Margareth Arilha | Debate sobre o artigo de Fernando Zegers-Hochschild Debate on the paper by Fernando Zegers-Hochschild
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ECOS, São Paulo, Brasil. |
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O texto apresentado pelo autor parece se desenvolver tendo como argumento principal o fato de que a biologia estaria preparada para acolher-nos como filhos de uma maneira mais global do que a da reprodução biológica geneticamente determinada. A natureza estaria inclusive mais apta a acolher com mais sucesso embriões produzidos de material genético alheio, do que aqueles gerados de uma fecundação com gametas femininos do corpo onde se daria a gravidez. Considerando esses os argumentos principais, é nessa perspectiva que vejo como relevante fazer algumas considerações.
De fato, o desenvolvimento tecnológico que ocorre hoje no mundo, no campo da reprodução assistida, obriga-nos a pensar a reprodução em patamares diferentes daqueles com que estamos acostumados a trabalhar. No entanto, antes de mais nada, considero oportuno refletir um pouco mais sobre com que definições de reprodução a ciência nos brinda em seus diferentes campos de construção do saber. Evidentemente, a maneira de compreender os fenômenos da reprodução não será a mesma se olharmos para as ciências médicas ou para as ciências sociais, ou então se olharmos para o mesmo campo de produção científica, com lentes epistemológicas e ontológicas diferenciadas.
Assim, não posso concordar com a afirmação de que desde 1978 "a comunidade científica se viu comovida" pela possibilidade de intervir efetivamente no processo reprodutivo humano. Na verdade, a comunidade científica encontrou uma nova maneira de interferir sobre os processo reprodutivos. A interferência sobre processos de fertilidade, seja para impedir a sua concretização, seja para estimular e de certa maneira driblar infertilidades, sempre ocorreu. Trabalhos do campo da demografia, ou da história, indicam que há muito tempo homens e mulheres tentaram interferir sobre processos reprodutivos: na Grécia, Roma, Idade Média, Moderna... até os tempos atuais. Diferentes jogos de força e de poder, o pertencimento a diferentes estratos sociais, diferentes concepções de família, as relações de trabalho, diferentes concepções das relações de gênero, a forma de olhar e significar a infância, bem como a relação de adultos com as crianças, sempre interferiu no processo de construção do sentido em torno da reprodução. São construções sociais e culturais que definiram o modo de compreender a reprodução. Também é uma posição bastante parcial colocar que, somente a partir de 1978, as pessoas puderam começar a participar de maneira consciente em processos reprodutivos.
Na verdade, a reprodução pode ser compreendida apenas tomando-se por base os processos e possibilidades de fecundação; podem-se incluir ou não os processos de desenvolvimento e/ou de não-desenvolvimento de gestações (contracepção, abortos) e problematizá-los, podendo-se incluir ainda uma perspectiva mais ampla de considerar a maternidade e a paternidade inseridas em sociedades bem estabelecidas, em toda sua complexidade, como facetas de processos reprodutivos. Além disso, pode-se também pensar a reprodução sob a perspectiva dos homens e das mulheres envolvidos. Sem dúvida haverá diferenças.
Definições a respeito de quando se é pessoa, ou problemas éticos advindos da doação/destruição de embriões, seleção ou não dos mais aptos, ética do tempo... são todas questões que poderiam ser uma a uma debatidas. Porém, o mais significativo me parece ser enfrentar os dilemas criados pelo argumento principal. Evidentemente não se trata, a meu ver, de pôr em cheque a afirmação 'científica' de que a natureza receberia melhor aqueles embriões formados com material genético distinto, e sim de mostrar como esse é um novo argumento que, no contexto de produção de discursos e argumentos que buscam promover as tecnologias de reprodução assistida, serviria para embasar e tentar disseminar de maneira legitimada os procedimentos científicos. Ora, a grande questão é que, na verdade, a reprodução não existe no imaginário social apenas como procedimentos biológicos. Os processos reprodutivos se desenvolvem na esteira da construção de representações e significados em torno da vida e da morte, em torno das relações de parentesco e dos mitos fundantes de nossas estruturas de relações afetivas e sexuais, que não podem ser desconsiderados. Não basta que a tecnologia possa proceder à produção de seres humanos de qualquer maneira, e a qualquer custo. Essas práticas precisam ser conhecidas e incorporadas pela sociedade, de maneira a poderem fazer sentido numa rede de crenças, desejos e de memórias que possam existir e ser aceitos nas relações humanas. Assim, com os novos desenvolvimentos, trata-se de saber que necessidades temos de pais e mães genéticos, se mulheres desejam oferecer seus corpos como estruturas orgânicas nos quais se processaria o crescimento de embriões, e que implicações de mecanismos de compra e venda tais mudanças poderiam trazer. Penso que não se deve opor ao desenvolvimento tecnológico e considerá-lo nefasto em si. No entanto, caberia-nos aceitar o desenvolvimento tecnológico por um lado e enfrentá-lo por outro, buscando a articulação de uma permanente discussão sobre os desejos e poderes, quer seja nas relações entre pessoas que buscam as tecnologias, quer seja no repensar estruturas jurídicas, antropológicas e psicológicas da maternidade e da paternidade.