ARTIGO ARTICLE

 

Valdinar Sousa Ribeiro 1
Antônio Augusto Moura da Silva 2


Tendências da mortalidade neonatal em São Luís, Maranhão, Brasil, de 1979 a 1996  

Neonatal mortality trends in São Luís, Maranhão, Brazil, from 1979 to 1996

1 Departamento de Medicina III, Universidade Federal do Maranhão. Rua dos Prazeres 215, São Luís, MA 65020-070, Brasil. valdinar@elo.com.br
2 Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal do Maranhão. Rua Barão de Itapary 155, São Luís, MA 65020-070, Brasil. aasilva@elo.com.br
  Abstract This study examined neonatal mortality trends in São Luís in the last 18 years. The early and late components were assessed and causes were classified according to SEADE Foundation criteria based on reducibility of deaths and timing of prevention (during prenatal care, childbirth, or neonatal care). Data were derived from official live birth and death records. We detected an unexpected increase in the neonatal mortality rate, due primarily to a steep rise in early neonatal deaths. Causes reducible by early diagnosis and treatment (other specific infections and other neonatal respiratory causes) and those partially reducible by adequate monitoring of pregnancy (preterm births, low birth weight, and respiratory distress syndrome) showed the largest increase. Conversely, the post-neonatal mortality rate fell. The infant mortality rate remained the same, reflecting these antagonistic trends. The important rise in the neonatal mortality rate from 1995 onwards suggests a deterioration in the quality of obstetric and neonatal services. The high cesarean rate and overcrowded neonatal services (i.e., unable to cope with increasing demands foe specialized neonatal care) indicate the urgent need for restructuring the mother and child health care system.
Key words Neonatal Mortality; Infant Mortality; Child Health

 

Resumo O propósito do presente trabalho é avaliar a evolução da mortalidade neonatal em São Luís nos últimos 18 anos, classificá-la de acordo com os dias de vida e pelo critério de evitabilidade de óbitos da Fundação SEADE, a partir de dados do IBGE e do Ministério da Saúde. Detectou-se aumento da mortalidade neonatal, às custas de aumento expressivo do seu componente precoce, especialmente pelas causas reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoce, e parcialmente reduzíveis por adequado controle da gravidez. A mortalidade infantil, desse modo, manteve-se inalterada, apesar do decréscimo do seu componente pós-neonatal. O aumento expressivo no coeficiente de mortalidade neonatal a partir de 1995 aponta para a queda na qualidade da assistência obstétrica e neonatal, talvez motivada pelo elevado percentual de cesáreas e pela superlotação dos berçários. A tendência de estabilidade ou aumento da mortalidade neonatal é semelhante à observada recentemente no Brasil como um todo e difere da observada em outras cidades brasileiras, nas quais foi descrita queda lenta, mas persistente, da mortalidade neonatal, em oposição a uma redução mais dramática em países desenvolvidos.
Palavras-chave Mortalidade Neonatal; Mortalidade Infantil; Saúde Infantil

 

 

Introdução

 

A mortalidade infantil é classicamente considerada como um dos melhores indicadores do nível de vida e bem-estar social de uma população, (Simões, 1989; Duarte, 1992; Paim & Costa, 1993; Bercini, 1994). A mortalidade infantil tem dois componentes: o neonatal, compreendendo os óbitos ocorridos do nascimento até os 27 dias de vida; e o infantil tardio, incluindo os óbitos ocorridos do 28o dia até um dia antes de completar um ano. O componente da mortalidade infantil mais associado com a qualidade de vida é o pós-neonatal. A mortalidade neonatal, por outro lado, reflete mais a assistência à saúde recebida pelas crianças e mães do que o bem-estar social, estando associada tanto a fatores biológicos como à assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. A redução da mortalidade neonatal é mais difícil. Sua prevenção envolve investimentos em serviços hospitalares de tecnologia mais complexa (Bercini, 1994).

No Brasil, a mortalidade pós-neonatal apresentou grande redução nos últimos anos, (Simões, 1989; Szwarcwald et al., 1992). A mortalidade neonatal, entretanto, tem mostrado uma redução mais lenta (Carvalho, 1993). Em alguns locais, inclusive, foi relatada uma parada ou redução em sua tendência de declínio ou, até mesmo, a ascensão da mortalidade nos primeiros momentos da vida do recém-nascido, denunciando, provavelmente, uma possível piora na qualidade da assistência obstétrica e pediátrica (Leal & Szwarcwald, 1996a; Ministério da Saúde, 1998).

No Maranhão, acompanhando a mesma tendência observada em outras regiões brasileiras, a mortalidade infantil vem diminuindo, mas o decréscimo tem sido mais lento do que em outros Estados. Entre 1982 e 1994, a mortalidade infantil no Maranhão reduziu-se de 86 por mil para 58 por mil (Silva & Ribeiro, 1997). As estimativas da mortalidade infantil no Estado foram obtidas em inquéritos populacionais, utilizando a técnica de Brass, em virtude do elevado sub-registro de óbitos e nascimentos. Desta forma, pouco se conhece sobre a evolução dos componentes neonatal e pós-neonatal da mortalidade infantil em nosso meio, pois as estatísticas oficiais são pouco úteis em conseqüência do sub-registro de nascimentos e de óbitos, ambos muito elevados no Estado (Estado do Maranhão/UNICEF, 1992; Campos et al., 1995; Silva & Ribeiro, 1997). Estudos recentes demonstraram que para a capital, São Luís, o sub-registro de óbitos e de nascimentos é de menor magnitude, tornando viável o seu estudo (Estado do Maranhão/ UNICEF, 1992).

A maioria dos trabalhos sobre tendências da mortalidade infantil foram realizados nas Regiões Sul ou Sudeste. Poucas têm sido as pesquisas realizadas no Nordeste sobre o tema. O propósito do presente trabalho é avaliar a evolução da mortalidade neonatal em São Luís nos últimos 18 anos, classificá-la de acordo com os dias de vida e pelo critério de evitabilidade de óbitos da Fundação SEADE. Pretendeu-se buscar explicações para a sua persistência em níveis elevados, quando a mortalidade pós-neonatal tem mostrado redução significativa em todo o período.

 

 

Material e métodos

 

A fonte de dados de óbitos (numerador do coeficiente de mortalidade infantil) foi a série histórica do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM), de 1979 a 1996. Os dados de óbitos foram analisados sem correção para o sub-registro. Não se dispõe de informações que permitissem a aplicação de técnicas indiretas de estimação, pois as estimativas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios) não são desagregadas para o município de São Luís. É possível que o sub-registro de óbitos tenha mostrado tendência decrescente ao longo do período, pois houve uma elevação do percentual de nascimentos hospitalares, de 86,5% em 1991, Estado do Maranhão/UNICEF (1992) para 96,3% em 1996 (Tonial & Silva, 1997). Para os anos mais recentes, considerou-se que o sub-registro de óbitos esteja abaixo de 5%.

A fonte dos dados de nascimento (denominador do coeficiente de mortalidade infantil) foi a série histórica das Estatísticas do Registro Civil publicadas pelo IBGE, de 1979 a 1994. Nessas publicações são apresentados o número de crianças nascidas e registradas no mesmo ano e também o número de crianças registradas com até oito anos de atraso. Foi feita correção para o sub-registro de nascimentos utilizando-se o método do registro tardio, descrito pormenorizadamente em trabalho de Leal & Szwarcwald (1996a), supondo-se que poucas crianças são registradas com mais de oito anos de atraso.

Calculou-se, para os anos de 1979 a 1987, o fator de correção, dividindo-se o número de crianças nascidas e registradas no ano de nascimento pelo número de crianças nascidas e registradas com até oito anos de atraso. Para esses anos, calculou-se a média aritmética do fator de correção para registro tardio. Supondo-se que o percentual de registro no mesmo ano de nascimento tenha permanecido constante ao longo de toda a série histórica analisada, recalculou-se o número de nascidos vivos, multiplicando-se o número de nascidos vivos registrados no ano de nascimento pelo fator médio de correção para todo o período. Em seguida, para corrigir o efeito das flutuações casuais do registro civil e para se obter estimativas para os anos de 1995 e 1996, para os quais não se publicaram ainda as estatísticas, empregou-se a regressão exponencial. Assim, os nascidos vivos estimados para toda a série histórica foram corrigidos pelo método do registro tardio e, posteriormente, ajustados por regressão exponencial.

Obteve-se o coeficiente de mortalidade infantil (número de óbitos em menores de um ano) e infantil tardio (número de óbitos em crianças de 28 até 364 dias de vida), tendo como denominador o número de nascidos vivos em cada ano, expressos por mil habitantes. O coeficiente de mortalidade neonatal proporcional foi subdividido em precoce, óbitos até o sexto dia de vida, e tardio, do sétimo ao 27o dia. O denominador constituiu-se no total de óbitos em menos de 28 dias e foi expresso por cem habitantes. A mortalidade neonatal precoce foi analisada em dois períodos distintos: para os menores de um dia de vida e para a faixa entre um e seis dias de vida.

Os dados de óbitos e de nascidos vivos não são sujeitos ao erro amostral, pois compreendem a totalidade dos eventos ocorridos, mas sofrem os efeitos do erro aleatório no processo de registro. Assim, para a comparação dos coeficientes ao longo do tempo, dois métodos foram utilizados para lidar com o erro aleatório: a taxa percentual de variação anual dos coeficientes, ajustada pela função log-linear aos valores observados de 1979 a 1996, e o intervalo de confiança dos coeficientes de mortalidade.

A taxa percentual de variação anual foi obtida a partir da fórmula: 100 x (exp(b)-1), empregando-se o coeficiente angular da regressão, calculado a partir da função log-linear (LogeYt = a + bt), que foi a que melhor se ajustou aos dados. Foi também obtido o intervalo de confiança da taxa de variação anual no nível de 95% (Singh & Yu, 1995). Este método foi utilizado para se avaliar tendências ao longo de toda a série histórica.

Os intervalos de confiança dos coeficientes foram utilizados quando se desejou fazer a comparação de dois anos específicos. O intervalo de confiança dos coeficientes obtido para cada ano foi calculado assumindo-se distribuição binomial, quando o número de óbitos observados foi de cem ou mais, ou distribuição de Poisson, quando o número de óbitos foi menor do que cem. O cálculo do intervalo de confiança, assumindo distribuição binomial, utilizou a seguinte fórmula: Coeficiente ± 1,96 x coeficiente x erro padrão/100. O erro padrão do coeficiente foi calculado pela fórmula abaixo:

 

Quando se assumiu a distribuição de Poisson, multiplicou-se o coeficiente pelos fatores de confiança dos limites superior e inferior do intervalo no nível de 95%, disponíveis em trabalho de MacDorman & Atinkson (1998).

Utilizou-se, também, a mortalidade proporcional nos menores de um ano nos períodos neonatal e pós-neonatal, a mortalidade proporcional no período neonatal por dias de vida e a mortalidade proporcional nos menores de um ano por grupos de causa da Fundação SEADE. A classificação da Fundação SEADE agrupa as causa de óbito de acordo com as possibilidades existentes para sua redução (reduzíveis, parcialmente reduzíveis, não evitáveis, desconhecidas e outras causas). Também leva em conta em que fase do ciclo reprodutivo as mortes poderiam ser passíveis de prevenção por assistência adequada (na gravidez, no parto ou no período neonatal). Esta classificação teve como base a CID-9 (Classificação Internacional de Doenças - 9a revisão) (Seade, 1991). Desta forma, analisaram-se as tendências de 1979 a 1995 (1996 foi excluído pois, na tabulação das causas de mortalidade, passou-se a utilizar a CID-10).

 

 

Resultados

 

O coeficiente de mortalidade neonatal apresentou tendência de aumento significativo no período, quando passou de 10,45 por mil, em 1979, para 28,23 por mil, em 1996. Houve uma elevação de 170%, representando um acréscimo de 6,74% ao ano. Este aumento ocorreu em virtude do expressivo incremento no número de óbitos neonatais, pois o número de nascidos vivos mostrou evolução decrescente no período. Ocorreram dois picos de aumento: um entre 1987 e 1988 (de 12,03 para 19,35 por mil) e outro entre 1994 e 1995 (de 23,09 para 29,16 por mil) (Tabelas 1 e 2).

 

 

 

Ao contrário da mortalidade neonatal, a mortalidade pós-neonatal ou infantil tardia apresentou redução significativa no período, caindo de 23,26 por mil, em 1979, para 10,63 por mil, em 1996, decrescendo 5,16% ao ano (Tabelas 1 e 2). A diminuição não ocorreu durante todo o período. Observou-se tendência de aumento até 1984, com dois picos ascendentes: um em 1981 e outro em 1983. A redução foi observada a partir de 1987, sendo mais intensa de 1989 em diante (Tabela 1).

Refletindo o resultado destas duas tendências antagônicas, a mortalidade infantil permaneceu a mesma no período estudado, apresentando acréscimo não significativo de 0,18% ao ano (Tabelas 1 e 2)

Houve reversão da mortalidade proporcional em menores de um ano entre óbitos neonatais e pós-neonatais. Em 1979, os óbitos pós-neonatais representavam 69% dos óbitos infantis, e os neonatais, 31%. Em 1996, os óbitos neonatais passaram a ser responsáveis por 73% dos óbitos infantis, e os pós-neonatais, por 27% (Figura 1).

 

 

Analisando-se com mais detalhe a mortalidade neonatal, avaliando-a em três períodos distintos, observa-se que sua elevação foi causada pelo aumento da mortalidade neonatal precoce, tanto no grupo com menos de um dia, como no entre um e seis dias de vida (Tabela 3). O coeficiente de mortalidade neonatal para menores de um dia de vida aumentou 12,66% ao ano, e o para a faixa de um a seis dias, 7,93% ao ano, incrementos significativos. A mortalidade neonatal tardia não se alterou de forma significativa, pois o intervalo de confiança da taxa de variação anual incluiu o valor zero (Tabelas 2 e 3). A mortalidade proporcional também mostrou comportamento semelhante, observando-se que o acréscimo da mortalidade neonatal foi conseqüência apenas da mortalidade neonatal precoce, especialmente dos óbitos ocorridos antes das primeiras 24 horas de vida (Figura 2).

 

 

 

 

Pode-se observar que, até 1987, a mortalidade neonatal em menores de um dia se manteve em torno de dois a três por mil. A partir de 1988, ela cresce, passando a apresentar valores em torno de oito a dez por mil. O aumento da mortalidade neonatal no grupo de um a seis dias foi mais gradual, apresentando tendência de acréscimo mais ou menos constante, exceto a partir de 1994, quando passa do patamar de oito óbitos por mil para aproximadamente 13 por mil (Tabela 3).

A mortalidade proporcional no período neonatal segundo grupos de causa da Fundação SEADE apresentou importante variação no período. Observou-se queda no índice relativo aos óbitos reduzíveis por adequado controle da gravidez (grupo I) e às outras causas reduzíveis, dentre as quais se incluem as diarréias e infecções respiratórias (grupo V). Em sentido contrário, aumentou a mortalidade proporcional pelas causas reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoce (grupo III), pelas parcialmente reduzíveis por adequado controle da gravidez (grupo IV) e pelas causas desconhecidas, dentre as quais se incluem as maldefinidas (grupo VII). As demais causas, as reduzíveis por adequada atenção ao parto (grupo II), as causas não evitáveis (grupo VII) e as outras causas (grupo VIII) permaneceram constantes (Figura 3).

 

 

Discussão

 

O coeficiente de mortalidade infantil no Brasil vem apresentando tendência declinante. Essa queda tem sido maior no componente pós-neonatal, nas regiões mais desenvolvidas e nas áreas urbanas (Simões, 1989; Szwarcwald et al., 1992; Paim & Costa, 1993; Bercini, 1994; Victora et al., 1994; Leal & Szwarcwald, 1996a). O declínio da mortalidade neonatal tem sido menor, mas constante ao longo das duas últimas décadas (Leal & Szwarcwald, 1996a). Na Região Nordeste, tem sido observado declínio dos dois componentes, porém de forma mais lenta que nas regiões mais desenvolvidas do país (Simões, 1989; Szwarcwald et al., 1992). Entretanto, dados recentes do Ministério da Saúde mostram tendência de estabilidade, ou mesmo de aumento, da mortalidade neonatal no Brasil como um todo (Ministério da Saúde, 1998).

Ao contrário de outros municípios brasileiros, o coeficiente de mortalidade infantil não vem decrescendo no Município de São Luís. Observou-se declínio do componente pós-neonatal que, ocorrendo paralelamente a um aumento na mortalidade neonatal, resultou em um coeficiente de mortalidade infantil estacionário nos últimos 18 anos. Entretanto, as conclusões aqui apontadas não são definitivas, pela inexistência de dados totalmente confiáveis. Nesta publicação, corrigiu-se o número de nascidos vivos, considerando-se o registro tardio, mas é possível que parte das crianças nascidas não tenham sido registradas. Porém, de 1979 a 1987, anos para os quais os dados já estão disponíveis, o percentual de registro no mesmo ano de nascimento permaneceu constante, em torno de 62%. Se não se pode assegurar que essa técnica de correção do sub-registro seja uma boa aproximação do número real de nascidos vivos, é provável que o percentual de crianças que são registradas no mesmo ano em que nascem tenha permanecido constante até 1996. Desse modo, se os fatores de erro forem os mesmos ao longo de todo o período, então o estudo das tendências pode ser feito.

Em relação ao numerador, entretanto, não foi feita nenhuma correção. Não é provável que o registro de óbitos tenha permanecido constante. Assim, o aumento da mortalidade neonatal observado, especialmente a partir de 1988, pode ter ocorrido, total ou parcialmente, em virtude de um artefato provocado pela melhora do registro de óbitos. Essa elevação coincidiu com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a universalização do atendimento à saúde. Coincidiu, também, com o aumento do número de leitos em berçários de cuidados intermediários e intensivos disponíveis para a população de baixa renda, especialmente por causa da inauguração da UTI neonatal do Hospital Materno-Infantil. Isso contribuiu para aumentar a demanda nas instituições públicas, aumentando o percentual de partos hospitalares, o que pode ter elevado o registro de óbitos neonatais (Ministério da Saúde, 1998). Alterações na percepção de viabilidade fetal também podem ter contribuído para aumentar o registro de óbitos, pois crianças anteriormente tidas como inviáveis ou contabilizadas como natimortos podem ter passado a ser percebidas como nascidos vivos e, assim, ter o óbito registrado (Howell & Blondel, 1994).

O novo incremento detectado na mortalidade neonatal, a partir de 1995, provavelmente, não foi decorrente de um aumento do registro de óbitos, pois o percentual de nascimentos hospitalares já estava acima de 95%. Esse aumento coincide com o incremento no percentual de parto cesáreo no município e com o fechamento de uma das maternidades da cidade para reforma, provocando, possivelmente, queda na qualidade da assistência obstétrica e neonatal. O número de leitos neonatais no município não é suficiente para atender à demanda, que aumentou nos últimos anos em razão da universalidade do atendimento proporcionado pelo SUS. Os berçários funcionam superlotados, o que pode ter contribuído para aumentar a infecção hospitalar e, conseqüentemente, a mortalidade.

O elevado percentual de cesáreas, 25,7% em 1996 (Tonial & Silva, 1997), pode estar provocando iatrogenia, contribuindo, assim, para aumentar o percentual de óbitos reduzíveis, através do aumento da taxa de prematuridade (especialmente de prematuros limítrofes), de baixo peso ao nascer e das doenças do recém-nascido associadas à cesárea eletiva, indicada antes do termo da gestação, hipótese já aventada por Hartz et al. (1996). Em Ribeirão Preto, já foi descrita associação entre cesárea e aumento do baixo peso ao nascer, porém não foi observada relação entre cesárea e mortalidade infantil (Silva et al., 1998). Dada a diferença de qualidade, resolubilidade e nível tecnológico entre os dois sistemas de atenção médica, não é improvável que a piora da assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido, da qual as cesáreas desnecessárias são um indicador emblemático, possa também estar associada a esse aumento ou, pelo menos, a essa persistência em níveis elevados da mortalidade neonatal em São Luís.

Com a redução da mortalidade pós-neonatal, a mortalidade neonatal passou a ter maior importância na composição da mortalidade infantil. A tendência crescente da mortalidade neonatal em São Luís é semelhante à observada recentemente no Brasil como um todo (Ministério da Saúde, 1998) e difere dos dados para a Região Nordeste entre 1979 a 1986, onde se observou queda lenta, mas regular, do coeficiente de mortalidade neonatal (IBGE/UNICEF, 1989). Difere, também, de outros Estados do Sul e Sudeste, onde foi relatada queda da mortalidade neonatal no Estado do Rio Grande do Sul, entre 1980 e 1992 (Victora et al., 1994), e da mortalidade neonatal precoce na cidade do Rio de Janeiro entre 1979 e 1989 (Duarte, 1991; Aragão, 1994). É também muito diferente da tendência reportada em Cuba (Corteguera, 1996) e em países desenvolvidos, como Estados Unidos (David & Siegel, 1983; Singh & Yu, 1995) e Noruega (Lie et al.,1987). Nestes países, a mortalidade neonatal caiu para valores abaixo de dez por mil já há alguns anos.

A análise da participação dos componentes precoce e tardio do índice de mortalidade neonatal demonstra que houve aumento do componente precoce e estagnação do tardio, diferente do observado em outros locais no Brasil, nos quais houve redução dos óbitos neonatais, tanto precoces quanto tardios, como em Ribeirão Preto (Almeida et al., 1992) e em Maringá (Bercini, 1994).

Pelo critério de evitabilidade de óbitos da Fundação SEADE, observou-se que, em todos os anos estudados, mais da metade dos óbitos neonatais ocorreram por causas reduzíveis. Tais achados sugerem que vêm ocorrendo em São Luís deficiências na assistência ao pré-natal, ao parto e ao neonato. Detectou-se aumento no percentual de óbitos por causas parcialmente reduzíveis por adequado controle da gravidez, com predomínio da prematuridade, baixo peso ao nascer e síndrome de angústia respiratória. Também houve incremento no percentual de óbitos reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoce, destacando-se outras infecções específicas e outras infecções respiratórias do recém-nascido. Não foi possível realizar uma análise evolutiva dos óbitos segundo peso de nascimento, pois o percentual de óbitos sem registro do peso ao nascer foi maior do que 30% em todos os anos da série, tendo chegado, em alguns anos, a mais de 50%.

O grupo V, no qual destacaram-se infecções intestinais e pneumonia, apresentou tendência de redução. Tal redução certamente sofreu influência das ações básicas de saúde, como a promoção do aleitamento materno, uso do soro oral e imunizações, que têm efeito importante já no período neonatal (Estado do Maranhão/UNICEF, 1992; Galvão et al., 1994; Campos et al., 1995; Silva & Ribeiro, 1997).

Também detectou-se diminuição dos óbitos reduzíveis por adequado controle da gravidez (grupo I), no qual foi observada redução dos óbitos por tétano neonatal e por sífilis congênita, indicando uma melhoria no controle destes agravos durante o pré-natal.

O percentual de óbitos por causas reduzíveis por adequada atenção ao parto, no qual predominaram as mortes por asfixia, não apresentou melhoria no período estudado. O aumento no percentual de causas desconhecidas (maldefinidas) indica precariedade do sistema de informações de óbito. A desqualificação das informações de óbitos dificulta o conhecimento da realidade e a formulação de políticas adequadas. Simões (1989:40) referiu que "as verdadeiras e reais estimativas das taxas de mortalidade infantil só serão possíveis quando houver neste país interesse no aperfeiçoamento de sistemas estatísticos contínuos".

Leal & Szwarcwald (1996b) detectaram, no Estado do Rio de Janeiro, o mesmo comportamento inédito de aumento dos óbitos por causa de outras afecções respiratórias, quando a tendência em outros países, como Reino Unido, Japão e Estados Unidos, é de decréscimo acentuado dessas causas.

De acordo com os resultados acima apresentados, evidenciam-se falhas na assistência ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. Não foram encontradas evidências claras de redução da mortalidade neonatal durante o período de análise, com exceção do grupo V, que inclui as gastroenterites e pneumonias, e do grupo I, tétano neonatal e sífilis congênita. Se não se pode afirmar categoricamente que a mortalidade neonatal tenha mesmo aumentado no período, pelo menos, pode-se dizer que ela não melhorou, o que já é um problema. Entretanto, é possível afirmar com mais segurança que a mortalidade neonatal aumentou a partir de 1995. Nossos achados sugerem que persistem ou pioraram as condições gerais desfavoráveis de assistência à gestante e ao recém-nascido, refletidas nos elevados índices de mortalidade neonatal por causas reduzíveis. É necessário um programa de melhoria da qualidade da assistência ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido, incluindo-se redução da taxa de cesáreas e readequação da assistência neonatal no município, hoje caracterizada pelo número insuficiente de unidades intermediárias e de alto risco para o atendimento.

 

 

Agradecimentos

 

Este trabalho é uma versão atualizada da Dissertação de Mestrado de autoria de Valdinar Sousa Ribeiro, apresentada ao Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, em 1996, financiado parcialmente pela FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão).

Agradecemos a Walna Melo Soares e a Victomar José Teixeira da Divisão de Coleta e Análise de Informações da Secretaria de Estado da Saúde, a Zilmar do IBGE e a Maria José Figueira de Mello e Silva Medeiros, pela disponibilidade e cessão de arquivos, documentos e bibliografia relevantes para a conclusão do presente trabalho. Agradecemos a Fernando Lamy Filho da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Heloísa Bettiol e Marco Antônio Barbieri do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) pela leitura e sugestões apresentadas no manuscrito.

 

 

Referências

 

ALMEIDA, L. E. A.; BARBIERI, M. A.; GOMES, U. A.; REIS, P. M.; CHIARATTI, T. M.; VASCONCELOS, V. & BETTIOL, H., 1992. Peso ao nascer, classe social e mortalidade infantil em Ribeirão Preto, São Paulo. Cadernos de Saúde Pública, 8:190-198.         

ARAGÃO, M. G. O. S., 1994. Mortalidade Perinatal na Região Metropolitana do Rio de Janeiro - 1979 a 1989. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.         

BERCINI, L. O., 1994. Mortalidade neonatal de residentes em localidade urbana da região sul do Brasil. Revista de Saúde Pública, 28:38-45.         

CAMPOS, G. J. V.; REIS FILHO, S. A.; SILVA, A. A. M.; NOVOCHADLO, M. A. S.; SILVA, R. A. & GALVÃO, C. E. S., 1995. Morbimortalidade infantil por diarréia aguda em área metropolitana da Região Nordeste do Brasil, 1986-1989. Revista de Saúde Pública, 29:132-139.         

CARVALHO, M. L., 1993. Mortalidade Neonatal e Aspectos da Qualidade da Atenção à Saúde na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1986/87. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.         

CORTEGUERA, R. L. R., 1996. Neonatal mortality in Cuba 1970-1993. International Child Health, 7: 35-48.         

DAVID, R. J. & SIEGEL, E., 1983. Decline in neonatal mortality, 1968 to 1977: Better babies or better care? Pediatrics, 71:531-540.         

DUARTE, M. C. R., 1992. Qualidade de vida e indicadores de saúde: Aspectos da mortalidade infantil no Estado do Rio de Janeiro e suas regiões. Cadernos de Saúde Pública, 8:414-427.         

ESTADO DO MARANHÃO/UNICEF (United Nations Children's Emergency Fund), 1992. Crianças e Adolescentes no Maranhão: Saúde, Educação e Trabalho. São Luís: Governo do Estado do Maranhão/UNICEF.         

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)/UNICEF (United Nations Children's Emergency Fund), 1989. Perfil Estatístico de Crianças e Mães no Brasil: Mortalidade Infantil e Saúde na Década de 80. Rio de Janeiro: IBGE/ UNICEF.         

GALVÃO, C. E. S.; SILVA, A. A. M.; SILVA, R. A.; REIS FILHO, S. A. R.; NOVOCHADLO, M. A. S. & CAMPOS, G. J. V., 1994. Terapia de reidratação oral para diarréia aguda em região do nordeste do Brasil, 1986-1989. Revista de Saúde Pública, 28:416-422.         

HARTZ, Z. M. A.; CHAMPAGNE, F.; LEAL, M. C. & CONTANDRIOPOULOS, A. P., 1996. Mortalidade infantil "evitável" em duas cidades do Nordeste do Brasil: Indicador de qualidade do sistema local de saúde. Revista de Saúde Pública, 30:310-318.         

HOWELL, E. M. & BLONDEL, B., 1994. International infant mortality rates: Bias from reporting differences. American Journal of Public Health, 84:850-852.         

LEAL, M. C. & SZWARCWALD, C. L., 1996a. Evolução da mortalidade neonatal no Estado do Rio de Janeiro, Brasil (1979-1993): Análise por grupo etário segundo região de residência. Revista de Saúde Pública, 30:403-412.         

LEAL, M. C. & SZWARCWALD, C. L., 1996b. Evolução da mortalidade neonatal no Estado do Rio de Janeiro, Brasil (1979-1993): Análise por causa segundo grupo de idade e região de residência. Cadernos de Saúde Pública, 12:243-252.         

LIE, R. T.; IRGENS, L. M.; SKJAERVEN, R. & BERGSJO, P., 1987. Secular changes in early neonatal mortality in Norway, 1967-1981. American Journal of Epidemiology, 125:1066-1078.         

MACDORMAN, M. F. & ATKINSON, J. O., 1998. Infant mortality statistics form the linked birth/infant death data set - 1995 period data. Monthly Vital Statistics Report, 46:1-23.         

MS (Ministério da Saúde), 1998. A Mortalidade Perinatal e Neonatal no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde.         

PAIM, J. S. & COSTA, M. C. N., 1993. Decréscimo e desigualdade da mortalidade infantil: Salvador, 1980-1988. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, 114:415-428.         

SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), 1991. Mortalidade infantil e desenvolvimento. Conjuntura Demográfica, 14/15:49-50.         

SILVA, A. A. M.; BARBIERI, M. A.; GOMES, U. A. & BETTIOL, H., 1998. Trends in low birth weight: A comparison of two birth cohorts separated by a 15-year interval in Ribeirão Preto, Brazil. Bulletin of the World Health Organization, 76:73-84.         

SILVA, A. A. M. & RIBEIRO, V. S., 1997. Mortalidade infantil. In: Saúde, Nutrição e Mortalidade Infantil no Maranhão (S. R. Tonial & A. A. M. Silva, orgs.), pp. 70-75, São Luís: Universidade Federal do Maranhão/Secretaria de Estado da Saúde/UNICEF.         

SIMÕES, C. C. S., 1989. Novas estimativas da mortalidade infantil - 1980/87. In. Perfil Estatístico de Crianças e Mães no Brasil: Mortalidade Infantil e Saúde na Década de 80 (C. C. S. Simões, org.), pp. 14-48, Rio de Janeiro: IBGE/UNICEF.         

SINGH, G. K & YU, S. M., 1995. Infant mortality in the United States: Trends, differentials and projections, 1950 through 2010. American Journal of Public Health, 85:957-964.         

SZWARCWALD, C. L.; CHEQUER, P. & CASTILHO, E. A., 1992. Tendências da mortalidade infantil no Brasil nos anos 80. Informe Epidemiológico do SUS, 1:35-50.         

TONIAL, S. R. & SILVA, A. A. M., 1997. Saúde, Nutrição e Mortalidade Infantil no Maranhão. São Luís: Universidade Federal do Maranhão/Secretaria de Estado da Saúde/UNICEF.         

VICTORA, C. G.; GRASSI, P. R. & SCHMIDT, A. M., 1994. Situação de saúde da criança em área da região sul do Brasil, 1980-1992: Tendências temporais e distribuição espacial. Revista de Saúde Pública, 28:423-432.         

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br