ARTIGO ARTICLE

Claudia Flemming Colussi 1
Sérgio Fernando Torres de Freitas 2


Aspectos epidemiológicos da saúde bucal do idoso no Brasil

 

Epidemiological aspects of oral health among the elderly in Brazil

 

1 Programa de
Pós-graduação em Saúde Pública, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina. Rua João Pinto 30, Sala 801, Florianópolis, SC 88010-420, Brasil.

claucolussi@hotmail.com
2 Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário Trindade, Florianópolis, SC 88049-970, Brasil.
storres@repensul.ufsc.br

 

Abstract All indexed articles in BBO, LILACS, and MEDLINE databases from January 1998 to July 2001 were searched to analyze information on oral health among the elderly in Brazil. The year 1998 was used as a starting point, since this was the year the National Epidemiological Survey was published. Twenty-nine articles were found, of which 7 were analyzed in detail regarding key methodological aspects (age, sampling, data presentation) and the results were presented (DMFT index, proportion of missing teeth, edentulousness rate, and use and need of dental prostheses). DMFT ranged from 26.8 to 31.0, with approximately 84% of teeth missing. Prevalence of edentulousness was 68%. Few elderly did not need or use any kind of prosthesis. Denture use was more frequent in the upper than in the lower jaw. Lack of standardized data hampered an understanding of some key aspects of data analysis. Both data presentation and methodology must be improved in future research in this area. Despite all these caveats, the literature review confirmed the poor oral health of the Brazilian elderly population.
Key words Oral Health; Aged; Aging Health; Epidemiology

 

Resumo Com o objetivo de analisar os estudos epidemiológicos sobre a saúde bucal dos idosos no Brasil, foram pesquisados todos os artigos indexados nas bases de dados BBO, LILACS e MEDLINE, a partir de 1988, data da publicação do Levantamento Epidemiológico Nacional. Foram encontrados 29 artigos, dos quais sete estudos foram analisados quanto à metodologia utilizada (faixa etária, tipo de amostra, forma de apresentação dos dados) e quanto aos resultados apresentados (índice CPOD, participação de dentes extraídos, percentual de edêntulos, e uso e necessidade de prótese). O CPOD encontrado variou de 26,8 a 31,0, sendo que o componente extraído representou cerca de 84% desse índice. A prevalência do edentulismo ficou em 68%. Somente 3,9%, um pequeno percentual dos idosos, não necessitam nem usam qualquer tipo de prótese, e o uso da prótese total é mais freqüente no arco superior do que no inferior. A falta de padronização na organização e apresentação dos dados, assim como a sua escassez, prejudicaram a análise, sugerindo que deva haver uma maior preocupação por parte dos pesquisadores quanto à realização de novas pesquisas, e principalmente, quanto à maneira como estas serão conduzidas. Apesar disso, confirmaram-se as condições muito precárias de saúde bucal em idosos no Brasil.
Palavras-chave Saúde Bucal; Idoso; Saúde do Idoso; Epidemiologia

 

 

Introdução

 

Tanto no Brasil como nos países mais desenvolvidos, os progressos tecnológicos e os avanços dos estudos no campo da saúde levam a um aumento na expectativa de vida do homem (Kina et al., 1996). O decréscimo das taxas de mortalidade, associado à melhoria nas condições de saneamento básico, também são fatores que resultam numa participação cada vez mais significativa dos idosos na população, resultando num processo de envelhecimento populacional rápido e intenso (Frare et al., 1997; Padilha et al.,1998; Pereira et al., 1999; Ramos et al., 1987; Saliba et al., 1999).

De acordo com o IBGE, a faixa de pessoas com sessenta anos ou mais, em 1960, era responsável por 4,8% do total da população brasileira. Em 1980, esse número passou para 6,2% e em 1999 atingiu 8,7%. Mantidas as tendências atuais, a projeção para 2025 é de que a proporção de idosos no país esteja em torno de 15%. Embora esse percentual seja inferior à média dos países europeus (25%), coloca para o Brasil a problemática decorrente do envelhecimento, no que diz respeito à saúde (doenças crônicas requerendo cuidados continuados e custosos), agravada pelo fato de que problemas como a desnutrição e doenças infecciosas ainda persistem no país (Ramos et al., 1987).

A saúde bucal tem sido relegada ao esquecimento, no caso brasileiro, quando se discutem as condições de saúde da população idosa. A perda total de dentes (edentulismo) ainda é aceita pela sociedade como algo normal e natural com o avanço da idade, e não como reflexo da falta de políticas preventivas de saúde, destinadas principalmente à população adulta, para que mantenha seus dentes até idades mais avançadas (Pucca Jr., 2000; Rosa et al., 1992).

Nos últimos cinqüenta anos, a Odontologia dedicou seus estudos principalmente a descobertas na prevenção e no tratamento da cárie em crianças de até 12 anos. Foram implantados projetos incrementando a fluorterapia e as atividades de educação em saúde bucal (Parajara & Guzzo, 2000; Pinto, 2000). Porém, os resultados deste investimento ainda não têm seus reflexos na população idosa, que está longe de atingir a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano 2000, em que na faixa etária de 65-74 anos, 50% das pessoas deveriam apresentar pelo menos vinte dentes em condições funcionais (FDI, 1982). Se não forem adotadas medidas que dêem continuidade a esse trabalho preventivo, o quadro de saúde bucal dessas pessoas talvez não apresente melhoras consideráveis com o passar do tempo.

No Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal, realizado pelo Ministério da Saúde (MS) em 1986, um dos grupos não examinados foi aquele com idade acima de 60 anos, incluindo apenas o grupo de pessoas com 50-59 anos. O índice CPOD, que indica o número de dentes permanentes cariados, perdidos (extraídos e com extração indicada) e restaurados, foi de 27,2 para essa faixa etária, com 86% de participação dos dentes extraídos, já sugerindo as péssimas condições em que se encontravam as pessoas com mais de sessenta anos (MS, 1988).

O elevado número de dentes extraídos, encontrado neste levantamento e em outros estudos, evidencia a inexistência de tratamento restaurador ao alcance da maioria da população. Outro fator a ser considerado é a inexistência de medidas eficazes que impeçam a recidiva da cárie na população, fazendo com que haja sempre o surgimento de novas necessidades, que nunca se esgotarão enquanto for mantido o modelo atual de atenção à doença (Fernandes et al., 1997).

Os serviços públicos, incapazes de limitar os danos causados pela cárie por ausência de programas preventivos, realizam extrações em massa e disponibilizam à população idosa apenas atendimento emergencial, fazendo com que suas necessidades de tratamento se acumulem, atingindo níveis altíssimos. Com isso, há grande demanda de tratamentos protéticos, que não são oferecidos à população nem nos serviços públicos, nem nos consultórios particulares, por custos mais acessíveis (Fernandes et al., 1997).

De 1986 até os dias de hoje, o crescimento do número de idosos não foi acompanhado pelo aumento da quantidade de pesquisas que forneçam um diagnóstico preciso das condições de saúde bucal dos mesmos. Nos países mais desenvolvidos, parece haver uma preocupação maior com a saúde dos idosos, que pode ser observada pela existência de programas preventivos destinados à essa população, e pelas melhores condições de saúde bucal em que se encontram esses idosos (Ettinger, 1993; Strayer, 1993).

É difícil estimar a futura situação de saúde bucal e as necessidades de tratamento da próxima geração de idosos através dos dados epidemiológicos da população idosa de hoje, pelo fato de existirem mudanças significativas, principalmente devido ao contato com o flúor, pelo uso de dentifrícios e água de abastecimento público. Porém, é necessário conhecer o estado de saúde bucal desse grupo etário, como também obter dados epidemiológicos que sirvam de subsídios para o desenvolvimento de programas direcionados à essa população, que ainda são praticamente inexistentes no Brasil (Dini & Castellanos, 1993; Pucca Jr., 2000; Saliba et al., 1999).

 

 

Objetivos

 

O principal objetivo deste artigo é fazer uma revisão crítica dos estudos epidemiológicos apresentados nas publicações nacionais com relação à saúde bucal do idoso, enfatizando a cárie dental e suas conseqüências, através do índice CPOD, do número de dentes extraídos (componente "P"), do percentual de desdentados totais e do uso e necessidade de prótese.

 

 

Metodologia

 

Foram pesquisados todos os artigos sobre saúde bucal do idoso no Brasil que constavam na literatura a partir de 1988, data da publicação do Levantamento Epidemiológico de 1986. As bases de dados consultadas foram: BBO, LILACS e MEDLINE, no mês de maio de 2001.

Dos 29 artigos encontrados, foram selecionados 8 que traziam dados epidemiológicos sobre a cárie, a partir dos quais foi feita uma análise do índice CPOD, do percentual de dentes extraídos e indivíduos edêntulos, e do uso e necessidade de prótese total, levando-se em consideração a forma de apresentação destes dados e sua comparabilidade. Também foram analisados os delineamentos desses estudos quanto ao tipo de amostragem e sua descrição, e quanto à faixa etária trabalhada.

A Fédération Dentaire Internationale (FDI) considera como pessoas idosas aquelas com mais de sessenta anos, classificando-as em três grupos (FDI, 1987), de acordo com o grau de dependência: independentes, parcialmente dependentes e totalmente dependentes. Dos oito estudos epidemiológicos, apenas Rosa et al. (1993) apresentaram os dados da população idosa segundo o grau de dependência, de acordo com essa classificação da FDI. Já que esses autores têm outro artigo publicado referente ao mesmo levantamento epidemiológico (Rosa et al., 1992), analisando idosos institucionalizados e domiciliares, os dados quanto ao grau de dependência não foram incluídos nas análises deste artigo, devido à dificuldade de comparação com os demais estudos. Portanto, sete dos oito artigos epidemiológicos serão considerados.

Chagas et al. (2000) foram os únicos que estudaram uma população que participava de um Serviço de Atenção Odontológica aos Idosos, que desenvolve ações educativas, preventivas e curativas. Conseqüentemente, seus resultados divergiram dos demais estudos, refletindo as melhores condições de saúde bucal em que se encontram esses idosos, o que não permitiu sua comparação com populações sem assistência específica.

 

 

Resultados

 

Quanto ao conteúdo dos artigos

 

Foram encontrados 29 artigos nacionais referentes à saúde bucal do idoso, publicados entre os anos de 1988 e 2000, classificados conforme a Tabela 1.

 

 

Desses artigos encontrados, apenas oito referem-se ao levantamento de dados epidemiológicos desse grupo etário com relação à cárie. Os demais artigos (21) abordam diversos temas, sendo que a maioria deles faz referência à transição demográfica, com o aumento significativo do número de idosos, e situa o problema da falta de informações sobre a real situação de saúde bucal dessa população.

Percebe-se uma grande preocupação, na maioria dos artigos, em ressaltar aspectos que justifiquem a importância do tema "odontogeriatria", embora seja dado um enfoque mais clínico do que voltado à saúde pública. As peculiaridades do atendimento ao idoso no consultório odontológico, assim como a importância de sua inclusão nos currículos universitários, totalizam mais de 50% dos artigos pesquisados.

 

Quanto à metodologia dos estudos epidemiológicos sobre a cárie

a) Faixa etária

 

Dos sete estudos epidemiológicos, quatro apresentaram os resultados para a faixa etária de sessenta anos ou mais (Chagas et al., 2000; Fernandes et al., 1997; Meneguim & Saliba, 2000; Rosa et al., 1992) permitindo a comparação entre si.

Pereira et al. (1999) trabalharam com idosos de cinqüenta anos ou mais, analisando os dados para as faixas etárias de 50-75 anos e 75 ou mais. Saliba et al. (1999) examinaram pessoas com idades entre 42-102 anos, e seus dados são fornecidos sem divisão etária. Frare et al. (1997) também agruparam os dados que se referem aos examinados com 55 anos ou mais.

 

b) Tipos de amostra e população estudada

 

Quanto às amostras utilizadas nos estudos, apenas Rosa et al. (1992) trabalharam com uma amostra probabilística, representativa do Município de São Paulo. Frare et al. (1997) utilizaram uma amostra representativa do bairro onde foram examinados os idosos, porém, não descreveram os motivos que levaram à escolha de tal bairro, nem sua representatividade em termos de município. Os demais estudos (Chagas et al., 2000; Fernandes et al., 1997; Meneghim & Saliba, 2000; Pereira et al.,1999; Saliba et al., 1999) restringiram-se a grupos específicos de idosos, cujas características e condições de saúde bucal diferem da população em geral, compondo amostras por fácil acesso.

Saliba et al. (1999) e Pereira et al. (1999) pesquisaram os idosos institucionalizados, que em ambos os casos, eram de baixa renda. Porém, a amostra do estudo de Saliba et al. (1999) não se encontra bem descrita, pois não informa a representatividade da mesma, nem descreve quais idosos foram ou não examinados, dentre aqueles pertencentes às instituições.

Meneghim & Saliba (2000) verificaram as condições de saúde bucal de idosos pertencentes a grupos de terceira idade, e apesar de especificarem os critérios de seleção dos examinados, não descreveram a representatividade da sua amostra.

Chagas et al. (2000) e Fernandes et al. (1997) estudaram populações com acesso aos serviços de saúde. Não há referências quanto à representatividade da amostra de Chagas et al. (2000) nem quanto aos critérios de seleção dos examinados.

 

c) Apresentação dos dados

 

Quanto à apresentação dos resultados obtidos, houve muita discordância entre os estudos, principalmente com relação ao uso e necessidade de prótese. Dos artigos analisados, Pereira et al. (1999), Meneghim & Saliba (2000) e Saliba et al. (1999) utilizaram os códigos e critérios da OMS para o registro desses dados, e ao contrário do esperado, não seguiram a mesma padronização na sua apresentação. O mesmo aconteceu com Rosa et al. (1992) e Chagas et al. (2000), que se basearam nos critérios utilizados no Levantamento Nacional de 1986. Frare et al. (1997) não especificaram em sua metodologia qual o critério utilizado para a obtenção desses dados, enquanto que Fernandes et al. (1997) descreveram os critérios de diagnóstico que foram utilizados para a determinação do uso e necessidade de prótese.

Os estudos de Meneguim & Saliba (2000) e Pereira et al. (1999) forneceram os valores do CPOD e percentual de dentes extraídos separadamente por faixas etárias, porém, o mesmo não aconteceu com os dados do percentual de edêntulos e uso e necessidade de prótese.

 

Ataque de cárie e percentual de edêntulos

 

De acordo com os dados disponíveis em nível mundial, a cárie é o principal problema bucal dos indivíduos com sessenta anos ou mais (Ettinger, 1993). Alguns fatores como a redução do fluxo salivar pelo uso de medicamentos, a dificuldade de higienização por problemas psico-motores e a alteração da dieta, potencializam a ação da doença nessa população (Parajara & Guzzo, 2000).

Para avaliar a cárie e suas conseqüências, os estudos epidemiológicos utilizaram o índice CPOD, o percentual de dentes perdidos e o de indivíduos edêntulos (Tabela 2).

 

 

Em geral, o aumento da idade foi acompanhado pela redução do número de dentes, aumento do índice CPOD e do percentual de dentes perdidos por cárie. No estudo de Meneguim & Saliba (2000), o componente "P" representou 71,4% do índice CPOD para a faixa etária de 45-59 anos, passando para 92,5% nos indivíduos de setenta anos ou mais.

O CPOD médio foi um pouco menor para os grupos de terceira idade, quando comparados com idosos institucionalizados. Esse resultado provavelmente se deve ao fato de que os institucionalizados apresentam menor renda e maior grau de dependência.

Segundo as estimativas feitas a partir do Levantamento Epidemiológico de 1986, o valor médio do CPOD é de 30,76, para a faixa etária de sessenta anos ou mais (Pinto, 1993). Os estudos que utilizaram a mesma faixa etária obtiveram achados semelhantes. A exceção é o estudo de Chagas et al. (2000), cuja população foi composta de idosos em programa preventivo específico.

O componente extraído representou, em média, 92,4% do índice CPOD (Fernandes et al., 1997; Meneghim & Saliba, 2000; Rosa et al., 1992), refletindo a falta de uma prática preventiva por parte dos cirurgiões-dentistas, que há alguns anos vêm realizando extrações desnecessárias e eventualmente iatrogênicas. A conseqüência direta dessa prática é constatada pelo alto índice de edêntulos, que representam cerca de 68% dos idosos (Fernandes et al., 1997; Rosa et al., 1992). Esses resultados são semelhantes àqueles estimados a partir do Levantamento Epidemiológico de 1986, cujo percentual médio de edêntulos foi de 72% (Pinto, 1993).

A alta prevalência de edentulismo na terceira idade, segundo Pucca Jr. (2000), desnuda a ineficiência das formas de planejamento de programas que possuem características excludentes de acesso.

 

Uso e necessidade de prótese

Sabe-se que a perda da dentição natural influi sobre diversos aspectos do organismo, dentre os quais o aspecto estético, a pronúncia, a digestão, e principalmente, a mastigação. Um indivíduo com todos os dentes tem uma capacidade mastigatória de 100%, em pessoas que usam prótese total, essa capacidade é de 25% (Moriguchi, 1992).

A capacidade mastigatória, afetada pelas extrações, pode ser em parte recuperada pelo uso de próteses. O uso de prótese total foi descrito nos sete artigos analisados, como mostra a Tabela 3. É importante observar que quatro desses artigos não apresentam o uso e necessidade por arcada; três trabalham com percentual sobre os edêntulos, enquanto os demais trabalham com percentual sobre a população total; um apresentou apenas o uso de prótese, o que não permite avaliar quais as necessidades de atenção odontológica, pois o número de próteses em uso que precisam de substituição é considerável. A falta de assistência odontológica posterior à colocação da prótese, é um dos fatores que justificam os elevados percentuais de necessidade de reparo ou substituição, assim como a alta prevalência de lesões associadas às mesmas (Fernandes et al., 1997; Frare et al., 1997; Meneghim & Saliba, 2000; Rosa et al., 1992).

 

 

O estudo de Rosa et al. (1992) mostrou que a necessidade de prótese encontrada na amostra domiciliar foi bem inferior àquela encontrada nas instituições, onde os idosos geralmente são de baixa renda.

Quanto ao uso de prótese total, os resultados dos estudos analisados mostraram que é mais utilizada no arco superior do que no inferior. Segundo Frare et al. (1997), a maior parte dos edêntulos não utiliza a prótese total inferior alegando desconforto com a mesma. O percentual da população que não usa nem necessita de próteses é muito pequeno.

 

 

Discussão

 

A análise da metodologia utilizada nestes estudos epidemiológicos, permite a identificação de alguns pontos importantes que devem ser salientados, ressaltando a necessidade de uma padronização dos critérios metodológicos, para que possa haver a comparação dos dados encontrados nos diferentes estudos. Quando já existem diretrizes internacionalmente aceitas e utilizadas, como no caso dos critérios da OMS (1999) para levantamentos em saúde bucal e classificações da FDI (1987), elas devem ser consideradas, ainda que apresentem algumas limitações.

Quanto às faixas etárias utilizadas, o critério proposto internacionalmente (FDI, 1987), não impede que sejam examinadas todas as pessoas de um determinado grupo ou instituição. Porém, o agrupamento e a análise dos dados segundo essa classificação etária é imprescindível para que se possa melhor utilizá-los. A exemplo disso, temos o estudo de Meneguim & Saliba (2000), que agruparam os dados para três faixas etárias: 45-59 anos, 60-69 anos e 70 ou mais. Sabendo-se da carência de dados referentes à população idosa no país, e tendo-se como referência essa classificação da FDI, sugere-se que os próximos estudos apresentem seus dados para essa faixa etária separadamente, para que possam ser comparados, fornecendo um diagnóstico mais preciso da situação de saúde bucal dos idosos.

A classificação de acordo com o grau de dependência (FDI, 1987) é de grande importância na análise dos dados coletados em populações idosas, uma vez que os indivíduos mais dependentes apresentam piores condições de saúde bucal em virtude da sua debilidade física, que dificulta a realização da higiene bucal em níveis satisfatórios. Apesar de ser uma classificação simples e de fácil execução, somente no estudo de Rosa et al. (1993), ela foi considerada.

Quanto ao tipo de amostra, observou-se que as de fácil acesso foram as mais utilizadas. Apesar das amostras probabilísticas resultarem na obtenção de dados mais próximos da realidade, permitindo sua extrapolação para toda a população estudada, elas apresentam algumas desvantagens operacionais, uma vez que requerem mais tempo, recursos financeiros e humanos, dificultando sua realização. No entanto, é necessário um esforço por parte dos pesquisadores, para que sejam conduzidos estudos com delineamentos amostrais mais criteriosos, cujos resultados possam ser utilizados como parâmetros populacionais de comparação, inclusive em relação a estudos internacionais.

Com relação ao ataque de cárie e percentual de edêntulos, observou-se que a prevalência do edentulismo no Brasil constitui-se numa das mais elevadas do mundo, quando comparada com os resultados de alguns estudos realizados na faixa etária de 60-65 anos ou mais em outros países, no mesmo período (Guivante-Nabet et al., 1998; Irigoyen et al., 1999; Jokstad et al., 1996; Macinnis, 1993; Slade & Spencer, 1997; Steele et al., 1996). Além disso, nos artigos internacionais, percebe-se uma preocupação com a prevalência da cárie radicular, já que as condições de saúde nos países mais desenvolvidos diferem das encontradas no Brasil. O número de dentes extraídos é menor, assim como a destruição coronária por lesões cariosas, e por isso são utilizados índices que permitem a análise da distribuição da cárie por superfícies. (Guivante-Nabet et al., 1998; Macinnis, 1993; Slade & Spencer, 1997; Steele et al., 1996).

Segundo Nordström et al. (1998), o índice CPOD foi construído para estimar-se a prevalência de cárie em jovens e adultos com pouca perda dental, e no caso dos idosos, o componente "P" acaba englobando as perdas dentárias por outras causas, apesar da cárie constituir um importante fator na perda dentária em todas as faixas etárias. Mesmo apresentando essas limitações, o CPOD continua sendo o índice-padrão para a avaliação da severidade da cárie também nas populações de idosos.

Quanto ao uso e necessidade de prótese, houve alguma dificuldade na análise dos dados referentes à necessidade de prótese, que apresentaram valores com variação de 1,4% (Meneguim & Saliba, 2000) a 74,3% (Pereira et al., 1999). Uma das limitações na avaliação da necessidade de prótese - total ou parcial - reside no fato de que no manual da OMS (1999), não consta nenhum critério estabelecendo que fatores determinam que uma prótese seja considerada com necessidade ou não de reparo ou substituição. A falta de padronização na obtenção e divulgação dos dados também é uma realidade. Alguns estudos não dividem necessidade e uso por arcadas, outros não verificam a necessidade, alguns a medem a partir da população total, enquanto outros, apenas a partir da população de edêntulos.

 

 

Considerações finais

 

Existe necessidade de maior padronização na elaboração, execução, apresentação e análise dos resultados de inquéritos epidemiológicos sobre a saúde bucal de idosos, para que possam ser utilizados e comparados de forma adequada.

Os resultados apresentados nos artigos, confirmam as precárias condições de saúde bucal em que se encontra a população idosa no Brasil, onde o CPOD variou de 26,8 a 31,0, com grande participação do componente extraído (84%) e alta prevalência de edêntulos (68%). São dados alarmantes, retratando um problema atual, que tende a se agravar caso não sejam tomadas algumas medidas de assistência a essa população.

O serviço público necessita de uma reformulação, direcionando ações específicas aos problemas da terceira idade, dentre os quais se situa a falta de dentes. Além de medidas educativas e preventivas, deve-se pensar em medidas reabilitadoras, no caso específico do edentulismo. A implementação de um serviço de prótese dentária no setor público é uma medida viável e que deveria ser encarada como profilática, uma vez que a falta de dentes acarreta outros problemas de saúde, agravando os já existentes e piorando a qualidade de vida da população idosa brasileira.

 

 

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Recebido em 6 de setembro de 2001
Versão final reapresentada em 19 de dezembro de 2001
Aprovado em 12 de março de 2002

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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