DEBATE DEBATE

 

 

Alberto Lopes Najar

Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz najar@ensp.fiocruz.br


Debate sobre o artigo de Ana Maria C. Aleksandrowicz

Debate on the paper by Ana Maria C. Aleksandrowicz

 

 

"It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to Heaven, we were all going direct the other way - in short, the period was so far like the present period, that some of its noisiest authorities insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparison only" (Dickens, 1985:35).

O chamado diálogo entre as "Duas Culturas" sempre nos atormentou. Será profícuo o investimento intelectual para resolvê-lo? Parece-nos que os efeitos colaterais deste debate são mais férteis do que o debate em si. O que se esclarece, encontra-se mais nos argumentos periféricos do que nos principais. A relação entre as ditas duas culturas sempre foi bastante tensa e - parece-nos - assinala uma dicotomia de nossa coalização civilizatória. Periodicamente aciona-se a mó deste debate. Feitas as contas, após um certo relaxamento das placas tectônicas, o que resulta? Talvez a objetivação de certos princípios e a explicitação de alguns padrões.

Talvez as Duas Culturas sejam mundos possíveis, mas diferentes, que habitam os profundezas do ser e, a nosso ver, se forem compreendidos como tal, resolve-se o lado estéril e histriônico do debate. É difícil para a cultura ocidental lidar com este estresse cognitivo. Esta dificuldade nos tem conduzido a diversos becos - que não cabem aqui explicitar - e, nesta perspectiva, a epígrafe da autora é irretocável.

Do ponto de vista histórico convém lembrar três momentos de aproximação. Primeiramente, a característica marcante do século XVII no campo da investigação científica: a busca do método que permitisse a constituição de legítimo e seguro conhecimento. Nesta direção se alinham diversos escritos importantes: Novum Organum (Bacon, 1561/1626); Tratado da Reforma da Inteligência (Espinosa, 1632/1677); A Procura da Verdade (Malebranche, 1638/1715); e diversos opúsculos de Leibniz (1646/1716).

Em segundo lugar há o "pecado original", se assim nos for permitido expressar, que marca o nascimento da sociologia, avant la lettre: em seu prefácio ao Espírito das Leis, Montesquieu (1689/1755) assinala que depois de examinar o comportamento dos homens, percebeu que a infinidade de leis e costumes não eram orientadas apenas por seus caprichos, mas, ao contrário, através de relações necessárias que derivam da natureza das coisas, sendo estas relações, expressões de quatro Leis primordiais, quais sejam: busca da paz, procura de alimentos, reprodução e vida em comunidade.

Finalmente temos as formulações que aproximaram o jusnaturalismo do direito natural, através do método: supunha-se a demonstrabilidade da ciência moral a partir do topos clássico, segundo o qual não é verossímil que o Criador tenha dotado os homens de faculdades suficientes para descobrir e demonstrar, com certeza, uma quantidade de coisas especulativas - em especial, um grande número de verdades matemáticas - e não os tenha feito capazes de conhecer e de estabelecer, com a mesma evidência, as máximas da moral, sendo portanto a ciência moral suscetível de demonstração.

Logo, pode-se concluir que uma aspiração ao status científico, na perspectiva das ciências físicas, habita os tempos homéricos das ciências humanas.

O livro de Sokal possui uma particularidade que, a nosso ver, não está claramente destacada no texto que ora discutimos e é, entendemos, mais importante que qualquer discussão pontual: cobra a conta de algumas afirmações feitas por expoentes das ciências humanas, servindo-se de jargões das ciências físicas, procurando forjar uma precisão, e nesta perspectiva ressalta uma ruptura, pois ao contrário de seus "fundadores", o que se consegue com isso é, no máximo, uma mimetização do discurso do outro e não a tentativa de se chegar a um método equivalente em termos de rigor, alvo, sem dúvida, cercado com muitas escarpas escorregadias.

Registramos nossa satisfação em ler o texto que nos foi apresentado, especialmente pelo seu caráter instigante.

Para finalizar perguntamos quais serão os pontos de passagem possíveis para o desdobramento desta discussão? A nosso ver estará assinalado pelos avanços nas áreas da física, biologia e química, e a sua interação com os quatro pontos a seguir: revolução digital das telecomunicações, miniaturização acelerada da eletrônica, "comodificação" dos bites e domínio crescente do software sobre as formas materiais.

 

DICKENS, C., 1985. A Tale of Two Cities. London: Penguin Books.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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