EDITORIAL

 

Reduzir as desigualdades sociais e em saúde no Brasil e na América Latina, constitui hoje um desafio inadiável. No Brasil, apesar dos avanços nos indicadores básicos de saúde na última década, desigualdades extremas persistem. A elevada concentração de renda no país permaneceu estagnada e cerca de 25 milhões de pessoas vivem em condições miseráveis, com quantias insuficientes para suprir sequer as necessidades diárias de alimentação. Agravada por variáveis regionais, de gênero, raça, educação, a desigualdade social produz efeitos drásticos sobre as condições de vida, saúde e mortalidade da população. Convivemos com uma realidade de contrastes sociais e de saúde, com exemplos gritantes como o da mortalidade infantil que em alguns Estados da Federação (15 óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos) chega a ser quatro vezes maior do que em outros (66 por mil). O reconhecimento de vulnerabilidades de diversas ordens impõe o deslocamento do alvo da intervenção pública e das estratégias setoriais na direção da melhoria da qualidade de vida e na efetiva implementação dos direitos sociais e em saúde.

Este suplemento de Cadernos de Saúde Pública é resultante do seminário Saúde e Desigualdade: Instituições e Políticas Públicas no Século XXI, realizado em novembro de 2001, no Rio de Janeiro. O evento, uma iniciativa da subárea de Políticas Públicas e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz e do Programa de Políticas Públicas e Saúde, da Divisão de Saúde e Desenvolvimento Humano da Organização Pan-Americana da Saúde, reuniu pesquisadores, gestores e alunos de pós-graduação, para discutir relações entre pobreza, desigualdade e saúde nas dimensões das políticas públicas, das instituições e das ações de saúde e, para definir uma agenda de cooperação entre pesquisa e gestão para a redução das desigualdades em saúde.

Procuramos tratar das políticas de redução de desigualdades de forma interdisciplinar, incorporando contribuições da Ciência Política, Antropologia, Sociologia, Demografia, Economia, por parte de pesquisadores que, embora nem sempre focalizassem diretamente o tema da saúde ou da desigualdade, trouxeram novas luzes ao debate. A idéia foi também sensibilizar mais e mais pesquisadores para a importância de se incorporar o tema em suas pesquisas, formando um consenso sobre a centralidade do problema da desigualdade no campo social e quanto à necessidade de ampliar o diálogo e o intercâmbio de experiências entre pesquisadores e gestores, e construir estratégias que articulem produção de conhecimento e intervenção na realidade de forma a alterar os padrões de desenvolvimento econômico, social e humano do país no milênio que se inicia.

Os artigos apresentados nesta edição se referem a quatro grandes temas. O primeiro grupo trata das respostas dos Estados de bem-estar social no contexto das mudanças provocadas pelos ajustes macroeconômicos e pela globalização, e das reformas de sistemas de saúde. Um segundo, agrega análises das dimensões culturais e cívicas da política com repercussões sobre o desempenho institucional e a produção/redução de desigualdades. Outro conjunto de artigos apresenta estudos sobre desigualdades e políticas de combate à pobreza, segundo dimensões e grupos sociais específicos, como raça, gênero, educação e geração. Um quarto conjunto de trabalhos discute resultados e tendências das políticas e programas de saúde no âmbito do SUS.

Esperamos que os artigos desta edição possam contribuir para se pensar em alternativas de mudança e soluções para minorar as desigualdades sociais. Vivemos no Brasil um momento histórico privilegiado, em que se vislumbra, com esperança, a possibilidade de realização de um projeto mais inclusivo alicerçado em laços mais fortes de solidariedade social.

 

Ligia Giovanella
Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Jeni Vaitsman
Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

César Vieira
Organização Pan-Americana
da Saúde, Brasília, Brasil.

Eduardo Guerrero
Organização Pan-Americana Escola Nacional de Saúde Pública,
da Saúde, Brasília, Brasil.

Rosana Magalhães
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

EDITORIAL

 

To reduce social and health inequalities in Brazil and Latin America as a whole now poses a challenge that must be faced without delay. Extreme inequalities persist in Brazil despite advances in basic health indicators in the last decade. The country's high income concentration remains stagnated, while some 25 million Brazilians live in destitution, lacking the means to meet even their minimum daily nutritional requirements. Aggravated by regional, gender, racial, and educational variables, social inequality produces drastic effects on living and health conditions and mortality. Brazil experiences a reality of social and health contrasts with alarming examples such as a more than four-fold difference in the infant mortality rate (up to 66 deaths per thousand live births in the poorer States, as compared to 15 in the relatively wealthier ones). The recognition of various orders of vulnerability mandates that we shift targets in public interventions and sectoral strategies to achieve improvements in quality of life and effective implementation of social and health rights.

This special addition of Cadernos de Saúde Pública/Reports in Public Health is the result of the seminar Health and Inequality: Institutions and Public Policies in the 21st Century, held in November 2001 in Rio de Janeiro. The event, an initiative of the component area titled Public Policies and Health at the National School of Public Health/Oswaldo Cruz Foundation and the Program for Public Policies and Health of the Division of Health and Human Development/Pan-American Health Organization, convened researchers, health system managers, and graduate students to discuss the relations between poverty, inequality, and health with regard to public policies, institutions, and actions in health, in order to define an agenda for cooperation between research and management to reduce inequalities in health.

We pursued an interdisciplinary perspective towards policies to reduce inequalities, incorporating contributions from Political Science, Anthropology, Sociology, Demography, and Economics with researchers who, while not always focusing directly on the theme of health and inequality, shed new light on the debate. The idea was also to raise the awareness of an increasing number of researchers concerning the importance of incorporating the issue into their research, forming a consensus on the central nature of the problem of inequality in the social field and the need to expand the dialogue and exchange experiences among researchers and health system managers and to establish strategies to link academic production and intervention in reality in such a way as to alter the patterns of economic, social, and human development in Brazil at the beginning of the millennium.

The articles presented in this edition touch on four main themes. The first group deals with responses by welfare states in the context of changes brought about by macroeconomic adjustments and globalization and health systems reform. A second group includes analyses of the cultural and civic dimensions of policy with repercussions on institutional performance and the production versus reduction of inequalities. A third set of articles discusses inequalities and policies to combat poverty, according to specific social dimensions and groups, such as race, gender, education, and generation. A fourth group of articles discusses results and trends in health policies and programs within the context of the Unified National Health System (SUS).

We hope that the articles in this edition will contribute to reflections on alternatives for change and solutions to mitigate social inequalities. We are living in a privileged moment in Brazil's history, in which we glimpse with hope the possibility of achieving a more inclusive national project, based on stronger ties of social solidarity.

 

Ligia Giovanella
Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Jeni Vaitsman
Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

César Vieira
Organização Pan-Americana
da Saúde, Brasília, Brasil.

Eduardo Guerrero
Organização Pan-Americana
da Saúde, Brasília, Brasil.

Rosana Magalhães
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br