NOTA RESEARCH NOTE


 

 

 

 

 

Giovanini Evelim Coelho 1
João Batista F. Vieira 2
Marco Tulio A. García-Zapata 3
Joana Claudete M. Schuertz 4


Identificação de áreas de estratificação epidemiológica no foco de oncocercose na região Yanomami, Roraima, Brasil

Identifying areas of epidemiological stratification in an onchocerciasis focus in Yanomami territory, Roraima, Brazil

 


1 Gerência Técnica de Endemias Focais, CCDTV/Fundação Nacional de Saúde. SAS quadra 4, bloco N, sala 719, Brasília, DF 709058-902, Brasil.
2 Coordenação Regional
da Fundação Nacional de Saúde. Av. Santos Dumont 1856, Fortaleza, CE, 60150-160, Brasil.
3 Instituto de Patologia Tropical e Saúde
Pública, Universidade Federal de Goiás. C. P. 12911, Goiânia, GO 74643-970, Brasil.
4 Coordenação Regional
da Fundação Nacional de Saúde. Av. Ene Garcez 1636, Boa Vista, RR 69304-000, Brasil.
  Abstract In this paper, aimed at suitable planning, analysis, and follow-up of treatment, control, and eradication in a human onchocerciasis program, were studied 27 geographic areas and examined 3,974 inhabitants. Four epidemiological areas with different prevalences were identified and stratified.
Key words Onchocerciasis; Onchocerca volvulus; Ivermectin; South American Indians; Epidemiology

Resumo No presente trabalho, visando a um adequado planejamento, análise e acompanhamento do Programa de Tratamento, Controle e Eliminação da Oncocercose Humana no Brasil, foram estudadas 27 áreas geográficas e examinados 3.974 indivíduos. Assim, foram identificadas e estratificadas quatro áreas epidemiológicas, tendo por base as prevalências diferenciadas em cada uma delas.
Palavras-chave Oncocercíase; Onchocerca volvulus; Ivermectina; Índios Sul-Americanos; Epidemiologia

 

 

Introdução e histórico

 

Desde a constatação por Bearzoti et al. (1967), do primeiro caso de oncocercose no Brasil, diversos inquéritos foram realizados para avaliação da prevalência e esclarecimento de sua distribuição.

Os primeiros inquéritos foram realizados na metade da década de 70, e por meio dos trabalhos de Moraes et al. (1974), na região do rio Toototobi, no Estado do Amazonas, confirmou-se a endemicidade da doença, com prevalência de 62,6% em 91 índios Yanomamis examinados. Posteriormente novos inquéritos foram realizados na região de Surucucu, por Moraes & Chaves (1974), sendo encontrada uma prevalência de 47%; na região de Auaris, foram realizados por Rassi et al. (1976) e por Moraes et al. (1977a), com prevalência de 24,5% e 19,5%; na região de Catrimani, com prevalência de 51,4%, e na região de Mucajaí, com prevalência de 10,3%, foram realizados por Moraes et al. (1977b).

Estes inquéritos, embora limitados pelo pequeno número de índios examinados em razão da dificuldade de acesso, concluíram pela presença de maiores índices de prevalência na região dos Yanomamis, particularmente em torno da serra do Parima, fronteira com a Venezuela, decrescendo de forma progressiva para a região periférica, conforme relatos de Moraes et al. (1979).

Com a criação do Programa de Eliminação da Oncocercose nas Américas (OEPA), que conta com apoio dos ministérios da saúde dos países envolvidos (México, Guatemala, Colômbia, Equador, Venezuela, Brasil), tornou-se necessária a padronização de procedimentos a fim de avaliar o impacto da distribuição de Ivermectina na transmissão da doença, estratégia aliás utilizada por todos os programas nacionais.

Posteriormente, com a divulgação do guia: Evaluaciones epidemiológicas de la Oncocercosis en América, OEPA (1996), disponibilizou-se um importante instrumento para que os países iniciassem a adaptação de suas informações.

 

 

Metodologia

 

O território Yanomami no Brasil compreende a grande região montanhosa do maciço das Guianas, divisor de águas entre as bacias dos rios Orinoco e Amazonas (Figura 1).

No Brasil, os Yanomami vivem em aproximadamente 200 comunidades, espalhadas por uma área contínua de 9.419.108 hectares, compreendida entre os paralelos 0,20 S e 5 N e os meridianos 61,15 W e 66,30 W.

No período de 1993 a 1996, a Fundação Nacional de Saúde (FNS/MS), em parceria com o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA/ MCT), realizou amplo inquérito clínico epidemiológico, com os objetivos de atualizar os conhecimentos sobre a distribuição da oncocercose na área Yanomami e de levantar dados de base, prévios às atividades de tratamento que serão desenvolvidas nas áreas endêmicas. Paralelamente, foram realizadas avaliações clínico-oftalmológicas e entomológicas, que serão publicadas em outro trabalho.

O estudo foi desenvolvido em 27 dos 28 pólos-base do Distrito Sanitário Yanomami (o pólo-base Xiriana, considerado "suspeito", não está incluído por encontrar-se em plena fase da realização do inquérito). Em razão das características culturais da população e principalmente em decorrência das dificuldades logísticas e operacionais, o inquérito foi realizado em uma fração da população. Esta fração não foi definida aleatoriamente, mas baseada na apresentação voluntária das pessoas quando da visita da equipe de saúde responsável pelo inquérito.

Neste estudo, para efeito das análises, consideramos somente os pólos-base onde foi examinado um número mínimo de 28 indivíduos, seguindo recomendação do metódo de avaliação epidemiológica rápida proposto pela Onchocerciasis Elimination Program for Americas ­ OEPA.

Na denominação dos pólos-base, foi utilizada a mesma nomenclatura proposta pelo Distrito Sanitário Yanomami em seu último censo (MS, 1997).

Os indivíduos submetidos ao inquérito eram cadastrados em formulários onde coletavam-se informações relativas ao nome, idade, sexo, altura e sobre se tinham presença de nódulos sugestivos para oncocercose. Em seguida, fragmentos de pele da escápula e/ou quadril eram retirados utilizando um esclerótomo tipo holt punch e incubados em solução salina por um período de trinta minutos, sendo imediatamente lidas em microscópio bacteriológico, para observação da presença de microfilárias na pele.

 

 

Resultados

 

Foram examinados 4.138 indivíduos, sendo 3.926 indígenas e 212 não indígenas, estes últimos representados principalmente por funcionários e missionários que trabalhavam na área no momento do estudo.

Do total da amostra, 164 indivíduos que haviam sido examinados foram excluídos pelo fato de não ter sido possível identificar a sua procedência por pólo-base, sendo classificados como de origem indefinida.

 

 

Assim sendo, a distribuição dos estratos segundo níveis de endemicidade, correspondente ao estudo de 3.974 indivíduos, apresentou-se da seguinte maneira:

cinco pólos-base hiperendêmicos, abrangendo 78 comunidades com prevalências maiores que 60%, em Xitei, Tukuxim, Surucucu, Homoxi e Balawaú. seis pólos-base mesoendêmicos, abrangendo 37 comunidades com prevalências entre 21% e 59% em Novo Demini, Paapiú, Palimiu, Parafuri, Toototobi e Alto Catrimani. sete pólos-base hipoendêmicos, abrangendo 57 comunidades com prevalências maior que 0% a 20%, em Aracá, Auaris, Demini, Ericó, São Gabriel (antigo Maturacá), Waikás e Missão Catrimani. nove pólos-base não endêmicos, abrangendo 28 comunidades com prevalência de 0%, em Ajarani, Barcelos (antigo Ajuricaba), Alto Mucajaí, Baixo Catrimani, Baixo Mucajaí, Marari, Santa Izabel (antigo Maruiá), Uraricoera e Padauari. um pólo base suspeito, Xiriana (ainda não concluído), abrangendo 14 comunidades.

 

 

 

 

Discussão e comentários

 

Espera-se que a estratificação, ora descrita, permita um adequado planejamento, análise e acompanhamento do programa de Tratamento, Controle e Eliminação da Oncocercose Humana no Brasil, assim como a padronização dos resultados obtidos entre os países participantes, comparando-os com o OEPA.

Inicialmente, esta estratificação já está propiciando os subsídios necessários para um planejamento racional na definição das comunidades que serão tratadas, em breve, com a Ivermectina.

 

 

Referências

 

BEARZOTI, P.; LANE, E. & MENEZES Jr., 1967. Relato de um caso de oncocercose adquirida no Brasil. Revista Paulista de Medicina, 70:102.         

MORAES, M. A. P.; FRAIHA, H. & CHAVES, G. M., 1974. Oncocercose no Brasil. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, 76:48-54.         

MORAES, M. A. P. & CHAVES, G. M., 1974. Um caso de oncocercose no Território de Roraima, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 16:110-113.         

MORAES, M. A. P.; CALHEIROS, L. B.; PORTO, M. A. S. & SHELLEY, A. J., 1977a. Novas observações sobre o foco de oncocercose do rio Auaris, Território de Roraima. Boletim Epidemiológico da Fundação SESP, 9:13-16.         

MORAES, M. A. P.; CALHEIROS, L. B.; PORTO, M. A. S. & SHELLEY, A. J., 1977b. Oncocercose no Território de Roraima: Resultados das investigações feitas nos rios Mucajaí e Catrimani, em janeiro de 1977. Boletim Epidemiológico da Fundação SESP, 9:119-124.         

MORAES, M. A. P.; SHELLEY, A. J.; CALHEIROS, L. B. & PORTO, M. A. S., 1979. Estado atual do conhecimento sobre os focos brasileiros de oncocercose. Anais Brasileiro de Dermatologia, 54:73-85.         

MS (Ministério da Saúde), 1997. População Yanomami por Pólo-base e Comunidades. Boa Vista: Fundação Nacional de Saúde/Coordenação Regional de Roraima/Distrito Sanitário Yanomami. (mimeo.)         

OEPA (Onchocerciasis Elimination Program for the Americas), 1996. Guía: Evaluaciones epidemiológicas de la Oncocercosis en América. 28 de Junio de 1996. Guatemala: OEPA. (mimeo.)         

RASSI, B. E.; LACERDA, N. & GUIMARÃES, J. A., 1976. Estudio de uma zona de oncocercosis em Brasil: encuesta realizada em residentes locales. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, 80:288-301.         

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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