René Mendes | Debate sobre o artigo de Leny Sato Debate on the paper by Leny Sato
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Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil |
Tendo sido incluído entre aqueles que tiveram o privilégio especial de conhecer o excelente trabalho de Leny Sato, antes de sua publicação, em função da interessante metodologia introduzida pelos editores de Cadernos de Saúde Pública, imagino que o exercício de analisar este trabalho e de identificar ângulos para o debate possa ser tão rico e diverso, de modo tal que, dificilmente, os colegas que receberam idêntica tarefa à minha, irão se repetir. Isto porque o trabalho da Professora Sato, abre, de fato, um leque interminável de "ganchos" para um profícuo debate no meio acadêmico e profissional vinculado às questões de Saúde Pública e Saúde do Trabalhador, em torno de questões extremamente avançadas e atuais.
Dos muitos e diversos ângulos de análise possíveis, gostaríamos de enfocar aqui, apenas o que se refere diretamente a nós, profissionais comprometidos com a Saúde do Trabalhador, tomando, para tanto, a última parte deste interessante trabalho.
Assim, entre muitas coisas lindas e extremamente oportunas de serem ditas, a autora nos convida a refletir sobre o nosso papel, entendendo que "a prática dos profissionais que nela [área de saúde do trabalhador] atuam será a de interlocutores que venham a facilitar o processamento do planejamento/replanejamento do trabalho concebida como atividade dialógico-discursiva (...), potencializando e ampliando as mudanças de organização do processo de trabalho, conduzidas sempre, a partir do grupo primário de trabalho" (grifo introduzido).
Esse conceito expressado pela autora, pinçado dentre outros muito bem enunciados, nos obriga - "profissionais" e "técnicos" atuantes no campo da Saúde Pública - a refletir sobre o as dimensões deste papel de "interlocutores", bem como os requisitos para o exercer, com competência. O modo como os dicionários definem o termo interlocutor - "aquele que fala com outro; aquele que fala em nome de outro" - já nos chama a atenção à complexidade dessa tarefa, para não dizer a enorme responsabilidade que pesa sobre os ombros do que fala, principalmente se fala em nome de outro... Responsabilidade pesada, vista por um lado; privilégio e desafios ímpares, visto por outro.
É requisito primitivo do desenvolvimento do ser humano, que para falar é preciso ouvir - assim as crianças aprenderam a falar, e por isso os "surdos" congênitos se tornam "mudos" - e para falar em nome de outro é preciso ouvir, muito mais!
Eis aqui uma das mais impressionantes dificuldades dos "profissionais" de saúde: saber ouvir, antes de falar... Particularmente essencial no campo da saúde dos trabalhadores, onde não necessariamente os que falam são "pacientes", e sim cidadãos ativos e, como bem demonstrou a autora, capazes de planejar ou replanejar o trabalho, mesmo sendo apenas "meninos", "mulheres" ou apenas "os de baixo"...
Nesse sentido, a autora corretamente destaca, em outra parte de seu trabalho, o preconceito e o viés do "olhar arrogante, que apenas vê como mudança aquelas que assim consideremos..."
Outrossim, espera-se, de acordo com a expectativa da autora, que esses interlocutores "venham a facilitar o processo do planejamento/replanejamento do trabalho (...) potencializando e ampliando as mudanças de organização do processo de trabalho, conduzidas sempre, a partir do grupo primário de trabalho" (grifos introduzidos).
Sem reduzir a riqueza do trabalho da Professora Leny Sato ao ângulo que escolhemos analisar, as inúmeras reflexões desencadeadas por seu trabalho incluem a detecção de um verdadeiro chamamento e quase uma provocação a todos nós que militamos na Saúde Pública/ Saúde do Trabalhador, no sentido de nos (re) avaliarmos frente a esses requisitos colocados pela autora.
Referimo-nos, sem ordem hierárquica, a competências como saber ouvir, saber falar, saber falar com o outro, saber falar pelo outro, saber facilitar (o processo de planejamento/replanejamento do trabalho), ser capaz de potencializar, de ampliar as mudanças... Enfim, a capacidade de encontrar o nosso espaço de competência, que deveria estar eqüidistante (e que distante...), de um lado, do "olhar ingênuo" - que considera (à luz das experiências e vivências observadas no cotidiano) resolvido o problema do planejamento/replanejamento da organização do processo de trabalho e da prevenção em saúde do trabalhador - e, no outro extremo, do "olhar arrogante", que apenas vê como mudança aquelas que assim consideremos.
Lendo este lindo trabalho e buscando dele extrair lições para a nossa vida, elegemos este ângulo de análise, para continuar refletindo. E, principalmente, para questionar condutas e posturas profissionais prevalentes, que, na verdade, mais se aproximam dos extremos, seja da ingenuidade, seja da arrogância. Respostas sérias a este desafio, irão requerer importantes investimentos na construção de novas competências, na reconstrução de outras e, certamente, na demolição ("desconstrução"?) de muitas.