OPINIÃO OPINION

 

Abordagem do idoso em programas de saúde da família

 

Approach to the elderly in family health programs

 

 

Jorge Alexandre SilvestreI; Milton Menezes da Costa NetoII

IDepartamento de Medicina Interna, Universidade Federal de Rio Grande. Rua Engenheiro Alfredo Huch 475, Rio Grande, RS 96201-900, Brasil
IICentro de Saúde de Candangolândia, Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Área Especial 5/7, Lote 17, Candangolândia, DF 71725-500, Brasil

 

 


ABSTRACT

This article discusses the role of the Brazilian National Policy for Senior Citizens' Health in the promotion of healthy aging, preservation and improvement of functional capacity in the elderly, disease prevention, recovery of those who fall ill, and rehabilitation of those with limited functional capacity, will the goal of ensuring that senior citizens can remain in their surroundings and independently exercise their functions in society. Care for the elderly should be based primarily on the family, with support from primary health care services, under the family health strategy, representing a link between the elderly and the health system. The article goes on to list some health problems among the elderly in which family health programs can have a major impact. The Family Health Strategy in Brazil is analyzed in relation to health care for the elderly, along with the responsibilities, skills, and attributions required by the health care team.

Keywords: Family Health Program; Aging Health; Health Services for the Aged


RESUMO

Discorre-se sobre a Política Nacional de Saúde do Idoso cujo propósito basilar reside na promoção do envelhecimento saudável, na manutenção e melhoria, ao máximo, da capacidade funcional dos idosos, na prevenção de doenças, na recuperação da saúde dos que adoecem e na reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções na sociedade. O cuidado do idoso deve basear-se, fundamentalmente, na família com o apoio das Unidades Básicas de Saúde sob a Estratégia de Saúde da Família, as quais devem representar para o idoso, o vínculo com o sistema de saúde. Após, são listados alguns dos problemas de saúde do idoso em que os programas de saúde da família podem causar um impacto importante. Se analisa a Estratégia de Saúde da Família no Brasil em relação à atenção ao idoso, além das competências, habilidades e atribuições necessárias da equipe.

Palavras-chave: Programa Saúde da Família; Saúde do Idoso; Serviços de Saúde para Idosos


 

 

A política nacional de saúde do idoso

No Brasil, em dezembro de 1999, o Sr. Ministro da Saúde, considerando a necessidade de o setor saúde dispor de uma política devidamente expressa relacionada à saúde do idoso, bem como, a conclusão do processo de elaboração da referida política que envolveu consultas a diferentes segmentos direta e indiretamente envolvidos com o tema e, considerando ainda, a aprovação da proposta da política mencionada pela Comissão Intergestores Tripartite e pelo Conselho Nacional de Saúde, resolveu aprovar a Política Nacional de Saúde do Idoso e determinar que os órgãos e entidades do Ministério da Saúde (MS), cujas ações se relacionem com o tema objeto da Política aprovada, promovam a elaboração ou a readequação de seus planos, programas, projetos e atividades na conformidade das diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas (Brasil, 1999).

Esta Política, em sua introdução, assume que o principal problema que pode afetar o idoso, como conseqüência da evolução de suas enfermidades e de seu estilo de vida, é a perda de sua capacidade funcional, isto é, a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para a realização de suas atividades básicas e instrumentais da vida diária.

Estudos populacionais realizados no país têm demonstrado que não menos que 85% dos idosos apresentam pelo menos uma doença crônica, e cerca de 10% apresentam pelo menos cinco dessas enfermidades (CEI-RS, 1997; Ramos et al., 1993). A presença de uma ou mais enfermidade crônica, no entanto, não significa que o idoso não possa conservar sua autonomia e realizar suas atividades de maneira independente. De fato, a maioria dos idosos brasileiros é capaz de se autodeterminar e organizar-se sem necessidade de ajuda, mesmo sendo portador de uma ou mais enfermidade crônica. Os mesmos estudos citados acima revelam que cerca de 40% dos indivíduos com 65 anos ou mais de idade precisam de algum tipo de auxílio para realizar pelo menos uma atividade instrumental da vida diária, como fazer compras, cuidar das finanças, preparar refeições ou limpar a casa, e que 10% requerem ajuda para realizar tarefas básicas, como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, alimentar-se e, até, sentar e levantar de cadeiras e camas (Ramos et al., 1993).

Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde do Idoso apresenta "como propósito basilar a promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria, ao máximo, da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções na sociedade" (Brasil, 1999:21).

Para o alcance do propósito da Política Nacional de Saúde do Idoso, foram definidas como diretrizes essenciais a promoção do envelhecimento saudável; a manutenção da capacidade funcional; a assistência às necessidades de saúde do idoso; a reabilitação da capacidade funcional comprometida; a capacitação de recursos humanos especializados; o apoio ao desenvolvimento de cuidados informais; e o apoio a estudos e pesquisas.

Todas as ações em saúde do idoso, como o previsto na referida Política, devem objetivar ao máximo manter o idoso na comunidade, junto de sua família, da forma mais digna e confortável possível. Seu deslocamento para um serviço de longa permanência, seja ele um hospital de longa estada, asilo, casa de repouso ou similar, pode ser considerada uma alternativa, somente quando falharem todos os esforços anteriores (Galinsky, 1993).

A internação dos idosos em serviços de longa permanência representa um modelo excludente e que causa uma importante deterioração na capacidade funcional e autonomia. Mesmo a internação hospitalar por curto prazo de tempo leva a este tipo de perda. Sager et al. (1996) demonstraram que, comparando a capacidade para realização de atividades básicas da vida diária que o idoso possuía antes da internação, em um leito de agudos por curto prazo de tempo, em relação à do momento da alta, levou a uma significativa queda desta capacidade. Em nova avaliação, três meses após, verificou-se que os níveis de capacidade funcional não tinham sido totalmente recuperados em relação aos de antes da internação.

O retorno ao modelo de cuidados domiciliares, como proposto na política em tela, não pode ter como única finalidade baratear custos ou transferir responsabilidades. A assistência domiciliar aos idosos com comprometimento funcional, demanda programas de orientação, informação e apoio de profissionais capacitados em saúde do idoso e depende, essencialmente, do suporte informal e familiar, constituindo-se num dos aspectos fundamentais na atenção à saúde desse grupo populacional. Isso não significa, no entanto, que o Estado deva deixar de ter um papel preponderante na promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso nos três níveis de gestão do SUS, capaz de otimizar o suporte familiar.

O cuidado comunitário do idoso deve basear-se, especialmente, na família e na atenção básica de saúde, por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS), em especial daquelas sob a estratégia de saúde da família, que devem representar para o idoso, idealmente, o vínculo com o sistema de saúde.

 

Características e demandas do idoso na atenção básica de saúde

Na Tabela 1, são listados alguns dos problemas de saúde do idoso em que a atuação dos Programas de Saúde da Família pode causar um impacto importante.

 

A estratégia de saúde da família no Brasil

O Brasil, nas últimas décadas, vem conquistando importantes avanços no campo da saúde. O processo de construção do SUS, regulamentado pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Complementares, vem gradativamente ocorrendo sobre os pilares da universalização, da integralidade, da descentralização e da participação popular.

Porém, o modelo assistencial ainda forte no país é caracterizado pela prática médica voltada para uma abordagem biológica e intra-hospitalar, associada a uma utilização irracional dos recursos tecnológicos existentes, apresentando cobertura e resolubilidade baixas e com elevado custo. Dessa forma, gera grande insatisfação por parte dos gestores do sistema, dos profissionais de saúde e da população usuária dos serviços. Assim sendo, o grande desafio para o sistema é conseguir traduzir os avanços obtidos no campo legal em mudanças efetivas e resolutivas da prática da atenção à saúde da população. O êxito da reforma proposta com o uso potencializado da atenção básica, complementada pela rede de serviços especializados e hospitalares, vem sendo a busca permanente dos gestores de saúde.

Nesse contexto, o MS assumiu, a partir de 1994, a Estratégia de Saúde da Família, visando à reorganização do modelo tradicional por intermédio da reesquematização da atenção básica à saúde. A proposta é uma nova dinâmica para a organização dos serviços básicos de saúde, bem como para a sua relação com a comunidade e entre os diversos níveis de complexidade, assumindo os compromissos de:

• Reconhecer a saúde como um direito de cidadania, humanizando as práticas de saúde e buscando a satisfação do usuário pelo seu estreito relacionamento com os profissionais de saúde;

• Prestar assistência universal, integral, equânime, contínua e, acima de tudo, resolutiva e de boa qualidade à população, na unidade de saúde e no domicílio, elegendo a família, em seu contexto social, como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde;

• Identificar os fatores de risco aos quais a população está exposta e neles intervir de forma apropriada;

• Proporcionar o estabelecimento de parcerias pelo desenvolvimento de ações intersetoriais que visem à manutenção e à recuperação da saúde da população;

• Estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social.

Apesar de essa Estratégia ser operacionalizada a partir das UBS, todo o sistema deve estar estruturado segundo a sua lógica, pois a continuidade da atenção deve ser garantida, por um fluxo contínuo setorial. A implantação da mesma vem possibilitando a integralidade da assistência e a criação de vínculos de compromisso e de responsabilidade compartilhados entre os serviços de saúde e a população.

O profissional deve ser capaz de perceber a multicausalidade dos processos mórbidos, sejam físicos, mentais ou sociais, tanto individuais, quanto coletivos, contextualizando, sempre, o indivíduo em seu meio ambiente. Deve estar voltado à criação de novos valores, trabalhando mais a saúde do que a doença e, basicamente, por meio do trabalho interdisciplinar. Dessa maneira, o profissional de uma UBS sob a nova estratégia atua nos fatores que alteram o equilíbrio entre o indivíduo e o ambiente, compreendendo a saúde em seu sentido mais abrangente. Para tanto, ele busca conhecer detalhadamente a realidade das famílias que moram em sua área de abrangência, incluindo seus aspectos físicos e mentais, demográficos e sociais. Cabe a ele, também, identificar os problemas de saúde prevalentes na área de sua abrangência e, construir, junto com as famílias, um diagnóstico psicossocial que detecte situações de vulnerabilidade familiar. Ele planeja, organiza e desenvolve ações individuais e coletivas, avaliando, de forma constante, seus resultados. Para tanto, é necessário que ele tenha uma visão sistêmica e integral do indivíduo e da família, trabalhando com suas reais necessidades e disponibilidades, valendo-se de uma prática tecnicamente competente e humanizada, pelas ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.

 

A atenção ao idoso no contexto da estratégia de saúde da família

No contexto da Estratégia de Saúde da Família, destaca-se o trabalho dos profissionais de saúde voltado para a assistência integral e contínua de todos os membros das famílias vinculadas à UBS, em cada uma das fases de seu ciclo de vida, sem perder de vista o seu contexto familiar e social. Cabe a atenção do profissional à mudança do perfil populacional em sua área de abrangência, com o aumento progressivo da população idosa fruto da queda da fecundidade e redução da mortalidade em todos grupos etários. A ele é requerida uma especial ao idoso e uma participação ativa na melhoria de sua qualidade de vida, abordando-o, como apregoa a Estratégia em destaque, com medidas promocionais de proteção específica, de identificação precoce de seus agravos mais freqüentes e sua intervenção, bem como, com medidas de reabilitação voltadas a evitar a sua apartação do convívio familiar e social.

Assim sendo, a Estratégia de Saúde da Família, de acordo com seus princípios básicos referentes à população idosa, aponta para a abordagem das mudanças físicas consideradas normais e identificação precoce de suas alterações patológicas. Destaca, ainda, a importância de se alertar a comunidade sobre os fatores de risco a que as pessoas idosas estão expostas, no domicílio e fora dele, bem como de serem identificadas formas de intervenção para sua eliminação ou minimização, sempre em parceria com o próprio grupo de idosos e os membros de sua família. Os profissionais que atuam na atenção básica devem Ter de modo claro a importância da manutenção do idoso na rotina familiar e na vida em comunidade como fatores fundamentais para a manutenção de seu equilíbrio físico e mental.

Visualizar e defender como fundamental a presença da pessoa idosa na família e na sociedade de forma alegre, participativa e construtiva é uma das importantes missões daqueles que abraçaram a proposta da atenção básica resolutiva, integral e humanizada. Não devem aceitar apenas a longevidade do ser humano como a principal conquista da humanidade contemporânea, mas que esse ser humano tenha garantida uma vida com qualidade, felicidade e ativa participação em seu meio. As "coisas da idade" não devem ser vistas como uma determinação, mas, sim, como possibilidade.

Como destaca o primeiro Caderno de Atenção Básica voltado para a atenção à pessoa idosa editado pelo Departamento de Atenção Básica do MS "a equipe de saúde precisa estar sempre atenta à pessoa idosa, na constante atenção ao seu bem-estar, à sua rotina funcional e à sua inserção familiar e social, jamais a deixando à margem de seu contexto, mantendo-a o mais independente possível no desempenho de suas atividades rotineiras" (Costa Neto & Silvestre, 1999:11).

 

Competências, habilidades e atribuições da equipe da atenção básica sob a estratégia de saúde da família voltadas à pessoa idosa

Atribuições comuns da equipe

• Conhecimento da realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas;

• Identificação dos problemas de saúde e situações de risco mais comuns aos quais o idoso está exposto, e a elaboração de um plano local para o enfrentamento dos mesmos;

• Execução, de acordo com a formação e qualificação de cada profissional, dos procedimentos de vigilância à saúde da pessoa idosa;

• Valorização das relações com a pessoa idosa e sua família, para a criação de vínculo de confiança, de afeto e de respeito;

• A realização de visitas domiciliares de acordo com o planejado;

• Prestação de assistência integral à população idosa, respondendo às suas reais necessidades de forma contínua e racionalizada;

• Garantia de acesso ao tratamento dentro de um sistema de referência e contra-referência para aqueles com problemas mais complexos ou que necessitem de internação hospitalar;

• Coordenação e participação e/ou organização de grupos de educação para a saúde;

• Promoção de ações intersetoriais e de parcerias com organizações formais e informais existentes na comunidade para o enfrentamento conjunto dos problemas identificados na população idosa, além da fomentação da participação popular, discutindo com a comunidade conceitos de cidadania, de direitos à saúde e suas bases legais.

Competências e habilidades requeridas ao médico e/ou enfermeiro

Podem ser destacadas as seguintes competências e correspondentes habilidades requeridas, no que diz respeito à saúde do idoso no nível da atenção básica:

• Promoção da saúde do idoso: capacidade de identificar os fatores determinantes da qualidade de vida da pessoa idosa, em seu contexto familiar e social, bem como compreender o sentido da responsabilização compartilhada como base para o desenvolvimento das ações que contribuem para o alcance de uma vida saudável. Aqui temos as seguintes habilidades requeridas ao médico e ao enfermeiro:

a) Compreender o significado da promoção à saúde da pessoa idosa e sua relação com os fatores determinantes da qualidade de vida (sociais, políticos, econômicos, ambientais, culturais e individuais);

b) Compreender a influência da família, da comunidade, das instituições e dos valores culturais e sociais no processo permanente de manutenção funcional e da autonomia do idoso;

c) Estimular a iniciativa, a organização e a participação da comunidade em atividades inter-relacionadas em prol da qualidade de vida das pessoas idosas;

d) Compreender o envelhecimento como um processo essencialmente benigno, não patológico, sem perder de vista, entretanto, que o estresse de agravos físicos, emocionais e sociais, com o aumento da idade, representa uma efetiva e progressiva ameaça para o equilíbrio dinâmico do indivíduo, ou seja, sua saúde;

e) Compreender as diferenças entre o que se pode considerar como envelhecimento normal, com suas limitações fisiológicas gradativas, e as características patológicas que podem instalar-se durante esse processo;

f) Identificar possíveis fatores de risco à saúde do idoso, assim como os sintomas claros ou não específicos de qualquer alteração física ou mental;

g) Identificar ações de promoção à saúde da pessoa idosa, desenvolvidas pelos setores governamentais e não governamentais, na área de abrangência da UBS;

h) Estabelecer parcerias, visando ao desenvolvimento do trabalho intersetorial (escolas, clubes, igrejas, associações e outros);

i) Gerar, reproduzir e disseminar informações relativas ao desenvolvimento integral da pessoa idosa para que a população seja informada e possa participar ativamente do processo de forma integral e abrangente;

j) Desenvolver ações que visem à melhoria das práticas sanitárias no domicílio, bem como a vigilância à saúde do idoso;

k) Entender a atenção básica à saúde do idoso enquanto processo eminentemente educativo, uma vez que se baseia no estímulo e apoio para que eles se mantenham, o máximo possível, no controle de sua saúde e de sua vida;

l) Estimular a organização de grupos de idosos para discussão e troca de experiências relativas à sua saúde e como melhorar a qualidade de vida, mantendo-se participante ativo em sua comunidade;

m) Construir coletivamente um saber direcionado às práticas de educação em saúde do idoso que integre a participação popular no serviço de saúde e ao mesmo tempo aprofunde a intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade;

n) Realizar o diagnóstico das condições de vida e de saúde da família e da comunidade na qual a pessoa idosa está inserida mediante as informações do cadastro das famílias;

o) Estimar e caracterizar a população de idosos da área de abrangência da equipe de saúde, na perspectiva de enfoque de risco;

p) Identificar as doenças prevalentes da população idosa na área de abrangência do trabalho da equipe, bem como seus determinantes;

q) Acompanhar e avaliar permanentemente o impacto das ações sobre a realidade inicialmente diagnosticada das condições de vida e de saúde da pessoa idosa, na perspectiva de se atingir a situação desejada, pela identificação e desenvolvimento de indicadores de avaliação de processo e de resultado em relação às ações desenvolvidas;

r) Identificar métodos e técnicas de ensino-aprendizagem mais adequados à capacitação de pessoas da comunidade que lidam com práticas de cuidado às pessoas idosas.

• Prevenção e monitoramento das doenças prevalentes na população idosa: capacidade para desenvolver ações de caráter individual e coletiva, visando à prevenção específica e o monitoramento das doenças prevalentes na população idosa. Neste contexto, as habilidades requeridas ao médico e ao enfermeiro são:

a) Conhecer as condições de vida e de saúde da pessoa idosa em seu contexto familiar na área adstrita à unidade de saúde (aspectos demográficos, perfil de morbi-mortalidade ­ mortalidade por causa específica, maltrato e abandono ­ renda e pobreza, trabalho);

b) Desenvolvimento de ações de caráter coletivo voltadas à prevenção individual e coletiva com base nos fatores de risco universais à saúde da população idosa;

c) Associar aos fatores de risco universais a outros que podem adquirir pesos variáveis de acordo com a realidade da área de abrangência da equipe de saúde;

d) Orientar as pessoas idosas, seus familiares, seus cuidadores e a comunidade acerca de medidas que reduzam ou previnam os riscos à saúde da pessoa idosa;

e) Identificar as condições do meio ambiente físico, social e domiciliar que constituem risco para a saúde da pessoa idosa.

• Identificação de agravos e recuperação da saúde no idoso: capacidade para desenvolver ações de caráter individual e coletiva, visando à prevenção específica, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos principais problemas da pessoa idosa.

a) Habilidades requeridas ao médico e ao enfermeiro:

1) Ensinar ao idoso, aos familiares e/ou ao cuidador a administração de medicamentos em casa, a utilização de tratamento sintomático e a detecção de sinais e/ou sintomas que requeiram retorno imediato à unidade de saúde;

2) Aconselhar ao idoso, aos familiares e/ou ao cuidador a alimentação apropriada à pessoa idosa doente e sobre quando retornar à unidade de saúde;

3) Identificar grupos específicos e traçar estratégias para a redução de danos no idoso com deficiência física ou mental, com desnutrição e vítima de violência intrafamiliar.

b) Habilidades específicas do médico:

1) Realizar consulta médica para avaliação dos fatores de risco, confirmação diagnóstica e identificação de processos terapêuticos específicos referentes aos transtornos físicos e mentais prevalentes na população idosa;

2) Avaliar a pessoa idosa, classificando-a segundo o risco, em relação aos problemas típicos de sua idade ­ imobilidade, instabilidade postural, incontinência, insuficiência cerebral e iatrogenia, bem como empregar terapêuticas específicas;

3) Realizar consulta médica com vistas a identificar possíveis causas orgânicas ou causas psicossociais com os idosos que apresentam problemas de relacionamento;

4) Explicar à pessoa idosa, aos familiares e/ou aos cuidadores os aspectos referentes ao tratamento não medicamentoso e medicamentoso específicos de cada agravo;

5) Usar tratamento não medicamentoso e medicamentoso de acordo com a necessidade;

6) Acompanhar o idoso doente, na unidade ou no domicílio, até a sua cura;

7) Realizar atendimentos de primeiros cuidados nos casos de urgência geriátrica;

8) Encaminhar o idoso refratário aos tratamentos convencionais ou com doenças não compatíveis com a complexidade da UBS para unidades especializadas de referência;

9) Acompanhar a evolução de pessoas idosas que foram encaminhadas a outros serviços até sua total recuperação e/ou reabilitação.

c) Habilidades específicas do enfermeiro:

1) Programar visitas domiciliares ao idoso em situação de risco ou pertencente a grupos de risco e por solicitação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS);

2) Realizar assistência domiciliar da pessoa idosa quando as condições clínicas e familiares da mesma permitirem ou assim o exigirem;

3) Supervisionar e desenvolver ações para capacitação dos ACS e de auxiliares de enfermagem visando ao desempenho de suas funções na atenção integral à pessoa idosa.

 

Desejo e realidade

Almeja-se para o trabalho na atenção básica sob a Estratégia de Saúde da Família uma adequada abordagem da pessoa idosa. Busca-se a necessária compreensão do envelhecimento como um processo benigno e não patológico. Entretanto, as equipes de saúde da família não podem perder de vista que o estresse de agravos físicos, emocionais e sociais, com o passar do tempo e, conseqüentemente, com o aumento da idade, representa uma efetiva e progressiva ameaça para saúde da pessoa idosa. Frente a tal realidade, o profissional de saúde enfrenta o desafio de traçar limites entre o que se pode considerar como envelhecimento normal com suas limitações fisiológicas gradativas e as características patológicas que podem instalar-se durante esse processo. Diversos fenômenos que eram tidos como normais com o avançar da idade, hoje são considerados como decorrentes da instalação de processos patológicos, e devem ser precocemente identificados e trabalhados de forma participativa e efetiva.

Os cuidados para uma pessoa idosa devem visar à manutenção de seu estado de saúde, com uma expectativa de vida ativa máxima possível, junto aos seus familiares e à comunidade, com independência funcional e autonomia máximas possíveis.

Idealmente seria que todas as UBS já trabalhassem com os princípios acima apontados, com as competências e atribuições mencionadas, bem como suas habilidades respectivas. Ocorre que, no Brasil, a formação básica na graduação, como a pós-graduação, esta última, em especial, fundamental para a adequada execução das ações previstas para uma atenção básica competente e humanizada, estão bastante aquém das necessidades nacionais. É necessária a formação de profissionais, no âmbito da pós-graduação, voltados ao trabalho na atenção básica, fazendo dela importante e eficiente nível do sistema de saúde.

Merecem destaque importantes iniciativas voltadas à qualificação da atenção básica desencadeadas pelo MS em parceria com os gestores estaduais e municipais, tanto quanto com diversas instituições de ensino superior. Buscam, em sua maioria, a formação pós-graduada de profissionais desejosos de aderirem a proposta, bem como a melhoria da graduação e o desenvolvimento do processo de educação permanente. Procuram, também, a capacitação do ACS de saúde como importante trabalhador integrante da equipe de saúde e não apenas como um membro da comunidade informante de seus problemas. A atenção à saúde do idoso está inserida em todos os cursos de especialização em saúde da família, bem como nos processos de educação permanente, na busca de se atingir a abordagem idealmente proposta para esse grupo etário, sempre em seu contexto familiar e social.

Cabe a todos aqueles que lidam direta ou indiretamente com a Estratégia de Saúde da Família, quer seja na sua prática, na qualificação de seu pessoal ou no suporte especializado às suas equipes, estarem atentos à permanente necessidade de capacitação e formação de seus profissionais, visando fazer com que a atenção básica à saúde do povo brasileiro possa ser competente, humanizada e resolutiva, realidade possível e desejada por todos, gestores, docentes, profissionais e, acima de tudo, pela própria população.

 

Referências

BRASIL, 1999. Portaria do Gabinete do Ministro de Estado da Saúde de no 1395, de 9 de dezembro de 1999, que aprova a Política Nacional de Saúde do Idoso e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, no 237-E, pp. 20-24, 13 dez., seção 1.        

CEI-RS (Conselho Estadual do Idoso ­ Rio Grande do Sul), 1997. Considerações finais. In: Os Idosos do Rio Grande do Sul: Estudo Multidimensional de suas Condições de Vida: Relatório de Pesquisa (CEI-RS, org.), p. 71, Porto Alegre: CEI.        

COSTA NETO, M. M. & SILVESTRE, J. A., 1999. Atenção à Saúde do Idoso ­ Instabilidade Postural e Queda. Brasília: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério da Saúde.        

GALINSKY, D., 1993. Atención progresiva. In: La Atención de los Ancianos: Um Desafio para los Años Noventa (E. Anzola-Péres, D. Galinsky, F. Morales-Martínez, A. Salas & M. Sánches-Ayéndez, org.), Publicación Científica 546, pp. 219-329, Washington, DC: Organización Mundial de la Salud.        

GUIMARÃES, R. M., 1996. Assistência ao Idoso ­ Proposta de Implantação. Brasília: Caixa dos Funcionários do Banco do Brasil.        

RAMOS, L. R.; PERRACINI, M.; ROSA, T. E. & KALACHE, A., 1993. Significance and management of disability among urban elderly residents in Brazil. Journal of Cross-Cultural Gerontology, 8:313-323,.        

SAGER, M. A.; FRANKE, T. & INOUVE, S. K., 1996. Functional outcomes of acute medical illness and hospitalization in older person. Archives of Internal Medicine, 156:645-652.        

 

 

Recebido em 18 de abril de 2002
Versão final reapresentada 1 de outubro de 2002
Aprovado em 28 de outubro de 2002

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br