ARTIGO ARTICLE

 

Sônia Cristina Lima Chaves 1
Lígia Maria Vieira-da-Silva 2

As práticas preventivas no controle da cárie dental: uma síntese de pesquisas

 

Preventive strategies in the control of dental caries: a literature review

1 Faculdade de Odontologia, Departamento de Odontologia Social, Universidade Federal da Bahia. Av. Araújo Pinho 72, Salvador, BA 40116-900, Brasil. socris@ufba.br
2
Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó 29, 4o andar, Salvador, BA 40110-170, Brasil.

 

Abstract A literature review was conducted on the effectiveness of measures to prevent dental caries. Articles published in scientific journals from 1980 to 1998 and indexed in MEDLINE were selected. Some 210 articles were found and their abstracts classified according to intervention strategies, type of research design, and observed effects. The most frequent preventive measures were the use of fluoride toothpaste (20.5%), fluoride mouthwash (17.2%), and occlusal sealants (18,1%). The main target population was schoolchildren 6-12 years old (53.8%) and teenagers (15.7%). Western Europe produced 58.7% of the articles on this subject, followed by United States (22.7%), Eastern Europe, Asia, Canada, and Latin America. No relationship was identified between program results (effective as opposed to ineffective studies) and the type of preventive practice and research design, indicating that other issues need to be investigated, such as the context of organizational implementation (where, how, and by whom prevention is implemented). Education in oral hygiene as a basic tool and key component in specific preventive action has received little research attention.
Key words
Dental Caries; Dental Care; Health Education

 

Resumo Foi realizada uma revisão sistemática de trabalhos de pesquisa sobre a efetividade das ações preventivas no controle da cárie dental, publicados no MEDLINE no período compreendido entre 1980 e 1998. Foram localizados 210 artigos, sendo que seus resumos foram analisados segundo as estratégias de intervenção, os tipos de desenho de pesquisa utilizados e os efeitos. As práticas preventivas mais avaliadas foram os dentifrícios com flúor (20,5%), os bochechos com flúor (17,2%) e os selantes oclusais (18,1%). Houve uma predominância de estudos em indivíduos na idade escolar entre 6 e 12 anos (53,8%). Observou-se um maior número de trabalhos oriundos da Europa Ocidental (58,6%), seguidos dos Estados Unidos (20,4%). Não foram encontradas relações entre o resultado (estudos efetivos e não efetivos) e o tipo de estratégia avaliada, por um lado, e o tipo de desenho do estudo utilizado, por outro. Esse fato revela que outras explicações para a diversidade dos resultados devem ser buscadas, principalmente no que diz respeito ao contexto de implantação dos programas (onde, como e quem os implementa). A educação em saúde oral está sendo pouco descrita ou considerada nos estudos de intervenção isolados.
Palavras-chave
Cárie Dentária; Assistência Odontológica; Educação em Saúde

 

 

Introdução

 

O modelo assistencial odontológico público no Brasil, tem se caracterizado por uma atenção voltada para o tratamento cirúrgico-restaurador dos sinais das doenças bucais mais prevalentes (cárie dentária e doença periodontal), refletindo a prática odontológica individual curativa hegemônica.

Ao longo das quatro últimas décadas, especialmente a partir dos anos 60, diversos programas e ações isoladas têm sido desenvolvidos no país, particularmente aqueles voltados para a atenção à saúde bucal dos escolares na faixa-etária dos 6 aos 14 anos, considerados de maior risco à cárie dentária (Pinto, 1993).

Estudos controlados realizados na década de 70, indicaram a pouca efetividade da atenção convencional, baseada no tratamento sintomático da cárie a partir da remoção física do tecido cariado, seguida pela substituição da estrutura dentária perdida. As medidas preventivas que acompanhavam essas intervenções eram limitadas e comparáveis a quase nenhum tratamento, não havendo redução da cárie dental entre aqueles que se beneficiaram do tratamento restaurador (Axelsson & Loesche, 1977).

Apesar dessas evidências, manteve-se no Brasil, através da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP), um modelo assistencial implantado desde a década de 50, baseado na atenção curativa gradativa convencional dirigido aos escolares entre 6 e 14 anos, denominado sistema incremental de atendimento (Vianna, 1988), cujas ações desenvolvidas não alcançaram efeito positivo na redução da prevalência de cárie dental entre seus beneficiários (Correia, 1985).

Tendo em vista ser a placa dentária bacteriana o principal fator etiológico da cárie, diversas estratégias de prevenção buscam a remoção ou controle desse fator (Milori et al., 1994). O controle de placa através de sua remoção mecânica, tem sido bastante enfatizada nos países europeus, especialmente na Dinamarca, onde a cárie é vista como uma doença localizada, e a placa dentária bacteriana considerada um biofilme que deve ser removido ou desorganizado para impedir a ação das bactérias e, consequentemente, evitar a desmineralização do esmalte dental (Thylstrup et al., 1997). Esta medida pressupõe educação e informação em saúde bucal para que o indivíduo, reconhecendo a placa, possa controlá-la através do auto cuidado. Há grandes controvérsias sobre a eficácia isolada do controle de placa através da sua remoção mecânica, inclusive na opinião dos experts (Bratthall et al., 1996). Dentre os mecanismos de prevenção da cárie, a ação do flúor tem sido bastante documentada, e este tem sido o elemento mais utilizado para fortalecer as estruturas dentais, em todas as suas formas de administração (Murray, 1992).

A determinação social da cárie dental, relacionada aos aspectos econômicos e comportamentais, vem sendo enfatizada em alguns estudos. Atitudes positivas em relação à saúde bucal, nível de renda e escolaridade do chefe da família, têm sido apontadas como aspectos importantes na experiência de cárie dos indivíduos. No trabalho de Kalsbeek (1992), o mais importante fator preditor de cárie foi a motivação da mãe para se engajar em comportamentos preventivos, enquanto outras investigações apontaram que as principais diferenças na ocorrência da doença estão relacionada à classe social, onde as crianças de famílias de classe social mais alta tiveram menos cáries (Winter et al., 1989).

Há divergências na literatura analisada acerca da efetividade das várias estratégias preventivas. Alguns trabalhos concluíram pela efetividade das intervenções na redução da prevalência da cárie (Calado, 1994), enquanto outros não apresentaram resultados tão consistentes (Brodeur et al., 1990; Helderman et al., 1997). Por outro lado, não se observa consenso entre os experts sobre quais são as práticas mais efetivas (Bratthall et al., 1996). A tentativa de explicar a redução da cárie entre indivíduos jovens nesta década, tem sido centrada nos aspectos relacionados ao uso do flúor em larga escala através dos dentifrícios fluoretados (Stephen, 1995). Segundo o estudo de Bratthall, apenas 25% dos especialistas consideraram os programas preventivos com flúor junto a escolares, importantes para a redução da cárie. O uso da pasta com flúor obteve o maior consenso, tendo sido considerada a mais importante estratégia para 96% deles. Para apenas 39% dos mesmos, foi importante a remoção da placa para a redução da doença (Bratthall et al., 1996).

A diversidade das conclusões dos estudos isolados e o baixo consenso entre os especialistas, indica que a realização de novas investigações requer, preliminarmente, um esforço de síntese dos estudos existentes sobre a efetividade das ações preventivas na redução da cárie dental visando a identificação de padrões, lacunas e problemas. Nessa perspectiva, o presente estudo tem por objetivos descrever a evolução das investigações sobre avaliação da efetividade das ações preventivas sobre a cárie dental, publicados no período compreendido entre 1980 e 1998, além de classificar e analisar os trabalhos selecionados segundo os enfoques teórico-metodológicos, as estratégias de intervenção, os tipos de desenhos de pesquisa utilizados e os efeitos observados.

 

 

Metodologia

 

Foi realizada uma revisão sistemática dos estudos primários/originais acerca da avaliação da efetividade de práticas preventivas na redução da cárie dental. Foram analisados os resumos dos artigos publicados em revistas indexadas pelo MEDLINE entre os anos 1980 e 1998. A escolha desse período histórico (1980-1998), decorreu do fato de ser o mesmo posterior às mudanças na base do conhecimento sobre os mecanismos de prevenção e controle da cárie dental, ocorridas na década anterior. A escolha do MEDLINE relaciona-se com a qualidade dos artigos publicados em periódicos indexados a esta base de dados, que requerem a revisão por pares (peer review).

Foram considerados como estudos de avaliação, aqueles cujo objetivo era o julgamento a respeito do efeito de uma intervenção ou prática preventiva em relação à cárie dental. Estudos de avaliação da efetividade de intervenções ambientais com flúor sistêmico (fluoretação da água de abastecimento público e do sal de cozinha) foram excluídos por não se tratar de objeto de análise do presente trabalho.

Inicialmente, foi feita uma análise de outros artigos de revisão publicados no período. Os estudos de meta-análise foram sintetizados levando-se em conta as estratégias avaliadas, os objetivos, a metodologia e os resultados observados (Tabela 1). Os artigos foram localizados a partir das seguintes palavras-chave: dental, cárie, flúor, programa, avaliação, prevenção, escola e efetividade, combinados da seguinte forma: (1) Dental e cárie e flúor (dental and caries and fluoride); (2) Dental e cárie e programa (dental and caries and program); (3) Programa e cárie e avaliação (program and caries and evaluation); (4) Dental e cárie e efetividade (dental and caries and effectiveness); (5) Cárie e prevenção e escola (caries and prevention and school).

 

 

Uma cuidadosa triagem foi realizada para evitar a classificação em duplicata de um mesmo estudo, tendo sido incluído apenas o último artigo publicado a respeito do resultado da intervenção. Para cada uma das referências localizadas, ano a ano, foi feita a leitura dos resumos e estes foram classificados segundo: (1) Origem (continente ou país); (2) Estratégia utilizada; (3) População-alvo; (4) Desenho de estudo segundo indexação; (5) Indicador de medida utilizado; (6) Tempo de seguimento do estudo; (7) Efeito observado segundo o autor.

As seguintes estratégias foram encontradas nos artigos revisados: (1) Bochecho com flúor, incluindo estudos com bochechos a 0,05% ou 0,2% (com freqüência diária, semanal ou quinzenal); (2) Verniz com flúor independente da freqüência de utilização (semestral, anual ou trimestral); (3) Selante oclusal; (4) Comprimidos com flúor; (5) Dentifrícios com flúor; (6) Escovação supervisionada; (7) Educação em saúde (menção de prática educativa como orientação de higiene oral, dieta, controle de placa individual ou palestras); (8) Dentifrícios sem flúor, Flúor gel independente do tipo de flúor empregado (neutro ou acidulado) e sua concentração; (9) Outras estratégias como uso de xylitol, clorexidina, chás, etc.

A classificação do efeito foi feita a partir das informações fornecidas pelo autor que constavam do resumo ou do sistema MEDLINE. Os trabalhos foram classificados como: (1) Efetivos; (2) Efetivos quando comparados com outras estratégias; (3) Não efetivos; (4) Não efetivos quando comparados com outras estratégias, de acordo com a hipótese e desenho do estudo.

A classificação do tipo de desenho do estudo observou a indicação explicitada pelo autor no próprio resumo ou a partir da classificação do sistema MEDLINE. Assim, os estudos foram classificados como: (1) Ensaios clínicos randomizados; (2) Ensaios clínicos controlados; (3) Estudos de coorte; (4) Estudos longitudinais; (5) Estudos de corte-transversal; (6) Estudos comparativos; (7) Estudos retrospectivos.

Para fins de análise, os ensaios clínicos randomizados e controlados foram agrupados, assim como os estudos longitudinais e de coorte. Os outros (estudos comparativos, corte-transversal e retrospectivos) formaram um terceiro grupo. Não foram encontrados artigos de avaliação da efetividade de práticas preventivas na redução da cárie dental com uma abordagem qualitativa, não sendo portanto relacionada nessa classificação.

Inicialmente, para cada estudo, foram identificadas as estratégias utilizadas e, em seguida, foram calculadas as freqüências simples de cada estratégia e identificadas as associações existentes. Por fim, as combinações mais comuns foram selecionadas e analisadas conjuntamente. Foram calculadas as medidas de tendência central, freqüência simples e foram analisadas as associações entre o efeito, o tipo de desenho e a estratégia utilizada. Os dados foram digitados e consolidados no programa Epi Info versão 6.01 (Dean et al., 1994).

 

 

Resultados

 

Foram localizados um total de 210 trabalhos no MEDLINE. Observa-se uma tendência estável de produção com média de 11,1 e desvio padrão de 4,8 artigos por ano. No final da década de oitenta e início da de noventa, verifica-se uma discreta tendência de crescimento (Figura 1).

Há uma predominância de estudos oriundos da Europa Ocidental (58,6%), particularmente dos países escandinavos, seguido dos Estados Unidos (20,4%), Europa Oriental (7,1%), Ásia (4,8%), Canadá (3,3%) e América Latina (2,9%). Essa distribuição se manteve constante ano a ano, apesar de um leve crescimento das publicações originárias dos Estados Unidos na década de 90 e um decréscimo da produção dos países europeus orientais.

Com relação à população-alvo avaliada, há uma predominância de estudos entre indivíduos na idade escolar 6 a 12 anos (53,8%), seguido de escolares e adolescentes (15,7%), pré-escolares e escolares (9,5%), adolescentes apenas (6,6%), pré-escolares apenas (5,2%), e adultos (3,8%). Outras combinações entre adolescentes, escolares, adultos e pré-escolares somam 11 estudos (5,4%).

O indicador mais utilizado para avaliar a efetividade das práticas na redução da cárie dental foi o CPO-S (índice de superfícies dentais permanentes cariadas, perdidas e obturadas em média por indivíduo), para comparar o incremento de novas lesões de cárie entre os grupos ou como indicador de prevalência. Dos 161 estudos que explicitaram no resumo o tipo de medida utilizada, 87 (54,0 %) utilizaram somente o CPO-S, já em 25 trabalhos, este foi combinado com o CPO-D (15,5 %) (índice de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados em média por indivíduo). A utilização do ceo-d/s (índice de dentes cariados, indicados para extração e obturados em média por criança) como medida para a dentição decídua isoladamente ou associado ao CPO-D e/ou CPO-S, foi observada em 25 estudos (15,5%), enquanto o CPO-D foi utilizado isoladamente em 21 deles (13,0% do total).

Dos 210 trabalhos, cento e noventa e cinco explicitaram o tipo de prática preventiva utilizada (Tabela 2). Verificou-se grande diversidade de práticas preventivas testadas, combinadas de 32 diferentes maneiras. Dentre estas, as mais freqüentes foram: o uso dos dentifrícios com flúor sem explicitar o tipo de escovação (supervisionada ou não) presente em trinta estudos, os bochechos com flúor isolados (24 estudos) e os "selantes oclusais" (26 estudos). Além desses, dez estudos avaliaram o bochecho com flúor combinado com outras estratégias como educação em saúde, selantes oclusais, verniz ou comprimidos com flúor. A escovação supervisionada foi citada em 24 resumos com várias combinações (pasta com flúor, flúor gel, educação em saúde). O flúor gel foi avaliado como estratégia preventiva em 17 estudos, tendo como forma de aplicação a escovação supervisionada ou moldeiras. O uso do verniz com flúor foi avaliado em 14 trabalhos, isoladamente, ou em combinação com profilaxia profissional com pasta com flúor. Os comprimidos com flúor foram avaliados isoladamente em sete trabalhos. Apenas três estudos avaliaram a utilização da pasta sem flúor. Outras estratégias como o uso de soluções de clorexidina, sorbitol ou amino fluoreto, além de outras combinações, foram identificadas em trinta trabalhos. Em quinze resumos não havia explicitação do tipo de prática implementada, geralmente associadas a programas de longa duração, em torno de treze anos.

 

 

A utilização da prática de educação para a saúde (sessões educativas, orientação de higiene oral ou orientação de controle de placa individual) foi referida em apenas 36 (17,2%) dos 210 artigos avaliados. O controle da dieta foi a estratégia menos avaliada nesta revisão.

Com relação ao efeito observado, a maioria dos estudos concluiu pela efetividade das práticas testadas, somando-se os trabalhos classificados como efetivos com aqueles considerados como efetivos quando comparados com outras estratégias (55,8%). Contudo, proporção também relevante informa resultados não efetivos (32,9%). Observa-se que se mantém a diversidade de efeitos, independente do tipo de estratégia preventiva investigada (Figura 2).

A maior proporção de estudos efetivos foi entre aqueles que avaliaram os bochechos com flúor isolados, os selantes oclusais, seguidos da escovação supervisionada em combinações. Um grupo de estratégias (verniz com flúor e flúor gel) apresentou uma proporção de estudos efetivos e não efetivos muito próxima. Todos os estudos que avaliaram a escovação com pasta sem flúor mostraram-se não efetivos. Combinações entre as diversas estratégias não garantiram maior efetividade das mesmas, a exemplo dos bochechos com flúor em combinações (Tabela 2).

Cento e sessenta e quatro trabalhos (78,1% do total) explicitaram o tipo de desenho utilizado. Dos 210, 44,3% eram ensaios clínicos randomizados ou controlados, 15,2% eram estudos longitudinais ou de coorte, 18,6% eram estudos comparativos, de corte-transversal ou retrospectivos (Tabela 3).

 

 

Havia diferenças entre os tipos de desenho quando relacionados às práticas preventivas avaliadas. Assim, uma maior proporção de desenhos considerados como mais controlados, foi encontrada em investigações que testavam a efetividade do uso de dentifrícios com flúor (93,3%), enquanto os trabalhos que avaliavam o uso de bochechos com flúor, apresentaram a menor proporção desse tipo de desenho (31,8%). De qualquer maneira, havia grande proporção de estudos controlados em todos os grupos de estratégias (exceto naquele que não informava a estratégia preventiva específica ) (Tabela 3).

Quando se relacionava o tipo de desenho utilizado e o efeito, observava-se um equilíbrio entre os estudos que referiam efetividade e aqueles que não haviam obtido resultados esperados no controle da cárie. Dentre os ensaios clínicos, 46 (49,5% do total de estudos com esse tipo de desenho) foram efetivos. Em contrapartida, proporção semelhante de trabalhos (41,9%) não se mostraram efetivos. Dentre os estudos classificados como corte-transversal, comparativos e retrospectivos, 24 foram efetivos (61,5%). Dentre os trabalhos que não informaram o tipo de desenho utilizado, 54,3% foram efetivos (Tabela 4).

 

 

 

Discussão

 

A análise da evolução da produção científica sobre a efetividade de práticas preventivas no controle da cárie dental, revelou ser essa temática importante e com questões ainda não resolvidas, tanto em decorrência do volume anual de trabalhos publicados em revistas indexadas, quanto do crescimento da produção sobre o tema na década de noventa.

Verificou-se uma superposição entre as definições de eficácia, efetividade, efeito e impacto nos resumos analisados da área odontológica (Flanders, 1987; Helderman et al., 1997; Johnson, 1993), à semelhança do que foi observado por Vieira-da-Silva & Formigli (1994) em revisão sobre avaliação em saúde. Os termos eficácia e efetividade muitas vezes têm sido tratados como sinônimos. Atualmente, existe uma certa convergência entre autores para a utilização da eficácia como "efeito em condições experimentais", enquanto a efetividade se destinaria aos "efeitos em sistemas operacionais" (Vieira-da-Silva & Formigli, 1994). Muitos estudos optam por utilizar o termo "efeito" (Koch et al., 1982; Lu et al., 1985; Murray & Shaw, 1980), provavelmente pelo sentido inespecífico que o termo permite.

Observam-se algumas características em comum entre os estudos analisados. Uma delas se refere aos indicadores de medida utilizados para a avaliação da efetividade. O índice CPO-S, CPO-D e ceo-d/s, foram amplamente empregados para medir a prevalência e a incidência da doença nos grupos estudados, não tendo sido possível observar se os critérios de diagnóstico foram semelhantes por se tratar de um estudo baseado na leitura de resumos. A predominância desse indicador de medida (índice CPO) faz supor que há um consenso na sua utilização, ou falta um melhor indicador, principalmente, no que se refere à medida do incremento de cárie em grupos distintos.

O predomínio de artigos originários dos países da Europa Ocidental pode estar relacionado às características dos modelos assistenciais daqueles países na organização de serviços de saúde por parte do Estado e, portanto, com uma maior preocupação em desenvolver pesquisas de avaliação de efetividade de práticas preventivas. No início da década de noventa, há uma redução dos artigos publicados, oriundos da Europa Oriental, o que pode estar relacionado às mudanças ocorridas na organização dos serviços de saúde naqueles países, marcadas pela privatização e redução do controle do Estado, que se refletiu no sistema público de saúde dos mesmos (Pakhomov et al., 1997).

Chama atenção a grande diversidade de estratégias preventivas e de combinações entre as mesmas. Esse fato pode revelar ausência de concordância entre pesquisadores acerca das melhores estratégias e seus efeitos, ou mesmo, pode estar associado aos processos culturais e históricos dessas comunidades que incorporaram programas com práticas já consolidadas (bochechos com flúor e comprimidos com flúor, por exemplo).

As práticas preventivas mais avaliadas foram: os dentifrícios com flúor, os bochechos com flúor e os selantes oclusais, o que pode estar refletindo a influência da indústria de produtos odontológicos e pastas dentais sobre os rumos da pesquisa experimental.

A escovação com dentifrícios com flúor apresentou grande proporção de estudos efetivos, e tem sido considerada o principal fator de impacto na redução da cárie dental segundo a opinião dos especialistas (Bratthall et al., 1996). Seu maior impacto na redução da cárie dental pode esta relacionado à distribuição do produto possibilitada pela economia de mercado. Os bochechos com flúor têm sido utilizados como uma prática preventiva comum em muitos países pelo baixo custo e fácil implementação, possibilitando o uso de pessoal não qualificado como professores e assistentes escolares. A elevada proporção de estudos efetivos que testaram os selantes oclusais pode ser considerada, provavelmente, como decorrente de ser esta uma prática complementar ao uso de bochechos ou escovação com dentifrícios com flúor, atuando especificamente na superfície oclusal dos molares, mais susceptíveis à cárie dental. O maior interesse desses estudos tem sido com o tempo de retenção e durabilidade do selante e com relação ao percentual de redução de cárie. Para Thylstrup et al. (1997), a maior ocorrência da cárie nessas unidades é um resultado direto das irregularidades estruturais associadas às fóssulas e fissuras, cujas características não têm sido incorporadas aos programas preventivos através de ações mais específicas de controle de placa ou selantes nessas superfícies.

O controle de dieta foi a estratégia menos testada, o que pode ser explicado pela grande dificuldade em avaliar uma prática de difícil implementação e controle por parte do pesquisador.

As ações educativas não foram valorizadas, ao contrário do que tem se constituído em conclusão de revisões não sistemáticas sobre o tema (Fejerskov, 1995; Flanders, 1987). Essas revisões, mesmo não englobando a diversidade das estratégias, têm tentado responder a algumas questões sobre a efetividade das práticas preventivas na redução da cárie dental. Observa-se que as mesmas não avançam além dos aspectos sobre os mecanismos de ação do flúor e seu uso em múltiplos meios. Estes estudos concluem que as práticas preventivas devem ser enfatizadas e mantidas a despeito da redução da cárie dental em indivíduos jovens, observada na última década. Argumentam que essa recomendação decorre da persistência de cárie em cerca de vinte por cento dos indivíduos.

Já os estudos de meta-análise têm buscado responder a essas questões de forma mais sistemática, obtida através da consolidação de investigações isoladas que apresentem requisitos mínimos de rigor metodológico, dentro do paradigma experimental. A partir da ampliação do n da amostra, busca-se nesse tipo de estudo, o aumento do poder estatístico do conjunto de trabalhos. Kay & Locker (1996) avaliaram 143 estudos de intervenção em educação para saúde oral entre 1982 e 1994, sendo que somente 15 atingiram os critérios de rigor científico a partir do paradigma experimental. Esse estudo mostrou que as intervenções em educação para a saúde bucal têm um pequeno efeito positivo e temporário no acúmulo de placa, com uma redução de 37% e nenhum efeito discernível no incremento da cárie pois os estudos que visavam reduzi-la, geralmente utilizavam outras estratégias. Esses autores apontam para as dificuldades em isolar o papel da educação na redução da cárie.

Outras meta-análises publicadas na década de 90, buscaram calcular o efeito de redução de cárie de várias estratégias como o flúor gel (Rijkom et al., 1998), o selante oclusal (Llodra et al., 1993), o verniz com flúor (Helfenstein & Steiner, 1994) e a pasta com flúor (Johnson, 1993). Não foram localizados estudos de síntese de outros grupos de prática preventivas (Tabela 1). O flúor gel apresentou um efeito de redução de cárie de 22%. A freqüência de aplicação, concentração (relação dose-resposta) e o método de aplicação (moldeira ou escovação) do flúor gel, não mostraram nenhuma significativa influência no aumento do efeito. Com relação aos selantes, esses apresentaram o maior percentual de redução, provavelmente associado ao fato de atuar especificamente na oclusal de molares e pré-molares posteriores, áreas com fóssulas e fissuras, mais suscetíveis à cárie dental. Os auto polimerizáveis mostraram-se mais efetivos (71,36%) que os foto-polimerizáveis. Onde havia água fluoretada, o selante mostrou-se mais efetivo, apesar de decrescer com o tempo devido à sua perda. O estudo de meta-análise sobre dentifrícios com flúor, indicou que a pasta à base de fluoreto de sódio seria mais efetiva que a pasta à base de monoflúorfosfato de sódio, com uma diferença de redução de 6,4%, o que suscitou uma série de artigos posteriores (Holloway & Worthington, 1993; Volpe & Petrone, 1993), questionando o rigor metodológico do estudo e possíveis explicações no mecanismo de liberação de íons flúor por parte dos diferentes princípios ativos, tentando explicar essas diferenças (Shellis & Duckworth, 1994).

Esse debate, ao lado da predominância de investigações voltadas para o teste de produtos comerciais à base de flúor, como pastas dentais, vernizes, géis, comprimidos, além de selantes oclusais, comparativamente ao pequeno número de estudos que buscam investigar as práticas educativas, evidencia a menor ênfase desta última ação nos programas de controle ou a falta de referência à mesma nos resumos e, portanto, menor importância com relação a esse tipo de intervenção.

Esses achados também revelam a predominância de concepções biológicas no controle da cárie dental, provavelmente influenciadas pelos importantes interesses de mercado na área ou às dificuldades de incorporação pelos pesquisadores de outras teorias sobre a determinação da doença, que poderiam influenciar na adoção de novas estratégias preventivas que visam controlá-la.

O fato de a variabilidade verificada nos resultados não ser explicada nem pelo uso de determinada estratégia preventiva nem pelo tipo de desenho utilizado, indica que outras explicações devem ser buscadas. Segundo Cooper (1989), diferenças nos efeitos podem estar relacionadas a dois tipos de fatores: o mais freqüente sugere que as descobertas das investigações podem ter ocorrido simplesmente pelo acaso e, se um número suficientemente grande de pesquisas é feito sobre um tema em particular, há possibilidades de que os estudos apresentem resultados efetivos e não efetivos em proporções semelhantes, caracterizando-se uma contradição (Cooper, 1989). Então, o que aparece como contraditório pode simplesmente ser o resultado, positivo ou negativo, de uma distribuição ao acaso das descobertas. A segunda explicação para a variação nos efeitos, pode estar relacionada com as diferenças de como e onde os estudos são conduzidos e de quem os conduziu. Pode-se descobrir relações entre as características dos estudos e seus resultados. Tendo em vista a existência de diversas evidências de que a cárie dental não é um fenômeno aleatório e, portanto, passível de controle através de ações intencionais, é provável que as diferenças observadas na presente revisão estejam relacionadas ao contexto histórico, cultural, social e organizacional dos diferentes estudos (onde, como e quem os implementa) ou à abordagem teórico-metodológica do pesquisador.

Um grande número de estudos tem mostrado que a implementação de programas e intervenções em contextos sociais concretos é extremamente complexa (Chen, 1990; Denis & Champagne, 1997; Rossi & Freeman, 1991). Por esse motivo, por vezes, a análise da implantação de programas pode ser necessária para elucidar os efeitos inesperados, exigindo dos pesquisadores o desenvolvimento de estratégias de investigação capazes de examinar as ações sanitárias de uma perspectiva processual e histórica.

A educação em saúde oral como ferramenta básica e pressuposto fundamental para qualquer ação preventiva específica, está sendo pouco descrita ou considerada nos estudos de intervenção isolados, possivelmente em decorrência do referencial medicamentoso dominante sobre os mecanismos de determinação e controle da cárie dental. Outras teorias que dão conta da determinação sócio-econômica e comportamental da doença, não têm sido incorporadas nos estudos revisados. A ação sobre o problema da cárie dental não decorre apenas das características das tecnologias preventivas aqui analisadas, mas também da ação dos sujeitos (homens e mulheres) que se apropriam desses métodos e fazem escolhas sobre seu uso cotidiano. Este é um campo fértil e amplo para novas investigações, capazes de contribuir para elucidar algumas questões controversas, identificadas na presente revisão.

 

 

Referências

 

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Recebido em 27 de julho de 2000
Versão final reapresentada em 26 de abril de 2001
Aprovado em 9 de julho de 2001

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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