ARTIGO ARTICLE
Denise Silva da Silveira 1,2 | Atenção pré-natal na rede básica: uma avaliação da estrutura e do processo Prenatal care at the primary health care level: an assessment of the structure and process |
1 Secretaria Municipal de Saúde e Bem-Estar de Pelotas. Rua Lobo da Costa 1764, Pelotas, RS 96010-150, Brasil. 2 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. Av. Duque de Caxias 250, 2o andar, Pelotas, RS 96030-002, Brasil. | Abstract With the aim of describing the structure and process by which prenatal care is provided at the primary health care level in the city of Pelotas in southern Brazil, a descriptive cross-sectional study was conduced. All 31 urban health care facilities were visited and their structure analyzed. A total of 839 prenatal records from mothers who delivered in the six months prior to the beginning of the study were reviewed. The structure as a whole was classified as poor (only 70% of standard parameters were present), mainly due to deficiencies in the physical plant. Process assessment showed low coverage (53%) and an average of 5.3 visits. Only 37% of patient records showed adequate results (Kessner Index). Adding laboratory test results and routine procedures as complementary criteria, 31% and 5% of the records scored as adequate, respectively. In summary, overall quality of prenatal care provided at the primary health care level in Pelotas is poor. Mechanisms to increase staff adherence to both procedures and program logistics need to be developed. Key words Prenatal Care; Hospitalization; Hospitalized Child
Resumo Realizou-se estudo transversal descritivo e auditoria de registros médicos para avaliar a estrutura e o processo de atendimento pré-natal nas unidades de atenção primária à saúde em Pelotas, Sul do Brasil. Para a investigação da estrutura, foram incluídas todas as 31 unidades da zona urbana. No estudo do processo revisou-se os registros de pré-natal das mães com data provável de parto nos 6 meses anteriores ao início do trabalho de campo, num total de 839 formulários. A estrutura foi considerada precária (70% da ideal), principalmente devido a deficiências da planta física. Quanto ao processo, observaram-se uma baixa cobertura (53%) e média de consultas de 5,3. O pré-natal foi adequado em somente 37% dos registros (Índice de Kessner). Adicionando-se exames laboratoriais e procedimentos da consulta como critérios complementares, 31% e 5% dos registros foram considerados adequados, respectivamente. De um modo geral, a qualidade do cuidado pré-natal oferecido foi precária. Mecanismos que aumentem a aderência das equipes de saúde aos procedimentos e à lógica do programa, necessitam ser desenvolvidos. |
Introdução
A aplicação dos conceitos e métodos epidemiológicos na avaliação de serviços, programas e tecnologias vem notadamente se desenvolvendo, especialmente com relação a investigações sobre a qualidade da atenção médica (Fosberg et al., 1991; Black, 1994; Goldbaum, 1996).
Para estimar a qualidade dos serviços, Donabedian (1988) tem recomendado a análise da estrutura, do processo e do resultado, considerando o estudo do processo como a melhor forma para investigar-se o conteúdo da atenção oferecida no primeiro nível de assistência.
Com relação à qualidade da atenção dedicada ao pré-natal, os principais problemas apontados em estudos da literatura referem-se ao não-cumprimento das normas e rotinas por parte dos profissionais, ao não-preenchimento de registros e à constatação de que os cuidados dispensados são inversamente direcionados às necessidades (Hansell, 1991; Peoples-Sheps et al., 1991; Petitti et al., 1991; Camús et al., 1992; Kogan et al., 1994; Sikosana, 1994).
Em nosso país, estudos que visem avaliar a qualidade dos serviços são escassos. Na sua maioria, limitam-se a descrever características da atenção médica, tais como cobertura, número de consultas pré-natais e tipo de parto (Tanaka et al., 1989; Gomes et al., 1990; Scochi, 1991). Apenas um estudo (Takeda, 1993) investigou a qualidade desse cuidado, empregando alguns indicadores de adequação, entre eles o Índice de Kessner, modificado pela autora, e a verificação do conteúdo das consultas.
Os resultados do estudo da coorte de Pelotas de 1993 (Halpern et al., 1998) mostraram que, apesar da alta cobertura pré-natal no município, existem desigualdades nos cuidados oferecidos às gestantes. As de maior risco gestacional apresentaram maior proporção de pré-natal classificado como inadequado ou intermediário (25%), quando comparadas com as de menor risco (10%). Aquelas que não receberam nenhum atendimento antes do parto eram mais pobres, adolescentes ou com idade acima de quarenta anos e tiveram uma incidência de baixo peso ao nascer 2,5 vezes maior do que as do grupo de mães que realizaram cinco ou mais consultas.
No momento, o Município de Pelotas caminha para o processo de municipalização plena da atenção básica à saúde (SMSBE, 1996), sendo responsável pelo gerenciamento de 31 unidades de saúde, localizadas na zona urbana, e 12 na zona rural. Nesses serviços, desenvolvem-se ações através de programas com ênfase no grupo materno-infantil, onde o atendimento ao pré-natal é uma ação prioritária.
Esse estudo teve como objetivo descrever a atenção pré-natal oferecida às gestantes usuárias desses serviços, utilizando para tal a caracterização da estrutura e do processo de atendimento. Espera-se que as conclusões, cientificamente embasadas, possam ser utilizadas pelos gestores de saúde locais, a fim de alcançar ações mais efetivas e de melhor qualidade.
Material e métodos
O estudo foi composto por dois subestudos complementares: um estudo descritivo, para avaliação da estrutura das unidades, e uma auditoria de registros médicos do atendimento pré-natal, para avaliação do processo.
Estrutura
O subestudo da estrutura incluiu todas as 31 unidades de saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Bem-Estar (SMSBE) de Pelotas localizadas na zona urbana do município. Foi conduzido durante o mês de maio de 1998, com aplicação, em cada unidade, do Instrumento de Avaliação para Centros e Postos de Saúde (MS, 1985). Nesse instrumento, centros de saúde são definidos como unidades operadas por médicos, e postos de saúde, como unidades sem médicos, operadas por pessoal de nível elementar. Uma vez que todas as unidades de saúde eram operadas por médicos, aplicou-se o instrumento para avaliação de centros de saúde, que diferenciou os serviços, quanto ao porte, em três tipos: tipo 1 (CS1) - com um consultório médico; tipo 2 (CS2) - com dois consultórios médicos e tipo 3 (CS3) - com três consultórios médicos.
Áreas-alvo da avaliação: planta física, recursos humanos, recursos materiais, normas, atividades e procedimentos e sistema de referência.
Cada área recebeu uma pontuação:
· Planta física (máximo 150 pontos) = atenção à clientela, apoio à planta física, acabamento e instalações sanitárias.
· Recursos humanos (máximo 300 pontos) = lotação, capacitação e política de pessoal.
· Recursos materiais (máximo 150 pontos) = consultório de ginecologia e obstetrícia, consultório de pediatria, outros materiais necessários.
· Normas, atividades e procedimentos (máximo 350 pontos) = normas gerais, de assistência à mulher, de assistência à criança, de controle de doenças transmissíveis e demais atividades.
· Sistema de referência (máximo 50 pontos).
Mil era o máximo de pontos que um serviço poderia alcançar. De acordo com a soma total de pontos obtidos, as unidades foram classificadas em ótimas (900 a 1.000 pontos ou 90% a 100%); satisfatórias (750 a 899 pontos ou 75% a 89,9%); precárias (500 a 749 pontos ou 50% a 74,9%) ou insuficientes (499 e menos pontos ou 49,9% e menos).
As informações para a avaliação da estrutura foram obtidas por entrevista com os chefes dos postos e por medições da área física, utilizando-se trenas, de acordo com as normas especificadas no instrumento.
Processo
A auditoria foi realizada mediante a análise da ficha de pré-natal ou, na falta dessa, do prontuário médico, com a aplicação de um instrumento padronizado (ficha de auditoria médica), especialmente elaborado para a extração das informações. Incluíram-se apenas as 26 unidades com atendimento pré-natal.
O trabalho de campo transcorreu de junho a novembro de 1998, analisando-se os registros de pré-natal das mulheres com data provável de parto (DPP) nos seis meses anteriores ao início da coleta de dados, no serviço estudado.
Para calcular a cobertura, relacionou-se o número de registros encontrados com o número de gestantes esperado, em torno de 2% da população de abrangência dessas 26 unidades de saúde.
Foram coletadas as seguintes informações: número de consultas realizadas durante o pré-natal, considerando-se consulta somente quando estivessem registrados pelo menos dois procedimentos; idade gestacional na primeira consulta (quando ausente, era calculada a partir da data da última menstruação ou estimada por meio das informações de idade gestacional nas consultas subseqüentes), expressa em semanas; número de fatores de risco registrados (idade menor de 16 anos ou maior de trinta; problemas mentais; hipertensão; diabetes; aborto ou óbito fetal anterior; hábito de fumar até dez cigarros por dia ou mais de dez por dia; álcool; renda familiar; drogas e doenças venéreas) como presentes ou ausentes. Verificou-se ainda o número de vezes em que os procedimentos do exame clínico e obstétrico (idade gestacional, peso, pressão arterial, altura uterina, ausculta dos batimentos cardiofetais, edema e apresentação), assim como os exames laboratoriais de rotina (hemoglobina, sorologia para sífilis e exame comum de urina) foram registrados, separadamente. Finalmente, os registros do fator Rh, da revisão puerperal, da data de realização do último exame citopatológico, da vacinação antitetânica (VAT) - número de doses da vacina feitas antes do atual pré-natal, tempo decorrido desde a última dose e doses aplicadas durante o pré-natal - e de medicamentos prescritos também foram coletados.
Algumas variáveis foram dicotomizadas: vacina em dia e atrasada, assumindo-se que os valores "não lembra" e "ignorado" para o número de doses prévias corresponderiam a nenhuma dose; e revisão puerperal realizada ou não, assumindo-se que ausência de registro corresponderia à não realização.
A adequação do acompanhamento pré-natal foi avaliada de três formas:
· Combinando-se o número de consultas com a época do início do pré-natal de acordo com o Índice de Kessner modificado por Takeda (1993): adequado = seis ou mais consultas e início pré-natal antes de vinte semanas; inadequado = início do pré-natal após 28 semanas, ou menos de três consultas; intermediário = demais situações.
· Acrescentando-se ao Índice de Kessner modificado o número de vezes em que os exames complementares: hemoglobina (Hb), sorologia para sífilis (VDRL) e exame comum de urina (ECU) foram registrados juntos, ficando a adequação assim definida: adequado = seis ou mais consultas, início pré-natal antes de vinte semanas e um mínimo de dois registros de cada um dos três exames; inadequado = início do pré-natal após 28 semanas, ou menos de três consultas, ou nenhum exame registrado; intermediário = demais situações.
· Acrescentando-se ao anterior o número de vezes em que os procedimentos da consulta pré-natal (altura uterina, apresentação fetal, batimentos cardiofetais, edema, idade gestacional, pressão arterial e peso) foram registrados.
Para compor este último critério, foram estabelecidos pontos de corte. Considerou-se adequado quando foram verificados cinco ou mais registros da altura uterina, idade gestacional, pressão arterial, edema e peso; quatro ou mais registros dos batimentos cardiofetais e dois ou mais registros da apresentação fetal. Considerou-se inadequado quando foram verificados dois ou menos registros da altura uterina, idade gestacional, pressão arterial, batimentos cardiofetais, edema e peso, sem qualquer registro da apresentação fetal.
Os pontos de corte foram definidos da seguinte maneira: uma vez que altura uterina, edema, idade gestacional, pressão arterial e peso independem da duração da gestação para serem verificados e que o número mínimo adequado de consultas eram seis, aceitou-se como adequado se esses procedimentos tivessem sido registrados pelo menos cinco vezes. Quanto aos batimentos cardiofetais, tendo em vista que, a partir de vinte semanas, é possível auscultá-los com estetoscópio de Pinard (SSMA, 1997) e que, de acordo com as normas do programa de pré-natal vigente, deveriam ser realizadas pelo menos quatro consultas a partir deste período, considerou-se adequado quando se verificaram quatro ou mais registros. Quanto à apresentação fetal, sabendo-se que, a partir de 28 semanas, já é possível avaliá-la clinicamente e que, de acordo com as normas do programa, deveriam ser realizadas pelo menos duas consultas a partir desse período, dois ou mais registros foram considerados adequados.
Os dados foram digitados em dupla entrada, limpos e editados através do programa EPIINFO 6.01 (Dean, 1994).
Resultados
Estrutura
As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação da estrutura.
Os serviços, como um todo, apresentaram uma média global de pontos de 698 (70%), sendo classificados como precários. Considerando-se somente as unidades que realizavam pré-natal, a média passou para 729 (73%), sendo igualmente classificadas como precárias (Tabela 1).
Observou-se, também, que a média total de pontos, incluindo todos os serviços, variou de acordo com o porte dos centros de saúde, o que classificou as unidades tipo 1 e 2 como precárias, e as unidades tipo 3, como satisfatórias.
Para todos os serviços, independente do porte, a área com o pior resultado foi a planta física, atingindo somente 38% do padrão estabelecido pelo instrumento de avaliação.
Na Tabela 2, observa-se que, entre as 31 unidades de saúde estudadas, encontraram-se, quanto ao porte, cinco do tipo CS1, 19 do tipo CS2 e sete do tipo CS3. Das unidades com pré-natal, a maioria era de porte médio (CS2), nenhuma tendo sido classificada como insuficiente e mais da metade (14) sendo avaliadas como precárias.
Especificamente, do ponto de vista do cuidado pré-natal, embora a classificação da planta física tenha sido insuficiente, o tamanho dos consultórios médicos resultou em satisfatório. Entre os recursos humanos, o número de médicos foi avaliado, também, como satisfatório, apesar de o número de dentistas ter sido considerado precário.
Quanto aos recursos materiais, os serviços que faziam pré-natal possuíam recursos satisfatórios e ótimos para o atendimento à gestante, exceto quanto a medicamentos, pontuados como insuficientes (analgésicos) e precários (antibióticos e sulfato ferroso).
As principais deficiências na área de normas, atividades e procedimentos, pontuada como satisfatória, estiveram relacionadas com a inexistência de: programação anual das atividades a serem desenvolvidas pelo serviço; avaliação interna; supervisão central e interna; manutenção do sistema de informação por meio dos boletins de notificação de doenças; manutenção de cadastro domiciliar atualizado; triagem da demanda; visitas domiciliares; atividades de grupos e de educação em saúde. Para normas de atenção às gestantes, somam-se as dificuldades quanto à utilização da curva ponderal e à assistência odontológica.
Finalmente, com relação ao sistema de referência, também considerado satisfatório, foram apontadas como deficientes a contra-referência das pacientes e a disponibilidade de leitos para internação de todas as gestantes. O apoio diagnóstico, no que se refere a exames laboratoriais, foi considerado ótimo.
Processo
Um total de 839 registros de atendimento pré-natal foram localizados durante o estudo. Esse número representa uma cobertura de 53% das gestantes esperadas, considerando-se os seis meses da investigação.
Com relação à fonte da informação, observaram-se 743 (88,6%) registros consultando-se a ficha de pré-natal adotada pelo programa de pré-natal da SMSBE e 96 (11,4%), através dos prontuários médicos.
A média de consultas por gestante foi de 5,3, e a da idade gestacional, no início do pré-natal, foi de 17,8 semanas. Aproximadamente 46% das gestantes ingressaram no programa durante o primeiro trimestre, 41% no segundo e 13% no terceiro, com ausência da informação sobre a idade gestacional em 5% dos registros. Verificou-se, ainda, que 63% das gestantes iniciaram o pré-natal antes de vinte semanas de gestação.
Ao se combinar a idade gestacional de ingresso no programa com o número de consultas, foi possível classificar o pré-natal de 797 gestantes.
De acordo com o Índice de Kessner modificado por Takeda, encontraram-se 37% de pré-natais adequados, 38% intermediários e 25% inadequados. Ao adicionarmos exames laboratoriais, verificaram-se 31% de pré-natais adequados, 42% intermediários e 27% inadequados. Acrescentando-se procedimentos da consulta aos critérios anteriores, 5% dos pré-natais foram classificados como adequados, 91% como inadequados e 4% como intermediários.
A Tabela 3 descreve os procedimentos da consulta pré-natal, quanto ao número de vezes em que foram registrados.
Para os procedimentos não dependentes de algum período específico da gravidez para a sua realização, tais como idade gestacional, pressão arterial e peso, a freqüência de registro esperada (cinco ou mais) foi verificada em menos de 50% dos prontuários. Apenas 16% das fichas pré-natais continham cinco ou mais registros de pesquisa de edema. O peso da gestante, a pressão arterial e a altura uterina foram as informações com menor percentual de ausência de registro.
A Tabela 4 mostra a freqüência com que foram registrados os exames laboratoriais básicos. Constatou-se que não houve registro da realização de Hb, ECU e VDRL em 14,4% das gestantes. Semelhante ao verificado com os procedimentos, menos da metade das gestantes (48,1%) teve dois ou mais registros dos três exames. O resultado do Fator Rh era conhecido em 86,3% dos casos. Informação sobre o exame citopatológico foi registrada em 53,4% dos atendimentos, 35,9% das gestantes estando em dia (Day, 1986).
Com relação a fatores de risco, em 313 formulários (37,3%) não foi possível avaliar a informação por ausência de registro. Dos 526 casos em que houve registro do fator de risco, a freqüência de nenhum fator identificado foi de 19,0%, e a de tabagismo materno foi de 36,1%.
Quanto ao número de doses prévias da VAT, o percentual de ausência de informação foi de 41%, e o de tempo decorrido desde a última dose não foi registrado em 52%. Considerando-se o número de doses prévias ignorado como zero dose e não se levando em conta a informação sobre tempo decorrido desde a última dose, 55% das gestantes foram adequadamente imunizadas no pré-natal.
Os medicamentos mais prescritos, entre os registrados (406), foram sulfato ferroso (62%), hioscina (20%) e ampicilina (18%). A revisão puerperal foi registrada como realizada em apenas 32,5% das fichas, sendo o restante da informação ignorada.
Discussão
Entre as limitações, destacam-se a aplicação de um instrumento não específico para pré-natal na avaliação da estrutura e a utilização de dados secundários para avaliação do processo. O uso de dados secundários não permite estimar o quanto a freqüência de sub-registro distorce os resultados encontrados.
A utilização do instrumento para avaliação da estrutura, proposto pelo Ministério da Saúde, permitiu conhecer com detalhes a situação dos serviços estudados.
Entre as unidades que prestavam cuidado pré-natal, a maioria foi classificada como precária, sendo a planta física a área mais deficitária, sugerindo que foram idealizadas sem um planejamento de construção adequado aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Considerando-se um mínimo de estrutura física para o atendimento pré-natal, o tamanho dos consultórios foi satisfatório, não havendo impedimentos à sua realização. No entanto, a área física de suporte mostrou-se bastante deficiente.
A área de recursos humanos, na atenção à gestante, alcançou um escore satisfatório para o número de médicos e precário quanto ao número de dentistas, com possíveis limitações à cobertura do programa e à assistência odontológica de todas as gestantes.
Ao se considerarem as demais áreas satisfatórias (recursos materiais; normas, atividades e procedimentos; sistema de referência) quanto ao cuidado pré-natal, os principais problemas encontrados foram: falta de medicamentos, impossibilitando o tratamento adequado de intercorrências comuns da gravidez; carência de uma visão coletiva no planejamento das ações de saúde do serviço, o que pode interferir na execução das normatizações; insuficiência da contra-referência, limitando o acompanhamento dessas pacientes pela unidade de saúde e favorecendo o abandono; insuficiência de leitos para gestantes, facilitando desfechos desfavoráveis.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em 1985, desenvolveu uma metodologia para avaliação de serviços de saúde que aborda o tema de forma análoga ao instrumento utilizado neste estudo. Resultados de sua aplicação em 18 países da América Latina (Ojeda, 1992) mostraram semelhantes deficiências na estrutura dos serviços de atenção materno-infantil, mesmo adotando pontos de corte menos exigentes na definição das categorias.
Espera-se que serviços com uma melhor estrutura apresentem um melhor processo de atendimento. Porém, essa condição não é essencial, uma vez que a relação entre esses dois elementos depende também das inter-relações pessoais entre profissionais e gestores do sistema, componente que não foi avaliado por este estudo.
A cobertura de gestantes encontrada pela rede de serviços (53%) é consistente com o resultado de um recente estudo local (dados ainda não publicados) e superior às relatadas em outros estudos brasileiros (Tanaka et al., 1989; Scochi, 1994). Como a cobertura pré-natal no Município de Pelotas é bastante alta (95%), segundo dados da coorte de 1993 (Halpern et al., 1998), e, já que não existem mecanismos de regionalização nem hierarquização do atendimento, é provável que exista evasão de gestantes para outros serviços. É possível também que esteja ocorrendo sub-registro da inscrição de gestantes no programa de pré-natal das unidades de saúde da SMSBE.
Apesar de estar normatizada a utilização da ficha de pré-natal para registro das informações das consultas, três serviços não a adotavam. Entende-se que a padronização facilita e uniformiza as anotações, assim como favorece a realização de auditorias.
O presente estudo encontrou média de 5,3 consultas durante o pré-natal, resultado inferior ao do estudo da coorte de 1993 de Pelotas (Halpern et al., 1998), cujo valor era de 7,6. Possivelmente, a diferença em relação à coorte se deva à ocorrência de três fatores fundamentais: as gestantes usuárias do pré-natal das unidades da SMSBE são as de mais baixa renda, caracterizando-se como as que consultam menos (Costa et al., 1996); sub-registro das consultas realizadas, principalmente a primeira, quando são solicitados os exames; dificuldade de acesso em virtude de os serviços funcionarem, na sua maioria, somente nos turnos diurnos. Em média, no entanto, o programa está atingindo o número mínimo de consultas preconizado pelo Programa de Pré-natal de Baixo-Risco do Ministério da Saúde. Essa média foi mais consistente com a encontrada em outros estudos (Takeda et al., 1993; Costa et al., 1996) que investigaram populações semelhantes.
De acordo com o critério de adequação utilizado, encontrou-se uma proporção de pré-natal adequado de 37%, inferior à encontrada no estudo da coorte de 1993 (Halpern et al., 1998), de 82,7%, sendo aquela mais consistente com a de estudos que analisaram populações do estrato mais pobre (Takeda et al., 1993; Costa et al., 1996), confirmando, portanto, a conhecida lei dos cuidados inversos. Destacou-se, ainda, a elevada proporção de pré-natal classificado como inadequado.
Esses achados podem estar refletindo problemas tanto do serviço, quanto do usuário. Quanto ao serviço, as equipes podem não estar preparadas para implementar ações de divulgação do programa, para trabalhar com prioridades, para buscar gestantes faltosas e para interagir como equipe multidisciplinar. Quanto às usuárias, pode estar ocorrendo uma falta de conscientização sobre a importância do ingresso precoce no pré-natal e do comparecimento às consultas, principalmente entre as gestantes de baixa renda.
O número de consultas pré-natais não garante a qualidade do cuidado. Quando acrescentou-se ao critério de adequação (Índice de Kessner modificado por Takeda) um número mínimo de registro de exames, observou-se que a proporção de pré-natal adequado ficou ainda menor, permitindo uma visão mais qualitativa da atenção oferecida. Quando adicionaram-se procedimentos ao critério anterior (Kessner modificado e exames complementares), o índice de adequação foi excepcionalmente baixo (5%), com uma inadequação de 91%.
Examinando-se as características dos procedimentos considerados como importantes no pré-natal, encontramos uma baixa freqüência de registro quando comparada com a de outros estudos (Hansell, 1991; Peoples-Sheps, 1991; Camús et al., 1992; Takeda et al., 1993; Sikosana, 1994), em parte porque podem não estar sendo realizados em todos os momentos e, em parte, em razão do sub-registro das informações.
Quanto aos exames de rotina, encontrou-se elevado percentual de ausência de registro, superior ao encontrado por outros autores (Hansell, 1991; Peoples-Sheps, 1991; Camús et al., 1992; Sikosana, 1994), necessitando-se avaliar se realmente não foram solicitados, se foram solicitados e não realizados, se ocorreu sub-registro da informação ou se não houve tempo de realizar exames por ingresso tardio no pré-natal. A baixa freqüência encontrada para o registro dos três exames, em três oportunidades diferentes, pode ser explicada pelos mesmos fatores, acrescentando-se, ainda, a possibilidade da ocorrência de interrupção precoce da gravidez ou de parto prematuro.
É expressiva a proporção de sub-registro para apresentação fetal, edema, ano de realização do último exame citopatológico, revisão puerperal e vacinação antitetânica. Mesmo assim, os resultados do exame Papanicolau em dia, da revisão puerperal realizada e da imunização para a VAT foram consistentes com estudos locais (Costa et al., 1996; Halpern et al., 1998).
Conclusões
Esforços devem ser feitos para melhorar a qualidade da atenção oferecida por esses serviços. É necessário, portanto, ampliar a cobertura do programa, motivar e capacitar os profissionais para a prática da saúde coletiva e trabalho em equipe multidisciplinar, garantir a realização dos procedimentos da consulta de pré-natal, garantir o tratamento das intercorrências comuns da gravidez e organizar o sistema de atendimento entre os níveis.
Enquanto não se dispõe de avaliações que investiguem os fatores associados não só à baixa adesão dos profissionais aos registros e, provavelmente, à realização dos procedimentos recomendados da consulta, como também à baixa adesão das mães ao programa de pré-natal da rede pública, os resultados de estudos locais de monitorização do programa devem ser amplamente discutidos com as equipes de saúde a fim de otimizar os recursos materiais e humanos disponíveis.
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