ARTIGO ARTICLE

Rosana Magalhães 1

Enfrentando a pobreza, reconstruindo vínculos sociais: as lições da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida

 

Combating poverty and rebuilding social ties: the lessons of Citizens' Action in the Struggle Against Hunger and Destitution and in Defense of Life

1Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.
rosana@ensp.fiocruz.br

 

Abstract To reflect on Citizens' Action in the Struggle Against Hunger and Destitution and in Defense of Life is to seek to approach the dilemmas and challenges involving the consolidation of citizenship and social justice, as well as the forces in action in contemporary Brazilian society. However, many questions remain open in this effort. The intertwining issues of poverty, politics, and solidarity and the concrete shapes and multiple social developments of Brazil's "Campaign Against Hunger" leave room for various possible interpretations. Thus, considering the breadth of the theme on the one hand and the limits of this article on the other, the objective is to explore some relevant issues in the debate on destitution and exclusion and the process of constructing new kinds of public social intervention and civic participation, arising over the course of the study conducted by the "Citizens' Action Committees" in Rio de Janeiro during 1996 and 1997. The basic idea is to focus on volunteer practices to discuss the dilemmas posed for solving impoverishment and social fragmentation through cooperative activities and mutual help in Brazil.
Key words Poverty; Non-Governmental Organizations; Citizenship; Solidarity; Social Justice

 

Resumo Refletir sobre a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida é buscar uma aproximação com os dilemas e desafios que envolvem a consolidação da cidadania e da justiça social e, também, com as forças em ação na sociedade brasileira contemporânea. Neste esforço, porém, muitas interrogações ficam em aberto. O entrelaçamento dos temas da pobreza, da política e da solidariedade, os contornos concretos e os múltiplos desdobramentos sociais da chamada "Campanha da Fome" dão margem a diferentes possibilidades interpretativas. Dessa forma, considerando por uma lado, a amplitude do tema e, por outro, as limitações deste artigo, o objetivo é explorar algumas questões relevantes em torno do debate sobre a miséria, a exclusão e o processo de construção de novos perfis de intervenção pública e participação cívica, suscitadas ao longo da pesquisa realizada junto aos "Comitês da Ação da Cidadania" no Rio de Janeiro, entre 1996 e 1997. Em linhas gerais, a idéia é discutir, a partir das práticas dos voluntários, os dilemas postos para o equacionamento da pobreza e da fragmentação social por meio de ações de cooperação e ajuda mútua no país.
Palavras-chave Pobreza; Organizações Não Governamentais; Cidadania; Solidariedade; Justiça Social

 

 

Introdução

 

A emergência da "nova questão social" e o fracasso em definir argumentos capazes de contornar os impasses contemporâneos, têm implicado ceticismo e desconfiança tanto em relação ao Estado quanto à sociedade. Sem podermos contar com descrições previsíveis e uniformes da realidade ou, ainda, com fórmulas acabadas para a solução dos problemas sociais, vivemos sob uma tensão que mistura angústia e incerteza. Assim, neste contexto em que os significados da cidadania, da justiça e da integração social sofrem intensas metamorfoses, o propósito de forjar novos arranjos institucionais articulados a formas de participação social criativas torna-se extremamente oportuno.

Na trajetória histórica em que as desigualdades sociais deixam de ser naturais e inelutáveis e, a pobreza torna-se um fenômeno coletivo e uma questão política, irrompe um processo inconcluso em direção à busca de alternativas para a estabilização das condições de vida e manutenção da coesão social. Na maioria das sociedades industriais desenvolvidas e mediadas por modelos de "welfare state", iniciativas de proteção social mais amplas e articuladas ao campo dos direitos sociais, deslocam a perspectiva de responsabilização individual pela miséria. Dessa forma, até os anos 70 nos países social-democratas, a solidariedade contratual voltada ao trabalhador sob risco e a ênfase na função redistributiva do Estado, ou em outras palavras, a emergência da cidadania ligada ao trabalho, equacionam com razoável sucesso o problema da vulnerabilidade social.

No entanto, os impactos da crise da sociedade salarial e da perda de autonomia dos estados­nacionais, impõem novos rumos para as políticas sociais. O desemprego em massa e o surgimento de novos processos de exclusão social, desafiam este ideal de cidadania ligada ao trabalho. Ao mesmo tempo, a família, a comunidade ou ainda, como ressalta Beck (1995:33), "as fontes de significado coletivas e específicas de grupo como, por exemplo, a consciência de classe sofrem exaustão, desintegração e desencantamento". Nesse contexto, como contornar as ameaças e riscos crescentes de "desafiliação"? Que papel deverá assumir o Estado?

"Depois do vigia noturno e da babá, não é fácil dizer o que o Estado vai ser: um animador que faz com que as pessoas se sintam bem? Um guia de viagem que afirme estar no controle, mas do qual se pode fugir de vez em quando? Ou talvez um jogador técnico que faz parte do jogo mas também é responsável pela atribuição de papéis e pelo espírito do time?" (Dahrendorf, 1992:144).

No âmbito da sociedade, movimentos sociais e associações voluntárias vivem dificuldades cada vez mais expressivas para contornar as tendências ao privatismo e ao isolamento. Há uma perda da "clareza política" que outrora orientava as organizações civis e participativas.

"Surge um engajamento múltiplo contraditório, que mistura e combina pólos clássicos da política de forma que, se pensarmos nas coisas em relação à sua conclusão lógica, todo mundo pensa e age como um direitista ou um esquerdista, de maneira radical ou conservadora, democrática ou não democraticamente, ecológica e antiecologicamente, política e não politicamente, tudo ao mesmo tempo. Todos são pessimistas, pacifistas, idealistas e ativistas em aspectos parciais do seu ser. Entretanto, isso só significa que as clarezas atuais da política ­ direita e esquerda, conservador e socialista, retraimento e participação ­ não são mais corretas ou efetivas" (Beck, 1995:33).

Nesse panorama, parece claro apenas um fato: não é mais possível pensar uma política para o enfrentamento das novas formas de privação centrada unicamente na esfera do Estado. Novos espaços públicos e arenas decisórias, incorporando necessariamente um leque amplo de atores coletivos e interlocutores em direção a um novo perfil de gestão social, tornam-se fundamentais. No Brasil, esse quadro de reordenação social e política tem importantes especificidades. Sem a pretensão de discuti-las profundamente neste artigo, é importante, porém, ressaltar alguns aspectos ligados à nossa experiência histórica de cidadania. Diferentemente da trajetória inglesa analisada por Marshall (1967), o país não experimentou um progresso seqüencial dos direitos civis, políticos e sociais e a construção lenta da cidadania como um valor coletivo. No caso brasileiro, uma versão híbrida e frágil dos direitos civis, marcada pela escravidão e pelas grandes propriedades de terra, não contribuiu para o amadurecimento da cidadania plena. Os direitos sociais, como analisa Carvalho (2001), foram instituídos em contextos autoritários e, portanto, de baixa participação política.

"Este pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram, em parte, sua contribuição para o desenvolvimento da cidadania ativa" (Carvalho, 2001:110).

Ou seja, tivemos a consolidação das políticas sociais sem o necessário fortalecimento das instituições democráticas. Como analisou Santos (1979), sem a presença de partidos políticos fortes e instituições representativas da sociedade civil capazes de encaminhar demandas mais amplas, a política social não foi capaz de forjar projetos consistentes em direção à eqüidade. Pelo contrário, historicamente, o clientelismo e a competição por privilégios no âmbito das políticas públicas obstaculizaram a conquista de níveis aceitáveis de justiça social. A privatização da lógica estatal e o baixo nível de responsabilização social foram associadas à condução seletiva e particularista das ações, construindo um fosso, um verdadeiro abismo entre os trabalhadores dos setores formais e mais dinâmicos da economia e o restante da sociedade.

Nosso perfil de cidadania aponta, assim, para a existência de amplos contingentes da população à margem da comunidade política, o que certamente tem implicações no que se refere ao nosso padrão de intervenção pública e integração social. Ao mesmo tempo, nossos vínculos associativos tendem a ser precários, frouxos e pouco eficazes na consolidação de laços de solidariedade horizontal (Da Matta, 1978). A organização de interesses e a ação coletiva ­ elementos centrais para a consolidação da convivência democrática e para a garantia de soluções perenes para os problemas sociais, não são, muitas vezes, potencialmente capazes de instituir novas arenas de negociação. Como aponta Dulce Pandolfi (1999:45), "a despeito da implantação de um Estado de direito, os direitos humanos ainda são violados e as políticas públicas voltadas para o controle social permanecem precárias". O personalismo parece ser continuamente renovado em nossas relações sociais dificultando, no âmbito das políticas públicas, a vigência de regras pactadas capazes de redefinir objetivos e garantir impactos na promoção da eqüidade e da justiça social. Para Reis (1995:59), "nossa identidade social ainda guarda muito de orgânico, elitista, populista".

As exigências para a superação das vulnerabilidades ligadas à situação de trabalho e cidadania são complexas e substancialmente distintas das que podem ser percebidas em outros contextos sociais. Assim, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida surgida em 1993 como uma mobilização de caráter nacional voltada ao enfrentamento da fome e da miséria e, impulsionada por comitês formados por um voluntariado heterogêneo, representa uma aventura rica de possibilidades e desafios. O problema da fome e as possíveis soluções e alternativas para minorá-lo tornam-se os fios condutores de uma rede de solidariedade e ajuda mútua, a qual em última análise, busca refazer vínculos entre indivíduos e grupos sociais.

Desse modo, a solução do quadro de fome e miséria é expressa pelos principais articuladores da chamada " Campanha da Fome", como uma exigência ética e principal alvo da mobilização pública. A questão da fome é, assim, reinventada. Ou seja, se nos anos 40 e 50, segundo o pensamento de Josué de Castro (Magalhães, 1997), a fome é essencialmente um obstáculo ao desenvolvimento e, dessa forma, ocupa um lugar decisivo no processo de formulação e implementação de programas estatais, décadas mais tarde o tema incita sentimentos e aspirações, os quais, combinando solidariedade e cidadania, buscam reverter um quadro de crise dos laços sociais. A visão da ação estatal como inócua, fragmentada e corrupta e, todavia, a concepção da sociedade coma a esfera capaz de romper a apatia e propor alternativas à burocratização e à ineficiência, ganham força e ressonância. Após o processo de impeachment do governo Collor e inúmeras denúncias de corrupção, paira uma suspeita generalizada sobre o corpo político. No que se refere às políticas de alimentação e nutrição, por exemplo, a situação encontrada pelo governo de Itamar Franco, após a posse, é crítica. Em estudo realizado por Ana Maria Peliano e Nathalie Beghin, no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 1992, fica patente a redução de verbas para os programas nutricionais. O Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de Apoio Nutricional e de Distribuição de Leite da Legião Brasileira de Assistência (LBA), sofrem drásticas reduções orçamentárias. No total, como mostra o estudo, em 1992 houve uma redução de 64% nos recursos destinados aos programas de alimentação e nutrição em relação ao ano de 1990. Assim, em meio à ávida necessidade de mudanças e crise moral do Estado, a sociedade é vista como lugar de construção de projetos inovadores voltados para o bem-estar.

Em 1993, a mobilização contra a fome e a pobreza divide-se, assim, em dois eixos principais: um reúne governo e sociedade com a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), o outro desenvolve-se a partir de iniciativas voluntárias ligadas à Ação da Cidadania. No bojo da divulgação dos dados do Mapa da Fome ­ estudo realizado pelo IPEA (1993) ­ surge um arranjo institucional e associativo complexo. Por um lado, há o reconhecimento do papel do governo e dos diferentes ministérios na transformação da situação de pobreza no Brasil. Atores e grupos sociais ligados ao movimento vão reiterar a necessidade de priorizar a discussão sobre a destinação dos recursos públicos e a articulação entre os governos municipais e estaduais. Entretanto, as alternativas societais e a ação voluntária são privilegiadas em oposição às ações estatais e burocratizadas. Na verdade, no Brasil assim como em outros países da América Latina, apesar dos anos 90 representarem um período de inflexão em relação à hegemonia das propostas neoliberais da década anterior e, portanto, sublinharem novos parâmetros de reestruturação econômica e política, não trazem um consenso em torno dos novos papéis do Estado e da sociedade em torno da pobreza. Como ressaltou Lopes (1994), nos anos 80, os programas de ajuste estrutural preconizados para os países latino-americanos pelo Banco Mundial buscaram, sobretudo, a contenção de gastos públicos, a privatização e a desregulamentação do Estado. Nesse receituário neoliberal, o enfrentamento da pobreza estava previsto mediante a adoção de políticas sociais compensatórias e focalizadas. As prestações universais de serviços públicos deveriam, nesta abordagem, ceder espaço para um acesso diferenciado a partir de critérios mais rígidos de seleção de clientelas, privilegiando, assim, os setores mais pobres da população. No início da década de 90, porém, essas teses recebem profundas críticas. Como produto da onda neoliberal, mecanismos cada vez mais perversos aprofundaram as desigualdades sociais e ampliaram a pobreza na América Latina. A proteção social, direcionada apenas para os mais excluídos dos benefícios econômicos e sociais, mostrou-se intensamente problemática. Para Therborn (1995:161), "a funcionalidade da seletividade é posta em causa pela impossibilidade de se eliminar importantes armadilhas de pobreza ­ poverty traps ­ através de direitos seletivos".

Com efeito, novas propostas surgem para o equacionamento dos problemas sociais, desafiando concepções anteriores. Pensar a pobreza e as múltiplas formas de privação como um problema com o qual todos estamos confrontados e com o qual nos identificamos, inaugura portanto, uma nova perspectiva. Sem dúvida, o movimento da Ação da Cidadania não estará imune aos problemas práticos e às exigências teóricas deste ponto de partida. A metáfora da guerra e a retórica humanitária associadas à "Campanha da Fome", muitas vezes são percebidas como estratégias voltadas ao desvio da responsabilidade estatal e à recriação do assistencialismo em um cenário de ofensiva neoliberal. No entanto, exatamente por suscitar polêmica e reflexão em torno dos papéis do Estado e da sociedade na melhoria do bem-estar, a Ação da Cidadania é capaz, ainda hoje, de fazer proliferar esforços significativos de pesquisa e investigação. Neste artigo, a proposta é contribuir nesta direção, apresentando e discutindo algumas das principais tendências reveladas a partir dos encontros com voluntários de "Comitês da Fome" localizados no Rio de Janeiro, entre 1996 e 1997.

 

 

Comitês da Fome: tensões na construção de um compromisso

 

"...não há mais regras que nos poupem da novidade. Precisamos ser condottieri de nossas vidas, estadistas de nosso destino. Isso, porém, que à primeira vista parece embriagar, de poder e de perspectivas, não é nenhum consolo; ao contrário, é um desafio para cada pessoa. Um desafio que inclui a exigência de articular o pessoal e o social, o ético e o político, o privado e o público" (Ribeiro, 2000:221).

Inicialmente, a vitalidade e a capacidade propositiva da Ação da Cidadania irão concentrar-se em uma dupla construção: por um lado a cidadania é entendida como um objetivo a ser atingido para a maior parte da população. Malgrado a incorporação dos direitos de cidadania pela Constituição, a questão-chave para o movimento é a existência de um hiato entre a lei e as práticas cotidianas dos indivíduos. Nesse aspecto, é reforçada a visão de que os direitos, no Brasil, não estão enraizados nas relações sociais enquanto valores coletivos. Por outro lado, essa perspectiva é desdobrada em uma análise do perfil de acesso às necessidades básicas da população, isto é, na medida em que os direitos não operam como princípios reguladores da dinâmica social, a pobreza é entendida como a contra-face de um precário padrão de integração social.

A fome adquire a força de uma idéia ­ síntese capaz, ao mesmo tempo de estabelecer uma fronteira entre integrados e não-integrados e de, também, construir um consenso moral e legítimo entre o justo e o injusto. A fome é, assim, a situação limite, "indigna", em que vivem os não-cidadãos. Na impossibilidade de reverter tal situação por meio de suas próprias iniciativas, este amplo contingente de famintos crônicos necessita da ação e da mobilização dos "incluídos". Nessa perspectiva, excluídos e incluídos confrontam-se com as mesmas necessidades e exigências incondicionais. É a partir dessa inferência, portanto, que são criadas e ampliadas as possibilidades de construção de laços de solidariedade.

No entanto, ao longo do tempo a imagem de "milhões de famintos", de imensas parcelas da população regidas pelo "imperativo inarredável de sobreviver", ou seja, grupos de cidadãos de um lado, e pobres anônimos, incapazes de representação e articulação de demandas de outro, conduz a Ação da Cidadania a um paradoxo. O discurso da exclusão presente no movimento aponta a existência de dois mundos distintos, separados de tal modo que chegam a ser invisíveis um para o outro e, ao mesmo tempo, busca provocar o envolvimento recíproco e a troca solidária. Em que termos, que não os postos na relação assimétrica ligada tradicionalmente à matriz religiosa da caridade, esta solidariedade é possível? Como construir uma dinâmica integradora entre cidadãos e pobres no limite da sobrevivência física? Qual noção de igualdade está, neste aspecto, informando a Campanha?

O dilema de construir uma rede de solidariedade em torno da pobreza e da fome na Ação da Cidadania, tendo como ponto de partida a existência de 32 milhões de indigentes sem voz e ação torna-se, neste sentido, inescapável. Para Giumbelli (1994), ele se tornará mais claro a partir das etapas subseqüentes da Campanha da Fome. Na análise do autor, se em um primeiro momento, a percepção de uma diferença entre a "sociedade" e os "excluídos" tornou-se a própria condição para a realização dos atos de solidariedade na Campanha, posteriormente, ao agregar as questões do emprego e do trabalho à agenda de mobilização, o "discurso da alteridade" começa a apresentar fraturas importantes. Ao invés de "indigentes" e "carentes de ajuda", as novas estratégias ligadas à criação de postos de trabalho e inserção profissional, passam a demandar, de maneira mais incisiva, formas de atuação articuladas às agências estatais e, também, à presença de atores sociais com maior grau de autonomia e capacidade propositiva.

Na verdade, apesar do drama da indigência, ou seja, da existência de milhões de "párias" e pessoas excluídas não só da sociedade como destituídas da "condição humana", ter sido capaz de contornar os impasses postos pelo corporativismo, pelo partidarismo e pelas distintas correntes ideológicas, o desdobramento posterior da Campanha em direção à "questões estruturais" iria revelar os limites desta abordagem. Assim, principalmente após 1994, a Campanha se depara com a necessidade de rever o enfoque dado à pobreza e, também, aos graus de autonomia, consciência e "responsabilização" dos pobres, a fim de fortalecer seu projeto de ampliação da cidadania (Giumbelli, 1994).

Como aponta Didier (1996), o discurso da exclusão pressupõe a existência de dois mundos, só que não totalmente separados, mas "mal ligados". Desse modo, a ação contra a exclusão está intimamente associada ao objetivo de recriar e recompor laços sociais. Além disso, ainda que haja um enfoque processual e dinâmico, é difícil nomear a vontade que provoca a exclusão. Não há, como discute o autor, a identificação de agentes concretos desencadeadores ou responsáveis pela exclusão. Isso não significa, porém, que a descrição das experiências de privação é neutra. Para Didier (1996), julgamento e condenação, embora pouco precisos, alternam-se e alimentam a mobilização social.

"...esta imprecisão é particularmente propícia ao desenvolvimento do valor performático do vocabulário da exclusão ... Através de uma noção fluida, coexistem, ao mesmo tempo, singularidade e generalidade" (Didier, 1996:24).

Assim, por um lado, ao referendar a imagem de uma sociedade cindida pela fome, a Ação da Cidadania atualiza mecanismos tradicionais de cooperação e ajuda, que embora distantes dos padrões de solidariedade social erigidos a partir do enraizamento da noção de igualdade, mostram grande eficácia na consolidação do movimento. No entanto, por outro lado, ao tentar vencer o desafio de construir alternativas de gestão social da miséria para além das estratégias tradicionais de doação e cooperação social, a Campanha confronta-se com problemas novos. Na verdade, as referências à generosidade e ao fim da indiferença na Ação da Cidadania tentam deslocar a discussão dos direitos de sua dimensão jurídico-política, incorporando-a, também, ao debate sobre os perfis cotidianos de convivência e interação sociais. Há o reconhecimento de que, isoladamente, a solidariedade estatal e institucionalizada não é capaz de garantir a integração social. Ou seja, se a cidadania exponencia as possibilidades de escolha e as chances dos indivíduos, essas novas opções perdem o significado sem "as estruturas profundas de vínculos" (Dahrendorf, 1997:55).

 

 

Entre a dádiva e o direito

 

"Autônomos, independentes, suprapartidários, criativos, concretos, que sejam capazes de identificar os problemas, propor soluções e trabalhar sem esperar nada, sem esperar ordens, sem esperar verticalismos, burocracias e centralização" (Betinho, em depoimento registrado no vídeo Betinho Fala sobre a Ação da Cidadania, produzido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas em 1993).

Os Comitês de Combate à Fome põem em prática a Ação da Cidadania. Será nestes espaços de interação entre atores sociais diferenciados que serão pensadas e experimentadas as alternativas de enfrentamento da pobreza e da miséria. Trata-se, originalmente, de uma mobilização dos grupos mais favorecidos (ou de cidadãos) em direção à realização de ações para a melhoria das condições de vida de segmentos da população vivendo sem cidadania, na miséria e na pobreza. Assim, a Ação da Cidadania nasce como um contra-exemplo do que Adam Smith sinalizou como "the desire of bettering our condition" (Smith, 1948, apud Hirschman, 1984). Ou seja, diferentemente da trajetória da maioria dos movimentos sociais, a Ação da Cidadania não tem como ponto de partida a história de uma complexa estruturação de espaços de colaboração entre sujeitos sociais concretos, capazes portanto, de elaborar demandas e reivindicações e, transpô-las de um plano privado para a esfera pública. Na verdade, a demanda pelo fim da fome e da miséria tem uma vocalização mais difusa. É a Ação da Cidadania voltada aos "excluídos".

Pode-se dizer que, sob um certo ângulo de análise, a Ação da Cidadania expressa a conjuntura política e social dos anos 90. Após um longo processo em que a negação ao Estado e a qualquer institucionalidade política é revista, os movimentos sociais passam a buscar espaços de negociação mais amplos. Parcerias intersetoriais e interinstitucionais surgem como desdobramento de um discurso menos rígido acerca das possibilidades de interação e, também, construção pactada de iniciativas públicas para a solução dos problemas sociais.

O movimento contra a fome e a miséria busca escapar, portanto, de uma dinâmica polarizada, de uma luta entre agentes sociais antagônicos. Sem dúvida, alguns atores, grupos e segmentos sociais, podem ser identificados e descritos como forças significativas na organização e condução do movimento. No entanto, antes que imputar responsabilidades ou qualificar oposições, há um esforço generalizado no sentido de tecer alianças e compromissos contra a exclusão. Os valores tradicionais da gratuidade, da caridade e do altruísmo misturam-se à perspectiva de criação de formas mais amplas de solidariedade. A existência de algumas diretrizes e propostas oriundas das instâncias de coordenação da Campanha, como a Secretaria Executiva Nacional criada em abril de 1993, e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) por exemplo, não invalida a observação de que os comitês serão marcados pela informalidade e descentralização. No âmbito destes núcleos de participação social, marcados pela perspectiva de autonomia e liberdade, além de serem traçados caminhos para a intervenção, também serão viabilizadas e mesmo reavaliadas, estratégias de combate à pobreza.

O primeiro Comitê da Fome é criado em março de 1993, na cidade de Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, articulando "mais de 30 entidades entre sindicatos, igrejas, centros espíritas, bancos, associações comerciais, etc..." (Gohn, 1996:26). O fato irá expressar o papel do Estado do Rio de Janeiro como centro irradiador do movimento, fruto não só de sua história política e da agudização dos conflitos urbanos ligados à deterioração das condições de vida, no início dos anos 90, como também da presença significativa na região de Organizações Não-Governamentais (ONGs) e empresas públicas. Assim, passos decisivos para a divulgação e estruturação da Campanha, como a realização de shows e eventos promocionais, a dinamização do jornal Primeira e Última, editado por quatro ONGs: IBASE, Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto de Ação Cultural (IDAC) e Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE), e a criação do Comitê das Estatais, ocorreram no âmbito do Estado. O Comitê Rio, criado em abril de 1993, dada a intensa participação de comitês locais, adquiriu um papel de destaque, irradiando novas propostas e, também, novas perspectivas e dilemas organizacionais.

É importante ressaltar, porém, que a Campanha da Fome durante todo o ano de 1993, cresceu também nas demais regiões do país. Praticamente cada uma das 3.800 agências vinculadas às duas principais instituições estatais financiadoras ligadas ao movimento ­ o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal ­ se tornaram Comitês da Fome (Rodrigues, 1994). Conjuntamente, igrejas, sindicatos, escolas, associações profissionais diversas, empresas privadas e organizações comunitárias também foram transformados em espaços de discussão sobre a fome e a miséria. Evidenciando diversidade em sua composição, criatividade e capacidade de mobilização, os comitês implementaram múltiplas estratégias de ação. Assim, apesar da grande ênfase inicial na atividade de arrecadação e distribuição de alimentos, a criação de empregos, o plantio de sementes, a construção de moradias e a promoção de eventos esportivos, foram também importantes campos de atuação dos voluntários, sobretudo após 1994.

 

 

A ação dos voluntários

 

"Seja qual for o seu conteúdo específico, a ação sempre estabelece relações, e tem portanto a tendência inerente de violar todos os limites e transpor todas as fronteiras" (Aendt, 1999:293).

Segundo a cartilha divulgada pela Ação da Cidadania em 1993, "um comitê reúne cidadãos que querem fazer história, cansados de esperar e que descobriram que as soluções para os problemas do Brasil estão na vontade de cada um" (IBASE, 1993:2). O desejo de fazer mudanças e a disposição para implementar práticas concretas e eficientes contra a miséria são, assim, os principais elementos para a ação voluntária.

"O que se espera de cada grupo são valores e comportamentos que estejam em sintonia com os princípios do movimento. Em última análise, que se exerça a cidadania no seu mais profundo significado, que é da responsabilidade diante da realidade social e da permanente preocupação em mudá-la para melhor" (IBASE, 1993:2).

Os resultados obtidos na pesquisa realizada por Landim em novembro de 1993 (Landim, 1998), mostram uma adesão importante, no período, de pessoas da classe média ­ como professores, bancários, donas de casa e profissionais liberais em geral. A expressiva participação de mulheres e também de grupos de indivíduos com pouca ou nenhuma história de engajamento em movimentos sociais, é ressaltada. De alguma forma, isto se reflete na criação de um grande número de comitês na zona sul da cidade.

Avaliação semelhante é feita por Pedro Jacobi, a partir da pesquisa por ele coordenada em 1994, acerca dos contornos da Ação da Cidadania em cinco Regiões Metropolitanas do país: São Paulo, Recife, Belém, Brasília e Porto Alegre (Jacobi, 1996). Nas experiências estudadas, o autor aponta o impacto significativo da Campanha na multiplicação de participantes e voluntários. Ainda que para Jacobi, cada região apresente singularidades em relação ao perfil de voluntários, na emergência da Campanha, ou seja, entre os anos de 1993 e 1994, a atuação nos comitês envolve principalmente espontaneidade e setores sociais sem um percurso histórico em movimentos populares.

Na verdade, como salientam as pesquisas sobre o processo de "irrupção" da Ação da Cidadania, o apelo inicial do movimento, no sentido de fomentar a responsabilização individual pela grave situação do país, consegue sensibilizar pessoas que nunca participaram de ações coletivas ou de ajuda mútua. Uma mobilização plural, com uma significativa presença de empresários e funcionários públicos, forja uma convivência inusitada entre grupos com e sem história prévia de trabalho comunitário.

As práticas desenvolvidas por esses grupos no início da Campanha, vão ser preponderantemente marcadas pela dinâmica de coleta e distribuição de alimentos. O "sopão" comunitário, a doação de cestas básicas de alimentos para creches, escolas e comunidades, e a arrecadação de alimentos junto a comerciantes locais são as principais ações dos voluntários nos comitês. No entanto, como já sinalizado anteriormente, após 1994 e nos anos seguintes, a trajetória da Campanha no país e, especificamente, no Rio de Janeiro, vai indicar a existência de maiores dificuldades e obstáculos para a criação de circuitos mais amplos de solidariedade e engajamento contra a fome e a exclusão. Um certo esgotamento em torno das atividades de doação, na avaliação dos principais articuladores da Campanha e de Betinho, vai implicar a busca de novas propostas de participação dos voluntários.

"O estímulo ao aumento do número de empregos e as propostas alternativas de geração de renda foram anunciados como a nova etapa da Campanha contra a Fome. Seriam os rumos a tomar para o ano de 94 ­ e isso foi reiterado com insistência por várias pessoas ligadas à Campanha. Em primeiro lugar, o próprio Betinho, diante do governador de São Paulo e do Ministro do Trabalho, durante o 30o Fórum Nacional de Secretarias do Trabalho" (Giumbelli, 1994:49).

Assim, segundo Giumbelli (1994), a Campanha sofre após 1994, um deslocamento importante, priorizando iniciativas voltadas à geração de emprego e renda: "Agora estamos diante de um desafio maior. Não somente distribuir comida, mas dar trabalho. Inventar emprego, integrar todas as pessoas na atividade remunerada. Com salário cada um pode exercer minimamente sua cidadania" (Souza, 1994).

 

 

Os comitês pesquisados: desvendando práticas e valores

 

Após um mapeamento dos comitês da Ação da Cidadania, realizado entre dezembro de 1995 e fevereiro de 1996, foram escolhidos comitês para a realização de entrevistas com o voluntariado. Ao todo, foram sistematizadas 25 entrevistas, entre março de 1996 e setembro de 1997, envolvendo 39 depoimentos, colhidos individualmente ou em pequenos grupos. Segundo os dados do Comitê Rio, o número total de comitês atuando no Rio de Janeiro entre 1995 e 1997 eram respectivamente, 191 (1995), 218 (1996) e 326 (1997). Embora esses números sejam superestimados, revelam uma significativa presença de comitês no estado, no período. A escolha dos comitês, dentro do enfoque qualitativo adotado na pesquisa, não teve como parâmetro a busca de uma amostra representativa em termos numéricos. Sem cristalizar, porém, uma oposição entre dados quantitativos e qualitativos, foram escolhidos, no âmbito de um vasto número, aqueles que apontavam algumas características relevantes para os objetivos da análise, tais como a continuidade das ações, a diversidade das práticas e o perfil das relações estabelecidas com os beneficiários. Dessa forma, o intuito foi colher dados e experiências entre comitês com trajetórias distintas, seja em relação ao tempo de mobilização, seja ao perfil do voluntariado ou às parcerias com grupos ou instituições.

O roteiro das entrevistas serviu de ponto de partida para apreensão das diferentes dinâmicas de trabalho e participação. A flexibilidade foi exercitada ao máximo, com vistas a garantir espaço para que os voluntários falassem também de questões não previstas, em salas cedidas por ONGs, creches comunitárias, igrejas, agências bancárias, escolas e associações de moradores. O acesso a alguns comitês foi bastante dificultado dado à sua localização em ruas sem pavimentação, saneamento, iluminação ou transporte coletivo. No entanto, esses obstáculos e outros mais graves, como a insegurança sentida em locais dominados pelo tráfico de drogas, foram satisfatoriamente contornados. Na verdade, o anseio demonstrado pela maioria dos entrevistados de falar sobre sua experiência, ainda que nem sempre revelando entusiasmo ou esperança, tornou-se um elemento chave para a superação das dificuldades. Comparando o número de comitês existentes nos diferentes bairros do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense, foi possível perceber um certo deslocamento espacial em direção às áreas do subúrbio carioca e municípios da Baixada ao longo do período da pesquisa. Em Nova Iguaçu, por exemplo, o número de comitês sobe de 60 em 1995 para 94 em 1997. Em Duque de Caxias, o fenômeno é semelhante: de 12 comitês em 1995, o número cresce para 33 em 1997. Ao mesmo tempo, no Município do Rio de Janeiro, os comitês existentes nos bairros da Zona Sul diminuem no período e os bairros de Campo Grande, Santa Cruz, Ilha do Governador e Jacarepaguá, os quais apresentavam apenas 20,83 % do total de comitês no município em 1995, passam a conter cerca de 40% em 1997. Essa tendência também é revelada no depoimento de voluntários: "Talvez nós sejamos o único comitê de classe média ... a composição dos comitês está mudando, as pessoas de classe média estão se afastando e pessoas carentes estão participando mais. Outro dia fui no Comitê Rio e não conhecia mais ninguém, com exceção dos figurões" (membro do Comitê do Banco do Brasil/Andaraí).

No comitê Laranjeiras, primeiro comitê de bairro criado no Rio de Janeiro, também estava presente a percepção acerca de um deslocamento da Ação da Cidadania em direção aos bairros mais pobres: "A maioria dos comitês de bairro da zona sul estão fechados, só o comitê Botafogo parece estar em atividade" (membro do Comitê Laranjeiras).

Por outro lado, uma das primeiras observações colhidas nas entrevistas, foi a de que, diferentemente da tendência apontada por vários autores nos dois primeiros anos da Ação da Cidadania, uma parcela expressiva dos voluntários participava de atividades religiosas (28,92%) ou apresentava alguma ligação com associações de moradores (21,88%). Só 3,12% não tinham participado de nenhum outro trabalho comunitário ou militância política. Assim, a motivação para trabalhar nos comitês pesquisados, entre 1996 e 1997, estava, em geral, inserida em uma trajetória de trabalho social em associações de moradores, igrejas, creches comunitárias, sindicatos, movimento de mulheres, partidos políticos etc.

"Antes eu trabalhava independente de comitê" (membro do Comitê Parque Alvorada).

"Esse trabalho aqui começou com um grupo da igreja, que fazia círculos bíblicos nas casas. Éramos dezesseis, fazíamos reuniões nas portas das casas. Em 1992, o pessoal da Fundação Bento Rubião fez uma reunião na Cidade de Deus e foi aparecendo ajuda. Foi assim que a gente iniciou um trabalho em favor das famílias desabrigadas" (membro do Comitê Taquara).

"Nós éramos de um grupo chamado Renovação Cristã do Brasil, que tem uma igreja mais atuante, mais dentro das casas... Aí a gente procurou o Comitê Rio para saber como montar um comitê" (membro do Comitê Freguesia).

"Nós éramos da associação de moradores, começou um incêndio em barracos da favela Correia Lima. As pessoas não tinham nada, perderam tudo. Começamos a arrecadar roupa, comida, utensílios e depois partimos para a formação de um banco de empregos. Aí o Comitê Rio veio nos procurar, o MEC, o Banco do Brasil" (membro do Comitê Vila Isabel).

Em todos os comitês havia a predominância de mulheres no desempenho das ações. No entanto nos comitês das estatais e da Zona Sul, a presença masculina era mais expressiva. É interessante notar que nesses comitês, os voluntários apresentavam um perfil heterogêneo do ponto de vista ocupacional, embora homogêneo em termos de classe média. No comitê Grajaú, bairro cuja composição social se assemelhava aos da Zona Sul, segundo relato do grupo entrevistado, dois professores, um sargento da polícia militar e três comerciantes do bairro, participavam da distribuição de alimentos e mochilas e, também, realizavam palestras sobre cidadania em um espaço cedido por uma escola municipal.

No Comitê Lapa, um sindicalista e um ex-militante do partido comunista, ambos funcionários do Banco do Brasil, discutiam com um proprietário de padaria, formas de intervenção sobre as condições de vida da população de rua. Já no comitê Vila Isabel, um membro do Conselho Distrital de Saúde e um militante do movimento negro, criavam iniciativas conjuntas com o presidente e vice-presidente da associação de moradores. Além da doação de alimentos, roupas e brinquedos para as comunidades do Morro dos Macacos e Pau da Bandeira, um curso sobre plantas medicinais e outro de alfabetização de adultos, ambos em fase experimental, foram descritos como ações do comitê. Os laços construídos através dessas ações é tecido com pessoas socialmente mais distantes e quase sempre desconhecidas inicialmente, mas que são incorporadas em novas redes de sociabilidade e de solidariedade.

Nos comitês pesquisados na Baixada Fluminense, e Campo Grande e Jacarepaguá ­ bairros da periferia do Município do Rio de Janeiro, com grande concentração de pobres, os voluntários apresentavam um perfil mais homogêneo. Em geral, tratavam-se de pessoas e grupos ligados a uma mesma instituição religiosa, como as Igrejas Católica e Batista. Nessas áreas, surgiam ainda, comitês formados por um único voluntário. Apoiados por familiares apenas, esses voluntários ­ na maioria dos casos mulheres pensionistas ­, em geral não relatavam envolvimento prévio com sindicatos, movimentos ambientalistas, feministas ou negros. O que os diferenciava era a disponibilidade de tempo, pelo fato de serem aposentados ou terem a pensão como fonte de renda principal, e o investimento pessoal no trabalho comunitário, especialmente aquele fomentado por grupos religiosos. Apesar da ausência de militância nas organizações políticas que caracterizaram a cultura política em torno do eixo do trabalho (Jacobs, 1992), discorriam sobre uma "vida de luta pelos pobres" e ressaltavam a importância do reconhecimento comunitário pela vontade de ajudar pessoas próximas e manter laços de confiança. Este era o caso dos Comitês Cabuçu e Chatuba, em Nova Iguaçu; Dos Amigos, em Campo Grande e do Pra Frente Brasil, em Belford Roxo. Suas práticas voltavam-se para quem está mais próximo socialmente, embora não necessariamente fazendo parte de suas redes sociais de parentesco ou amizade, o que os fazia tender para um estilo mais paroquial de agir. Eram os miseráveis de seus bairros, de suas favelas, de suas igrejas, os mais atingidos por essas ações.

 

 

De novo a ação emergencial e o desalento

 

Os comitês muitas vezes eram formados a partir de eventos dramáticos, tais como enchentes, incêndios e desmoronamentos em favelas, que deixavam famílias inteiras desabrigadas. No entanto, para a maioria dos voluntários entrevistados, a Campanha, ainda que despertasse muitos indivíduos para a ação coletiva, apenas dinamizava práticas voluntárias já existentes.

Concomitantemente, pode ser identificado na fala dos voluntários, uma visão crítica acerca dos rumos do movimento e, até mesmo, um certo desapontamento com o resultado de suas ações. A desmobilização e a "perda da euforia" em relação a 1993 era, em geral, identificada como um dos desdobramentos da permanente dificuldade vivida pelos comitês em ultrapassar as ações direcionadas para a doação de alimentos aos grupos carentes.

"No início eram doze voluntários, depois foi diminuindo porque dar comida é muito fácil. O nosso povo pra dar é muito solidário" (membro do Comitê Freguesia).

"...a Campanha da Fome teve um pique que realmente atendeu...veio aquele impacto que empolga, emociona, nós somos muito emotivos...mas aquela emoção não é duradoura. Nem pode, a pessoa não pode viver vinte e quatro horas emocionado...Então aquilo dá e passa e o problema não é esse. Por isso os comitês vêm caindo... o único jeito é a gente investir em termos de trabalho, de gerar emprego" (membro do Comitê Grajaú).

Sem dúvida, como identificado em outros estudos sobre a Ação da Cidadania após 1995, um novo contexto político e econômico repercute nos rumos do movimento. As estratégias de racionalização e redução dos gastos no âmbito do Estado atingem o cotidiano dos Comitês das Estatais e também dos formados por profissionais liberais em geral: "Quando entrou o novo governo houve uma chamada 'reestruturação' no Banco do Brasil... saíram cerca de 16 mil funcionários. O perfil da maior parte desses funcionários era de gerência. Esse pessoal tinha uma participação ativa na Ação da Cidadania, como incentivadores à doação de tíquetes por exemplo..." (membro do Comitê Lapa).

"Alguns colegas nossos que saíram pelo tal de Programa de Demissão Voluntária, tão sofrendo dificuldades econômicas seríssimas. A gente soube pelo sindicato que eles estão em situação de completa insolvência" (membro do Comitê Banco do Brasil/Tanque).

"O clima do funcionalismo ficou ruim... diminuiu a arrecadação e com a saída das pessoas, houve desorganização..." (membro do Comitê Jacarepaguá).

Segundo o relato dos voluntários entrevistados, diferente do quadro verificado no início da Campanha em 1993, há uma maior rotatividade de funcionários e, também, redução do tempo disponível para a participação nas atividades ligadas à Ação da Cidadania.

"Nós aqui estamos recebendo, quase diariamente, funcionários de órgãos extintos ou vendo pessoas saindo do banco. Enfim nós estamos nos rearrumando, porque muitas pessoas que estavam engajadas, que tinham aquela vontade de fazer, saíram e nós temos que recomeçar" (membro do Comitê Banco do Brasil/Candelária).

 

 

A multiplicação das ações

 

Apesar do contexto adverso vivido pelos comitês formados por funcionários das estatais, as entrevistas realizadas entre 1996 e 1997, revelam não só a permanência de indivíduos engajados desde o início da Campanha como, também, o deslocamento de voluntários de associações de moradores, igrejas e sindicatos em direção à formação de novos comitês da Ação da Cidadania. Esse fato, aparentemente paradoxal, parece sugerir que muitos indivíduos e grupos encontraram formas de tornar perenes e atualizar suas práticas de colaboração e solidariedade social através da Ação da Cidadania. Nesse aspecto, a experiência do comitê da Freguesia, na Ilha do Governador é ilustrativa. O grupo insatisfeito com o trabalho ligado à Igreja Católica do bairro, percebia na criação do comitê da Ação da Cidadania a oportunidade de construir novas práticas. Ao mesmo tempo, indivíduos que participam há anos de associações de moradores, ao entrar em conflito, por exemplo, com uma nova gestão, decidem criar um "comitê da fome". Em outros casos é difícil estabelecer fronteiras nítidas entre as organizações já existentes, e os novos espaços abertos pela Ação da Cidadania. Muitas vezes, os comitês funcionavam como "mais uma frente de mobilização", embora nem sempre com a mesma capacidade de solucionar problemas e impasses vividos pela comunidade.

"O comitê e a associação é tudo junto... a gente vai junto porque pela associação conseguimos colocar o poder público contra a parede. Hoje, por exemplo, uma senhora da comunidade precisa de um ecocardiograma. Se eu ligo para o Hospital Pedro Ernesto e digo que é do comitê, vão dizer que o aparelho está quebrado. Mas se eu me identifico como a vice-presidente da Associação de Moradores de Vila Isabel, ele agenda o exame para amanhã" (membro do Comitê Vila Isabel).

Sem dúvida, este tipo de articulação entre diferentes instâncias associativas é benéfica para o alcance de demandas da população. Nesse sentido, os comitês liderados por um único voluntário e tendo apenas a ajuda de familiares ­ uma das tendências que acompanharam o deslocamento dos comitês em direção a bairros mais pobres ­, têm maior dificuldade em manter as atividades. Este é o caso do Comitê Chatuba, em Nova Iguaçu, formado por Luzinete, uma senhora de 71 anos, evangélica. Em seu relato, existia uma longa luta pelo acesso a um espaço físico próprio para o funcionamento do comitê. Após reuniões e encontros realizados em casas particulares, igrejas e escolas municipais, somente com ajuda de outro comitê foi possível manter o vínculo com a Ação da Cidadania.

 

 

A percepção da pobreza, dos pobres e as soluções possíveis

 

Dentre os comitês pesquisados, foi importante tematizar as concepções mais recorrentes em torno da pobreza e dos pobres. Sem dúvida, dentro do esforço de aproximação com crenças e valores de diferentes grupos em torno da miséria, surge um leque amplo de sentidos e convicções. Sem pretender analisá-lo em toda a sua complexidade, é importante aqui apontar algumas tendências relevantes. Assim, foi possível identificar no depoimento dos voluntários uma perspectiva generalizada de que a pobreza ultrapassa a dimensão da fome, enquanto experiência ligada à sobrevivência física. Ou seja, a pobreza representava diferentes privações, irredutíveis em uma só dimensão. Além disso, foi comum a avaliação de que há sempre uma saída para não passar fome. Já a estabilidade no emprego, o acesso à educação, à saúde, à escola e à habitação, enfim a possibilidade de planejar a vida um pouco mais a longo prazo, configuravam problemas de solução mais complexa, para além, portanto, das estratégias de auto-ajuda ou da solidariedade inter e intraclasse.

"Pobre não morre de fome, ele dá o jeito dele" (membro do Comitê Guarabu).

Essa perspectiva estava presente na maioria dos comitês, sendo ainda mais forte naqueles localizados em bairros da periferia da cidade. Muitos desses comitês eram formados por voluntários que apresentavam carências e necessidades muito próximas daquelas vivenciadas pelos beneficiários da Campanha da Fome. Nesse aspecto, a pobreza se apresentava como um fenômeno mediado por várias formas de precariedade e privação, para além da incapacidade de adquirir alimentos em quantidade e qualidade adequadas. A expectativa em torno da participação na Ação da Cidadania, nesses comitês, era conseguir recursos para manter creches para filhos de "mulheres sozinhas e que trabalham", conseguir documentos e registros civis, criar mutirões para resolver o problema da moradia, organizar cursos de capacitação profissional e possibilitar empregos para jovens. Nesse aspecto, apesar da crítica aos órgãos públicos em geral, a solução da miséria e das diferentes formas de destituição envolvia algum tipo de intervenção do Estado, além de múltiplas parcerias.

Para uma voluntária do Comitê Parque São Bento, em Belford Roxo, a dificuldade em manter a alimentação de uma creche comunitária para 28 crianças em horário integral sem a ajuda do Estado, tornava-se dramática. Apenas com a colaboração da Organização Mundial para a Escola e a Pré-Escola, era quase impossível manter as atividades e o compromisso com três monitoras e uma professora. Funcionando em duas salas cedidas pela associação de moradores, a escassez era generalizada. Segundo ela, a participação no "Natal sem Fome" foi abandonada devido à falta de transporte e pessoal para coletar os alimentos doados. No Comitê Fraternidade Sol, situado no Bairro de Fátima, os voluntários (ligados a um grupo espírita) faziam, basicamente, a distribuição de sopas e bolsas de alimentos para as pessoas que moravam e viviam na rua. Nesse comitê, a iluminação das ruas e a garantia de acesso ao Hospital Souza Aguiar pelos grupos atendidos eram algumas das principais demandas. Ao mesmo tempo, muitos voluntários apontavam a construção de um projeto amplo na área de educação que integrasse a população como um todo, como um passo fundamental para a solução da miséria.

"A saída para este país não é cidadania não, é educação. Porque educação vai gerar cidadania. É a pessoa ser inteira, ser dona do nariz dela, ter a vontade dela" (membro do Comitê Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro/Andaraí).

"As pessoas aqui estão passando fome e também estão doentes porque quando chove, o valão transborda e as ruas ficam cheias de esgoto. Esta vala foi aberta para colocarem manilhas... mas, na verdade, não colocaram. A Defesa Civil tem que vir aqui fazer uma vistoria" (membro do Comitê da Amizade/Campo Grande).

Junto a este reconhecimento do papel do Estado no equacionamento dos diversos problemas que afetam cotidianamente os grupos destituídos, estava presente a visão de que os pobres e beneficiários dos comitês, antes que "vítimas de uma opressão sistemática", eram indivíduos capazes de interferir para mudar suas condições de vida. Dignidade para conseguirem seu próprio sustento e condição para serem úteis eram vistas, então, como as verdadeiras "necessidades da população". Não ter trabalho, nem saúde, nem capacidade para participar dos circuitos de trocas sociais é, portanto, o quadro mais grave da miséria. Por isso, receber sem retribuir era uma atitude desaprovada, pois tinha o sentido da perda da dignidade e da desistência da luta cotidiana: "Tem pessoas que são descansadas. Elas não querem catar uma lata, catar um papelão para vender, elas não querem nada. Se você sustentá-las um mês, um mês elas não irão trabalhar e vão sempre dizer que estão com fome" (membro do Comitê da Amizade/Campo Grande).

Em muitos depoimentos, a idéia de agregar algum tipo de contrapartida à ajuda prestada, está presente: "Nós vinculamos à doação de cesta de alimentos para uma moça alcoólatra com filhos pequenos a sua participação nos Alcoólatras Anônimos; nós fizemos uma parceria para montar um curso de corte e costura no Morro dos Macacos, mas não demos as máquinas de presente e sim colocamos em comodato, não quer dizer que vamos tomar de volta, mas queremos ver funcionando..." (membro do Comitê Banco do Brasil/Andaraí).

 

 

Avaliando a pobreza dos beneficiários: particularismos e clientelismos?

 

Na medida em que os comitês tinham contato direto com a "clientela" e permaneciam alheios aos mecanismos burocratizados ou técnicos de definição dos grupos de beneficiários, formulavam critérios próprios de seletividade e avaliação de resultados. Nesse processo de "mapeamento da pobreza", a visita domiciliar, a avaliação da idade e do número de filhos eram algumas das principais estratégias utilizadas pelos voluntários para a caracterização dos grupos a serem assistidos.

"Nós somos quatro coordenadoras, nós vamos nas ruas, fazemos as visitas, aí a gente vem com uma base se a pessoa merece. Se a gente vê que não tem carência mas que por algum motivo conseguiu fazer a inscrição, a gente tenta conversar, mostrar a situação dos outros..." (membro do Comitê Projeto Semente/Nova Iguaçu).

Mas, existiam outras: "A nossa definição de família faminta vem do lixo das casas. A nossa observação era da lata do lixo, se tinha ou não o que se aproveitar..."(membro do Comitê Guarabu/Ilha do Governador).

Os comitês podiam direcionar suas ações para clientelas específicas como, por exemplo, a promoção de cursos de artesanato para mães de crianças e adolescentes atendidos no Instituto Benjamim Constant (Comitê Laranjeiras) ou ainda, a distribuição de alimentos para famílias carentes atendidas no Hospital Andaraí (Comitê do Banco do Brasil/Andaraí). Essa orientação poderia estar pautada pela familiaridade e proximidade com os problemas vividos pelos grupos carentes, mas também por critérios prévios ligados, por exemplo, a perspectivas religiosas. Esse era o caso do Comitê Leopoldina, onde a maior parte da arrecadação e distribuição de alimentos era realizada pelos Vicentinos, que também cediam o salão da Igreja Nossa Senhora das Mercês para os encontros com beneficiários. Assim, para o cadastramento das famílias, nesse comitê, as condições de morador da comunidade e católico eram fundamentais. As pessoas e grupos atendidos pelos voluntários, caracterizavam-se, assim, pela diversidade de critérios de seleção.

Nesse sentido, a autonomia e a liberdade na condução das atividades de cada comitê é expressa sobretudo neste processo de delimitação dos grupos atendidos. Nem sempre isso significa a garantia de maior eqüidade, entendida pelos seus critérios universalistas de igualdade no tratamento e de diferenciação para suprir desvantagens iniciais (Rawls, 1997). Convicções religiosas, que particularizavam as escolhas de beneficiários e de benefícios a serem realizados, e princípios técnicos, que buscavam a universalidade, a isenção e a igualdade, conviviam e se articulavam permanentemente. A idéia de uma "pobreza meritória" estava presente entre muitos voluntários, assim como a de que há níveis mais e menos graves de necessidades e carências. No entanto, mais que ressaltar a pluralidade de "critérios de justiça", utilizados nos comitês, é importante perceber uma outra natureza do vínculo estabelecido entre os voluntários e a população beneficiária. Tratava-se, na grande maioria dos casos pesquisados, de uma relação que buscava estreitar contatos, conhecer trajetórias de vida, inserir indivíduos em um conjunto de atividades mais amplo, inclusive os de natureza política ou religiosa que transcendiam a própria Ação da Cidadania.

 

 

A relação com o Estado e as instituições públicas: a construção de parcerias

 

Apesar de configurarem uma esfera distinta do Estado e do mercado, os campos das práticas voluntárias e da ajuda mútua, tendem a articular-se freqüentemente a instituições, empresas privadas e agências estatais, no combate à pobreza. Conseqüentemente, segundo Godbout (1999), na medida em que recebem recursos e financiamento de diferentes organismos estatais e não-estatais, os limites e fronteiras tornam-se menos rígidos. Na Ação da Cidadania, esse movimento em direção à pluralidade de parcerias é, inclusive, estimulado e valorizado. No entanto, essas relações não são simples. Em um contexto social e político onde o Estado, como aponta Carvalho (2001:221), é "sempre visto como o todo-poderoso, na pior hipótese como repressor e cobrador de impostos, na melhor hipótese como um distribuidor paternalista de emprego e favores", a criação de redes interinstitucionais e de parcerias multiformes com os comitês torna-se problemática. Relatando experiências "traumáticas" as quais, em geral, combinam a manipulação eleitoreira de doações e o descaso pela população destituída, alguns depoimentos revelavam a difícil convivência entre lógicas e perspectivas de ação distintas. Esse é o caso, por exemplo, do Comitê Parque Alvorada em Duque de Caxias. Para uma voluntária, o comitê havia perdido seu "verdadeiro objetivo" para se transformar numa agência eleitoral de favorecimento a pessoas e grupos específicos. Funcionando em um espaço cedido pela Prefeitura de Caxias, o comitê possuía uma secretária remunerada pela prefeitura, telefone e até carro à disposição. O coordenador do comitê, segundo ela, fazia a distribuição de cestas e "santinhos" com seu nome com a Kombi da prefeitura: "Na distribuição em 1996, o coordenador e candidato a vereador, destinava a carcaça de frango, pé e pescoço para as comunidades faveladas e as outras partes ele doava para a Igreja. Assim, as pessoas aqui se envolvem com o trabalho, mas depois desistem... eu mesma já tentei dar outra condução mas não consegui" (membro do Comitê Parque Alvorada).

Ao mesmo tempo, existia um forte apelo para que os órgãos públicos "fizessem a sua parte", ou seja, implementassem políticas públicas capazes de impactar positivamente a situação vivida pela população. Demandas voltadas à utilização do espaço dos comitês para a realização de campanhas de vacinação em parceria com secretarias municipais de saúde ou ainda, ao acesso a documentos de identidade, a registros de nascimento, bem como ao direito assegurado de mover ação e ser defendido em questões cíveis e criminais, também era freqüente.

"Nós conseguimos a presença da Defensoria Pública no comitê e em um dia, cerca de 124 pessoas, que não tinham nenhum documento, tiraram suas carteiras de identidade..." (membro do Comitê Parque São Bento/Belford Roxo).

As parcerias com a iniciativa privada, muitas vezes garantiam recursos para a viabilização de projetos voltados à criação de postos de trabalho. A trajetória do Comitê Freguesia, na Ilha do Governador, exemplificava esse percurso, às vezes longo, em que a iniciativa privada era atraída para a Ação da Cidadania. A partir da doação de duas máquinas de costura pela igreja do bairro, o comitê expôs em uma agência bancária do Banco do Brasil o trabalho de costureiras da comunidade. A visibilidade alcançada com o evento repercutiu na imprensa, e a Singer e a Lufthansa decidiram possibilitar a aquisição de máquinas industriais. Recursos financeiros advindos de ONGs internacionais e instituições ligadas à Igreja Católica, como a Fundação Bento Rubião, também foram relatados nos depoimentos de voluntários. No Comitê Taquara, por exemplo, a Fundação Bento Rubião não só destinou recursos financeiros, mas também garantiu o apoio de pessoal técnico especializado para a construção de casas populares.

Mas a necessidade da presença do Estado na solução dos problemas sociais, ainda que em permanente interlocução com os outros setores da sociedade, era continuamente enfatizada. Por vezes, nas áreas dominadas pelo tráfico de drogas, a intervenção do Estado, ainda que apenas para garantir a segurança de voluntários e população atendida, tornava-se uma condição fundamental para o funcionamento do comitê: "...a boca de fumo fez desaparecer as ONGs do mapa. A última pessoa de fora que veio aqui foi um representante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, trazendo uns folhetos explicativos sobre a AIDS. Mas logo ele saiu desesperado, quando começou um tiroteio em frente à creche comunitária" (membro do Comitê Parque São Bento/Belford Roxo).

Além desse problema, os voluntários têm de estabelecer regras de convivência com traficantes, as quais garantam, a duras penas, a autonomia e a liberdade das ações.

"Um dia chegou aqui um caminhão cheio de frutas e legumes, o motorista não quis dizer imediatamente quem tinha enviado, mas depois disse que era doação de um traficante com dois sobrinhos na creche do comitê. Ele queria contribuir mensalmente, mas eu falei que não precisava..." (membro do Comitê Parque São Bento/Belford Roxo).

A Campanha da Fome surge, assim, para recriar laços sociais independentemente do mercado e do Estado e, ao mesmo tempo, oferecer alternativas de ações de combate à pobreza frente ao Estado ineficiente na contenção de desigualdades, a partir do funcionamento de ambos. Todavia, no processo mesmo de concretizar uma agenda política e criar múltiplas possibilidades de ação coletiva, os comitês esbarraram em velhas questões, interagiram com e demandaram sempre do Estado, nos seus vários níveis governamentais. Dessa interação e por vezes mimetismo de mão-dupla, se os problemas da fome e da miséria não foram resolvidos, ganharam novas descrições e estabeleceram novas formas de associação, reinventando velhos padrões e criando novos modos de participar da vida econômica, política e cultural do país. Nesse sentido, pode-se dizer que a Campanha teve o mérito de buscar um novo significado para a cidadania, ou nas palavras de Godbout (1999:90), articular "dois princípios diferentes: o da responsabilidade formal, definida contratualmente em referência a direitos, e a responsabilidade dos vínculos, perante os que para nós são únicos e para quem somos únicos".

 

 

Algumas considerações finais

 

Como ressalta Godbout (1999), as experiências associativas diferenciam-se do modelo estatal de intervenção principalmente por evitarem a "solidariedade delegada" ou imposta. Ao invés de clientelas definidas a partir de critérios técnicos como, por exemplo, nível de renda e as "reais necessidades" de cada um, as organizações participativas tendem a estabelecer laços e vínculos pessoais. Esse "circuito da dádiva" que envolve a ação dos voluntários, ao escapar do cálculo, ou seja, do princípio mercantil da equivalência e, também, do princípio público da igualdade, confronta estas práticas com as contradições próprias de uma lógica peculiar de intervenção em torno da pobreza. Assim, o Estado tende a tomar decisões independentes das características pessoais dos beneficiários ou usuários de seus serviços, em função dos critérios abstratos decorrentes dos direitos de cada um. Com isso é o intermediário que impõe sua lógica ao doador e ao receptor, os quais se transformam em "contribuinte" de um lado, e "administrado" ou cliente, de outro, cada um com seus direitos precisos. Do lado oposto, os organismos baseados na dádiva fazem a ligação pessoal e organizacional entre doadores e receptores, estreitando os vínculos entre eles e colocando-os num circuito ininterrupto de trocas de diversos conteúdos e objetivos.

"A dádiva vive de afinidades, ligações privilegiadas, personalizadas, que não apenas caracterizam, por definição, as relações pessoais, mas também são a base dos organismos cujo princípio de funcionamento é a dádiva. Mesmo quando se aplica a estranhos, a dádiva é um sistema de circulação de coisas imanentes aos próprios vínculos sociais, ao passo que a circulação governamental se faz num sistema situado externamente aos cidadãos e a suas relações" (Godbout, 1999:77).

Apesar das práticas voluntárias não implicarem o retorno ou retribuição, se não instauram algum tipo de dívida ou estado de dependência, tendem a marcar a exclusão do vínculo social: "(...) quando damos uma esmola a um mendigo na rua, sentimos um vago mal-estar, uma vergonha que se origina do fato de que no próprio gesto de dar, confirmamos aos nossos olhos e aos olhos do mendigo, sua exclusão da sociedade, pois nosso gesto não pode instaurar um vínculo social. Fugimos do olhar do mendigo e nos afastamos rapidamente após ter dado, recusando assim, sinais de reconhecimento recebidos com alegria" (Godbout, 1999:213).

As iniciativas que deslocam a solução do quadro de privação e desamparo social das agências estatais para organizações societais ou para campos de parcerias mais amplos, têm despontado no cenário mundial contemporâneo, enquanto importantes inovações frente à crise dos arranjos institucionais tradicionais naquilo que um autor denominou "nova cultura política" (Jacobs, 1992). Dessa forma, muitos países com sólida institucionalidade voltada ao bem-estar, vêem emergir um horizonte de "políticas transversais". Como salienta Affichard (1995), tais políticas buscam equacionar o dilema que envolve a definição de princípios de justiça para as ações públicas voltadas ao bem-estar. Frente à complexidade das sociedades urbanas modernas, tanto as fórmulas universalistas e comunitaristas de justiça e integração social, são revistas. Ou seja, as dificuldades em fazer valer um único princípio de legitimidade para as políticas públicas e, também, em conviver com diferentes (e, por vezes, irreconciliáveis) concepções de bem-estar, suscitam importantes redefinições no perfil da intervenção contra a pobreza e a exclusão. A percepção da diversidade dos problemas sociais e a perspectiva de construção de diferentes compromissos públicos contra a deterioração das condições de vida dos setores mais vulneráveis da população, têm pautado, assim, as novas exigências da sociabilidade moderna. Um esforço significativo envolvendo o Estado, o mercado e a sociedade civil é realizado com vistas à proposição de mudanças concretas no perfil burocratizado e "passivo" dos esquemas de seguridade social, de combate à pobreza e à desigualdade. No bojo desse processo, é empreendida uma profunda revisão em torno do significado e da abrangência da solidariedade. Para Rorty (1994:19), na medida em que a solidariedade não é descoberta pela reflexão, mas "criada com o aumento de nossa sensibilidade aos pormenores específicos da dor e da humilhação de outros tipos, não familiares de pessoas", a criação de uma perspectiva mais expansiva de solidariedade significa alargar o sentido do "nós".

"Na minha utopia, a solidariedade humana seria vista não como um fato que haveria apenas que reconhecer, uma vez removidos os preconceitos ou alcançadas as profundezas até então ocultas, mas sim um objetivo a atingir. Um objetivo a atingir não pela investigação, mas sim pela imaginação, pela capacidade imaginativa de ver em pessoas estranhas, companheiros de sofrimento" (Rorty, 1994:18).

Dessa forma, a compreensão da trajetória de enraizamento e fortalecimento de laços sociais e das formas mais amplas de integração dos indivíduos, adquirem maior relevância. Na verdade, a participação ativa na vida política, econômica e social torna-se a principal meta da agenda pública. O chamado non-profit sector, em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, passam a atuar significativamente junto ao setor privado, às instituições governamentais e às organizações comunitárias. Sem dúvida, tensões e conflitos emergem, permanentemente, dessa interação. Muitas vezes a parceria com o Estado, em momentos de transição política, torna as instituições voluntárias vulneráveis. No entanto, ao serem estabelecidos novos canais de disputa e fluxos de integração para camadas políticas antes alijadas de processos decisórios locais, surgem diferentes possibilidades de cooperação social e combate à exclusão.

Assim, entendido como um movimento que propõe uma alternativa contra a miséria no país, a Ação da Cidadania foi analisada em seus contornos mais amplos e, também em seus desdobramentos cotidianos nos "Comitês da Fome". Nesta "leitura" do movimento, percebem-se circuitos de solidariedade que ultrapassam aqueles advindos do trabalho, do partido ou da inserção no processo de produção, considerada como a cultura política da sociedade em que o trabalho é o eixo principal da sua organização e a solidariedade de classes, a principal manifestação dela. Para além desses circuitos definidos por categorias que dividem a sociedade em classes sociais e as atravessam, em alianças partidárias no jogo da representação política, a Ação da Cidadania aponta a possibilidade de encontrar redes ainda mais amplas, embora mais frouxas, abertas e não burocratizadas. São essas redes que vão criar novos elos entre as pessoas e instituições. Vários interesses podem estar, assim, representados no jogo político que se segue e novos atores vão nele participar.

Aos poucos, desenham-se compromissos em torno de demandas diversas como habitação, acesso a registros civis, manutenção de creches ou criação de postos de trabalho. Nesses deslocamentos e construção de uma nova cultura política, a Ação da Cidadania envolve desde funcionários públicos, nos comitês das estatais inicialmente os mais atuantes, até donas de casa, estudantes, aposentados e desempregados, principalmente nos comitês localizados em bairros pobres na periferia da cidade. Nesses últimos, o perfil social de seus mais ativos participantes não difere daquele encontrado em outras organizações vicinais existentes, tais como associações de moradores e agremiações recreativas, que por diversas razões, esvaziaram-se na crise política em 1980 e 1990. Conseqüentemente, a Ação da Cidadania, enquanto uma ação voluntária engajada, busca combinar, por um lado uma luta pela responsabilização formal do Estado com os cidadãos portadores de direitos civis, políticos e sociais e, por outro, a reconstrução de vínculos pessoais entre voluntários e beneficiários, entre organizações e grupos sociais em situação de precariedade ou de necessidade. Trata-se, portanto, de uma combinação criativa e única das culturas políticas mencionadas, em que uma missão pública, embora não-estatal, com contornos próprios, é aliada à idéia de garantir e ampliar a solidariedade mais ampla, independente do Estado e do mercado. Não se perde, assim, o exercício da cidadania em sua dimensão contratual e de direitos formais da perspectiva universalista, mas adiciona-se alguns elementos da perspectiva comunitarista-participativa. Se por um lado, a imagem de milhões de excluídos cria dificuldades na percepção das relações e interdependências entre os grupos sociais, ele permite uma descrição "engajada" da pobreza. De algum modo, o reconhecimento de um abismo social, para além da desigualdade de renda, impõe a busca de elementos de ligação e estratégias de convivência. No âmbito dos comitês, os pobres são vistos como pessoas, com trajetórias particulares e que, sobretudo, estabelecem relações únicas com os voluntários e com suas organizações, sejam elas os próprios comitês ou outras de cunho religioso e político.

Nesse sentido, a dádiva unilateral, da doação de alimentos a desconhecidos em redes amplas e extremamente abertas nas quais o doador não chega a ter contato com o receptor, embora estimulada no início da Campanha, aos poucos é redefinida em práticas que visam criar algum tipo de elo entre quem dá e quem recebe a ajuda. O cadastramento de beneficiários, as iniciativas voltadas à criação de postos de trabalho e de cooperativas, assim como o fortalecimento de ações comunitárias, mais do que introduzir critérios comparáveis e racionais para a distribuição de alimentos ou superar a fase emergencial da Campanha, criam laços entre os indivíduos que participam dos circuitos mais localizados e personalizados do dom. Dessa forma, no movimento da Ação da Cidadania surge um arranjo institucional e societário peculiar, que busca consolidar uma alternativa de intervenção contra a pobreza e a miséria. Exercitando, de maneira implícita, uma crítica tanto àqueles movimentos sociais que se caracterizaram pela oposição ferrenha ao Estado e valorização da participação popular como um fim em si mesmo, como também à visão estatizante de bem-estar, a Campanha mostra que há uma transição em curso. Sem dúvida, muitos dilemas permanecem em aberto. Após 1994 e 1995, o deslocamento de comitês para áreas mais carentes de serviços públicos e equipamentos coletivos, e a tendência a uma maior homogeneidade entre os voluntários, revelam a dificuldade em manter a perspectiva interclasse e polifônica inicial. Nesse aspecto, a lógica de criação de novos canais de interlocução e fluxos de participação de múltiplos atores sociais na definição de políticas "plurais" de combate à pobreza, sofre reversões. Surgem sinais de isolamento e desmobilização. Ao confrontarem-se com a pluralidade de situações de privação e, com a multiplicidade de critérios e procedimentos distributivos, os comitês não conseguem criar compromissos duráveis com escolas, instituições públicas de proteção social ou com setores do mercado. As parcerias, nesse sentido, limitam-se à busca de complementariedade das ações.

Conseqüentemente, o exercício de interlocução torna-se frágil e, principalmente, incapaz de garantir trocas substantivas entre os agentes sociais e suas respectivas concepções de bem-estar, princípios de eqüidade e regras de avaliação das ações. Ao mesmo tempo, a interrogação acerca de como as políticas sociais podem combinar institucionalização e engajamento pessoal fica sem resposta. O Estado, apesar de requisitado pelos comitês, ausenta-se de suas responsabilidades públicas, inviabilizando um aprendizado maior acerca das possibilidades de trabalho conjunto. Mas apesar desses obstáculos e dificuldades, o movimento é capaz de recuperar o valor do vínculo na discussão da cidadania, retirando-o das redes paroquiais de amizade e familiariedade para a solidariedade entre estranhos, deslocando-o da mera filantropia para lançá-lo na pauta das políticas públicas. Nesse sentido, buscando superar dualidades e oposições entre Estado e sociedade e, também, entre incluídos e excluídos, a Ação da Cidadania contribui para reverter o isolamento social, consolidar novas redes associativas e revigorar o conceito de espaço público.

 

 

Agradecimentos

 

Este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e orientado pela Profa. Alba Zaluar no âmbito do curso de doutorado do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Agradeço ao apoio institucional do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz e, respectivamente a Ana Fiorentino, Maria de Fátima Menezes e Mônica Delgado, pela dedicação durante o trabalho de campo e desenvolvimento da pesquisa. Agradeço, igualmente, a Luciene Burlandy, pelo estímulo, colaboração e valiosas sugestões.

 

 

Referências

 

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Recebido em 24 de abril de 2002
Aprovado em 8 de outubro de 2002

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