ARTIGO ARTICLE
Desempenho do exame colpocitológico com revisão por diferentes observadores e da captura híbrida II no diagnóstico da neoplasia intra-epitelial cervical graus 2 e 3
Performance of cervical cytology with review by different observers and hybrid capture II in the diagnosis of cervical intraepithelial neoplasia grades 2 and 3
André Luís Ferreira Santos I; Sophie Françoise Mauricette Derchain II; Evelyn Bartholo Calvert I; Marcos Roberto Martins I; Rozany Mucha Dufloth II; Edson Zangiacomi Martinez II
IHospital Universitário de Taubaté. Av. Granadeiro Guimarães 270, Taubaté, SP 2020-130, Brasil
IIDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Rua Alexander Fleming 101, Campinas, SP 13083-970, Brasil. E-mail: derchain@supernet.com.br
RESUMO
Para avaliar o desempenho da colpocitologia (CO) de encaminhamento e daquela coletada no serviço de referência, com revisão por diferentes técnicas e observadores, e da captura híbrida II (CH II) no diagnóstico da neoplasia intra-epitelial cervical (NIC) de alto grau, foram incluídas 105 mulheres atendidas entre agosto de 2000 e junho de 2001 por atipias pré-neoplásicas na CO. Todas foram submetidas à coleta de nova CO e CH II para detecção do DNA-HPV. Foi realizada biópsia cervical em 91, sendo o diagnóstico histológico considerado padrão ouro. Foram descritas a sensibilidade, especificidade e razão de verossimilhança positiva (RVP) dos métodos propedêuticos com intervalo de confiança de 95% (IC95%). A sensibilidade e especificidade da CO de encaminhamento foi de 57% e 82% para o diagnóstico de NIC 2 e 3, e a RVP de 3,2 (IC95%: 1,5-6,8). A CO do serviço mostrou uma sensibilidade e especificidade 79% e 84%, respectivamente e RVP de 5,0 (IC95%: 2,5-10,0). A sensibilidade (86%), especificidade (80%) e RVP (4,3) foram semelhantes com a revisão lenta realizada pelo segundo observador, havendo uma queda significativa da sensibilidade (64%) à revisão rápida pelo terceiro observador. A CH II mostrou alta sensibilidade (100%), baixa especificidade (43%) e baixa RVP (1,7, IC95%: 1,4-2,2).
Palavras-chave: Neoplasia Intra-Epitelial Cervical; Diagnóstico; Colpocitologia; Papilomavírus
ABSTRACT
To evaluate the performance of initial cervical cytology and that collected at the reference service with a review conducted by different observers and techniques, as well as hybrid capture II, in the diagnosis of high-grade cervical intraepithelial neoplasia (CIN), 105 women attended from August 2000 to June 2001 for preneoplastic atypia upon cervical cytology were included. A new cervical cytology and hybrid capture II for DNA-HPV were conducted in all the patients. Cervical biopsies were taken in 91 women. Performance of the investigative procedures was described by estimating the sensitivity, specificity, and positive likelihood ratio (PLR), with a 95% confidence interval (95% CI), considering histological diagnosis the gold standard. Results: initial cervical cytology showed sensitivity and specificity of 57% and 82% for diagnosis of CIN grades 2 and 3, with a PLR of 3.2 (95% CI: 1.5-6.8). Referral cervical cytology showed a sensitivity and specificity for CIN 2 and 3 of 79% and 84%, respectively, with a PLR of 5.0 (95% CI: 2.5-10.0). Sensitivity (86%), specificity (80%), and PLR (4.3) were similar when a second observer (using a routine technique) reviewed the slide. Using rapid revision by a third observer, the sensitivity was significantly lower (64%). Hybrid capture II showed a high sensitivity (100%), low specificity (43%), and low PLR (1.7, 95% CI: 1.4-2.2).
Key words: Cervical Intraepithelial Neoplasia; Diagnosis; Colposcopy; Papillomavirus
Introdução
O câncer do colo uterino é o segundo câncer mais freqüente em mulheres no mundo, refletindo a prevalência dos fatores de risco e a falta ou insuficiência de programas de prevenção. O câncer invasor é precedido por lesões precursoras, as neoplasias intra-epiteliais cervicais (NIC), classificadas em três graus relacionados com a magnitude da desestruturação da arquitetura e discariose, denominadas respectivamente de NIC 1, NIC 2 ou NIC 3 (Richard et al., 1973). A NIC, principalmente a NIC 1, pode regredir ou permanecer estacionária por muitos anos com taxa muito baixa de evolução para câncer invasor. A NIC 2 ou 3, entretanto, apresentam uma taxa maior de progressão e precisam ser tratadas. A escolha do método terapêutico depende de vários fatores, como a gravidade e a extensão da lesão, a idade e o desejo reprodutivo da mulher e a disponibilidade tecnológica do serviço. Os métodos mais eficazes e seguros no tratamento da NIC são os de excisão, que permitem a avaliação histológica do espécime cirúrgico e minimizam o risco de não se diagnosticar uma neoplasia invasora. A conização clássica a frio, a laser ou por cirurgia diatérmica com alça é hoje a terapêutica mais utilizada (Levie et al., 2002).
Atualmente, já está bem estabelecido o papel do papilomavirus humano (HPV) como o fator promotor da neoplasia cervical. A relação entre o HPV e a carcinogênese está associada com o tipo viral, se de alto ou baixo risco oncogênico, a carga viral e sua persistência e a integração no genoma da célula hospedeira. A infecção pelo HPV é a doença sexualmente transmissível mais freqüente na população geral, com uma prevalência de 20 a 40% entre as mulheres jovens. Verifica-se, porém, que entre as mulheres infectadas pelo HPV de alto risco oncogênico, apenas 10% a 20% desenvolvem NIC 2 ou 3 e menos de 1% câncer invasor (Syrjänen & Syrjänen, 2000).
Embora o carcinoma invasor do colo do útero seja um tipo de câncer evitável, no Brasil é um importante problema de saúde pública, com mortalidade estacionária na maior parte do país e decrescente em apenas alguns municípios, nos últimos anos (Mirra et al., 2001; Morais, 1997). O principal objetivo dos programas de controle do câncer cérvico uterino é reduzir a mortalidade e morbidade por meio de detecção das lesões precursoras. A colpocitologia oncológica (CO) é o método mais difundido mundialmente para esse rastreamento. Desde a sua introdução por Papanicolaou & Traut (1941), uma redução nas taxas de incidência e mortalidade por câncer de colo uterino próxima de 70% foi observada (Syrjänen & Syrjänen, 2000).
Entretanto, a CO vem sofrendo uma série de críticas nos últimos anos devido às taxas de resultados falsos negativos, que variam de 5% a 70%, e falsos positivos, de 10% a 30%. Questiona-se a subjetividade dos resultados citológicos e, conseqüentemente, o seu emprego. Existem várias limitações comprovadas do método, como a possibilidade de amostra celular insuficiente, preparação inadequada dos esfregaços, leitura inadequada das lâminas e falta de dados clínicos (Ferenczy et al., 1997). Estima-se que 20% dos resultados citológicos falsos negativos são devidos à falha na análise microscópica, sendo que os estudos mostram taxas de discordância que variam de 10% a 100% entre diferentes observadores (Frable et al., 1998; Lemay & Meisels, 1999; Renshaw et al., 1998). A preocupação com a garantia de qualidade dos laboratórios aumentou nos últimos anos, intensificando melhorias nas técnicas de exame, nos critérios citológicos analisados e nova leitura de lâminas. No Brasil, ainda não existem regulamentações específicas, porém, a necessidade de um programa de controle de qualidade já é reconhecida pelas entidades da área (Mendonça, 1998).
Paralelamente, a utilização de testes de DNA-HPV vem sendo muito estudada como método auxiliar para melhorar o desempenho no diagnóstico das lesões precursoras do câncer cervical. Alguns estudos mostraram que a detecção de DNA-HPV é mais sensível que a repetição da CO para rastrear lesões pré-neoplásicas de alto grau. Liaw et al. (2000) sugerem inclusive que a técnica de captura híbrida II (CH II) (Digene Diagnostics Inc.) possa ser usada como método de rastreamento primário ou associado à CO, com sensibilidade e especificidade satisfatórias. Esse método, desenvolvido por Lörincz et al. (1992), tem como virtudes laboratoriais a acuidade diagnóstica, com bons índices de sensibilidade e especificidade, o tempo reduzido na realização das provas e a boa relação custo-benefício. Apresenta ainda a vantagem de estar disponível na forma de kit padrão e mostra utilidade prática na avaliação das mulheres com alterações colpocitológicas limítrofes (Lörincz, 1997). O método baseia-se em uma hibridização molecular convencional, onde diferentes tipos de soluções contendo sondas não radioativas de ácidos ribonucléicos ou desoxirribonucléicos são colocados a reagir com amostras desnaturadas que contêm o DNA pesquisado com sondas homólogas a genótipos de HPV homólogas aos tipos de alto risco oncológico, HPV 16, 18, 31, 33, 35, 45, 51, 52 e 56 recentemente acrescidos dos tipos 39, 58, 59 e 60 na CH II.
Com isso, o exame seria capaz de detectar 99% dos tipos conhecidos de HPV considerados de alto risco oncogênico para o trato genital inferior. Assim, a sensibilidade da CH II na detecção de lesões de alto grau chega a 90%, comparado com 75% da citologia. Porém, a especificidade do exame é baixa e apenas 20% das mulheres infectadas pelo HPV de alto risco apresentam NIC, resultando em exames complementares como colposcopia e biópsia desnecessária (Liaw et al., 2000).
Ainda não se definiu a utilidade máxima dos métodos morfológicos e biológicos no diagnóstico das lesões cervicais pré-invasoras. Falta definir o valor do resultado da CO e do controle de qualidade, e também mensurar o valor da CH II para detecção DNA-HPV de alto risco oncológico no diagnóstico do grau da lesão cervical. A utilização destes métodos propedêuticos em mulheres com alterações morfológicas pré neoplásicas em uma primeira CO, com enfoque para a repetição desta CO, a revisão dos esfregaços e a CH II, continuam controversos. Assim, o objetivo principal deste estudo foi avaliar o desempenho da CO de encaminhamento, daquela coletada no serviço de referência com ou sem revisão de lâmina por diferentes observadores, segundo diferentes técnicas de revisão e da CH II no diagnóstico da NIC 2 ou 3.
Sujeitos e métodos
Para este estudo clínico de coleta prospectiva foram selecionados as mulheres atendidas consecutivamente no Ambulatório de Patologia Cervical do Hospital Universitário de Taubaté, entre agosto de 2000 e junho de 2001. Todas foram encaminhadas pela rede primária de saúde da Diretoria Regional número 21, correspondente à região de Taubaté, por apresentar atipias escamosas sugestivas de infecção pelo HPV e/ou NIC na CO. Foram excluídas as mulheres grávidas, aquelas com diagnóstico prévio de câncer do trato genital inferior e as que já tinham sido submetidas a tratamento prévio de NIC e/ou infecção pelo HPV. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Taubaté e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As mulheres participaram do estudo após assinatura do consentimento livre e esclarecido.
No total, 105 mulheres foram incluídas no estudo e todas responderam a um questionário e foram submetidas a exame clínico cuidadoso, com inspeção dos genitais externos e região perianal. A seqüência dos exames, realizada pelo pesquisador, obedeceu à seguinte ordem: coleta de material para CO, coleta de amostra para CH II e colposcopia em todas as mulheres. A biópsia dirigida foi realizada na presença de imagens suspeitas. Quando a alteração citológica se manteve mesmo sem imagem colposcópica ou quando a biópsia foi compatível com NIC 3, as mulheres foram submetidas à conização.
Para analise do desempenho dos exames, o resultado da CO de encaminhamento foi utilizado sem revisão da lâmina. A lâmina da nova CO coletada no serviço foi avaliada pelo patologista E. B. C., chamado Observador 1, responsável pela rotina assistencial do serviço. A seguir, essa lâmina de citologia coletada no serviço foi reavaliada pelo segundo patologista M. R. M., chamado Observador 2, o qual não teve acesso ao laudo do primeiro patologista, mas consultou os dados clínicos da mulher. Quando os laudos foram discordantes, os patologistas se reuniram e emitiram um resultado final chamado de citologia de consenso. Este resultado foi utilizado para avaliar a variação interobservador no mesmo laboratório. Finalmente, as lâminas foram enviadas para revisão rápida por um terceiro patologista R. M. D., chamado Observador 3 de outro laboratório, o qual efetuou uma revisão rápida das lâminas, sem conhecimento dos dados clínicos e laudos prévios. O resultado de todas as avaliações citológicas foi classificado em: normal quando normal ou inflamatório; alterações escamosas de baixo grau, quando na presença de atipias de células escamosas de significado indeterminado (ASCUS) e sugestivo de infecção pelo HPV ou NIC 1; alterações escamosas de alto grau, quando sugestivo de NIC 2 ou 3 e, finalmente, alterações sugestivas de câncer invasor.
A CH II foi realizada segundo a metodologia descrita pela Digene Diagnostics Inc. Para classificar o resultado da CH II e quantificar a carga viral, utilizou-se a razão entre a unidade de quimiluminescência medida e a média dos calibradores positivos, cut off, que tem uma variação e é definido conforme controle do dia. As amostras com emissão de luz igual ou maior que uma unidade relativa de luz (RLU), foram consideradas positivas e aquelas com emissão de luz menor foram consideradas negativas. Nos casos positivos, foram identificadas as cargas virais medidas em RLU por um quimioluminômetro, considerando-se que a intensidade da luz é proporcional à carga de DNA-HPV. Neste estudo, utilizamos sondas contendo DNA-HPV dos tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 60, considerados de alto risco oncogênico (Lörincz, 1997).
A colposcopia foi realizada com aparelho da marca DF-Vasconcelos, modelo CP-M7, e caracterizada em satisfatória ou não, conforme a visualização total ou não da junção escamo-colunar. Os aspectos colposcópicos encontrados foram classificados de acordo com a Nomenclatura Internacional dos Achados Colposcópicos, sumariamente descrita como: normal, alterações menores, alterações maiores e suspeita de câncer invasor (Stafl & Wilbanks, 1991).
O material obtido por biópsia dirigida por colposcopia ou conização do colo uterino, foi avaliado segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (Scully et al., 1994) e os resultados classificados em colo normal e cervicite, agrupados na categoria colo normal; condiloma e NIC 1, agrupados na categoria NIC 1 e, finalmente, NIC 2 e NIC 3 agrupados na categoria NIC 2 ou 3. Nas mulheres sem imagem colposcópica visível e CO do serviço normal ou inflamatória não foi realizada biópsia e o colo foi considerado normal.
As taxas de concordância interobservadores, intra e interlaboratoriais, foram estimadas para a lâmina coletada no serviço, comparando os resultados emitidos pelo Observador 1 com aqueles emitidos pelo Observador 2 e pelo Observador 3. Foi utilizado o coeficiente kappa (Landis & Koch, 1977), com seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). A concordância foi classificada como pobre, quando o coeficiente kappa foi menor que zero; pequena quando de 0 a 0,2; regular quando > 0,2 a 0,4; moderada quando > 0,4 a 0,6; substancial quando > 0,6 a 0,8 e quase perfeita quando > 0,8 a 1,0.
Na comparação dos diagnósticos citológicos com o diagnóstico histológico foram estimados os resultados concordantes com IC95%.
A lesão cervical que exige tratamento consiste na NIC 2 e 3 (lesão de alto grau). Assim, para cálculo do desempenho dos exames no diagnóstico destas lesões de alto grau, foi utilizada, neste trabalho, a categorização demonstrada na Tabela 1. Foram excluídos da avaliação do desempenho 26 casos classificados por algum observador como ASCUS por tratar-se de lesões de fato existentes que o avaliador não conseguiu classificar. Para o cálculo do desempenho da CO associada à CH II, classificou-se um resultado como positivo quando pelo menos um dos exames foi positivo, ou seja, CO e/ou CH II positivos. Um resultado negativo significa que tanto a CO como a CH II foram negativos. Os desempenhos da CO e da CH II no diagnóstico de NIC 2 e 3 foram descritos por estimativas de sensibilidade e especificidade, tendo a histologia como padrão ouro. Foi utilizada a razão de verossimilhança positiva (RVP) para descrever a utilidade prática do teste, expressando quantas vezes é mais certo, ou verossímil, um resultado positivo ao teste nos indivíduos realmente com a lesão quando comparados com aqueles sem a lesão. Se a RVP for igual a 1,0, a probabilidade de obter-se um resultado positivo ao teste é a mesma para indivíduos com ou sem lesão, o que indicaria um método diagnóstico sem utilidade prática (Radack et al., 1986).
Resultados
Para avaliar a variação entre os observadores foram avaliadas as lâminas da CO do serviço das 105 mulheres. Observou-se uma concordância muito boa entre os Observadores 1 e 2 (kappa = 0,67, IC95%: 0,54-0,80), assim como entre o Observador 1 e o diagnóstico citológico de consenso (kappa = 0,75, IC95%: 0,63-0,86). Já em relação ao Observador 3, observou-se uma discordância muito grande, com um coeficiente kappa de 0,02 (IC95%: -0,12-0,17) considerado pobre (Tabela 2).
Para a comparação cito-histológica foram considerados os 91 casos com biópsia. Na Tabela 3, observamos que a concordância da CO de encaminhamento foi de 60% para NIC 2 ou 3 histológico. A CO de encaminhamento apresentou alta taxa de falso negativo para lesão cervical histológica de alto grau (40%). O resultado citológico do Observador 1 foi concordante com o diagnóstico histológico em 67 casos (74%), sendo verdadeiramente positivo para lesão de alto grau em 15 casos (75%). O resultado citológico de consenso (Observadores 1 e 2) foi concordante com o diagnóstico histológico em 67 casos (74%), sendo verdadeiramente positivo para lesão de alto grau em 16 casos (80%). O resultado citológico do Observador 3 foi concordante com o diagnóstico histológico em quarenta casos (44%), sendo verdadeiramente positivo para lesão de alto grau em apenas nove casos (45%).
Nas Tabelas 4 e 5, foi analisado o desempenho de cada método isoladamente no diagnóstico das lesões histológicas de alto grau (NIC 2 ou 3), em 65 mulheres com diagnóstico citológico e histológico definidos: foram excluídas as mulheres sem avaliação histológica ou com algum resultado sugestivo de ASCUS por um ou mais observadores na CO de encaminhamento ou do serviço. Avaliando cada exame isoladamente, observou-se na Tabela 4, que a CO de encaminhamento apresentou sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de NIC 2 e 3 de 57% e 82%, respectivamente e RVP de 3,24 (IC95%: 1,53-6,83). A CO do serviço mostrou uma sensibilidade e especificidade NIC 2 e 3 de 79% e 84%, respectivamente e RVP de 5,01 (IC95%: 2,51-10,01). A sensibilidade (86%), especificidade (80%) e RVP (4,37) foram muito semelhantes quando a lâmina foi revisada por meio de técnica convencional pelo Observador 2 junto com os dados clínicos. Quando a lâmina foi submetida à revisão rápida pelo Observador 3, sem conhecimento dos dados clínicos, houve uma queda significativa da sensibilidade (64%). A CH II mostrou alta sensibilidade (100%), baixa especificidade (43%) e baixa RVP (1,76, IC95%: 1,38-2,23).
Avaliando o desempenho da associação CO e CH II para a detecção de NIC 2 e 3, houve um aumento das taxas de sensibilidade para todas as leituras citológicas, atingindo 100% como mostra a Tabela 5. Conseqüentemente, as taxas de especificidade diminuíram. Também a RVP foi mais baixa com a associação da CH II, variando entre 1,50 (IC95%: 1,24-1,82) a 1,76 (IC95%: 1,38-2,23).
Discussão
Existe atualmente uma grande preocupação com a melhoria dos programas de rastreamento do câncer cervical, e também com a necessidade de se estabelecer um protocolo mais adequado para ser utilizado nos serviços de referência para patologia do colo uterino. As taxas de falsos negativos e falsos positivos da citologia parecem ser altas, sendo que a discordância de dois ou mais graus entre citologia e biópsia terá repercussão no tratamento e seguimento dessas mulheres. Muitas delas procuram os serviços especializados devido a alterações citológicas e, após serem submetidas à investigação, não são constatadas lesões cervicais significativas. Uma das explicações é a grande variabilidade na interpretação dos resultados citológicos, e conseqüente questionamento do desempenho deste método. Ao mesmo tempo, a falta de definição quanto a uma propedêutica ideal para melhorar o desempenho da CO, deixa profissionais da saúde e mulheres apreensivos, com dúvidas quanto ao subdiagnóstico ou super tratamento, com utilização de procedimentos desnecessários (Ferenczy et al., 1997; Frable et al., 1998).
Quando comparamos o desempenho das leituras citológicas e da CH II para a detecção de NIC 2 e 3, observamos que a CO do Observador 1, do consenso e CH II tiveram melhor sensibilidade quando comparadas com a CO de encaminhamento e do Observador 3. Já a especificidade foi mais alta com a CO do Observador 3 (100%) em relação às demais, e mais baixas com a CH II (49%). A melhor RVP foi observada pela CO do Observador 1 e a pior foi observada com a CH II. Assim, em nosso estudo, o desempenho da CO coletada no serviço de referência no diagnóstico histológico de NIC 2 e 3, melhorou o desempenho do método quando comparado com a CO de encaminhamento, caracterizado por uma melhor RVP e sensibilidade. A revisão da lâmina, por um segundo observador do mesmo laboratório, gerando um diagnóstico citológico de consenso, não aumentou o desempenho desta citologia. Isso pode ser explicado pela valorização dos dados clínicos e maior rigor na técnica metodológica da colpocitologia nos serviços de referência, leitura feita por patologistas, diminuindo os erros de amostragem, de leitura e interpretação que, conforme alguns estudos, estão diretamente relacionados com o desempenho da citologia (Mendonça, 1998). Quanto à revisão realizada pelo Observador 3, observou-se uma baixa sensibilidade no diagnóstico histológico de NIC 2 e 3. Algumas hipóteses podem ser levantadas, entre elas, a falta do conhecimento dos dados clínicos e a realização de leitura da lâmina pela técnica de revisão rápida (Lemay & Meisels, 1999).
A CH II para detecção do DNA-HPV de alto risco oncogênico com quantificação viral, apresentou uma alta sensibilidade para o diagnóstico das lesões de alto grau. Quando avaliou-se o resultado da captura híbrida II associado à citologia, a taxa de detecção das lesões de alto grau foi de 100%. Simultaneamente, houve queda importante da especificidade e da RVP quando comparando com as leituras citológicas, dados semelhantes aos descritos por alguns estudos recentes (Clavel et al., 1998; Liaw et al., 2000).
Deve-se considerar, entretanto, para todas as avaliações de desempenho dos métodos diagnósticos, que os casos aparentemente sem lesão pela colposcopia não foram submetidos à biópsia por razões éticas, o que leva a uma superestimação da sensibilidade e a uma subestimação da especificidade (Begg, 1987). O processo diagnóstico implica a comparação de uma probabilidade pré e pós-teste, e a alta prevalência da condição em estudo, por tratar-se de mulheres encaminhadas por atipias morfológicas na CO, impõe limitações na interpretação dos cálculos para avaliar seu desempenho. Assim, além da sensibilidade e especificidade, foi utilizada a razão de verossimilhança positiva que indica em quanto um determinado resultado aumentará a probabilidade pré-teste da doença (Jaeschke et al., 1994; Radack et al., 1986). Neste estudo, a melhor razão de verossimilhança positiva foi obtida pela CO coletada no serviço e avaliada sem revisão.
Conclusão
Neste grupo de mulheres, a coleta de nova CO em um serviço de referência, com leitura feita por um patologista que tenha conhecimento dos dados clínicos, foi a técnica que apresentou melhor sensibilidade e RVP no diagnóstico de lesões cervicais histológicas de alto grau, NIC 2 e 3. A revisão da lâmina não melhorou o desempenho do método e a detecção e quantificação do DNA-HPV de alto risco oncogênico aumentou a sensibilidade da citologia, porém, diminuiu a especificidade e a RVP. Assim, podemos concluir que repetir a CO e avaliar a lâmina com o conhecimento dos dados clínicos mostrou ser suficiente para melhorar a acurácia diagnóstica da NIC 2 e 3 histológica em mulheres com um resultado prévio de CO alterado.
Agradecimentos
Agradecemos aos Drs. Júlio César Teixeira, Xenofonte Mazzini e Luiz Carlos Zeferino pelas valiosas sugestões para este trabalho e às Biólogas Denise da Rocha Pitta Lima de Moraes, Lúcia Maria Fagian de Carvalho, Elisabete Aparecida Campos pela realização da Captura Híbrida. Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo (99/11264-0) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (300354/01).
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Recebido em 22 de março de 2002
Versão final reapresentada em 7 de outubro de 2002
Aprovado em 12 de março de 2003