CARTAS LETTERS

 

 

Farmacovigilância no Brasil. O papel da comissão instituída pela portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/MS) No 40 de 9/5/95

Pharmacovigilance in Brazil. The role of the commission established under ruling No 40 (May 9, 1995) of the Health Surveillance Secretariat, Brazilian Ministry of Health

 

Paulo Sérgio Dourado Arrais 1


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Centro de Farmacovigilância do Ceará (Ceface),
Departamento de Farmácia, Universidade Federal do Ceará, C. P. 3212, Fortaleza, CE, 60431-327, Brasil.
parrais@ufc.br  

 

 

Venho por meio desta parabenizar a Dra. Suely Rozenfeld pelo excelente artigo intitulado "Farmacovigilância: elementos para a discussão e perspectivas" (Cadernos de Saúde Pública, Vol.14, pp. 237-263, 1998). Entretanto creio ser oportuno fazer algumas considerações relacionadas à Comissão criada pela SVS/MS que visava propor um "Sistema Nacional de Farmacoepidemiologia" (na realidade, propor um Sistema Nacional de Farmacovigilância), da qual fui membro ativo, já que um dos participantes da seção de debates do artigo da citada autora, o Dr. Jorge Bermudez, levantou várias questões relacionadas a esta comissão, como, por exemplo, se a comissão realmente foi estruturada, quem a integrava, suas respectivas representatividades, quantas vezes se reuniu, se houve a elaboração de alguma proposta e se alguma ação foi implementada.

Como participante desta comissão, sinto-me no dever de informar ao prezado colega e aos leitores que a comissão era composta por representantes da SVS/MS, do Conselho Federal de Farmácia (integrado a partir da portaria da SVS/MS No.46 de 02/06/95), do Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos (GPUIM) do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Ceará, da Sociedade Brasileira de Vigilância dos Medicamentos (Sobravime), do Centro de Controle de Intoxicações da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Associação Médica Brasileira e representante da Associação Brasileira de Médicos Assessores da Indústria Farmacêutica (Abimaif). Pelo menos quatro dos integrantes da comissão tinham conhecimento sobre a área de farmacovigilância, inclusive tendo estes participado de reuniões e cursos promovidos sob auspícios da própria Organização Mundial da Saúde (OMS). É importante frisar que vários membros representavam segmentos da sociedade civil fora da esfera de influência da Indústria Farmacêutica.

Após cinco exaustivas reuniões no eixo Brasília-São Paulo, a comissão elaborou um projeto intitulado "Proposta de um Sistema Nacional de Farmacovigilância" (MS, 1995) que foi apresentado em novembro de 1995 em reunião na SVS/MS perante um grupo de observadores internacionais ­ o Dr. Sten Olsson do Programa Internacional de Farmacovigilância da OMS ­ Upssala/Suécia, o Dr. Guillermo Lombardo do Sistema de Farmacovigilância da Argentina e a Dra. Dolores Capellà do Sistema Espanhol de Farmacovigilância ­ e nacionais ­ representantes de grupos que trabalhavam na área de informação sobre Medicamentos e Centros de Assistência Toxicológica ­ (Arrais, 1996). A proposta foi amplamente discutida e aprovada pelos presentes.

A proposta elaborada faria parte de um sistema maior, o Sistema Nacional de Registro de Reações Adversas (Sinarra), que integraria as áreas de medicamentos, alimentos e agrotóxicos; idealizado pelo então Secretário da Vigilância Sanitária, Dr. Elisaldo Carlini (Jornal do Conselho Federal de Farmácia, 1995). Para coordenar melhor as atividades das três comissões a Dra Tânia Maria de Paula Lyra passou a integrar a equipe da SVS/MS e o Dr. Delsic Evangelista Filho ficou responsável por elaborar o banco de dados que receberia as informações geradas pelo sistema.

Após a reunião de novembro, a comissão ficou 6 meses sem se reunir, apesar dos protestos manifestados junto ao dirigente da SVS/MS. Neste ínterim circularam notícias informais de que o secretário havia escolhido a Unicamp para sediar o Centro Nacional de Farmacovigilância. A maneira como foi realizada a escolha gerou insatisfação dos membros da comissão e foi motivo de editorial do boletim da Sobravime (Sobravime, 1996).

Esclarecidos os fatos, a comissão voltou a se reunir mais três vezes. Trabalhamos principalmente em cima de propostas normativas para o sistema: a que institucionalizaria o Sinarra (composição da coordenação nacional, funções da coordenação nacional, do centro nacional do Sinarra e dos centros regionais); a que instituiria a coordenação do Sinarra, o Centro Nacional e os regionais; proposta do banco de dados e sistema de informática; proposta de modificação da Portaria de nossa comissão; métodos para selecionar os centros que iriam participar da fase piloto etc.

A última vez que estivemos reunidos foi no dia 11/9/96. Desde então as informações com relação ao andamento do sistema foram conseguidas com dificuldades e sempre chegavam por intermédio de terceiros. Em contato mantido com a Dra. Tânia Lyra ficamos sabendo que era intenção do Sr. Presidente da República que as portarias referentes ao Sinarra fossem assinadas em solenidade no Palácio da República. Entretanto, ocorreu a saída do Ministro da Saúde, o Dr. Adib Jatene, e posteriormente a saída do Secretário da SVS/MS. Como conseqüência, todos os esforços da comissão não lograram êxito.

Como podemos observar, a comissão cumpriu com seu dever. A responsabilidade de não ter dado continuidade a implantação do sistema, a meu ver, recai única e exclusivamente sobre a SVS/MS e aos entraves políticos que foram responsáveis pela saída do Ministro e posteriormente do Secretário da Vigilância Sanitária.

Independentemente dos acontecimentos, em novembro de 1996 o Ceará deu início à implantação do seu Sistema Estadual de Farmacovigilância (Sobravime, 1997). Todo nosso trabalho tem como base o documento elaborado pela comissão. O relato da experiência do primeiro ano de atividades do Centro de Farmacovigilância do Ceará (Ceface) foi descrito em artigo que está sendo apreciado por esta conceituada revista.

 

 


ARRAIS, P. S. D., 1996. Farmacovigilância: até que enfim no Brasil. Saúde em Debate, 49/50: 80-82.

JORNAL DO CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 1995. Os passos da farmacovigilância: secretário diz o que é e como será instalado o Sistema Nacional de Farmacovigilância. Pharmacia Brasileira. Jornal do Conselho Federal de Farmácia, nov. 1995, 5:6-8.

MS (Ministério da Saúde), 1995. Proposta de um Sistema Nacional de Farmacovigilância. Brasília: Secretaria de Vigilância Sanitária, Ministério da Saúde.

SOBRAVIME, 1996. Farmacovigilância: qual o caminho? Boletim da Sobravime, 20:1.

SOBRAVIME, 1997. Sistema nacional de farmacovigilância constrói-se pela base: o exemplo do Ceará. Boletim da Sobravime, 24:16.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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