ARTIGO ARTICLE

 

Rita de Cássia Pereira Fernandes1
Fernando Martins Carvalho2


Doença do disco intervertebral em trabalhadores da perfuração de petróleo

Intervertebral disk disease among oil drilling workers

 

1 Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Rua Pedro Lessa 123, Salvador, BA 40110-050, Brasil.
mdarocha@svn.com.br

2 Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. Av. Reitor Miguel Calmon s/no, Salvador, BA 40110-100, Brasil.
fmc@svn.com.br
  Abstract A cross-sectional study among 1,026 oil drilling workers in Northeast Brazil found a prevalence rate of 5% for intervertebral disk disease, varying from 1.8% (activities without heavy lifting) and 4.5% (occasional lifting) to 7.2% (routine lifting). Disease prevalence was 10.5% among drilling workers with more than 15 years in the industry and 11.3% among those over 40 years of age. Prevalence ratio (PR) for the association between working in oil drilling operations and intervertebral disk disease was 2.3 (95% CI: 1.3-4.0). Retrospective information about exposure was collected to minimize the healthy worker survival effect. Using information on current occupation instead of occupational life history would cause an underestimated PR of 1.1 (95% CI: 0.6-1.9). Logistic regression showed results similar to the tabular analysis. Neither confounding nor interaction was evident. Growth of the Brazilian oil industry and recent changes in the work force contract and management, involving changes in risk management and health control, indicate a need for prompt ergonomic intervention in order to control intervertebral disk disease among oil drilling workers.
Key words Petroleum Industry; Intervertebral Disk; Bone Diseases; Occupational Health

Resumo Estudo transversal em 1.026 trabalhadores em distrito de perfuração de petróleo do Nordeste brasileiro mostrou prevalência global de doença do disco intervertebral lombar de 5%, variando de 1,8% (atividades sem manuseio de carga), 4,5% (manuseio ocasional) até 7,2% (manuseio habitual). Tal prevalência foi de 11,4% em operadores de sonda de perfuração de petróleo com mais de 40 anos de idade e de 10,5% naqueles com mais de 15 anos de empresa. A razão de prevalência (R.P.) à associação entre trabalho em operação de sonda e doença do disco foi 2,3 (I.C. 95%: 1,3, 4,0). Para minimizar o efeito sobrevivência do trabalhador sadio foram usadas informações retrospectivas acerca da exposição. A informação referente à ocupação atual em lugar do histórico ocupacional resultaria em RP subestimada de 1,1 (I.C. 95%: 0,6, 1,9). A regressão logística ratificou os achados da análise tabular. Não houve confundimento nem interação. O incremento da indústria de petróleo no país e as alterações na gestão e contratação da força de trabalho implicam mudanças no gerenciamento de risco e controle de saúde, além de pronta intervenção ergonômica para controle da doença.
Palavras-chave Indústria Petroquímica; Disco Intervertebral; Osteopatia; Saúde Ocupacional

 

 

Introdução

 

A problemática do adoecimento da coluna vertebral foi referida como forma importante de desgaste dos trabalhadores desde os primeiros momentos da revolução industrial. Engels (1985), em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, obra escrita na metade do século XIX, já fazia referência às freqüentes deformações da coluna vertebral que acometiam operários de fábricas, em que se trabalhava durante muitas horas por dia, como efeito da sobrecarga de trabalho. O NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health), entidade governamental americana, definiu - como uma das primeiras prioridades para a década de 1990 - o estudo das afecções da coluna, em especial, a lombalgia, conhecida por associar-se ao transporte manual de cargas (Knoplich, 1995). No Brasil, as doenças músculo-esqueléticas, com predomínio das doenças da coluna, são a primeira causa de pagamento do auxílio-doença e a terceira causa de aposentadoria por invalidez (Alexandre et al., 1992; Knoplich, 1995). Isto significa que considerável parcela da população que trabalha, afasta-se temporária ou definitivamente do processo produtivo em função das lombalgias.

A história dos agravos à saúde do trabalhador caracteriza-se por grande sub-registro resultante da falta de reconhecimento do nexo-causal entre as doenças e as condições de trabalho no Brasil (Possas, 1989; Rêgo, 1994). Este quadro não é diferente para as doenças da coluna, que têm sido mais freqüentemente abordadas, na população geral, em perspectiva clínica, individual, pouco enfocando grupos populacionais específicos, tais como grupos ocupacionais nos diversos ramos da economia. A contribuição das condições de trabalho na determinação das lombalgias de esforço - quadros agudos que retiram subitamente o trabalhador da atividade - é reconhecida em vasta literatura (Nachemson, 1992; Anderson, 1995). Estes quadros representam causa expressiva de afastamento do trabalhador da indústria através dos acidentes típicos do trabalho. Por sua vez, as lesões de evolução insidiosa, embora representem comumente formas mais graves de adoecimento da coluna, nem sempre têm a sua relação com o trabalho reconhecida (Hadler, 1987). "(...) O caráter cumulativo e demorado dos efeitos, (...), dificulta a percepção do nexo-causal entre o trabalho e a doença, muito mais claro no caso do acidente do trabalho dado o seu caráter súbito e traumático" (Possas, 1989:89).

Este estudo buscou estimar a prevalência de doença do disco intervertebral lombar em trabalhadores de uma indústria de perfuração de petróleo, descrevendo-a de acordo com o tipo de atividade laboral desempenhada e identificando possíveis fatores de risco para a doença do disco.

 

 

Metodologia

 

Foi desenvolvido estudo híbrido transversal, com componente retrospectivo (Pereira, 1995) em trabalhadores da indústria de perfuração de petróleo. A população do estudo foi o universo de trabalhadores de um distrito de perfuração de petróleo em setembro de 1994.

Conforme previsto na fase de desenho do estudo, a história ocupacional foi utilizada no sentido de permitir análise tanto de exposição pregressa como atual do trabalhador na empresa.

Optou-se por coletar todos os casos de afastamento por lombalgia (CID 724) e doenças do disco (722) a partir do banco de absenteísmo. Em seguida, partiu-se para levantamento dos prontuários, a fim de coletar informações do período de afastamento, para resgatar aqueles casos cujo diagnóstico inicial de "lombalgia inespecífica" foi definitivamente classificado como "lombalgia causada por doença do disco intervertebral" após a investigação propedêutica durante o afastamento.

Foram considerados "casos" todos os trabalhadores que, no momento do estudo, apresentavam doença do disco intervertebral lombar que tivesse determinado sintomas dolorosos e gerado incapacidade temporária ou definitiva para o trabalho. Todos os diagnósticos de doença do disco haviam sido feitos com exame físico, tomografia computadorizada de coluna lombo-sacra e/ou mielografia e/ou ressonância magnética. A queixa clínica de lombalgia - e não um resultado de exame de imagem - foi o achado inicial para o diagnóstico de doença do disco intervertebral lombar. Após investigação clínica, os meios de imagem utilizados sugeriram, para estes casos, o comprometimento da estrutura do disco intervertebral, tendo-lhe sido atribuído o quadro clínico.

Para coleta dos dados de exposição foram utilizadas: técnica de observação direta dos postos de trabalho e atividades desenvolvidas; informações fornecidas pelas equipes de trabalho presentes durante as inspeções; entrevista coletiva após a observação direta - quando foram entrevistados pelo menos dois trabalhadores para cada ocupação observada - e informações de perfil profissiográfico fornecidas pelo setor de recursos humanos da empresa.

Os dados coletados em campo por intermédio das inspeções e entrevistas, bem como com a avaliação da exposição a cargas mecânicas, foram analisados e sumariados, o que possibilitou a definição de três grupos homogêneos de exposição, atentando-se, portanto, para as atividades desenvolvidas e a história ocupacional.

Foi realizada descrição dos dados, seguida da análise tabular e análise estratificada. Utilizou-se também a análise multivariada através da regressão logística.

 

 

Resultados

 

A população de estudo foi composta de 1.026 trabalhadores, com idade de 25 anos ou mais, sendo 978 homens e 48 mulheres. Não existiu valor perdido para nenhuma das variáveis tempo de empresa, idade, estado civil, escolaridade, gênero, regime de trabalho, ocupação.

O grupo homogêneo 1 foi composto por 278 trabalhadores, ao passo que o grupo 2 contou com 290 trabalhadores e o grupo homogêneo 3, 458, o que corresponde respectivamente a 27%, 28,3% e 44,6% da população (Tabela 1).

 

 

A Tabela 2 mostra que, no grupo de atividade 3, não tinha trabalhador do sexo feminino. Apenas no grupo 1, que concentrou atividades de escritório, 16,2% da população foi do sexo feminino. Neste grupo estavam 93,7% das mulheres (n = 45). A população foi composta por grande maioria de trabalhadores casados (86,5%), e o nível de escolaridade de segundo grau completo ou mais chegou a ser de 87,4% para os trabalhadores do grupo 1. A menor escolaridade foi encontrada no grupo 3, em que metade dos trabalhadores (51,1%) não tinha segundo grau completo. O regime de trabalho era em turno ininterrupto de revezamento para todos os trabalhadores do grupo 3; para 71,0% dos trabalhadores do grupo 2; e para 36,0% dos trabalhadores do grupo 1. Este dado refletiu a composição de cada grupo, tendo-se em mente que todas as ocupações definidas para o grupo 3 eram da área operacional, cujo regime de trabalho era em turno. O grupo 1 abrangia algumas ocupações da área de apoio e da área operacional - auxiliar de segurança patrimonial e técnico de fluido, por exemplo -, o que explica que 36,0% dos trabalhadores deste grupo estivessem em regime de turno. A prevalência de hérnia de disco incapacitante foi de 5,0% na população de estudo, variando de 1,8% no grupo 1, 4,5% no grupo 2 a 7,2% no grupo 3. A distribuição da prevalência entre os grupos pode ser vista na Figura 1.

 

 

 

 

A Tabela 3 mostra que a população do estudo tinha idade média de 38,3 anos. A média de tempo de empresa para a população foi de 13,4 anos. A idade média à época da admissão na empresa foi de 24,9 anos. As três covariáveis tiveram valores médios semelhantes entre os três grupos.

 

 

A observação da Tabela 4 mostra que, com o aumento da faixa etária, há tendência crescente da prevalência de doença incapacitante do disco para a população total do estudo. Nesta tabela, a prevalência da doença foi de 0,0% para a faixa etária de 25 a 29 anos, 3,2% para os trabalhadores com 30 a 34 anos de idade, subindo para 4,3% para aqueles na faixa etária de 35 a 39 anos, atingindo 7,5% para aqueles com 40 anos ou mais. A prevalência da doença cresceu de 4,7% na faixa etária de 35 a 39 anos, para 11,4% naqueles com idade de 40 anos ou mais, entre os trabalhadores do grupo 3. Para o grupo 2, a prevalência foi de 6,7% para a faixa etária igual ou maior do que 40 anos. Em função do pequeno número de casos no grupo homogêneo 1, não foi feita a estratificação para este grupo.

 

 

A observação da Tabela 5 mostra que, para a população total do estudo, há também tendência crescente da prevalência de doença incapacitante do disco com o aumento do tempo de empresa. No grupo 3, a prevalência aumentou de 4,6%, entre os trabalhadores com 5 a 9 anos de empresa, para 5,2%, entre aqueles com 10 a 14 anos, e atingiu 10,5% entre aqueles com 15 anos ou mais de empresa.

 

 

Em análise bruta inicial da associação entre doença e exposição ao tipo de atividade ocupacional mostrada na Tabela 6, vê-se que a doença de disco incapacitante é mais prevalente entre os trabalhadores do grupo 3, com razão de prevalência bruta de 4,0 (I. C. 95%: 1,6, 10,1), ao passo que o grupo 2 apresenta R. P. de 2,6 (I. C. 95%: 0,9, 6,9) quando o referente é o grupo 1. Quando se comparam os grupos 2 e 3 - sendo o 2 o grupo referente - a R. P. é de 1,6 (I. C. 95%: 0,9, 3,0).

 

 

A Tabela 7 revela associação positiva, estatisticamente significante, entre histórico ocupacional de trabalho em ocupações do grupo 3 e doença do disco incapacitante: R. P. 2,3 (I. C. 95%: 1,3, 4,0). Para o estrato de trabalhadores com menos de 16 anos de empresa, a associação entre doença do disco e trabalho em atividades do grupo homogêneo 3 é positiva, R. P. 1,7, aumentando naqueles com 16 anos ou mais de empresa, R. P. 3,9 (I. C. 95%: 1,3, 11,4). Do mesmo modo, para a covariável idade, a R. P. é de 1,8 entre aqueles com menos de 42 anos, passando para R. P. de 3,3 (I. C.95%: 1,3, 8,2) nos indivíduos com 42 anos ou mais. Contudo, quando a definição de exposição utilizou apenas a ocupação atual a fim de estabelecer comparação com resultados anteriores, em lugar de recorrer ao histórico ocupacional, pôde-se observar que desaparece a associação positiva, estatisticamente significante, com R. P. 2,3 (I. C. 95%: 1,3, 4,0), mostrando R. P. de 1,1, sem significância estatística. Os estratos para as covariáveis idade e tempo de empresa evidenciam comportamento semelhante. A associação encontrada para os trabalhadores com idade igual ou maior do que 42 anos de 3,3 (I. C. 95%: 1,3, 8,2) cai para 1,9, sem significância estatística, e aquela detectada para os trabalhadores com tempo de empresa de 16 anos ou mais, de 3,9 (I. C. 95%: 1,3, 11,4) cai para 1,3, sem significância estatística.

 

 

A análise de regressão logística foi realizada adotando-se, como exposto, o grupo 3, e o grupo referente foi formado pelos grupos homogêneos 1 e 2, conforme utilizado na análise tabular. Das covariáveis estudadas, decidiu-se incluir, na análise de regressão logística, idade e tempo de empresa, tendo em vista os resultados da análise tabular e a plausibilidade biológica de sua associação com o efeito estudado. Além disso, o reduzido número de casos (n = 51) dificultaria a utilização de modelos amplos. Foram adotados os mesmos pontos de corte da análise tabular - após observada a prevalência do efeito - segundo quartis, utilizando-se a curva emptrends. A partir das mesmas variáveis, dependente e independente principais, foram definidos os modelos para análise. Os termos produtos foram criados e a análise de modificação de efeito foi feita a partir dos modelos completos e reduzidos, utilizando-se o teste de razão da verossimilhança. Não se encontrou modificação de efeito para as covariáveis tempo de empresa (p = 0,32) e idade (p = 0,58). A análise de confundimento para as covariáveis "tempo de empresa" e "idade" não mostrou mudança significante na odds ratio (O. R.) ou nos intervalos de confiança quando cada uma foi retirada do modelo.

Portanto, os resultados da análise de regressão logística, ainda que realizada em caráter exploratório, mostram que o trabalho em operação de sonda de perfuração de petróleo é possível fator de risco para doença incapacitante do disco intervertebral lombar, independente do tempo de empresa e da idade, que não se confirmaram enquanto modificadoras de efeito nem como confundidoras.

De acordo com a literatura (Zocchetti et al., 1997), as medidas de razões de prevalência e O. R. são semelhantes quando a doença apresenta prevalência abaixo de 10%. Neste caso, as razões de prevalência obtidas com a análise tabular não diferiram das medidas de O. R. calculadas.

 

 

Discussão e conclusões

 

Os resultados do presente estudo estão em concordância com grande parte da literatura sobre lombalgia e trabalho, que identifica importante fator de risco para doença crônica da coluna lombar no trabalho físico pesado. A maior contribuição deste estudo, no entanto, está no fato de abordar uma população inserida na indústria de petróleo, cuja exposição aos fatores de risco foi avaliada a partir do processo de trabalho, revelando não apenas os fatores de risco em geral para a coluna lombar, mas as atividades de risco próprias da indústria de perfuração de petróleo. A metodologia adotada privilegiou o histórico ocupacional de cada indivíduo e não apenas a exposição corrente, permitindo, desta forma, minimizar o viés de seleção, que ocorre com razoável freqüência em estudos transversais, ocasionando o efeito sobrevivência do trabalhador sadio.

As características gerais da população de estudo refletem, em alguns aspectos, a população inserida no mercado de trabalho da indústria: preponderantemente do gênero masculino e estado civil casado (Tabela 2). A prevalência de doença do disco incapacitante nesta população foi de 5,0%, elevando-se para 7,2% no grupo homogêneo 3, aquele cujas atividades implicam manuseio habitual de carga. Estes resultados indicam relação dose-resposta, considerando o gradiente de carga mecânica entre os três grupos de atividade (Figura 1).

Um aspecto que chama a atenção é o tempo de empresa de 13 anos em média (Tabela 3). Esta peculiaridade pode ser explicada pelo fato de tratar-se de população que trabalha em empresa estatal, a qual garante a estabilidade no emprego. Além disto, a empresa de petróleo apresenta níveis salariais e benefícios indiretos que favorecem a permanência desta força de trabalho estável no emprego, uma vez que as ofertas no mercado externo não superavam, até o ano do estudo, as condições oferecidas nesta empresa do petróleo.

A análise de regressão logística confirma os resultados da análise tabular bruta, ou seja, as covariáveis idade e tempo de empresa não modificam o efeito da atividade em operação de sonda de petróleo sobre a coluna vertebral do trabalhador e não se constituíram enquanto confundidoras. Ou seja, embora idade e tempo de empresa estejam associadas positivamente com a doença em estudo, crescendo a prevalência nos estratos de maior faixa etária e maior tempo de empresa, a análise multivariada não mostrou interação entre estas e a exposição. Utilizando apenas a exposição atual não se encontrou associação da doença com a exposição ao trabalho com grandes cargas mecânicas. Este resultado isolado indicaria que o manuseio habitual de cargas, a flexão e rotação de tronco freqüentes e o levantamento de cargas não poderiam ser considerados como possíveis fatores de risco para o adoecimento crônico da coluna lombar. A prevalência da doença seria a mesma para o grupo exposto e grupo referente. Neste caso, a seleção inadequada dos indivíduos, utilizando-se a ocupação corrente, resultaria no ônus da falsa-negatividade dos achados (Fernandes, submetido).

Habitualmente, o controle médico da força de trabalho estabelece restrições ao ingresso no mercado de trabalho de indivíduos com faixa etária mais avançada. Com relação às doenças crônicas da coluna, este controle e seleção da mão-de-obra também se respaldam na concepção de que a doença é de origem degenerativa, decorrente do processo natural de envelhecimento e relativamente independente de cargas externas ou posturais sobre a estrutura da coluna vertebral e, dentre estas, as cargas de trabalho. Daí porque, com essa concepção, a exclusão dos indivíduos de maior faixa etária ao trabalho poderia ser a melhor forma de prevenção da doença. Além desta exclusão, a compreensão corrente no corpo gerencial do distrito estudado é a de que o envelhecimento dos plataformistas seria a causa do adoecimento da coluna. Entretanto, neste estudo, a associação positiva, estatisticamente significante, entre operação de sonda e doença do disco com R. P. de 2,3 - mantida após análise de confundimento e interação para idade e tempo de empresa - demonstra a importância dos fatores de risco do trabalho e, portanto, da exposição a estes fatores do trabalho na ocorrência da doença crônica da coluna lombar. Os resultados do presente estudo, ainda que sejam considerados seus limites analíticos e inferenciais, estão de acordo com a discussão trazida por Scotti & Monti (1981), para quem as alterações involutivas articulares, isoladamente, seriam achado fisiológico, mas, ao se associarem com a sobrecarga funcional, determinariam o quadro patológico da osteoartropatia do trabalho.

Em ampla revisão acerca dos fatores de risco para lombalgia e ciatalgia, Heliovaara (1989) - citando os estudos de Farfan e colaboradores a respeito do papel da torção na estrutura do disco - refere que estes autores encontraram que a ruptura de disco induzida experimentalmente por torção em espécimes de necropsia produziria mudanças semelhantes àquelas vistas em degeneração do disco não experimentalmente produzidas, sugerindo que ambas resultariam do mesmo mecanismo causal. Heliovaara, então, conclui que o anel fibroso do disco intervertebral não deterioraria apenas como resultado da idade, lembrando que o levantamento de peso e rotação do tronco poderiam induzir fissuras no anel fibroso.

Deve-se tomar em conta o papel do diagnóstico da doença ocupacional. A associação positiva entre trabalho físico pesado e lombalgia não é desconhecida; no entanto, o nexo causal entre doença crônica da coluna lombar e trabalho é, em geral, descaracterizado seja nos serviços próprios das empresas, seja nas instituições de seguro social. Esta realidade não é diferente na indústria de petróleo no Brasil, onde a empresa estatal de petróleo, comportando atividades que vão desde a exploração até a distribuição de combustível, possui muitos serviços de saúde em sua estrutura. Neste tipo de empresa, a grande diversidade de regiões e realidades nas quais tais serviços de saúde estão inseridos, demonstra heterogeneidade na política de saúde.

Embora os processos de trabalho nas diversas etapas produtivas da indústria do petróleo sejam os mesmos em todo o país - com incipientes e localizadas variações de base técnica -, a mesma doença tem sido caracterizada como doença ocupacional por alguns serviços de saúde da empresa, mas não o tem sido por outros. As condutas mostram-se diferentes, por exemplo, entre serviços da Região de Produção da Bahia e os da chamada Bacia de Campos, que é atualmente a maior região de exploração e produção de petróleo no país. Destes fatos pode-se deduzir que, de um lado, há falta de caracterização do papel desempenhado pelos fatores de risco do trabalho na ocorrência das doenças crônicas de coluna e, de outro, como conseqüência desta descaracterização, a implementação de ações de prevenção destas doenças também não tem sido priorizada. É evidente que os problemas de saúde sem visibilidade não se tornam objeto de intervenção.

O achado principal deste estudo é a associação positiva entre doença do disco intervertebral incapacitante temporária ou definitivamente para o trabalho e atividades que implicam manuseio habitual de carga, levantamento em flexão e rotação simultâneas e flexão de tronco para sustentação de carga com membros superiores. A carga principal identificada para o grupo homogêneo 3 é representada pela cunha - meio de trabalho do plataformista na "boca da mesa" -, que pesa 96,5 kg ou 58,0 kg. Esta ferramenta é manuseada simultaneamente, na maior parte das vezes, por, no mínimo, dois trabalhadores na sonda. Os resultados deste estudo mostram que esta é atividade que, embora apresente pequena variabilidade entre as jornadas de trabalho, pode caracterizar-se como atividade habitual, cuja duração total dos ciclos pode ser de até 12 horas em um dia de trabalho.

Ponderando-se estes fatos, é possível afirmar a inadequação da legislação brasileira em vigor, que estabelece - no Artigo 198 da Seção XIV do Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (Brasil, 1998) - o peso de 60 kg como limite de tolerância. Pode-se inferir que este limite máximo permitido venha determinando, possivelmente, ocorrência de alta morbidade em trabalhadores submetidos a cargas no trabalho, atentando-se inclusive para os resultados do presente estudo, que mostram doença em trabalhadores com manuseio de carga menor do que o limite estabelecido em lei.

É interessante referir também que o NIOSH, entidade americana, ao invés de considerar uma carga como limite de tolerância, tem desenvolvido critérios para avaliação de levantamento manual de cargas, reunindo diversos fatores da situação de trabalho. Para esta avaliação, o NIOSH recomenda que se examine a freqüência de levantamento, rotação lateral do tronco, qualidade da pega da carga, distância vertical percorrida com a carga desde a origem até o destino, altura vertical da carga na origem do esforço e distância horizontal do indivíduo à carga. Portanto, é preciso que se faça abordagem mais adequada desta questão, abrindo-se discussão concernente à redefinição dos dispositivos legais e limites de tolerância para manuseio de carga no Brasil.

O sofrimento físico e psíquico de trabalhadores vitimados pela doença crônica da coluna lombar, o alto custo financeiro da assistência a estes trabalhadores e o alto custo social causado pela saída precoce destes trabalhadores do mercado de trabalho ou das atividades para as quais foram qualificados, bem como a carga previdenciária provocada pelos afastamentos do trabalho em função da doença (Fernandes, 1995), determinam a necessidade de política voltada à intervenção nos processos, meios e ambientes de trabalho, subordinando-os a readequação ergonômica. Este aspecto é reforçado pela ausência de evidências de maior eficácia das medidas de prevenção de lombalgias ocupacionais voltadas para o indivíduo, a exemplo do uso de cinto ou suporte para o dorso, a seleção de indivíduos com melhor compleição física, a prática de exercícios físicos, o treinamento para levantamento de cargas, sobretudo quando adotadas isoladamente (Anderson, 1995; Van-Popel et al., 1997).

Um aspecto a observar diz respeito à nova forma de gestão da força de trabalho na empresa de petróleo estudada, que tem favorecido a crescente incorporação de trabalhadores subcontratados. Na atualidade, o precário controle de saúde destes trabalhadores terceirizados é objeto de estudo no Brasil (Ferreira & Iguti, 1996), e vários autores têm confirmado que a força de trabalho subcontratada está habitualmente submetida às piores condições de trabalho. Desta forma, os resultados da presente investigação, ao revelarem alta prevalência de doença entre os trabalhadores que operam sondas de perfuração de petróleo, estabelecem a necessidade de que a prevenção da doença de coluna esteja voltada tanto para trabalhadores com vínculo direto quanto para trabalhadores subcontratados, pois estes têm sido inseridos naquela atividade de operação de sonda. Os serviços contratados pela empresa estatal de petróleo devem ser por ela acompanhados quanto à política de gerenciamento de riscos ocupacionais e, no caso específico, quanto à prevenção de riscos ocupacionais para o adoecimento da coluna lombar.

A indústria de petróleo pode constituir meio de sobrevivência e de acesso aos bens de consumo para os seus trabalhadores, mas também configura, sob determinadas condições, meio de adoecimento, de sofrimento. Assim, é possível que a discussão acerca das novas tecnologias e sua incorporação nas sondas e plataformas de petróleo seja a estratégia mais eficaz de promoção da saúde dos trabalhadores.

 

 

Referências

 

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