ARTIGO ARTICLE |
Paulo Capel Narvai 1 | O sistema de saúde e as políticas de saúde na produção científica odontológica brasileira no período 1986-1993 The national health system and health policies in the Brazilian dentistry literature, 1986-1993
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1 Departamento de Prática de Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo 715, São Paulo, SP 01246-904, Brasil. pcnarvai@usp.br | Abstract The Brazilian scientific literature on social and preventive dentistry from 1986 to 1993 was identified and analyzed to verify whether themes of papers referred to health policy and the national health system. Published scientific articles were used as the unit of analysis for the study. An analytical survey was conducted considering the following variables, amongst others: author's institutional affiliation; author's title; author's areas of interest; type of research; type of article; and research funding sources. Articles reviewed were published between the First and Second National Oral Health Conferences. There were 386 articles published in 19 journals, by at least 866 authors. More than 75% of the studies came from public universities. RGO was the largest publisher in this field, followed by Revista da APCD. Original articles accounted for 56.7% of the studies, while 30.3% were reviews and essays. The majority of the authors were from the State of São Paulo. Male writers predominated. A "quantitative deficiency" was identified, since scientific production remained below 50% of its potential. Health policy was considered a specific issue in only 3 articles (0.8%) while 7 (1.8%) discussed the national health system. Key words Public Health Dentistry; Preventive Dentistry; Health System; Health Policy Resumo A produção científica brasileira na área de odontologia preventiva e social, no período 1986-1993, foi analisada para verificar a ocorrência de temas relacionados às políticas de saúde e ao sistema de saúde. Artigos em revistas científicas brasileiras serviram como indicadores dessa produção. Realizou-se um survey para conhecer a origem institucional dos autores, suas titulações e preocupações temáticas, os tipos de pesquisas realizadas, as modalidades de artigos delas decorrentes e as fontes de financiamento. Foram analisados 386 artigos em 19 periódicos. Mais de três quartas partes da produção tiveram origem na universidade pública. RGO foi o periódico que mais publicou. Dos textos, 56,7% eram artigos originais. Revisões de literatura e ensaios somaram 30,3%. Mais da metade dos autores atuavam em São Paulo. O sexo masculino predominou. Política de saúde foi tema específico em 3 artigos (0,8%) e sistema de saúde em 7 (1,8%). No crucial período histórico de reconquista e consolidação das liberdades democráticas, em pleno apogeu do processo da Reforma Sanitária, questões dessa ordem não despertaram significativamente o interesse dos pesquisadores científicos brasileiros da área odontológica. |
Introdução
A supressão de direitos e garantias democráticas, que marcaram a cena brasileira entre 1964 e 1988, produziram efeitos em todas as dimensões da vida nacional, notadamente na cultura, sobre a qual se abateu rigoroso controle e implacável censura. Também a produção científica, dimensão particular da vida cultural, se ressentiu da falta de liberdades democráticas. Com a promulgação da Constituição de 1988, o "Estado Democrático de Direito", inscrito no art. 1o da Carta Magna (Senado Federal, 1988), reabriu no meio acadêmico as possibilidades de abordar livremente temas até então, por razões políticas, preteridos ou mesmo evitados (Narvai, 1993). Tal foi o caso de temáticas relacionadas ao sistema de saúde brasileiro e às políticas de saúde aí incluída a saúde bucal.
Entretanto, cessados os constrangimentos e/ou proibições que caracterizaram o período ditatorial, até que ponto, no período imediatamente posterior, os produtores de conhecimento científico se ocuparam desses assuntos? Neste artigo aborda-se essa questão, focalizando o interesse na área odontológica e, mais especificamente, na produção científica no campo da chamada Odontologia Preventiva e Social (OPS). A opção pela OPS decorre do fato de essa área ter como seu objeto prioritário de intervenção social, ensino e pesquisa, as dimensões políticas e sócio-econômicas da prática odontológica (Opas, 1965; CFO, 1993).
Para se compreender o potencial da produção científica nessa área no Brasil, é preciso considerar que o país contava, na segunda metade dos anos 80, com cerca de 80 (oitenta) cursos de graduação em odontologia, em cujos curricula era obrigatório o ensino de OPS (CFE, 1982). Assim, é compreensível a grande expectativa em relação ao trabalho dos docentes dessa área, tanto em relação ao seu papel no ensino quanto em relação à sua produção científica (SES, 1988; Dockhorn & Hahn, 1992; Garrafa & Moysés, 1996), em conformidade aliás com a exigência legal contida na Lei 5.540/68, cujo art. 2o estabelece claramente que o ensino superior é indissociável da pesquisa (Senado Federal, 1968). Também a Constituição de 1988 estabelece (art. 207) que "as universidades (...) obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão" (Senado Federal, 1988).
A finalidade deste artigo, sumário de uma detalhada investigação científica conduzida por Narvai (1997), é contribuir para o conhecimento de algumas características da produção científica na área de OPS no Brasil, bem como dos seus autores, abrangendo o período 1986-1993.
Material e método
A produção científica na área de OPS, tanto a originada na universidade quanto a proveniente dos serviços de saúde, foi identificada e analisada, através de um survey (Salvador, 1970; Ferraz, 1971; Andrade & Noronha, 1972; Perrone, 1972; Ferreira & Ferro, 1983). Para isso foram tomados como unidade de análise artigos publicados em revistas científicas brasileiras, indexadas ou de reconhecida credibilidade entre profissionais de odontologia e/ou de saúde pública/coletiva, os quais foram admitidos como indicadores da referida produção (Minayo, 1992; Quivy & Campenhoudt, 1992; Spínola, 1992).
Foram pesquisados, em conformidade com Louro Filho (1982) e Madeira & Carvalho (1988), os seguintes periódicos: Arquivos do Centro de Estudos do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais; Brazilian Dental Journal; Cadernos de Saúde Pública; Ciência & Cultura; Enciclopédia Brasileira de Odontologia; Estomatologia & Cultura; Odonto Ciência; Odontólogo Moderno; Revista Brasileira de Odontologia; Revista Brasileira de Saúde Escolar; Revista da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas; Revista da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia; Revista da Faculdade de Odontologia de Porto Alegre; Revista de Odontologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho; Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo; Revista de Saúde Pública; Revista Odontológica do Brasil Central; Revista Paulista de Odontologia; RGO; Saúde em Debate.
Os artigos (diferentes modalidades de texto) foram classificados como artigo original, artigo de divulgação, revisão de literatura, relato de caso clínico, ensaio, relato de experiência, ou estudo de caso. As informações relativas a cada artigo foram registradas num instrumento especialmente desenvolvido para esse fim e, em seguida, inseridas em banco de dados criado no software Epi Info, versão 5.01b, de domínio público, desenvolvido em conjunto pelo Centro de Controle de Doenças de Atlanta, Estados Unidos, e pela Organização Mundial de Saúde.
Foram colhidas informações relativas à origem institucional e geográfica dos autores sobre as temáticas predominantes, os periódicos, as fontes de financiamento e os tipos de pesquisas das quais resultaram os artigos. Buscou-se, também, identificar os artigos que resultaram de pesquisas desenvolvidas no âmbito de cursos de pós-graduação e que, portanto, estavam relacionados com dissertações ou teses.
O período estudado foi delimitado entre a I e a II Conferência Nacional de Saúde Bucal realizadas, respectivamente, em outubro de 1986 e setembro de 1993.
Os procedimentos metodológicos incluíram a elaboração do instrumento para registro de dados, preparação de banco de dados, localização dos periódicos de interesse em bibliotecas nos municípios paulistas de São Paulo, São Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes, São José dos Campos, Bragança Paulista, Campinas e Piracicaba, leitura e fichamento de cada artigo e manipulação e análise de variáveis.
Resultados
Foram analisados 386 artigos, publicados em 19 das 20 revistas pesquisadas (apenas Ciência & Cultura não publicou nenhum artigo de OPS), localizadas em 14 bibliotecas. Nos 386 artigos foram registradas 866 autorias, número que corresponde a um mínimo de autorias, uma vez que se levou em conta apenas o registro dos três primeiros autores.
O conjunto da produção da área de OPS no período estudado é, do ponto de vista quantitativo, modesto, uma vez que, admitindo-se pelo menos dois docentes vinculados às disciplinas de OPS nos cerca de 80 cursos referidos anteriormente, ter-se-iam 160 docentes. Então, apenas nesse segmento dos produtores vinculados às instituições formadoras de recursos humanos seriam 160 autores potenciais.
Segundo Vianna (1987), a produção média, nas diferentes áreas de concentração, dos cursos de pós-graduação em odontologia, medida por publicação ("publicação" inclui cursos, livros, artigos etc.), é de 0,45 publicação por ano. Se aceita-se essa referência quantitativa, a expectativa de produção na área de OPS pelos autores potenciais seria de 576 "publicações" em 8 anos. Considerando porém que parte dessa produção pode ter sido publicada em periódicos não incluídos na amostra utilizada nesta investigação (periódicos estrangeiros, revistas científicas dirigidas a segmentos especializados e, em menor parte, livros e cursos), pode-se admitir que 576 é um número superestimado. Entretanto, considerando que autores com outras vinculações (odontopediatras e periodontistas, p. ex.) vêm tendo participação na produção científica cujos temas são identificados como próprios à área de OPS, não seria exagero esperar cerca de 800 artigos publicados no período considerado para estudo.
Assim, observa-se que a produção efetiva (386 artigos) foi inferior a 50% do potencial da área. Deve-se considerar ainda, para esta afirmativa, que Vianna (1987) caracterizou como "baixa" a produção de 0,45 publicação/autor/ ano, referindo centros de pós-graduação com desempenho de 1 e até mesmo 2 publicações/ autor/ano. Em conseqüência, a produção na área de OPS está abaixo da média obtida para o conjunto das áreas, a qual (0,45) já é tida como "baixa".
Os periódicos
Os periódicos apresentaram diferenças marcantes quanto à opção de publicar artigos relativos à odontologia preventiva e social, conforme se observa na Figura 1. RGO liderou com 106 artigos (27,5%), seguida pela Revista da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (RAPCD) com 53 artigos (13,7%). Odontólogo Moderno (OM) apareceu na terceira posição com 42 artigos (10,9%). Em quarto lugar está a Revista Brasileira de Odontologia (RBO) com 29 artigos (7,5%). A Revista Paulista de Odontologia (RPO) e a revista Saúde em Debate (RSD) publicaram, ambas, 28 artigos (7,3% do total). Em conjunto as demais revistas publicaram 100 artigos (25,8%).
Os autores
As autorias dos artigos foram, por ampla maioria, de profissionais vinculados a instituições universitárias públicas. De um total de 866 autores, 658 (76,0%) apresentaram essa característica. Foram 59 as autorias vinculadas a instituições universitárias privadas, correspondendo a 6,9% do total. Apenas 95 autores (10,9%) registraram vínculo institucional com serviços de saúde, dos quais 81 (9,3%) com serviços públicos e 14 (1,6%) com serviços privados. Em 4,7% dos casos (41) não foi possível identificar a origem institucional das autorias (Tabela 1).
Quanto à titulação dos autores, observa-se (Tabela 2) que há uma relativa homogeneidade na distribuição das diferentes titulações, oscilando em torno de 5 a 10% para cada categoria. Merecem destaque, entretanto, as categorias de titular e de mestre. Verifica-se que os titulares aparecem mais como segundo (8,8%) e terceiro (11,4%) autor, do que como primeiro autor (5,7%). Os mestres, ao contrário, aparecem mais como primeiro autor (9,3%) do que como segundo (3,0%) ou terceiro autor (1,6%). Essa característica da distribuição dos autores segundo sua titulação pode ser explicada pela tendência de titulares participarem como co-autores em trabalhos resultantes de pesquisas nas quais atuaram como orientadores e de mestres publicarem artigos resultantes de pesquisas relacionadas aos seus estudos de pós-graduação. Com efeito, observa-se que dos 22 artigos em que titulares aparecem como primeiro autor, em 14 (63,6%) não há relação com dissertação/tese e em 7 (31,8%) não havia suficiente informação no texto. Em apenas 1 artigo (4,5%) havia relação com dissertação/tese. Por outro lado, nos 36 artigos em que o primeiro autor foi apresentado como "mestre", em apenas 6 (16,7%) não havia relação com dissertação/tese.
É pertinente reiterar que, tendo havido produção científica relacionada a algum domínio temático próprio da área de OPS, o(s) autor(es) foi considerado como "da área de OPS", para a finalidade da presente investigação. Esta opção foi feita em virtude de os artigos não apresentarem, na ampla maioria das vezes, informações suficientes para que se pudesse fazer a distinção, individualizando-os (odontopediatras, periodontistas e ortodontistas, p. ex.).
A categoria "outra" inclui uma série de denominações como, por exemplo, "docente", "docente voluntário", "professor", "professor assistente", "professor colaborador", "residente", "pós-graduando", "aluno", "aluno de pós-graduação" e até uma inusitada "professora auxiliar do gabinete dentário". Como tais denominações não informam sobre a titulação do autor tiveram de ser incluídas nessa categoria.
A distribuição segundo o sexo mostrou que a maioria (63,2%) dos autores é do sexo masculino: 547 dos 858 em que foi possível deduzir o sexo a partir dos nomes. Houve casos "Darci", "Noriaki", "Guaracilei" em que isso obviamente não foi possível. Houve diferença, nesse aspecto, quanto a ser primeiro, segundo ou terceiro autor. Os homens registram maior porcentagem (123 = 66,9%) na categoria "terceiro autor". Essa porcentagem diminui para a categoria "segundo autor" (190 = 64,2%) e, mais ainda, para "primeiro autor" (234 = 60,6%).
Quanto à origem geográfica do primeiro autor, 214 dos 386 (55,4%) desenvolvem atividades profissionais no estado de São Paulo. Os estados com menor participação (apenas 1 primeiro autor = 0,3%) foram: Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Piauí. A expressiva participação (55,4%) do estado de São Paulo nessa distribuição é desproporcional à participação dessa unidade federativa no conjunto das instituições universitárias do país com atuação na área odontológica a qual se situa em torno de 30%. Logo, seria de se esperar uma participação menor, compatível com essa proporção. Cabe menção, entretanto, aos incentivos à produção acadêmica existentes no estado de São Paulo, consubstanciados no sistema estadual de universidades públicas e na agência de financiamento de pesquisas do Estado (Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), os quais provavelmente se constituem em fatores relevantes associados à referida liderança paulista.
Com efeito, Carvalho (1995) refere que "em avaliação nacional feita pela Capes no período de 90 e 91, havia 81 cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em odontologia. Destes, 46 tinham conceito A e 21 conceito B. As universidades estaduais de São Paulo respondem por expressiva participação em cursos bem conceituados, respectivamente, 40 e 16 do total."
A discreta participação do Rio Grande do Norte (0,8%) e mesmo do Rio de Janeiro (7,8%) despertam atenção, uma vez que nesses estados existem, em universidades federais, cursos de pós-graduação com área de concentração em Odontologia Preventiva e Social, sendo lícito, portanto, esperar um maior número de publicações com origem nesses estados. Os dados revelam, em síntese, que permanece atual e pertinente a diretriz contida no Relatório Final da I Conferência Nacional de Saúde Bucal (CFO, 1986) indicando a necessidade de "Descentralização na aplicação de recursos para a pesquisa."
Os artigos
Apenas 34 dos 386 artigos analisados (8,8%) relacionaram-se com certeza, de alguma forma, com estudos de pós-graduação, originando-se de dissertações de mestrado ou teses de doutoramento. Em 189 artigos (49%) não foi possível saber se tiveram alguma relação com estudos nesse nível pois os autores não fizeram qualquer referência às pesquisas que deram origem aos artigos. A omissão desse tipo de informação constitui obstáculo importante a qualquer tipo de avaliação. Por melhor que seja, não há como um instrumento de avaliação possa ser útil nesses casos. De qualquer forma, mesmo subestimada, a porcentagem de 8,8% indica modesta participação de publicações originadas em centros de pós-graduação.
Cabe reiterar todavia que, conforme mencionado anteriormente, a baixa porcentagem de artigos relacionados ao ensino de pós-graduação acompanha uma tendência observada no conjunto da produção científica no campo da odontologia não sendo, portanto, uma característica específica da área de OPS. Vianna (1987) observou que, em 1985, o Brasil contava com 52 cursos de pós-graduação em odontologia (39 em nível de mestrado e 13 em nível de doutorado), os quais formavam, anualmente, em média 130 mestres e 20 doutores. Segundo o autor, menos da metade das publicações científicas (artigos, livros, cursos e outras formas de comunicação científica) tinham origem nesses 52 cursos de pós-graduação. Vianna concluiu que a produtividade é baixa, tomando como referência a média geral de todas as áreas: 85% da produção científica têm origem em cursos de pós-graduação.
Ainda que as características da área de OPS a tornem distinta das demais quanto ao tipo de conhecimento científico-tecnológico a ser produzido (enfatizando menos os aspectos clínico-biológicos e mais os aspectos epidemiológico-sociais), e ainda que essas características encontrem nos serviços de saúde um locus privilegiado à produção de conhecimentos, apenas 10,9% dos autores de artigos se originaram nos serviços, conforme mencionado anteriormente. É oportuno assinalar, entretanto, que mesmo com essa pequena participação nas autorias, os artigos originados nos serviços (33 = 8,5%) superaram, em quantidade, os com origem na universidade privada (26 artigos = 6,7%).
Dentre os artigos examinados, 41 (10,6%) eram revisões de literatura. Admitindo-se que esse tipo de artigo é, geralmente, uma simples sistematização de algum tema de interesse, atualizando-o, pode-se considerar elevada essa porcentagem. Outra porcentagem alta se refere aos ensaios. Este tipo de texto ocorreu em 76 dos 386 artigos correspondendo a 19,7%. Juntos, revisões de literatura e ensaios somaram 30,3% do total. Pouco mais da metade dos textos (56,7%) corresponderam à categoria artigo original.
As pesquisas
As pesquisas do tipo survey são as mais freqüentes na área de OPS, correspondendo a 31,1% do total, conforme se observa na Tabela 3. O quasi-experimento é a categoria líder com 16,6%, seguida pelo survey analítico com 16,3%. Os experimentos somaram apenas 7,2%, confirmando a pequena inclinação dessa área para a investigação em condições de laboratório.
A expressiva porcentagem (38,9%) que recai sobre a categoria "outro" na Tabela 3 deve-se, conforme mencionado anteriormente, à elevada proporção de artigos do tipo ensaio, relato de experiência e revisão de literatura, os quais não resultam de uma única e específica pesquisa
Financiamento
Em 363 (94%) dos 386 artigos não é possível obter qualquer informação sobre a origem dos recursos empregados nos estudos que levaram à sua elaboração e publicação. Essa característica do material estudado deve ser posta em relevo pela sua importância. O que significa? Os autores não consideram importante registrar no artigo a(s) fonte(s) dos recursos utilizados? Os estudos que dão origem aos artigos são custeados pelos próprios autores, portanto com dispêndios pessoais? Pesquisar e publicar não são atividades devidamente valorizados nas suas instituições e, por essa razão, não se deve mencioná-las? Seria a atividade de pesquisa secundária, paralela e até mesmo prejudicial ao desenvolvimento de outras atividades, essas sim "importantes"? Ou, simplesmente, essa informação é considerada sem importância, havendo registro apenas quando exigida pelas agências financiadoras? Tais interrogações emergem como questões a serem exploradas em outras investigações. Segundo Carvalho (1995) "na área de saúde bucal a demanda por auxílios à pesquisa é relativamente pequena (...) na Fapesp, em 1992, representou 0,88% e em 1993 eles corresponderam a 1,29% do total de auxílios concedidos."
Os temas
Os temas dos artigos foram categorizados de modo que fosse possível classificá-los segundo grandes agrupamentos temáticos, aqui denominados domínios. Esse tipo de abordagem permitiu que cada artigo fosse incluído no mínimo em um e no máximo em três domínios, de tal forma que seu conteúdo fosse apreendido o mais amplamente possível através dessa estratégia quantitativa, permitindo, assim, a construção de um painel temático representativo dos trabalhos analisados. Além disso, cada artigo foi identificado segundo o tema predominante. Esse recurso metodológico permitiu a identificação dos artigos cujos temas específicos se referiam à política de saúde e ao sistema de saúde.
Houve hegemonia do domínio "Prevenção de Doenças Bucais Sistemas de Prevenção" no qual foram classificados 173 artigos. Isto significa que a temática da prevenção esteve presente, de modo relevante (domínios 1 ou 2 ou 3), em 44,8% dos 386 artigos examinados, predominando (domínio 1) em 112 (29,0%). Vale destacar, também, o domínio temático "Epidemiologia Processo Saúde/Doença", com 149 artigos (38,6% dos 386 artigos) e predominância (domínio 1) em 80 (20,7%).
Levando-se em conta as 802 inserções em domínios distintos (no mínimo uma; no máximo três por artigo) observa-se que a produção científica abrangeu, de alguma forma, as diferentes dimensões da área de OPS. A ênfase nos domínios da prevenção e da epidemiologia são plenamente justificáveis, tendo em vista o papel nuclear que exercem na área.
Apenas 3 artigos se ocuparam, direta e especificamente, de temas relacionados às políticas de saúde, abordando iniciativas do poder público que implicavam intervenção no campo da saúde bucal, a saber:
Selantes e flúor em saúde pública: considerações sobre o "Programa Nacional de Controle da Cárie Dental com Uso de Selantes e Flúor" (Botazzo et al., 1989);
Emergência das políticas de saúde bucal no Brasil: uma análise do período 1923-1973 (Vianna, 1989);
Sobre a oportunidade de fluoretação do sal no Brasil: a modernidade do atraso (Neder & Manfredini, 1991).
Além desses, em 32 outros artigos as temáticas relacionadas às políticas de saúde estavam, de alguma forma, presentes mas não eram o assunto predominante.
Ainda que temas relacionados aos sistemas de saúde coletiva, ao acesso e aos programas de saúde ou ao financiamento tenham aparecido em 14 artigos, o sistema de saúde foi tema específico em 7, a saber:
Constituinte e a participação da odontologia (Barbosa, 1986);
Estrutura da prestação de serviços do setor público em odontologia no município de Salvador: um diagnóstico tendo em vista as ações integradas de saúde (Vianna & Souza, 1986);
Relacionamento entre padrões de doença e serviços de atenção odontológica (Pinto, 1989);
A saúde bucal e a municipalização da saúde (Cordón, 1991);
A aplicação do SUDS na odontologia (Harari & Groisman, 1992);
Cidadania, saúde bucal e o SUS (Barbosa, 1993); Saúde bucal e cidadania (Garrafa, 1993).
Embora referenciados pela problemática do sistema de saúde pode-se observar, pelos títulos, que alguns desses artigos remetem, também, ao domínio das políticas de saúde. Com efeito, todos estão classificados também neste domínio temático (como domínio 2 ou domínio 3). Os artigos de Cordón (A saúde bucal e a municipalização da saúde) e de Garrafa (Saúde bucal e cidadania), por exemplo, abordam questões sem dúvida relacionadas com a política de saúde. Nesta classificação, entretanto, foram considerados mais afetos à criação, implantação e desenvolvimento do SUS.
Foi também significativa a porcentagem de artigos relacionados aos produtos odontológicos de uso doméstico. O conjunto "escova + fio dental + dentifrício + evidenciador de placa" correspondeu a 6,5% do total dos artigos. Nesse conjunto, as escovas de dentes contribuíram com 2,8%, revelando a crescente importância que os pesquisadores vêm atribuindo a esse tipo de produto.
Considerações finais
As informações apresentadas indicam que, do ponto de vista quantitativo, a produção científica sobre política de saúde e sistema de saúde ficou aquém das potencialidades da área de OPS assim como ficou aquém do potencial o conjunto da produção científica dessa área. As características dessa produção no período estudado, considerada nessa dimensão quantitativa, expressam importante debilidade que põe em relevo dificuldades, inclusive de ordem financeira, mas também teórico-metodológicas, para o desenvolvimento desse campo de conhecimentos e práticas. Em conseqüência, ressalvada a possibilidade de alguma contribuição de alta relevância no interior da referida pequena produção, e admitida a relação dialética entre quantidade e qualidade, os resultados obtidos indicam a necessidade de imprimir maior dinamismo à produção científica na área de odontologia preventiva e social voltada, entre outras, às temáticas da política de saúde e do sistema de saúde, com vistas à produção dos conhecimentos necessários à superação do quadro atual de saúde bucal no Brasil. Isto porque, no crucial período histórico de reconquista e consolidação das liberdades democráticas, em pleno apogeu do processo da Reforma Sanitária, as questões relacionadas às políticas de saúde e ao sistema de saúde não despertaram, de modo significativo, o interesse dos pesquisadores científicos brasileiros da área odontológica.
Recomendação
O conhecimento sobre a produção científica na área de OPS no período 1986-93 constitui subsídio útil tanto aos produtores quanto aos usuários dessa produção, contribuindo para a reorientação da pesquisa e do ensino nessa área, tanto no âmbito da formação quanto no da educação permanente. Espera-se que a universidade, os centros de pesquisa, e as agências de fomento científico possam se valer das informações aqui apresentadas para redefinirem as diretrizes do trabalho que desenvolvem.
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