NOTA RESEARCH NOTE
Célia Landmann Szwarcwald1 | Estimativa do número de pessoas de 15 a 49 anos infectadas pelo HIV, Brasil, 1998 Estimated number of HIV-infected individuals aged 15-49 years in Brazil, 1998
|
1 Departamento de Informações em Saúde, Centro de Informação Científica e Tecnológica, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.celia@malaria.procc.fiocruz.br 2 Coordenação Nacional de DST e AIDS, Ministério da Saúde. Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício Sede, Sobreloja, Brasília, DF 70058-900, Brasil. | Abstract This study estimates the number of HIV-infected individuals from 15 to 49 years of age in Brazil in 1998 based on sentinel population studies in pregnant women, with a selection bias in the sample. A principal components procedure was used to group 44 counties in homogeneous 13 clusters. Two indicators were constructed for each cluster: a) the logarithm of the accumulated AIDS incidence rate among women from 15 to 34 years of age (1996) and b) the logarithm of the growth ratio for the mean AIDS incidence rate for women from 15 to 34 years of age for the period from 1990-1992 to 1993-1996. Taking the log of the proportion of HIV-infected pregnant women as the dependent variable and the two above-mentioned indicators as the independent variables, a regression line was fitted to the aggregate data. Estimation of the model's parameters allowed us to calculate the proportion of infected individuals by macro-region, by age (15-34 and 35-49 years) and gender. The point estimate was 536 thousand HIV-infected adults with a 68% CI (470.689 - 603.305). Key words Acquired Immunodeficiency Syndrome; Prevalence; HIV; HIV Seroprevalence; Epidemiology
Resumo Neste trabalho, estima-se o número de indivíduos de 15-49 anos infectados pelo HIV no Brasil, em 1998, com base nos dados dos estudos de população-sentinela em gestantes que apresentavam viés de seleção da amostra. Um procedimento de componentes principais foi usado para agregar 44 municípios em 13 conglomerados homogêneos. Para cada conglomerado foram construídos dois indicadores: a) logaritmo da taxa de incidência acumulada de AIDS entre mulheres de 15-34 anos de idade (1996) e b) logaritmo da razão de crescimento da taxa de incidência média de AIDS em mulheres de 15 a 34 anos, do período de 1990-1992 para 1993-1996. Tendo como variável resposta o logito da proporção de gestantes infectadas pelo HIV e como variáveis independentes os dois indicadores citados, ajustou-se uma reta de regressão aos dados agregados. A estimação dos parâmetros do modelo permitiu calcular a proporção de infectados por grande região, por idade (15-34 e 35-49 anos) e por sexo. A estimativa por ponto foi de 536 mil adultos infectados pelo HIV com intervalo de confiança de 68% (470.689; 603.305). |
Introdução
O projeto "Vigilância do HIV por Rede-Sentinela Nacional" ou, resumidamente, "Projeto-Sentinela" - proposto pelo antigo Programa Global de AIDS da Organização Mundial da Saúde (GPA/WHO) e mantido pela UNAIDS (The Joint United Nations Programme on HIV/AIDS) - refere-se à coleta sistemática de dados para estabelecer as tendências espaço-temporais da infecção por HIV em populações selecionadas. Estes subgrupos populacionais são chamados de "grupos-sentinela" (OMS, 1993).
No Brasil, o Projeto-Sentinela vem sendo realizado, desde 1997, sob a gerência da Coordenação Nacional de DST e AIDS (CNDST/ AIDS), por meio de estudos transversais repetidos periodicamente em três grupos-sentinela: pacientes de clínica de DST, pacientes atendidos em pronto-socorro e gestantes atendidas em maternidade (MS, 1998).
O objetivo deste trabalho foi o de estimar o número de indivíduos de 15-49 anos infectados no Brasil, em 1998, com base nos resultados obtidos para o grupo das gestantes nos três cortes do Projeto-Sentinela efetuados nos anos de 1997 e 1998. O grupo-sentinela das gestantes foi selecionado para a estimação das prevalências da infecção pelo HIV, apesar das restrições, por ser preferencialmente considerado o grupo com taxas mais parecidas às apresentadas pelas mulheres de sua população (Boisson et al., 1996).
Em razão da seleção não aleatória dos sítios em que foi implementado o Projeto-Sentinela, a amostra não se mostrou representativa da população brasileira. Sendo assim, foi necessário ajustar as estimativas de prevalência através de procedimentos estatísticos para que os resultados pudessem ser generalizados em nível nacional.
Na presente nota técnica descrevemos, em primeiro lugar, o procedimento metodológico usado para ajustar as estimativas obtidas no Projeto-Sentinela. Posteriormente são apresentadas as prevalências ajustadas à população brasileira segundo sexo, faixa etária e Grande Região Geográfica.
Sobre a amostra do Projeto-Sentinela
A seguir são mostrados alguns aspectos referentes à amostragem utilizada no Projeto-Sentinela, para evidenciar os problemas acarretados pela generalização, sem qualquer ajuste, dos resultados à população geral.
Do total de 26.980 amostras de sangue em gestantes de 15 a 49 anos de idade - coletadas em três cortes do Projeto-Sentinela, durante o ano de 1998, em estabelecimentos de saúde localizados em 50 municípios do Brasil -, 216 tiveram sorologia positiva para o HIV pela reação de Elisa (dois testes) e reação de imunofluorescência como teste confirmatório. Ou seja, a proporção de infecção por HIV nesta amostra foi de 0,808%.
Há que considerar, entretanto, que o estudo de vigilância por rede sentinela incluiu apenas 50 municípios, dos quais cerca da metade são capitais das unidades federadas, nove são do Estado de São Paulo e seis do Estado do Rio de Janeiro, seis são metrópoles (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre), e somente seis municípios têm população menor do que 100 mil habitantes. Em sua grande maioria, os municípios incluídos no estudo de populações-sentinela apresentam alta incidência de AIDS, o que acarreta viés na estimativa da proporção de infectados para a população brasileira.
Adicionalmente, em seis municípios, os estabelecimentos de saúde nos quais se fez a coleta de sangue das gestantes são hospitais de referência de AIDS, implicando superestimativas da prevalência de infecção pelo HIV.
Outro problema desta amostragem é que em cada município, com poucas exceções, apenas um estabelecimento de saúde foi selecionado para participação no projeto. Ou seja, as estimativas por município coincidem, na maioria das vezes, com as estimativas por estabelecimento, afetadas certamente pela homogeneidade das gestantes atendidas no mesmo hospital.
Procedimento estatístico
O procedimento proposto toma em conta o viés introduzido pela falta de aleatoriedade na seleção dos municípios amostrados.
Após a identificação dos estabelecimentos de referência para AIDS pela CNDST/AIDS, os resultados referentes a estes estabelecimentos foram eliminados do estudo, considerando-se apenas 44 municípios para esta análise.
A estimação do número de infectados pelo HIV segundo sexo, faixa etária (15-34 e 35-49) e grande região foi feita em duas etapas.
Etapa 1
Inicialmente foram estimadas, para o Brasil, as proporções de gestantes de 15 a 34 anos de idade infectadas pelo HIV. A faixa etária de 15 a 34 anos foi escolhida como grupo base para o procedimento de estimação. Primeiro, porque esta categoria representa 92% das gestantes testadas, cuja média de idade é de 24 anos. Segundo, porque foi observado um acréscimo na proporção de gestantes a partir dos 35 anos infectadas, justamente o oposto do que ocorre com os outros grupos-sentinela, de pacientes de clínica de DST e atendidos em pronto-socorro.
Tendo em vista que os tamanhos da amostra por municípios eram pequenos para a estimação da proporção de gestantes infectadas por município com precisão aceitável, foi realizada uma análise de "clusters" com os 44 municípios amostrados, agregando-os em 13 conglomerados. O procedimento de aglomeração de municípios foi efetuado a partir de uma análise dos componentes principais (Green, 1978), que reduziu o conjunto de seis variáveis originais a duas novas dimensões: a primeira, agregando as informações sócio-econômicas e demográficas coletadas do censo demográfico de 1991, enquanto a segunda, representando a proporção de infecção pelo HIV, com cargas altas tanto para a incidência acumulada em 1996 como para a proporção de gestantes infectadas encontrada no estudo de populações-sentinela.
A seguir, para cada um dos 13 aglomerados, foram construídos dois indicadores a partir do banco de casos notificados de AIDS:
i) o logaritmo da taxa de incidência acumulada entre mulheres de 15-34 anos de idade em 1996;
ii) o logaritmo da razão de crescimento entre a taxa de incidência média no período 93-96, e a taxa de incidência média no período 90-92 entre mulheres de 15 a 34 anos de idade.
Tendo como unidades de análise os 13 conglomerados, como variável resposta o logito da proporção de gestantes de 15 a 34 anos de idade infectadas pelo HIV e como variáveis independentes os dois indicadores citados, ajustou-se uma reta de regressão pelo procedimento usual de mínimos quadrados.
O objetivo de ajustar um modelo de regressão foi o de buscar relação entre os indicadores de incidência de AIDS em mulheres de 15 a 34 anos e a proporção de gestantes infectadas, possibilitando assim estimar esta última, mesmo em áreas não incluídas no estudo de populações-sentinela.
O procedimento subseqüente, portanto, foi o de estimar, para as cinco grandes regiões, a proporção de mulheres infectadas de 15 a 34 anos a partir do modelo de regressão. Ponderando-se pelos tamanhos das populações por região entre as mulheres de 15 a 34 anos, em 1998, estimadas por projeção geométrica das populações do censo de 1991 (IBGE, 1994) e da Contagem da População de 1996 (IBGE, 1997), obteve-se o número estimado de mulheres de 15-34 anos infectadas no Brasil.
Considerando a amostragem como procedimento em dois estágios - o primeiro, o de municípios, e o segundo, o das gestantes -, a variância de p (proporção de infectados) foi calculada pela fórmula dada por Cochran (1963) para amostragem em conglomerados e, em seguida, foi multiplicada por (1-R2), em que R é o coeficiente de regressão múltipla, após o ajuste de p pela regressão linear. A estimativa da variância permitiu calcular intervalos de confiança para o número de mulheres infectadas de 15-34 anos no Brasil.
Etapa 2
Nesta etapa, foram avaliadas as proporções de infecção por HIV por sexo, grupo etário (15-34 e 35-49 anos) e grande região. Para as mulheres de 15-34 anos, assumimos como estimativas as proporções obtidas através do Projeto-Sentinela para as gestantes de 15-34 anos, ajustadas pelo método descrito na Etapa 1. Para os outros grupos de idade e sexo, sob a hipótese que o logito da proporção de infectados segue o mesmo modelo de regressão linear, diferindo apenas no valor da constante, foi necessário estimar apenas o coeficiente linear dos modelos em cada grupo.
As constantes dos modelos lineares foram estimadas com base nas razões entre a taxa acumulada de incidência em determinado grupo e a taxa acumulada de incidência entre as mulheres de 15-34 anos. Levando-se em conta a tendência temporal das razões encontradas para as taxas de incidência acumuladas de 1987 a 1996, obtidas a partir do banco nacional de casos notificados de AIDS, foram utilizadas as razões preditas para o ano 2003.
A partir dos intervalos de 68% de confiança para as proporções de gestantes de 15-34 anos infectadas pelo HIV (proporção ± desvio padrão) e admitindo-se as razões entre as proporções para os grupos de idade e sexo como constantes, foram calculados os limites do número de infectados de 15 a 49 anos por sexo e grande região.
O número de gestantes infectadas pelo HIV por grande região foi estimado pela multiplicação entre a prevalência estimada entre mulheres de 15-49 anos e o número de nascidos vivos por região, estimado a partir de dados de natalidade da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1999).
Resultados
Na Tabela 1, apresenta-se a composição dos 13 conglomerados de municípios gerados pela análise de componentes principais.
Os resultados do procedimento de regressão múltipla, tendo como variável resposta a proporção de gestantes infectadas nos 13 conglomerados, estão dispostos na Tabela 2. Pode-se dizer que o ajuste ao modelo linear foi bom, com coeficiente de regressão múltipla igual a 0,82 (p = 0,000).
As estimativas das proporções de gestantes infectadas ajustadas pelo modelo linear segundo as grandes regiões estão apresentadas na Tabela 3. A região com maior proporção de infecção foi a Sudeste, seguida pela Sul. A menor prevalência foi encontrada para a Região Nordeste.
As razões estimadas entre as proporções de infectados por grupo de idade (15-34 e 35-49 anos) e sexo em relação ao grupo de referência (mulheres de 15-34 anos), estabelecidas a partir da tendência temporal das incidências acumuladas dos casos notificados de AIDS, permitiram calcular os coeficientes lineares dos modelos de regressão em cada grupo. Os resultados podem ser cotejados na Tabela 4.
A aplicação dos modelos lineares forneceu a estimativa do número de indivíduos infectados em cada grupo etário e sexo por grande região (Tabela 5); a estimativa do número de gestantes infectadas no Brasil (Tabela 6); assim como estimativas dos limites do número de infectados de 15-49 anos por sexo e grande região baseados no intervalo de 68% de confiança para a proporção de infecção entre as gestantes (Tabela 7).
Comentários Finais
Como nota final deste trabalho, destacamos que as estimativas aqui apresentadas devem ser examinadas com as devidas precauções - por exemplo, a estimativa de cerca de 536 mil adultos infectados pelo HIV -, à luz das limitações dos dados do Projeto-Sentinela.
Em primeiro lugar, vale destacar que o Projeto-Sentinela tem como objetivo analisar as tendências temporais da infecção pelo HIV em determinados municípios especificamente selecionados para este fim. Procurou-se aqui minimizar o problema da falta de aleatoriedade na escolha dos estabelecimentos de saúde participantes do Projeto-Sentinela, ajustando um modelo de regressão aos dados de gestantes, que permite calcular a estimativa da proporção de mulheres infectadas pelo HIV de 15-34 anos de idade para áreas geográficas nas quais os indicadores referentes aos casos notificados de AIDS (taxa de incidência acumulada em 1996 e razão de crescimento das incidências médias entre 1990-92 e 1993-96 entre mulheres de 15-34 anos) sejam disponíveis.
O segundo problema refere-se aos estabelecimentos de saúde que são referência de AIDS, ou que passaram a ser após a implantação do Projeto-Sentinela. Eliminando os resultados relativos a estes hospitais, a proporção de gestantes infectadas de 15 a 34 anos decresceu de 8,0/1.000 para 5,6/1.000. Entretanto, ao excluir seis municípios do estudo (Florianópolis, Itajaí, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Guarujá e Natal), houve perda relevante de informações.
Adicionalmente, é preciso ponderar que os números de infectados do sexo masculino foram calculados com base nas razões de sexo entre as taxas de incidência acumulada preditas para o ano 2003, próximas a 2,0, tendo em conta que o cálculo das razões de sexo entre as proporções de infectados nos outros grupos-sentinela (pacientes de clínica de DST e pacientes atendidos em pronto-socorro) forneceu valores neste patamar. Obviamente, valores diferentes para as razões de sexo produziriam estimativas distintas do número de homens infectados no Brasil.
Outra limitação importante do procedimento proposto foi a impossibilidade de estimar o efeito de desenho introduzido pela conglomeração das gestantes nos estabelecimentos de saúde, já que a coleta de sangue das gestantes foi realizada, na grande maioria dos municípios, em apenas um estabelecimento.
Referências
BOISSON, E.; NICOLL, A.; ZABA, B. & RODRIGUES, L. C., 1996. Interpreting HIV seroprevalence data from preganant women. Journal of Acquired Immune Deficiency Syndromes and Human Retrovirology, 13:434-439.
COCHRAN, W. G., 1963. Sampling Techniques. New York: John Wiley.
GREEN, P. E., 1978. Analysing Multivariate Data. Hinsdale: The Dryden Press.
IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1994. Censo Demográfico, Brasil - 1991. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1997. Contagem da População, 1996. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1999. Síntese de Indicadores Sociais, 1998. Rio de Janeiro: IBGE.
MS (Ministério da Saúde), 1998. Vigilância do HIV por Rede Sentinela Nacional. Manual de Campo. Brasília: Coordenação Nacional de DST e AIDS, Ministério da Saúde.
OMS (Organização Mundial da Saúde), 1993. Módulo de Treinamento: Vigilância da Infecção pelo HIV. Genebra: Programa Mundial de Controle da AIDS, OMS.