ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

Rosângela Alves Pereira 1
Rosely Sichieri 2
Vânia M. R. Marins 3


Razão cintura/quadril como preditor de hipertensão arterial

Waist:hips girth ratio as a predictor of arterial hypertension

 

1 Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowski s/no, bloco J, 2o andar, Rio de Janeiro, RJ 21941-590, Brasil. rpereira@nitnet.com.br
2 Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier 524, 7o andar, Rio de Janeiro, RJ 20550-012, Brasil.
3 Faculdade de Nutrição, Universidade Federal Fluminense. Rua Araribóia 136, Niterói, RJ 24360-340, Brasil.

 

  Abstract This study aims to define cut-off points for the waist:hips girth ratio (WHR), using arterial hypertension as the outcome. The data refer to 3,282 individuals over twenty years of age examined in a survey conducted in the municipality of Rio de Janeiro in 1995-1996, using a two-stage sample. Sixty census tracts were drawn initially; subsequently, 34 households were selected systematically from each tract. Stature, weight, waist and hips girths, and blood pressure were measured in the households. The criterion for hypertension was a systolic blood pressure of 140 mmHg or diastolic pressure of 90 mmHg, or use of medication to reduce blood pressure. The sensitivity and specificity of different cut-off points for WHR were calculated in the prediction of arterial hypertension according to sex, age, and presence of overweight, classified according to World Health Organization guidelines. The best cut-off points for WHR were 0.95 for men and 0.80 for women. Compared to the waist:stature ratio and waist circumference, the WHR proved more capable of predicting arterial hypertension and less correlated with body mass index.
Key words Hypertension; Cardiovascular Diseases; Sensitivity and Especificity; Epidemiology

Resumo Este trabalho tem como objetivo definir pontos de corte para a razão cintura/quadril (RCQ), usando como desenlace a hipertensão arterial. Os dados obtidos referem-se a 3.282 indivíduos com idade acima de vinte anos, examinados numa pesquisa realizada no Município do Rio de Janeiro, em 1995-1996, utilizando amostra em dois estágios. Inicialmente, foram sorteados sessenta setores censitários; posteriormente, 34 domicílios foram selecionados sistematicamente em cada setor. Altura, peso, perímetros da cintura e do quadril e pressão arterial foram medidos nos domicílios. Foram considerados hipertensos os que apresentavam pressão sistólica 140 mmHg ou pressão diastólica 90 mmHg, ou, ainda, os que faziam uso de medicamento para reduzir a pressão arterial. Foram calculadas a sensibilidade e a especificidade de diferentes pontos de corte para a RCQ na predição de hipertensão arterial segundo sexo, idade e presença de sobrepeso, classificado segundo proposta da Organização Mundial da Saúde. Os melhores pontos de corte para a RCQ foram 0,95 para homens e 0,80 para mulheres. Comparada com a razão cintura/altura e com o perímetro da cintura, a RCQ apresentou maior capacidade preditiva de hipertensão e menor correlação com o índice de massa corporal.
Palavras-chave Hipertensão; Doenças Cardiovasculares; Sensibilidade e Especificidade; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

Os estudos mais recentes sobre a situação nutricional da população urbana brasileira têm demonstrado que a prevalência do sobrepeso vem aumentando em todos os seus segmentos. Além disso, dados recentes evidenciaram uma alta prevalência de distribuição desfavorável da gordura corporal na população adulta do Município do Rio de Janeiro (Pereira et al., 1997). Por outro lado, é amplamente conhecida a relação entre o sobrepeso e a deposição de gordura abdominal, e entre esta e diversas doenças crônicas, como cardiopatia coronária, doenças cardiovasculares, hipertensão, hiperlipidemias, câncer, diabetes tipo II e cálculos biliares, entre outras (Bray, 1989; OMS, 1990).

No Brasil, as doenças crônicas têm custos sociais e econômicos crescentes. Nas regiões metropolitanas, as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares são mais altas que na população norte-americana. No País como um todo, essas doenças determinam um terço de todas as mortes e são a principal causa de gastos com a assistência médica. Além disso, a sua distribuição na população é marcada por diferenças sociais (Chor et al., 1995; Lotufo & Lolio, 1995).

Em 1985, a Conferência sobre as Implicações da Obesidade na Saúde apontou que a topografia da gordura corporal é um importante preditor de doenças crônicas (Keenan et al., 1992). Marti et al. (1991) reconhecem que o excesso de gordura na região abdominal pode ter maior capacidade preditiva do que a massa corporal total para infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e diabetes.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica o uso da antropometria para a vigilância dos fatores de risco para doenças crônicas e recomenda a análise da associação dos parâmetros antropométricos com desenlaces como a pressão arterial em diferentes países. Para a OMS, além do peso e da altura, devem ser medidos os perímetros da cintura e do quadril, pois o aumento da deposição de gordura abdominal na população pode fornecer um indicador sensível dos problemas de saúde pública relacionados com o sobrepeso e suas conseqüências (WHO, 1995).

Há muito se sabe que as pessoas diferem em relação à localização da gordura corpórea. Homens, em particular, tendem a ter maior proporção de gordura abdominal, conferindo-lhes o chamado padrão masculino ou andróide de distribuição de gordura. As mulheres, por outro lado, tendem a ter maior quantidade de gordura na região glútea e por isso têm maiores perímetros dos quadris, apresentando o padrão feminino ou ginóide de distribuição de gordura corporal. Este padrão pode ser avaliado pela razão abdominal/glútea, que é obtida pela divisão das medidas dos perímetros da cintura e do quadril ­ razão cintura/quadril (RCQ) (Bray, 1989).

Andres et al. (1989) relatam que 57% da variância da RCQ é explicada pelo gênero, 10% pelo índice de massa corporal (IMC) e 6% pela idade.

Outros indicadores da distribuição de gordura corpórea têm sido propostos com a razão cintura/altura (RCA) (Hsieh & Yoshinaga, 1995; Lee et al., 1995) e a própria medida do perímetro da cintura (PC) na identificação de risco de doença cardiovascular (Han et al., 1995; Lean et al., 1995).

A utilização dessas medidas na estimação da distribuição de gordura corpórea tem a vantagem da simplicidade de determinação e de basear-se em medidas de fácil obtenção. Por isso, a sua introdução entre os indicadores antropométricos, seja na prática clínica, na vigilância nutricional ou na pesquisa, torna-se um instrumento de grande valia.

Não há consenso sobre a definição do que seja uma RCQ elevada. Os pontos de corte mais utilizados para homens (>1,00) e mulheres (>0,80) foram sugeridos com base em estudos epidemiológicos na Suécia. Nos Estados Unidos, são usados os pontos de corte de 0,95 para homens e 0,80 para mulheres, estabelecidos com base em dados canadenses (Keenan et al., 1992).

Achados referentes à RCQ em recente pesquisa realizada no Município do Rio de Janeiro revelaram um excesso de mulheres em condições de risco, especialmente entre aquelas com idades acima de 45 anos ­ neste grupo a freqüência relativa de indivíduos com RCQ desfavorável, considerando o ponto de corte de 0,80, era de mais de 70%. Já entre os homens, a proporção de indivíduos com RCQ acima de 1,00 era pouco maior que 10%. A discrepância apontada nessas informações levou ao questionamento da adequação dos pontos de corte utilizados para a população brasileira (Pereira et al., 1997).

Este trabalho tem por objetivos analisar a capacidade preditiva da RCQ e definir seus pontos de corte usando como desenlace a hipertensão arterial em homens e mulheres com idade acima de vinte anos.

 

 

Material e métodos

 

População de estudo


 

Os dados apresentados referem-se aos indivíduos investigados na Pesquisa Nutrição e Saúde ­ PNS, realizada no Município do Rio de Janeiro, em 1995-1996. Nessa investigação, utilizou-se uma amostra obtida em dois estágios: no primeiro, foram sorteados sessenta setores censitários; no segundo, selecionaram-se, sistematicamente, 34 domicílios em cada setor. O índice de perdas da pesquisa foi de 11,2%.

Considerando-se os indivíduos com idade igual ou maior a vinte anos, de uma amostra inicial de 3.814 indivíduos (homens: 1.686 ­ 44,2%; mulheres: 2.128 ­ 55,8%), não foram obtidas informações sobre a pressão arterial de 476 pessoas (12,4%; sendo 249 (14,8%) homens e 227 (10,7%) mulheres). Dos 3.338 restantes, em 56 não se dispunha dos dados antropométricos. Portanto, foi possível estudar 3.282 indivíduos, dos quais 1.414 (43,1%) eram homens e 1.868 (56,9%) eram mulheres, correspondendo a 80% da amostra inicialmente desenhada.

O percentual de não-resposta não é considerado alto, se comparado às taxas obtidas em pesquisas semelhantes no Rio de Janeiro desde a década de 70, embora tenha apresentado caráter diferencial, tendo se concentrado nas áreas de nível sócio-econômico mais elevado (Sichieri, 1998).

 

Procedimentos de aferição


 

A coleta de dados antropométricos e da pressão arterial foi realizada nos domicílios por examinadores treinados e com procedimentos padronizados. As medidas da altura e dos perímetros da cintura e do quadril foram realizadas com fita métrica inextensível de 1,0 cm de largura, em duplicata, sendo considerada a média das duas medidas, desde que não fosse ultrapassada a diferença de 1,0 cm entre ambas; neste caso, as duas medidas deveriam ser refeitas. O peso foi aferido em balança digital.

Para a tomada das medidas, seguindo as técnicas descritas por Lohman et al. (1988), os examinados permaneceram de pé, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo. A altura foi tomada utilizando-se fita métrica aderida a uma parede sem rodapé e com o auxílio de um triângulo de madeira. Com a roupa afastada, o perímetro da cintura foi medido ao redor da cintura natural ou na menor curvatura localizada entre as costelas e a crista ilíaca, com o cuidado de manter a fita métrica justa mas sem comprimir tecidos; a leitura foi feita entre uma expiração e uma inspiração. A medida do quadril foi obtida colocando-se a fita métrica ao redor da região do quadril, na área de maior protuberância, sem comprimir a pele.

A medida da pressão arterial foi realizada com aparelho digital, também em duplicata, sendo consideradas as médias das duas medidas sistólicas e diastólicas. Caso houvesse uma diferença maior que 5 mmHg entre as duas medidas, seria realizada uma terceira. Neste caso, a média considerada foi entre a segunda e a terceira medição. Para a aferição da pressão arterial, o indivíduo permaneceu sentado usando roupas sem mangas; a medida não era tomada antes de trinta minutos se o examinado tivesse consumido café, fumado, ou antes de dez minutos em repouso.

 

Análise dos dados


 

Foram considerados hipertensos os que apresentavam pressão sistólica maior ou igual a 140 mmHg, pressão diastólica maior ou igual a 90 mmHg, ou caso houvesse relato de estar em uso de medicamento para reduzir a pressão arterial, o que era inquirido pelo entrevistador (NIH, 1993).

Os pontos de corte escolhidos para tratar a RCQ foram aplicados no grupo investigado segundo faixas de idade e variaram entre 0,65 e 1,05 para mulheres, e entre 0,75 e 1,15 para homens, com intervalos de 0,05. Para cada um dos estratos de idade e sexo, calculou-se a sensibilidade ([verdadeiros positivos/(verdadeiros positivos + falsos negativos)] x 100), a especificidade ([verdadeiros negativos/(verdadeiros negativos + falsos positivos)] x 100) e elaboraram-se os gráficos das curvas destes indicadores.

Adicionalmente, foram calculadas a sensibilidade e a especificidade dos pontos de corte considerados mais eficientes para homens e mulheres, assim como os respectivos intervalos de confiança, considerando-se o desenho da amostra por conglomerados e utilizando-se o procedimento de regressão logística proposto por Coughlin et al. (1992). Por meio do programa SUDAAN ­ Software for Survey Data Analysis (Shah et al., 1996), que permite analisar amostras por conglomerados, e de um modelo de regressão logística no qual a variável dependente foi a RCQ e a independente, a hipertensão arterial, foi possível estimar a sensibilidade e a especificidade através das seguintes fórmulas:

 

 

A análise incluiu, ainda, o cálculo dos mesmos indicadores para homens e mulheres com índice de massa corporal ­ IMC = peso (em kg)/ altura (em m)2 ­ abaixo e igual ou acima de 25 kg/m2, que é o limite de definição de sobrepeso de acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 1995).

Após a definição dos melhores limites de corte para a RCQ, procedeu-se à comparação deste indicador com a razão cintura/altura (RCA) e com o perímetro da cintura (PC).

Para a análise da RCA, utilizou-se o valor de 0,49 para definir indivíduos com RCA baixa e alta (Lee et al., 1995). Os limites para distinguir indivíduos com alto PC foram de 94 cm para os homens e 80 cm para as mulheres (Han et al., 1995; Lean et al., 1995). Para a RCA e o PC, foram calculadas a sensibilidade e a especificidade segundo sexo e sobrepeso.

Foram estabelecidos os coeficientes de correlação entre a RCA, o PC e a RCQ com o IMC segundo o sexo e com os valores transformados nos seus logaritmos, a fim de normalizar as distribuições. Para o cálculo destes coeficientes, considerou-se o efeito do desenho da amostra por conglomerados e utilizou-se o programa SUDAAN (Shah et al., 1996).

 

 

Resultados

 

A Figura 1 apresenta as distribuições de freqüência da RCQ dos indivíduos examinados segundo o sexo. Pode-se observar que a distribuição para homens é desviada para a esquerda e a das mulheres, para a direita. No grupo masculino, cerca de 80% dos indivíduos apresentam RCQ entre 0,80 e 1,00, e mais de 50% apresentam valores entre 0,85 e 0,95.

As RCQs das mulheres concentram-se entre 0,70 e 0,90, faixa em que são observados aproximadamente 80% dos valores, enquanto entre 0,75 e 0,85 são observadas 50% das RCQs do grupo feminino.

A sensibilidade, a especificidade e os valores encontrados para verdadeiros e falsos positivos e negativos da RCQ em relação à presença de hipertensão nos estratos de idade e sexo e segundo os pontos de corte utilizados são apresentados nas Tabelas 1 e 2.

 

 

 

Na Figura 2 , são apresentadas as curvas da sensibilidade e da especificidade da RCQ em homens e mulheres, nas faixas de idade de 20-30, 40-50 e 60-70 anos, assinalando que a análise foi feita para faixas de dez anos e que os dados não mostrados têm distribuições semelhantes. Partindo-se do pressuposto que o melhor indicador é aquele que apresenta altas sensibilidade e especificidade, o ponto de corte mais indicado é aquele no qual as duas curvas se cruzam. No caso dos homens, os valores da RCQ para este ponto variaram entre 0,90 e 0,95 nas diferentes faixas de idade. Entre as mulheres, os valores da RCQ para o cruzamento entre as curvas da sensibilidade e da especificidade aproximaram-se de 0,80 e de 0,85, nas diferentes faixas etárias.

As curvas de sensibilidade e especificidade da RCQ para homens e mulheres estratificados segundo o IMC ­ abaixo de 25 kg/m2 (incluindo indivíduos considerados normais e de baixo peso) e igual a ou acima do mesmo valor (considerados de sobrepeso) ­ indicam que o cruzamento das duas curvas corresponde a limites mais baixos em indivíduos com IMC menor que 25 kg/m2 nos dois gêneros (Figura 3 ). A sensibilidade da RCQ para um dado limite era maior entre os indivíduos com IMC maior ou igual a 25 kg/m2. A especificidade era mais alta entre os que não tinham excesso de peso.

No cálculo da sensibilidade e da especificidade da RCQ (e respectivos intervalos de confiança ­ 95%) para os pontos de corte de 0,95, para homens, e 0,80, para mulheres, utilizando-se o procedimento de regressão logística (Coughlin et al., 1992) e o programa SUDAAN (Shah et al., 1996), foram obtidos os seguintes valores: homens: sensibilidade = 38,2 (33,0-43,8) e especificidade = 77,7 (73,5-81,5); mulheres: sensibilidade = 72,5 (67,9-76,7) e especificidade = 51,5 (46,0-57,0).

Observe-se que, exceto pela sensibilidade estimada para os homens, esses valores não apresentaram grandes diferenças com relação aos estimados pelo programa EPI-INFO (Dean et al., 1997); nesse caso, a sensibilidade para o grupo masculino foi de 46,9 e a especificidade de 78,8; para as mulheres, a sensibilidade foi de 72,8 e a especificidade, de 51,1.

A Tabela 3 apresenta a sensibilidade e a especificidade dos três indicadores considerados: a RCA, o PC e a RCQ para cada um dos gêneros e de acordo com o IMC, evidenciando que: a) a RCA apresenta as mais baixas especificidades; b) a RCQ apresentou melhor desempenho entre os indivíduos do sexo masculino; c) entre as mulheres, o PC e a RCQ têm comportamento semelhante e d) quando consideradas as mulheres com sobrepeso, o PC tem alta sensibilidade e baixa especificidade, isto é, praticamente inclui todas as mulheres no grupo de risco.

 

 

A Tabela 4 apresenta os coeficientes de correlação entre a RCA, o PC e a RCQ com o IMC para homens e mulheres, cujo cálculo considerou o efeito do desenho da amostra. Observa-se que a RCA e o PC apresentam coeficientes de correlação com o IMC iguais e maior variação com a massa corporal.

 

 

A RCQ apresentou menor relação com o IMC (r = 0,42 em homens e r = 0,40 em mulheres); o IMC contribui com menos de 20% da variação da RCQ, o que pode ser uma evidência de que é, principalmente, resultado da concentração de gordura na região abdominal e não do aumento da massa corporal total.

 

 

Discussão

 

Na validação de um indicador, o que se deseja conhecer é a sua capacidade de discriminar corretamente os indivíduos sob risco de apresentar a doença. Para tal, os resultados obtidos pela aplicação do indicador são comparados com os dados da situação verdadeira dos indivíduos. Na presente análise, os resultados relativos a diferentes pontos de corte da RCQ para homens e mulheres são cotejados com os dados de hipertensão arterial, buscando definir quais os melhores pontos de corte desta razão para detectar o desenlace em estudo.

As evidências de que a deposição central de gordura é um marcador importante do risco de doenças crônicas, entre estas a hipertensão, vêm sendo constantemente relatadas em diferentes estudos. Ledoux et al. (1997) consideraram que a distribuição abdominal de gordura pode ser usada como um indicador da probabilidade de pressão sangüínea alta. Peña González et al. (1997) concluíram que a RCQ é um índice complementar ao IMC na avaliação da obesidade e suas alterações metabólicas e que a RCQ elevada está correlacionada com um perfil lipídico adverso em hipertensos.

Neste estudo, não foram observadas variações importantes na capacidade preditiva da RCQ com a idade, embora a especificidade fosse mais alta nos indivíduos mais jovens. Contudo, há a necessidade de que sejam distintos os pontos de corte segundo o gênero, uma vez que a distribuição da adiposidade corporal difere entre homens e mulheres.

Esta análise evidenciou, ainda, que em indivíduos com IMC abaixo de 25 kg/m2, a RCQ apresenta um melhor desempenho quando se utilizam limites de corte mais restritos do que em pessoas com IMC igual a este limite ou acima dele. Estes resultados evidenciam que o efeito da gordura total pode ser menos importante do que o efeito da gordura depositada no abdômen, em consonância com o que tem sido sugerido por outros autores, como Gillum (1987), que constatou que o efeito da deposição da gordura corporal é independente da ponderosidade (Gillum, 1987).

A distribuição de gordura pelos diferentes compartimentos do organismo continua sendo muito explorada, e a tendência tem sido no sentido de mostrar que a gordura depositada junto às vísceras, mais do que a gordura subcutânea do abdômen, é o fator de risco para morbidade e mortalidade (Ellis, 1997). A avaliação do acúmulo de gordura visceral depende, contudo, de tecnologias de alto custo, como a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética. Diferentes medidas antropométricas têm sido utilizadas com marcadores dessa distribuição desfavorável de gordura. Em mulheres negras americanas, o perímetro da cintura foi a medida antropométrica que mais se correlacionou com a distribuição visceral de gordura (Conway et al., 1997).

A composição corporal e o padrão de distribuição dos tecidos corporais são variáveis de população para população (Stern & Haffner, 1988; Bouchard et al., 1990). É de grande importância a realização de estudos que identifiquem essas variações e, mais do que isto, é preciso avaliar a associação desses indicadores com a morbidade e a mortalidade. Neste sentido, este estudo, pioneiro no Brasil, permite estabelecer o indicador mais adequado da deposição de gordura abdominal e os pontos de corte que mais fortemente se associam com um desenlace, no caso a hipertensão.

Comparada com a RCA e PC, outros indicadores de deposição da gordura corporal, a RCQ apresentou maior capacidade preditiva de hipertensão arterial e menor correlação com o IMC, permitindo maior discriminação de indivíduos em risco de doença crônica, particularmente hipertensão.

Indica-se utilizarem-se os valores 0,95 para homens e 0,80 para mulheres da RCQ. Esses limites são compatíveis com especificidade entre alta e moderada, e conseqüentemente, uma taxa de falsos positivos reduzida.

Nos serviços de atenção à saúde, recomenda-se que uma atenção especial seja dirigida aos homens que não apresentam sobrepeso e que tenham RCQ entre 0,90 e 0,95. Em mulheres com sobrepeso, o corte da RCQ em 0,80 tem especificidade baixa; por isso, pode ser aceitável o limite 0,85 neste grupo.

O ponto de corte da RCQ de 1,00 (Pereira et al., 1997) para homens, proposto em outros trabalhos, demonstrou baixa sensibilidade em todos os estratos analisados, não sendo, portanto, indicada a sua utilização.

Em razão da importância de reconhecer indivíduos em risco de apresentar hipertensão arterial e outros distúrbios metabólicos relacionados com a alimentação e a obesidade e tendo em conta a simplicidade operacional do indicador RCQ, recomenda-se enfaticamente a sua inclusão nas práticas de vigilância e de investigação científica, bem como na atenção à saúde individual e coletiva, especialmente para indivíduos não classificados dentro dos limites de sobrepeso do IMC propostos pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1995).

 

 

Referências

 

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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