M. Luisa Vázquez 1 Mario Mosquera 2 Luís E. Cuevas 1 Eliane Siqueira González 3,4 Ida C. Leite Veras 4 Eleonora Oliveira da Luz 4 Malaquias Batista Filho 4 Ricardo Q. Gurgel 5 | Incidência e fatores de risco de diarréia e infecções respiratórias agudas em comunidades urbanas de Pernambuco, Brasil Incidence and risks factors for diarrhoea and acute respiratory infections in urban communities of Pernambuco, Brazil
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1 Liverpool School of Tropical Medicine. Pembroke Place L3 5QA, England. 2 Health Policy Unit, London School of Hygiene and Tropical Medicine. Keppel Street WC1E 7HT, London, England. 3 Fundação de Saúde de Olinda. Rua do Sol 411, Olinda, PE, 53120-011, Brasil. 4 Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP). Rua dos Coelhos 300, Recife, PE, 50070-500, Brasil. 5 Núcleo de Pós-Graduação em Medicina, Universidade Federal de Sergipe. Rua Senador Rollemberg 550/601, Aracaju, SE 49015-120, Brasil.
| Abstract Magnitude and distribution of Diarrhoea and Acute Respiratory Infections (ARI) in children were studied within a larger research that focused on health education. Two household surveys were conducted in a sample of families with at least one child under five years of Recife and Olinda in April-May 1992 and 1994. The total number of children studied was 5436. The estimated adjusted annual incidence rate (AAIR) of diarrhoea was 2.7 episodes per child. The two-week incidence rate of diarrhoea was 10.2% for both years. Risk factors associated with higher incidence of diarrhoea were age (under two years), lack of sanitation facilities and the absence of electric appliances in the household. The estimated AAIR of ARI was 9.5 episodes per child. The two-week incidence rate of ARI was 41.0% in 1992 and 32.6% in 1994. Majority of ARI affected the high respiratory track (75.9%). The only factor consistently associated with a higher risk of ARI was age (under three years). Study results indicate that both pathologies are still an important health problem for children under five in Pernambuco. In particular, in the case of diarrhoea the need for improving the access to basic services, such as water supply and sewerage system is urgently needed. Key words Diarrhea; Respiratory Tract Infections; Incidence; Risk Factors; Epidemiology Resumo Em estudo de intervenção educativa sobre diarréia e infecções respiratórias agudas (IRA) nos Municípios de Olinda e Recife, realizaram-se duas pesquisas domiciliares em uma amostra de famílias, com pelo menos uma criança abaixo de cinco anos, em abril-maio de 1992 e 1994. Foram estudadas 5.436 crianças. A incidência anual corrigida (IAC) de diarréia foi de 2,7 episódios por criança/ano, com uma incidência de 10,2% nas duas semanas prévias ao inquérito, estável para 1992 e 1994. Os fatores associados de forma constante a um maior risco de diarréia foram a idade da criança abaixo de dois anos, ausência de saneamento básico e de eletrodomésticos no domicílio. IAC de IRA foi de 9,5 episódios por criança/ano. A incidência de IRA foi de 41,0% em 1992 e de 32,6% em 1994, sendo a maioria de vias respiratórias altas (75,9%). Só o fator baixa idade mostrou associação com o maior risco de IRA. Os resultados indicam a importância que ambas patologias ainda têm na saúde das crianças menores de cinco anos, e, no caso da diarréia, a necessidade urgente de ampliar a cobertura dos serviços básicos visando ao impacto na redução da incidência. |
Introdução
As diarréias e infecções respiratórias agudas continuam sendo as principais causas de doença e motivo de consulta dos menores de cinco anos nos países em desenvolvimento. A associação dessas patologias com o nível sócio-econômico da população tem sido denunciada por diversos autores (Victora et al., 1989a; Monteiro et al., 1988).
Nos últimos anos, tem ocorrido um descenso na mortalidade atribuída a essas patologias (Bern et al., 1992; Post et al., 1992; Victora et al., 1996; Gurgel et al., no prelo). Essa diminuição é possivelmente devida a intervenções específicas, sociais e de saúde, e não a uma melhoria nas condições sócio-econômicas (Post et al., 1992; Victora et al., 1996), sendo esse, também, provavelmente o motivo de as taxas de morbidade específicas para tais patologias apresentarem uma tendência estável (Bern et al., 1992).
Embora a maioria das doenças respiratórias sejam leves, a importância reside no fato de aumentarem o risco de doença respiratória grave, já que podem predispor a criança à infecção do trato respiratório inferior (Graham, 1990).
No Brasil, as grandes desigualdades sócio-econômicas, particularmente na região Nordeste, refletem-se no importante papel que as doenças infecciosas, em especial a diarréia aguda e a infecção respiratória aguda (IRA), ainda conservam como causa de doença e morte nessas crianças, apesar das mudanças significativas que estão ocorrendo no perfil epidemiológico da morbi-mortalidade nos menores de cinco anos.
Esses resultados representam parte de um estudo maior de intervenção educativa sobre diarréia e IRA, desenvolvido em comunidades urbanas de baixa renda dos Municípios de Olinda e Recife, entre novembro de 1991 e maio de 1994 (Vázquez et al., 1996). Os dados referem-se à avaliação da magnitude e distribuição da diarréia e da infecção respiratória agudas nessas populações.
Metodologia
Realizaram-se dois inquéritos domiciliares, por meio de entrevistas com questionário, em uma amostra de duas mil famílias com pelo menos uma criança menor de cinco anos. O tamanho da amostra foi determinado em razão da freqüência esperada de diarréia, que, em outros estudos, era de 15% a 20% (Benício et al., 1992; Victora et al., 1988; Barros & Victora, 1989; Rückert, 1990), e do número de crianças abaixo de cinco anos esperado por família: 1,5 (Rückert, 1990).
A área de estudo constituía-se por quatro comunidades urbanas de baixa renda nos Municípios de Olinda e Recife. As comunidades foram escolhidas por suas características sócio-econômicas, pela presença de serviços de saúde e pelo programa de agentes comunitários, a fim de formar dois pares de intervenção e controle para a avaliação do impacto da intervenção educativa. O universo era composto pelas 6.700 casas das quatro comunidades; o número foi estimado com base no censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE, 1991) e a unidade de estudo foi a família. O tamanho da amostra foi proporcional ao número de casas de cada comunidade, e a seleção, feita de forma sistemática, sendo entrevistada cada terceira casa, com criança abaixo de cinco anos. O tamanho final da amostra foi de 1.849 famílias no primeiro inquérito e 1.977 famílias no segundo, com 2.646 e 2.790 crianças menores de cinco anos, respectivamente.
O inquérito foi realizado nos meses de abril-maio de 1992 e 1994, correspondentes ao início da época da chuva, quando se espera maior incidência de diarréia. O questionário preliminar foi elaborado tendo como base pesquisas anteriores realizadas em comunidades de baixa renda em São Paulo (Rückert, 1990) e Nicarágua (Vázquez & Mosquera, 1994). As entrevistas foram feitas por pessoas da própria comunidade, que receberam um treinamento intensivo, o qual incluía o preenchimento de três entrevistas de prova, com os seguintes critérios de seleção: ter concluído a quarta série do primeiro grau e não ser funcionário de serviço de saúde (para evitar a indução das respostas).
Os entrevistadores trabalhavam sob a supervisão de pessoal da área de saúde, que tinha o papel de garantir a qualidade das entrevistas. Com este fim, os supervisores entrevistaram outra vez 22,8% e 25,0% das famílias, respectivamente, em cada inquérito, e verificou-se uma boa consistência interna.
Para determinar a freqüência das doenças estudadas, utilizou-se um período recordatório de duas semanas, considerado adequado para as doenças agudas leves (Kroeger, 1986), e a definição de doença (diarréia ou IRA) da mãe ou pessoa responsável pela criança. O questionário incluía também perguntas sobre a sintomatologia apresentada pelo menor, as quais serviram para reforçar a identificação da doença feita pela pessoa por ele responsável.
Os fatores de risco associados com maior freqüência de diarréia e IRA foram nível sócio-econômico (avaliado por meio de ocupação e escolaridade da mãe e presença de eletrodomésticos), abastecimento de água, saneamento e idade da criança. As IRAs foram consideradas em conjunto para a análise.
Utilizando-se o programa SPSS, criou-se um banco de dados para as informações obtidas pelo inquérito. A continuação os dados foram limpados de inconsistências, utilizando o mesmo programa. O processamento dos dados foi feito em SPSS e dBaseIII+. Para análise estatística, fez-se uso do teste do Qui-Quadrado e do risco relativo. Foi estabelecido nível de significância de 5%.
Resultados
Diarréia
A incidência da diarréia nos menores de cinco anos nas duas semanas anteriores ao inquérito foi de 10,2% em ambos os estudos. Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência da diarréia nas quatro comunidades, nem entre os sexos.
A incidência anual corrigida e estimada incidência anual = incidência de 15 dias/proporção anual de diarréia esperada nesses 15 dias (WHO, 1989) foi de 2,7 episódios por criança/ano (o valor foi similar quando calculado com base na prevalência no dia do inquérito). A prevalência momentânea ou proporção de crianças menores de cinco anos que apresentavam diarréia no dia da entrevista foi de 3,4% em 1992 e 5,5% em 1994. A duração média da diarréia foi de três dias. Essa média se manteve no estudo de 1994.
Dos episódios diarréicos nas duas semanas prévias ao inquérito, 60% ocorreram em crianças abaixo de dois anos. Encontrou-se maior incidência de diarréia nos grupos etários abaixo de dois anos (Figura 1a), sendo a diferença com os grupos acima desta idade estatisticamente significativa (p<0,01). As tendências foram similares em ambos os estudos.
Em 1992, segundo a fonte de abastecimento de água, não houve diferença na incidência de diarréia nas duas últimas semanas, nem no total, nem quando considerados os bairros separadamente. Por outro lado, em 1994 a incidência de diarréia foi maior (13,0%) entre as crianças morando em domicílios com água encanada fora da casa, se comparada à incidência entre aquelas cujos domicílios se serviam de água encanada dentro da casa (9,8%), sendo p<0,025.
Em ambos os estudos, houve uma menor incidência de diarréia naquelas crianças pertencentes a famílias que declararam filtrar a água. Essa diferença foi estatisticamente significativa em 1994 (p<0,01), comparando-se com a incidência nas crianças que tomavam água sem filtrar (15,1%, contra 9,1%). Não houve diferença quando comparados os distintos tipos de tratamento da água (fervida, clorada ou filtrada).
Observou-se uma correlação inversa entre a existência no domicílio de algum tipo de esgotamento sanitário e incidência de diarréia (p<0,01) (Figura 2a), e não houve diferença quando analisada segundo o tipo de saneamento (esgoto ou fossa) (p>0,1).
No tocante à relação entre educação da mãe e incidência de diarréia, em 1992 viu-se que, quanto menor escolaridade, maior a incidência de diarréia (Figura 3a) (p<0,01). Em 1994, essa relação não aparece.
Não houve relação entre a ocupação da mãe e a incidência de diarréia no ano de 1992. Em 1994, registrou-se maior incidência entre as que se diziam desempregadas (21,4%; p< 0,01).
Tomando-se os eletrodomésticos no domicílio como indicadores indiretos do nível sócio-econômico, analisou-se a incidência de diarréia em menores de cinco anos segundo a presença ou ausência de rádio, televisão e geladeira. A incidência de diarréia foi constantemente maior nas famílias sem esses aparelhos (Tabela 1).
Foi analisado o risco relativo de contrair diarréia segundo alguns dos fatores medidos durante o estudo. O fator consistentemente associado com diarréia foi idade da criança inferior a dois anos. No inquérito de 1992, a ausência de geladeira e esgoto no domicílio foram os fatores mais relevantes ligados ao risco; em 1994, a ausência de rádio, de televisão e de esgotamento sanitário revelaram maior risco (Tabela 2).
Infecções respiratórias agudas
Nos menores de cinco anos, as IRAs apresentaram uma incidência de 41,0% e 32,6% nas duas semanas que antecederam a pesquisa domiciliar, para 1992 e 1994, respectivamente (p<0,01). A incidência anual corrigida foi de 9,5 episódios por criança-ano. A maioria das IRAs foi declarada, nas duas pesquisas, como gripe ou catarro simples (70,9%) e aproximadamente 20% foram percebidas como bronquite ou cansaço. Nos inquéritos de 1992 e 1994, 2,5% e 1,8% respectivamente, foram referidas pelas mães como pneumonia.
A prevalência momentânea de IRA foi de 23,4% em 1992 e de 20,9% em 1994. Mais da metade das crianças com IRAs iniciadas nas duas semanas prévias à pesquisa domiciliar ainda eram sintomáticas no momento da entrevista (55,0% em 1992 e 59,6% em 1994). A duração média dos episódios de IRA foi de 5,5 dias em 1992 e de seis dias em 1994.
Em 1992, não foi observada diferença na incidência de IRA (Figura 4) em relação ao sexo (p>0,1), e em 1994 a incidência foi maior entre as crianças de sexo masculino (p<0,005).
Observou-se maior incidência de IRA entre as crianças até três anos de idade, principalmente entre as de um e dois anos. A faixa etária com menor incidência foi a de quatro anos de idade e as tendências mostraram-se similares nos dois estudos (Figura 1b).
Em 1992, só se verificou diferença estatisticamente significativa quando comparadas as incidências entre os grupos de menos de um e dois anos com os de três e quatro anos (p<0,01), e, em 1994, entre o grupo de um a dois anos com todas as outras faixas etárias (p<0,01).
Maior incidência de IRA foi observada em crianças que moravam em domicílios que se abasteciam de água encanada (dentro ou fora da casa, no quintal), comparando-se com crianças desprovidas dessa facilidade (p<0,001). A tendência foi semelhante nos dois estudos.
A incidência de IRA foi menor em crianças que moravam em domicílios providos de fossa séptica, quando comparada com a incidência em crianças habitando domicílios com esgoto ou desprovidos de qualquer outro benefício sanitário (Figura 2b).
Em relação aos menores de cinco anos, não houve diferença quando se considerou a presença ou ausência de rádio ou televisão no domicílio; no entanto, nos domicílios que dispunham de geladeira, a incidência de IRA foi menor (Tabela 2).
Não se observou correlação entre a escolaridade da mãe e incidência de IRAs em 1992 e 1994 (Figura 3b). Em 1994, a incidência foi um pouco maior no grupo de crianças cujas mães tinham estudado até a quarta série do primeiro grau. A incidência nos grupos extremos (analfabetas ou com até a quarta série do primeiro grau e segundo grau ou superior) foi a mesma.
Em 1992, houve maior incidência naquelas crianças cujas mães trabalhavam em funções de escritório ou como empregadas domésticas. A diferença era estatisticamente significativa com os outros grupos (p<0,001), mas não entre eles. Em 1994, a maior incidência se apresentou em crianças cujas mães declararam estar desempregadas (p<0,001).
Calculou-se o risco relativo de contrair IRA para os menores de cinco anos, segundo os fatores considerados acima, isto é, presença ou ausência de eletrodomésticos no domicílio, condições de saneamento, escolaridade da mãe, sexo e idade da criança. De todos, o mais consistente foi idade da criança inferior a três anos (Tabela 2).
Discussão
Os dados apresentados não foram coletados com o objetivo primário de investigar fatores de risco de diarréias e IRA em crianças, mas, sim, como parte de um estudo de intervenção educativa em Pernambuco. Os dados analisados procedem de um estudo transversal, portanto as associações equivalem a uma 'simulação' de câmbios de um mesmo indivíduo no tempo, baseados nos dados de diferentes indivíduos ao mesmo tempo e presumem fatores de risco de ocorrência, sem explicar o mecanismo casual.
Com base nos resultados das duas pesquisas domiciliares, estimou-se uma tendência estável na incidência de diarréia de 10,2% nos menores de cinco anos, ao início da época de chuvas, isto é, abril e começo de maio. Esse valor foi levemente inferior ao apresentado em outros estudos realizados anteriormente no Nordeste e na região metropolitana (Benício et al., 1992; Governo de Pernambuco/Unicef, 1992). A diferença deve-se provavelmente ao fato de que o presente estudo esteve circunscrito a quatro comunidades urbanas de Recife e Olinda. Contudo, a taxa continua sendo mais alta do que aquelas encontradas no mesmo período em outras áreas do Nordeste (SSSE/Unicef, 1991). O número de episódios por criança/ano (2,7) foi similar ao de outros estudos no Brasil (Barros & Victora, 1989), aos valores encontrados na África (WHO, 1990) e aos estimados para países em desenvolvimento (Bern et al. 1992), o que coincide com uma tendência estável na incidência de diarréia.
A incidência de infecções respiratórias agudas (41% em 1992 e 32,6% em 1994) foi menor que a encontrada em área similar em estudo anterior (Pereira, 1994). A diferença provavelmente se dá em razão dos diferentes períodos na coleta dos dados, já que neste estudo utilizou-se um período recordatório de duas semanas, enquanto que no de Pereira os dados foram colhidos durante seis meses. Porém, continuam sendo muito elevados e são similares aos resultados dos estudos realizados há uma década em outras áreas do Brasil (Monteiro et al., 1988; Victora et al., 1988).
A faixa etária com maior incidência para ambas as patologias foi entre um e dois anos de idade, seguida de perto pelo grupo de menores de um ano. Porém, a partir dos dois anos a incidência da diarréia diminui marcadamente. Essa tendência é similar à descrita para as áreas urbanas do Sul e Sudeste (Bemfam, 1987; Governo de Pernambuco/Unicef, 1992; Rückert, 1990), assim como para as áreas rurais. Por outro lado, a incidência da IRA só diminui a partir dos três anos, e a queda é lenta.
Não houve diferença na incidência de diarréia em relação ao sexo da criança. No caso da IRA, a incidência foi maior no sexo masculino no segundo inquérito, sendo este resultado similar ao da literatura existente, onde a diferença de incidência por sexo está em discussão (Danesi, 1985; Pereira, 1994).
Analisando a incidência de diarréia segundo indicadores sócio-econômicos indiretos (escolaridade e ocupação da mãe, presença de eletrodomésticos), observa-se maior ocorrência de diarréia nas crianças em piores condições sócio-econômicas, isto é, moradoras em domicílios carentes de eletrodomésticos e cuja mãe era desempregada. Esse resultado também indica, ao contrário de outro estudo similar (Rückert, 1990), desigualdades no interior das comunidades de baixa renda.
Quanto à escolaridade da mãe, indicador de risco freqüentemente utilizado no primeiro ano de estudo, observou-se relação inversa (maior escolaridade, menor incidência). Isso não ocorreu em 1994, quando não houve associação, o que poderia indicar um agravamento das condições de vida, que num curto período de tempo não se refletiria no nível de escolaridade. Tal resultado aparece em concordância com o sugerido em estudo realizado nas Filipinas, onde o efeito protetor da educação materna variava com o nível sócio-econômico da família, resultando sem efeito nas comunidades mais desprivilegiadas (Dargent-Molina et al., 1994).
No caso da IRA, a associação com indicadores sócio-econômicos indiretos não foi clara. No primeiro estudo, não houve relação, ao contrário do ocorrido no segundo, o que pode ser devido ao fato de que se consideraram todas as IRAs em conjunto; pode, ainda, estar relacionado ao fato de a incidência das IRAs estar influenciada por fatores adversos do meio ambiente, não necessariamente associados ao nível sócio-econômico da população, como clima frio, instabilidade climática, poluição atmosférica e concentração demográfica, como sugerem Benício et al. (1992) e Batista Filho (1996). Esse resultado está de acordo com os estudos epidemiológicos sugestivos de que a incidência de IRA é semelhante nos países industrializados e não industrializados, estando na mortalidade a maior diferença entre ambos os grupos de países (Leowski, 1986; Niobey et al., 1992). De outro lado, a falta de associação com fatores sócio-econômicos poderia estar relacionada com o fato de todas as crianças procederem de áreas similares, como sugerem Fonseca et al. (1996) em seu estudo sobre fatores de risco para a incidência de pneumonia, realizado no Ceará.
O único fator de risco consistentemente associado com IRA foi a idade da criança inferior a três anos. Esse limite de idade é levemente superior ao descrito na maioria dos estudos, em parte porque muitos estudos se limitaram às crianças abaixo dessa idade (Graham, 1990).
A presença ou ausência dos serviços básicos (abastecimento de água e saneamento básico) indica, por um lado, as condições sócio-econômicas da moradia e, por outro, as condições de higiene do domicílio, de relevância no caso da diarréia. Observou-se maior incidência de diarréia quando os domicílios se serviam de água encanada no quintal, no segundo ano de estudo. Isto, junto à menor incidência de diarréia em crianças que recebiam água filtrada, parece indicar a importância da qualidade da água consumida, quando a água está disponível, podendo também indicar uma influência dos cuidados higiênicos (Curtis et al., 1995). Não dispomos de dados observacionais que permitam analisar essa possibilidade.
Como encontrado em outros estudos (Guerrant et al., 1983; Victora et al., 1989b), a incidência da diarréia foi menor em crianças morando em domicílios com esgoto ou fossa séptica do que em crianças que não dispõem desses serviços. Porém, a maior ou menor freqüência de diarréia não parece ter relação com o tipo de saneamento disponível. Resultados semelhantes foram descritos por Victora et al. (1989a), mas diferem dos obtidos por Gross et al. (1989).
As incidências encontradas de diarréia e IRA indicam que ambas as patologias continuam sendo um problema de importância na saúde das crianças menores de cinco anos. A associação, já conhecida e de novo evidenciada, dessas doenças com fatores sócio-econômicos, especialmente no caso de diarréia, deve contribuir para a reflexão sobre as desigualdades sócio-econômicas em todos os níveis, sabendo-se que o estudo foi realizado em comunidades de baixa renda, consideradas razoavelmente homogêneas. Da mesma forma, a associação com a ausência de serviços básicos deveria servir para relembrar a necessidade da ampliação da cobertura destes, e com urgência, para ter impacto na redução da incidência de diarréia.
Agradecimentos
Aos Profs. B. Kruse Grande de Arruda, I. Kruse Grande de Arruda e A. Kroeger, pelo apoio constante ao estudo. Aos Drs. P. Rückert, S. Schulz e L. C. Nacul, que colaboraram na preparação e primeira etapa da pesquisa. A todas as pessoas que direta ou indiretamente ajudaram no desenvolvimento do estudo. Ao CNPq, KFA-Jülich, Facepe (Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco) e Unicef, que deram o apoio econômico.
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