ARTIGO ARTICLE
Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde e gastos com medicamentos da população idosa brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Health status, physical functioning, health services utilization, and expenditures on medicines among Brazilian elderly: a descriptive study using data from the National Household Survey
Maria Fernanda Lima-Costa; Sandhi Maria Barreto; Luana Giatti
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz/ Universidade Federal de Minas Gerais Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil
ABSTRACT
The objective of this research was to describe health conditions and health services utilization among Brazilian seniors. The study was based on 28,943 adults > 60 years (99.9%) from an overall National Household Survey (PNAD 1998). The results show that prevalence rates for at least one chronic disease (69.0%), hypertension (43.9%), arthritis (37.5%), and inability to feed oneself/bathe/use the toilet (2.0%) are very similar to those observed in other populations. Physician visits and hospitalization patterns are within the variation reported by different countries. The low prevalence rates of older adults who had interrupted activities because of a health problem (13.9%) or had been bedridden (9.5%) in the previous 2 weeks or hospitalized in the previous year (13.6%) show that the vast majority are not subject to these events. Considering that 50% of this population live on less than or equal to one Brazilian monthly minimum wage, expenditures on medications consume approximately one-fourth (23%) of total income for half of the elderly population.
Keywords: Aging Health; Survey; Health Services for the Aged
RESUMO
O objetivo deste trabalho é descrever as condições de saúde e o uso de serviços de saúde da população idosa brasileira. Participaram do estudo 28.943 (99,9%) idosos (³ 60 anos) incluídos na amostra da PNAD 1998. Os resultados mostraram que as prevalências de pelo menos uma doença crônica (69,0%), de hipertensão (43,9%), de artrite (37,5%) e de incapacidade para alimentar-se/tomar banho/ir ao banheiro (2,0%) são muito semelhantes ao observado em outras populações. Os padrões de consultas médicas e de hospitalizações estão dentro das variações observadas em diferentes países. As baixas proporções de idosos que interromperam atividades por problemas de saúde (13,9%) e estiveram acamados nas duas últimas semanas (9,5%) ou foram hospitalizados no último ano (13,6%) mostram que a imensa maioria não está sujeita a estes eventos. Considerando-se que 50% desta população têm renda pessoal ¾ 1 salário mínimo, o gasto médio mensal com medicamentos compromete aproximadamente um quarto da renda (23%) de metade da população idosa brasileira.
Palavras-chave: Saúde do Idoso; Inquérito de Saúde; Serviços de Saúde para Idosos
Introdução
Os idosos, particularmente os mais velhos, constituem o segmento que mais cresce da população brasileira. Entre 1991 e 2000 o número de habitantes com sessenta ou mais anos de idade aumentou duas e meia vezes mais (35%) do que o resto da população do País (14%) (IBGE, 1992, 2002). Este crescimento não tem sido acompanhado na mesma proporção por estudos epidemiológicos sobre a população idosa. Até muito recentemente, os bons inquéritos de saúde brasileiros excluíam esta população ou tratavam todos aqueles com ³ 60 ou ³ 65 anos de idade como se fossem um grupo homogêneo (Duncan et al., 1993; Mondini & Monteiro, 1998; Rego et al., 1990).
As condições de saúde da população idosa podem ser determinadas através dos seus perfis de morbidade e de mortalidade, da presença de déficits físicos e cognitivos e da utilização de serviços de saúde, entre outros indicadores mais específicos. O perfil de mortalidade desta população pode ser facilmente estabelecido (Lima-Costa et al., 2000a), utilizando-se dados de domínio público fornecidos pelo Ministério da Saúde (MS, 1998a). Informações sobre internações hospitalares públicas podem também ser obtidas através de dados fornecidos pela mesma fonte (MS, 1998b), mas tais informações, embora extremamente úteis, são limitadas devido à inexistência de um denominador adequado para o cálculo das taxas de internações hospitalares públicas, uma vez que a cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS) não é completa (Lima-Costa et al., 2000a).
As demais informações necessárias para que se conheçam as condições de saúde da população idosa residente na comunidade só podem ser obtidas através de estudos epidemiológicos de base populacional. Pelo nosso conhecimento, estudos de base populacional da saúde do idoso foram desenvolvidos somente em algumas cidades brasileiras (Coelho Filho & Ramos, 1999; Lima-Costa et al., 2000b; Marafon et al., 2003; Ramos, 1987; Ramos et al., 1993, 1998; Veras, 1992), que não representam a população do País.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) é realizada anualmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de um inquérito de base populacional com abrangência nacional, desenvolvido com o objetivo de obter informações sobre características demográficas, habitação, educação, trabalho e rendimentos. Em 1998, além destes, foram investigados diversos aspectos referentes à saúde (IBGE, 1998). Participaram do referido inquérito 29.976 idosos, que representam a população brasileira com sessenta ou mais anos de idade, residente na comunidade (exceto região norte). Trata-se, portanto, do maior estudo epidemiológico de base populacional da população idosa já realizado no Brasil.
O objetivo do presente trabalho é descrever, utilizando dados da PNAD 1998, a situação de saúde da população idosa brasileira no que se refere a indicadores gerais e específicos da condição de saúde, à capacidade funcional, à utilização de serviços de saúde e a gastos com medicamentos.
Metodologia
População estudada
A PNAD é baseada em uma amostra probabilística de domicílios obtida em três estágios de seleção. No primeiro estágio é feita a seleção dos municípios, que são classificados em auto-representativos, com probabilidade 1 de pertencerem à amostra, e em não auto-representativos, com probabilidade de pertencerem à amostra proporcional à população residente. No segundo estágio, são selecionados os setores censitários, cuja probabilidade de inclusão é proporcional ao número de domicílios existentes no setor. No terceiro estágio, os domicílios são amostrados em cada setor censitário, sendo investigadas, por meio de entrevista, as informações relativas a todos os residentes no domicílio. A PNAD 1998 foi conduzida entre 20 e 26 de setembro do ano de 1998. Para o presente trabalho foram selecionados todos os 29.976 participantes da PNAD 1998 com ³ 60 anos de idade (IBGE, 1998).
Variáveis estudadas
Cinco grupos de variáveis foram considerados: (1) características sócio-demográficas; (2) indicadores da condição de saúde; (3) indicadores da capacidade funcional; (4) indicadores de uso de serviços de saúde e filiação a plano privado de saúde e (5) gastos com medicamentos. Considerou-se também quem respondeu à entrevista. No banco de dados da PNAD 1998, a condição de respondente corresponde à variável v1401 para os indicadores de capacidade funcional e v1301 para os indicadores da condição de saúde.
Sexo (v0302) e idade (v8005) foram as características sócio-demográficas incluídas no presente trabalho.
Entre os indicadores da condição de saúde, os seguintes foram considerados: percepção da própria saúde (v1303 e v1301), ter deixado de realizar quaisquer das atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas semanas (v1304), ter estado acamado nas duas últimas semanas (v1307) e relato das seguintes doenças ou condições crônicas: artrite/reumatismo (v1310), câncer (v1311), diabetes (v1312), bronquite/asma (v1313), hipertensão (v1314), doença do coração (v1315), doença renal crônica (v1316) e cirrose (v1320). As respostas sobre a percepção da própria saúde foram agregadas em quatro estrados: boa/muito boa; regular; ruim/muito ruim e ignorada porque outra pessoa respondeu à entrevista. Os três primeiros estratos foram construídos utilizando-se a variável v1303 e o último, utilizando-se v1301. O quarto estrato foi criado para permitir que a percepção da saúde fosse considerada somente nos casos em que a própria pessoa tivesse respondido à entrevista. Isso foi feito porque essa percepção envolve aspectos subjetivos que não podem ser captados por outro informante.
Três variáveis relativas à capacidade funcional foram incluídas neste trabalho: alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro (v1403); abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se (v1407) e caminhar mais de um quilômetro (v1408). A escolha das duas primeiras, em detrimento das demais variáveis sobre capacidade funcional existentes no banco de dados da PNAD 1998, foi: (1) porque a incapacidade para realizar essas atividades indica forte perda de autonomia e (2) porque essas funções são geralmente consideradas em estudos epidemiológicos da população idosa, permitindo comparações com os resultados obtidos no presente trabalho. Caminhar cerca de um quilômetro foi a terceira variável considerada, por expressar a capacidade do idoso para realizar atividades físicas de leve a moderada intensidade.
Entre os indicadores de uso de serviços de saúde, os seguintes foram considerados: procura por atendimento médico nas duas últimas semanas (v1350, v1353 e v1354); número de consultas médicas nos últimos 12 meses (v1348); tempo decorrido após a última visita ao dentista (v1349) e número de internações hospitalares nos últimos 12 meses (v1370). Três variáveis foram utilizadas para definir a procura por atendimento médico: (1) nas duas últimas semanas procurou algum lugar, serviço ou profissional de saúde para atendimento relativo à própria saúde? (v1350); (2) excluída procura a farmacêutico? (v1353); (3) nesta vez em que procurou serviços de saúde foi atendido? (v1354). De acordo com a resposta a estas perguntas, três estratos foram constituídos: procurou e foi atendido, procurou e não foi atendido e não procurou durante o período considerado. A filiação a um plano privado de saúde, que corresponde à variável (v1321) no banco de dados da PNAD, foi também considerada.
Com relação ao consumo de medicamentos, foram considerados os gastos com os mesmos nos últimos trinta dias (v7802). Os gastos com medicamentos foram transformados em proporções do salário mínimo da época (cada salário mínimo em setembro de 1998 era igual a R$ 130,00).
Análise dos dados
A análise dos dados foi realizada utilizando-se procedimentos para a análise de inquéritos populacionais do programa STATA. Esses procedimentos permitem incorporar os pesos distintos das observações. Na presente análise, foi incluída a variável "Peso da Pessoa" (v4729), que equivale ao inverso da fração amostral. Valendo-se das variáveis UF, UPA (delimitação do município) e v4602 (estrato) foi criada uma nova variável, seguindo algoritmo fornecido pelo IBGE (F. Viacava, comunicação pessoal) para corrigir o efeito do delineamento do estudo (Pessoa et al., 1997).
Resultados
Entre os 29.976 participantes da amostra com ³ 60 anos de idade, 28.943 (99,9%) participaram deste trabalho. Entre estes, 62,2% responderam à entrevista, tendo sido as restantes respondidas por outro informante. A proporção de idosos que responderam à entrevista foi maior entre mulheres (68,9%) do que entre os homens (58,4%).
Na Tabela 1, está apresentada a distribuição percentual de quatro indicadores da condição de saúde. A percepção da própria saúde como ruim foi relatada por 10,5% dos idosos entrevistados; a pior percepção da saúde aumentou com a idade entre os homens, mas não entre as mulheres. A interrupção de atividades rotineiras por problemas de saúde nas duas últimas semanas foi relatada por 13,9% dos idosos e este relato aumentou com a idade de forma consistente em ambos os sexos. Entre os participantes, 9,5% relataram terem estado acamados nas duas últimas semanas, tendo esta proporção aumentado com a idade entre homens e mulheres. A doença relatada com mais freqüência pelos participantes do estudo foi hipertensão (43,9%), seguida por artrite/reumatismo (37,5%), doença do coração (19,0%), diabetes (10,3%), asma/ bronquite (7,8%), doença renal crônica (6,8%), câncer (1,1%) e cirrose (0,3%). Foi relatado por 69,0% dos idosos relataram ter pelo menos uma doença crônica, sendo esta proporção maior entre mulheres (74,5%) do que entre os homens (62,2%). Como era de se esperar, o relato da presença de pelo menos uma doença crônica aumentou com a idade em ambos os sexos.
Na Tabela 2, estão apresentadas as prevalências de três indicadores da capacidade funcional. A impossibilidade de alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro foi relatada por 2,0% dos idosos (2,2% das mulheres e 1,8% dos homens). A impossibilidade de abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se foi relatada por 4,4% dos participantes (5,7% e 2,7% das mulheres e homens, respectivamente) e a impossibilidade para caminhar mais de um quilômetro foi relatada por 6,2% (7,9 % e 4,2% das mulheres e homens, respectivamente). As prevalências de incapacidade para realizar as atividades acima mencionadas aumentaram com a idade em ambos os sexos.
Na Tabela 3, está apresentada a distribuição percentual de quatro indicadores de uso de serviços de saúde e filiação a plano privado de saúde. Dos participantes deste estudo, 20,3% haviam procurado atendimento médico nas duas últimas semanas e foram atendidos, tendo sido esta proporção maior entre as mulheres (22,8%) do que entre os homens (17,2%); em ambos os sexos, a procura por atendimento não aumentou com a idade. Consultaram-se três ou mais vezes com médico no último ano 44,3% dos idosos, tendo sido esta proporção maior entre mulheres (50,3%) do que entre homens (36,7%). A proporção daqueles com maior número de consultas aumentou com a idade entre os homens, mas não entre as mulheres. A visita ao dentista há menos de um ano foi relatada por 13,2% dos entrevistados (14,0% dos homens e 12,5% das mulheres), tendo esta proporção diminuído com a idade em ambos os sexos; 9,3% e 4,3% dos idosos tiveram, respectivamente, uma ou duas ou mais internações hospitalares no último ano. A ocorrência de uma (9,6% vs. 9,1%) ou duas ou mais internações (4,4% vs. 4,3%) não diferiu entre homens e mulheres. Em ambos os sexos, foram verificados aumentos consistentes de internações hospitalares com a idade. Entre os idosos, 26,9% possuíam plano privado de saúde (24,8% e 28,6% dos homens e mulheres, respectivamente) e esta proporção apresentou uma discreta tendência à redução com a idade.
O gasto médio com medicamentos de uso regular nos últimos trinta dias foi igual a 23% do valor do salário mínimo (IC 95%: 21-26). Esta proporção foi um pouco maior entre os homens (25%; IC 95%: 22-28) do que entre as mulheres (22%; IC 95%:19-24). Em ambos os sexos, os gastos com medicamentos apresentaram tendência crescente com a idade (Tabela 4).
Discussão
Os resultados deste trabalho mostram que somente uma pequena parcela da população idosa teve alguma de suas atividades rotineiras interrompidas por problemas de saúde (14%) ou esteve acamada (10%) recentemente. Cerca de 70% dos idosos relataram ter pelo menos uma condição crônica e a proporção daqueles com problemas de saúde aumentou com a idade em ambos os sexos.
Hipertensão e artrite foram as doenças crônicas mais freqüentemente relatadas, confirmando observações previamente realizadas em outros estudos da população idosa (CDC, 1999; Seeman et al., 1989). A prevalência da hipertensão auto-referida foi igual a 37% entre os homens e 50% entre as mulheres. Este resultado é muito semelhante ao observado entre os participantes do EPESE (estudo multicêntrico de base populacional realizado nos Estados Unidos: 34-39%) e na população idosa americana como um todo (33-35% e 43-44%, respectivamente) (CDC, 1999; Cornoni-Huntley et al., 1986). Nos estudos referidos, o relato de diabetes variou de 8% a 17% entre homens e de 10% a 16% entre mulheres. Entre os idosos brasileiros, a prevalência de diabetes auto-referida esteve dentro da variação observada para a população idosa americana (8% entre os homens e 12% entre as mulheres). Por outro lado, as prevalências de artrite/reumatismo e de doença do coração entre idosos brasileiros foram menores que as descritas anteriormente (CDC, 1999; Seeman et al., 1989), assim como a referência à história de câncer (CDC, 1999; Cornoni-Huntley et al., 1986). A comparação entre os resultados brasileiros e os de estudos americanos é parcialmente limitada porque os participantes destes últimos são mais velhos (³ 65 anos), mas é importante salientar que a idade não influenciou a distribuição da hipertensão e da diabetes no presente trabalho. Um outro aspecto que merece ser lembrado é que estudos de morbidade auto-referida, como a PNAD 1998, podem subestimar as prevalências de doenças ou condições crônicas, devido a problemas de memória e/ou ausência de diagnóstico. Na linha de base da coorte de idosos de Bambuí, em Minas Gerais, verificou-se que 23% dos hipertensos desconheciam essa condição (Firmo et al., 2003).
A percepção da própria saúde é um indicador robusto do estado de saúde dos idosos porque prediz de forma consistente a sobrevida dessa população (Helmer et al., 1999; Korten et al., 1999; Onawola & La Veist, 1998). Como a percepção da saúde refere-se a um julgamento subjetivo, ela não pode ser determinada por outra pessoa. Na PNAD 1998, 38% das entrevistas, incluindo as informações sobre a percepção da própria saúde, foram respondidas por outra pessoa, tendo essa proporção diferido entre os sexos e nas diversas faixas etárias. Dessa forma, é impossível saber como a utilização de outro respondente influenciou a distribuição da percepção da saúde na população estudada. Estudos epidemiológicos conduzidos anteriormente no Brasil mostraram que a percepção da saúde como boa/muito boa entre idosos variava entre 25% em Bambuí (Lima-Costa et al., 2000b), 44% no Rio de Janeiro (Veras, 1992) e 70% em São Paulo (Ramos et al., 1998).
A capacidade funcional, em estudos da população idosa, é geralmente dimensionada em termos da habilidade e independência para realizar determinadas atividades. A capacidade funcional é um dos grandes componentes da saúde do idoso e mais recentemente vem emergindo como um componente-chave para a avaliação da saúde dessa população (Cornoni-Huntley et al., 1986). Estudos anteriores têm mostrado que a total autonomia (definida como relato de nenhuma dificuldade) para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro varia entre 83% e 97% entre pessoas com ³ 65 anos de idade residentes em diversas cidades americanas (Cornoni-Huntley et al., 1986). Os resultados do presente trabalho estão compreendidos dentro desta variação: 85% dos participantes do estudo com ³ 60 anos de idade relataram não ter dificuldades para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro.
A impossibilidade para abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se foi relatada por 6-9% dos homens e 12-22% das mulheres participantes do EPESE (Cornoni-Huntley et al., 1986). Os idosos brasileiros apresentam melhor desempenho: a incapacidade para realizar essas atividades foi relatada por 3% dos homens e 6% das mulheres. Uma das explicações para essa diferença poderia ser a menor idade dos participantes deste trabalho, em comparação ao estudo americano, mas é importante ressaltar que os brasileiros ficam em melhor situação mesmo quando faixas etárias semelhantes são comparadas (Cornoni-Huntley et al., 1986). Entretanto, cabe destacar que a prevalência de incapacidade para diversas atividades (exceto alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro) pode estar subestimada na PNAD 1998 em virtude de problemas metodológicos. Como pode ser observado na Tabela 2, os casos sem informação para abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se e para caminhar cerca de um quilômetro correspondem à soma dos percentuais dos que relataram ter grande dificuldade ou não conseguir alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro; essa observação é consistente em ambos os sexos e em todas as faixas etárias. Portanto, é razoável supor que aqueles com grande dificuldade ou incapacidade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro tenham sido excluídos do cômputo das demais incapacidades, levando a uma subestimativa destas.
Exercícios físicos de moderada intensidade (por exemplo, uma vigorosa caminhada) são benéficos para a saúde de indivíduos de todas as idades. Esses benefícios incluem redução da morbidade e mortalidade por doença coronariana, controle da pressão arterial, da glicemia e do colesterol e melhora do peso. A ausência de atividades físicas está também associada com diversos problemas músculo-esqueléticos, que podem afetar negativamente as atividades funcionais do idoso. Dessa forma, recomenda-se que adultos de diferentes idades pratiquem pelo menos trinta minutos de atividades físicas moderadas na maioria dos dias da semana e, se possível, todos os dias (Pate et al., 1995). No presente trabalho, verificou-se que 6% dos idosos não conseguem caminhar cerca de um quilômetro, 15% têm muita dificuldade para realizar esta tarefa e 20% têm pequena dificuldade.
A população idosa é grande usuária de serviços de saúde. Em países desenvolvidos o uso desses serviços entre pessoas com ³ 65 anos é três a quatro vezes maior do que o seu tamanho proporcional na população. Isso é o reflexo do aumento da prevalência de várias doenças e incapacidades físicas entre os idosos (Rubenstein & Nasr, 1996). No Brasil, a razão entre o custo proporcional das internações hospitalares públicas e o tamanho proporcional da população idosa aumenta progressivamente com a idade: 2,3; 3,4 e 4,3 nas faixas etárias de 60-69, 70-79 e ³ 80 anos de idade, respectivamente (Lima-Costa et al., 2000a). A prevalência anual de hospitalizações da população idosa varia entre países: 10% no Japão, 14% no Reino Unido, 16% na Alemanha e 18% nos Estados Unidos e Canadá. (Rowland, 1992). A proporção de hospitalizações no último ano observada no presente trabalho (14%) esteve dentro dessa variação. Diferenças mais expressivas entre países são observadas em relação à prevalência de visitas a médicos. A proporção de idosos que não haviam visitado o médico no último semestre variou entre 1% no Japão, 14% na Alemanha, 31% no Canadá, 33% no Reino Unido e 40% nos Estados Unidos (Rowland, 1992). No presente trabalho, verificou-se que 28% dos idosos não haviam visitado o médico no último ano.
Em diferentes países, verifica-se que as consultas a médicos no consultório, hospital ou por meio de telefone diminuem com a idade, ao passo que as consultas no domicílio aumentam. (Rowland, 1992). Os dados da PNAD 1998 não permitem saber o local onde a consulta médica foi feita. No presente trabalho, a procura por atendimento médico entre homens e mulheres não aumentou com a idade. O relato de três ou mais consultas ao médico no último ano aumentou com a idade entre os homens, mas não entre as mulheres. Confirmando observações realizadas em outros países (Rubenstein & Nars, 1996), a ocorrência de internações hospitalares entre os idosos brasileiros aumentou progressivamente com a idade em ambos os sexos.
Em resumo, os resultados deste trabalho, que são generalizáveis para a população idosa brasileira residente na comunidade (exceto na região norte), mostram que as prevalências de pelo menos uma doença crônica, de hipertensão e de artrite auto-referidas, assim como a prevalência de incapacidade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro são muito semelhantes ao observado entre idosos americanos em estudos utilizando metodologia semelhante (CDC, 1999; Cornoni-Huntley et al., 1986). Os padrões de utilização de serviços médicos (consultas médicas e hospitalizações) da população idosa brasileira estão dentro das variações observadas internacionalmente (Rowland, 1992; Rubenstein & Nars, 1996). As baixas proporções de idosos que interromperam atividades por problemas de saúde, estiveram acamados ou foram hospitalizados no último ano mostram que a imensa maioria da população idosa não está sujeita a estes eventos. Considerando-se que cerca de 50% dos idosos têm renda pessoal £1 salário mínimo (IBGE, 1998), o gasto médio mensal com medicamentos compromete aproximadamente um quarto da renda (23%) de metade da população idosa brasileira. Essa observação reforça a necessidade de políticas neste país para melhorar o acesso da população idosa aos medicamentos.
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Centro Nacional de Epidemiologia, Fundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde e Banco Mundial.
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Recebido em 29 de abril de 2002
Versão final reapresentada em 15 de julho de 2002
Aprovado em 14 de agosto de 2002