pelos fabricantes. É interessante lembrar que, na década de 1980, o anúncio de que os sucos de frutas apresentavam teores de dióxido de enxofre acima do preconizado nas normas, fez praticamente desaparecer algumas indústrias produtoras. Infelizmente, os dados de consumo de medicamentos não são disponibilizados para a sociedade, mas é de se supor que algo semelhante ocorra. A discussão dos problemas e das alternativas relacionados aos medicamentos, a revisão crítica das relações individuais e coletivas que são estabelecidas com os fármacos, assim como o seu valor simbólico, são ações que podem contribuir tão poderosamente para a mudança de hábitos como as próprias mudanças nas bulas e nas embalagens.

Compartilho com o Professor Bermudez o otimismo quando à futura e breve construção de um modelo de atenção à saúde que possa resgatar os conceitos de eqüidade, universalidade e resolutividade que a legislação assegura. Compartilhamos, com diferenças de tonalidade, um certo pessimismo com relação às medidas tomadas após o desastre da talidomida no Brasil. Enquanto em vários países as legislações tornaram-se mais restritivas e os organismos internacionais investiram na difusão de políticas mais agressivas, no Brasil consolida-se um sistema de vigilância sanitária cartorial que, ademais, vem sofrendo nos últimos anos, algumas investidas rumo à desregulamentação. Entretanto, alguns trabalhos acadêmicos vêm dando conta de que essa área tem evoluído com movimentos nem sempre lineares, contraditórios e que, dependendo do período, podem pender para o lado da defesa ativa dos interesses dos consumidores (Souto, 1996; Costa, 1998).

 

Maurício Gomes Pereira

 

Embora um sistema de vigilância pós-comercialização necessite a construção de um banco de dados, como afirma o Prof. Pereira, penso que tal construção é parte integrante do próprio processo de criação do sistema, e não um pré-requisito para o funcionamento do mesmo. A grande variedade de métodos e técnicas de vigilância pós-comercialização disponíveis permite que se vá coletando informações, por exemplo, através de notificação espontânea de reações adversas, lado a lado com o desenvolvimento de estudos observacionais bem desenhados, ou ainda de estudos de utilização que empreguem informações geradas em unidades de atenção médico-sanitárias, em municípios, em regiões ou ainda em sistemas de atenção fechados, tais como os planos de saúde de grandes empresas.

Combinar as várias estratégias possíveis não exige necessariamente grande quantidade de recursos financeiros, mas requer criatividade e persistência, inclusive, para ampliar os espaços institucionais disponíveis para tais práticas.

 

Gil Sevalho

 

Quando o Prof. Gil Sevalho traz para o debate as articulações entre a Vigilância Sanitária e a Vigilância Epidemiológica, ele está se colocando na crista de uma vaga altamente inovadora em termos teóricos e no campo das práticas de saúde pública. Nela, encontram-se trabalhos acadêmicos recentes na linha das análises históricas de políticas públicas (Waldman, 1991; Costa, 1998) e também experiências ligadas à rede de serviços de saúde ancoradas na epidemiologia e no direito sanitário (OPS, 1994; SMS, 1992)

Com relação à limitação do campo da Farmacovigilância à detecção dos efeitos do uso dos fármacos, excluindo os chamados estudos de utilização, penso que mais do que uma questão de classificação, trata-se de um dilema conceitual. Abordei brevemente este aspecto num trabalho recente (Rozenfeld, 1997) onde sustento a posição de manter tal exclusão; isso porque entendo a farmacovigilância como campo da epidemiologia e portanto sujeito à sua (dela) própria definição: estudo da distribuição e dos determinantes dos agravos à saúde em populações humanas. Estudos de custos da assistência farmacêutica, análises antropológicas, estudos de prescrição e muitos outros estariam enquadrados como estudos de utilização. É desnecessário dizer que não há ordem hierárquica de importância entre ambos e que, na prática investigatória, eles costumam aparecer complementando-se.

 

Eduardo Navarro Stotz

 

A vertente abordada pelo Prof. Stotz agrega uma nova dimensão ao debate, tendo como foco a concepção do Sistema de Farmacovigilância como sendo de base farmacológica exclusiva, ancorado em associações bipolares e encerrado em órgãos administrativos. No entanto, as práticas atuais não sustentam essa visão; em primeiro lugar, porque o princípio que norteia as práticas investigatórias é o da multicausalidade e portanto variáveis ligadas aos indivíduos, sejam elas demográficas, relacionadas a comportamentos ou ainda ao estado de saúde devem ser consideradas; além disso, o ambiente universitário onde se desenvolvem os centros de farmacovigilância permitem não apenas o convívio com uma atitude crítica permanente, como também tornar o debate permeável a amplos segmentos sociais. A experiência do Conselho Federal de Farmácia na implantação de uma rede de centro de informações sobre medicamentos é relevante nesse sentido.

Está claro que esses centros atuam tendo como parâmetro a racionalidade médico-terapêutica alopática, ocidental e contemporânea e que há incontáveis caminhos para questioná-la.

Mas a tradição cultural de cada país, assim como as características dos grupos envolvidos determinarão o caráter mais ou menos abrangente e a profundidade do conteúdo crítico dos centros de farmacovigilância. Para ilustrar: o debate em torno das possíveis más-formações congênitas resultantes do uso do misoprostol, a partir dos estudos farmacoepidemiológicos desenvolvidos pelo GPUIM na Universidade Federal do Ceará, levou à reflexão sobre a hipocrisia de uma sociedade que ainda considera o aborto provocado como uma prática criminosa. A discussão sobre as valvulopatias resultantes do uso de anorexígenos pode colocar na pauta os conceitos socialmente construídos de beleza e de saúde, e o registro e verificação da associação entre o uso de Viagra e óbitos em homens pode acender o debate sobre a sexualidade masculina.

 

Helena Lutéscia Luna Coelho

 

Os estudos e as ações no campo da Farmacovigilância em nosso país, têm sido episódicos e localizados. Iniciativas de âmbito nacional e programas permanentes de ensino e pesquisa são raros. Entretanto, as condições para reverter este quadro estão dadas: a Portaria SVS no 40/95, objeto do texto em discussão, aliada a iniciativas concretas, tais como, a criação do GPUIM, que vem coletando reações adversas notificadas espontaneamente, são prova incontestável de que o panorama tende a mudar.

A grande dificuldade para ampliar o alcance desses estudos consiste, a meu ver, no escasso apoio político-institucional, bem como na cultura hegemônica, alimentada pela indústria farmacêutica, segundo a qual, o arsenal terapêutico disponível inexoravelmente está voltado para a cura, desconsiderando os aspectos econômicos que movem a produção do setor. Por esta razão, a ausência de dados sobre utilização é evidentemente um obstáculo, como assinala a Prof. Helena Lutéscia. No entanto, ele pode ser contornado através do uso de métodos que permitem aproximações, tais como a estratégia de casos e controle ou o estudo em populações delimitadas, nos quais seja possível estimar, com rigor, as prevalências de uso de medicamentos.

Quanto ao caso do misoprostol, conforme referido no texto, trata-se de um estudo que deve ser mencionado com destaque na produção científica do campo.

 

José Augusto Cabral de Barros

 

O texto apresentado para debate consiste numa revisão de alguns tópicos relevantes para a abordagem da Farmacovigilância, num contexto de análise conjuntural. Nesse sentido, procurei realçar aquilo que tem sido, na minha reflexão, a chave para permitir um salto na qualidade das políticas públicas do país, na área de medicamentos. Trata-se da implantação de um Sistema de Monitoramento de Reações Adversas, mergulhado num ambiente de difusão de informações sobre medicamentos para os profissionais e para os usuários. Sendo assim, apenas mencionei os estudos observacionais, sem descrever seus métodos e técnicas, disponíveis nos textos de epidemiologia, e citei alguns estudos realizados no Brasil (Fuchs et al., 1977; Koifman et al., 1987; Fonseca et al., 1991; Rozenfeld, 1997). Claro está que os sistemas de monitoramento funcionam basicamente como sistemas de alerta, mas não permitem quantificar os riscos, o que só pode ser feito com metodologia apropriada.

Por isso, agradeço os comentários do Prof. Cabral de Barros e reconheço a necessidade de mencionar, que ele apropriadamente assinala, no campo da Farmacovigilância, os estudos transversais de casos e controles e os de coortes, além de outros métodos próprios da área de medicamentos, tais como o Prescription Events Monitoring.

 

COSTA, E. A., 1998. Vigilância Sanitária ­ Defesa e Proteção da Saúde. Tese de Doutorado, São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.

OPS (Organização Pan-Americana da Saúde), 1994. Planejamento e Programação Local da Vigilância da Saúde no Distrito Sanitário. Brasília: OPS.

ROZENFELD, S., 1974. Apresentação de um caso recente de síndrome talidomídica em decorrência de sua utilização em pacientes com lepra. In: Anais do XX Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Genética. Recife.

ROZENFELD, S. & PEPE, V. L. E., 1992. Guia Terapêutico Ambulatorial. Rio de Janeiro: Abrasco/Artes Médicas.

ROZENFELD, S., 1997. Reações Adversas aos Medicamentos em Mulheres da Terceira Idade ­ as Quedas como Iatrogenia Farmacoterapêutica. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

SMS (Secretaria Municipal de Saúde), 1992. Vigilância à Saúde: a Experiência de Natal. Natal: SMS.

SOUTO, A. C., 1996. Saúde e Política. A Vigilância Sanitária no Brasil:1976-1994. Dissertação de Mestrado, Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia.

WALDMAN, E. A., 1991. Vigilância Epidemiológica como Prática de Saúde Pública. Tese de Doutorado, São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.

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