Álvaro Petracco | Debate sobre o artigo de Fernando Zegers-Hochschild Debate on the paper by Fernando Zegers-Hochschild
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Centro Clínico PUC, Porto Alegre, Brasil. |
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Em relação ao artigo "Dilemas de la reproducción asistida", do Dr. Zegers, gostaríamos de tecer algumas considerações. Primeiro acreditamos ser de suma importância a discussão dos temas propostos, afinal, as técnicas de reprodução assistida (ART) constituem uma das formas de tratamento mais recentes na história da medicina. Desta forma, muito se teria a discutir apenas por isto. Entretanto, a ART vai muito além, pois questiona aspectos básicos do exercício da medicina. Até que ponto, aquilo que 'pode' 'deve' ser feito? Onde ficam conceitos como autonomia e beneficência? Apenas discutindo estes assuntos delicados é que poderemos vislumbrar o caminho daquilo que é correto.
Em nosso empenho na busca do alívio da infertilidade conjugal, encontramos respostas para questões ainda não formuladas. A sociedade moderna assiste perplexa ao surgimento de novas técnicas, que mal compreende, e se ressente. Busca regulamentar aquilo que ainda não existe. Em geral, a lei sucede ao fato ocorrido, mas aqui, de tão complexas, as dúvidas geram, além de preocupações pertinentes, tentativas de desacelerar o vertiginoso progresso na área da reprodução humana.
Devemos separar aquilo que a mídia nos traz, o sensacionalismo que vende jornais e a ameaça de um 'admirável mundo novo', do real questionamento ético e moral. Não podemos pretender que soluções ou regras eticamente aceitas universalmente sejam moralmente acatadas em cada região do planeta. A formação cultural e religiosa de cada povo irá determinar aquilo que será moralmente aceito naquele grupo. Aqui reside um dos maiores méritos das discussões propostas desde o encontro proporcionado pelo Registro Latino-Americano em La Reñaca, Chile. Ali foi proposta a discussão destes temas tão polêmicos, dentro do âmbito da América Latina, sem apenas importar conceitos ou regras estrangeiras. A cultura latina busca as respostas que lhe são pertinentes.
Gostaríamos de argumentar, mais especificamente, alguns pontos desta discussão proposta pelo Dr. Zegers.
Quando comenta que as taxas de implantação são mais altas quando os concepti são oriundos de doadoras, devemos ter em mente que esta técnica (doação de gametas/oócitos) aplica-se em situações muito especiais. Entre estas cabe destacar a falência ovariana prematura, ou ainda a idade materna avançada. Poucas são as situações em que teríamos que optar entre transferir embriões de boa qualidade da mãe e embriões de doadoras, para permitir esta comparação. Além disto, a transferência em ciclos com hiperestimulação ovariana controlada podem apresentar os inconvenientes dos altos níveis (suprafisiológicos) de estradiol sobre o endométrio. Estas considerações, entretanto, não contradizem a pertinente colocação de que a mulher pode receber embriões que não lhe são geneticamente próprios.
Ao comparar o fim da atividade cerebral, verificada pelo eletroencefalograma, como marco da morte, torna-se difícil entender a contrapartida, pois o início da atividade cerebral ainda é muito pouco entendida. Como aferir o detalhe que nos permite ser conscientes de nossa existência? Será que poderíamos, pelo registro de atividade elétrica cerebral inferir que ali iniciou-se uma vida? Um registro sem atividade elétrica define morte cerebral, o que define vida, ou ainda, uma pessoa?
Muito interessantes as colocações sobre juízos de valor, pois permitem uma análise mais isenta da polêmica referente ao abortamento. Por mais que se aceitem ou refutem aspectos morais relativos à interrupção de uma gravidez, o fato ético e biológico irrefutável é de que uma vida se encerra. Seja ela desejada ou não, vida nascida, potencial como se queira, mas vida.
Em termos de criopreservação, tanto se fala e discute, tantos casos polêmicos já ocorridos, tantos embriões congelados... Será que a solução inglesa, de eliminar determinados embriões, contribui para a solução do problema? O que fazer com os milhares de embriões congelados mundo afora? Teríamos primeiro que entender melhor o que vem a ser um bom embrião, para poder escolher os melhores a transferir. Aspectos morfológicos são uma forma, quando muito, grosseira de se avaliar o potencial de cada embrião. O número de embriões a ser obtido em determinado ciclo de estimulação pode ser estimado, jamais previsto com certeza. Assim, como saber se determinado casal será exposto ao dilema terrível do que fazer com seus gametas excedentes? A lógica que nos guia nem sempre é a dos pais em potencial. Aspectos legais referentes aos direitos (se algum) dos embriões congelados estão longe de serem definidos de forma consensual.
Talvez possamos criar formas de evitar o crescimento do número de embriões congelados na proporção atual. Definir previamente o que será feito com gametas excedentes nem sempre funciona, doar gametas é diferente de doar embriões. Doar gametas (oócitos) pode diminuir as chances de um casal obter uma gravidez em ciclo subseqüente. Por outro lado, o que fazer quando um casal obtém uma gestação no transfer a fresco dos embriões não congelados? Não existe uma resposta fácil. Apenas a esperança de que o estudo da implantação em humanos permita, no mais curto prazo, ter boas taxas de implantação com um único embrião. Desta forma se encerraria um ciclo na história da medicina reprodutiva, o da hiperestimulação ovariana controlada e de oócitos excedentes.
O diagnóstico pré-implantação gera uma série de questionamentos. Entre estes, cabe buscar a definição do que seria um problema que justificasse a interrupção de uma gestação. Casos extremos, com deficiências importantes, que impeçam uma vida de relação podem ser mais fáceis de justificar. Porém, seria a hemofilia uma razão a justificar não implantar um embrião? Como responder ao vermos pessoas socialmente tão importantes como o Betinho?
Tantos outros casos, como o do Dr. Hawkins, gênio da física, desviam-nos do caminho delicado da eugenia. Não existe uma resposta fácil, quando a opção oferecida é a não-existência. Seleção de sexo para que fim? E o que fazer com os embriões do sexo indesejado? Ainda mais nos casos em que são sadios.
Como dito acima, as respostas não são simples ou fáceis, contudo só poderemos alcançá-las se as buscarmos de forma isenta e desapaixonada, procurando entender toda a complexidade envolvida. Não a complexidade técnica, à qual somos afeitos, mas a complexidade social, cultural e principalmente a individual, de cada casal.