NOTA RESEARCH NOTE
Enteropatógenos associados com diarréia infantil (< 5 anos de idade) em amostra da população da área metropolitana de Criciúma, Santa Catarina, Brasil
Enteropathogens associated with diarrheal disease in infants (< 5 years old) in a population sample in Greater Metropolitan Criciúma, Santa Catarina State, Brazil
Felice Jaqueline SchnackI; Lidiani de Medeiros FontanaI; Paulo Roberto BarbosaI; Loraine Storch Meyer da SilvaI; Clair Maria Martinello BaillargeonI; Tatiana BarichelloI; Marinete Marins PóvoaII; Carlos Eugênio CavasiniIII; Ricardo Luiz Dantas MachadoI, III
IDepartamentos de Farmácia, Medicina e Ciências Biológicas, Universidade do Extremo Sul Catarinense. Av. Universitário 1165, Criciúma, SC 88090-000, Brasil
IISeção de Parasitologia, Instituto Evandro Chagas. Av. Almirante Barroso 492, Belém, PA 66090-000, Brasil
IIIDepartamento de Doenças Dermatológicas, Infecciosas e Parasitárias, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Av. Brigadeiro Faria Lima 5416, São José do Rio Preto, SP 15090-000, Brasil. E-mail: ricardomachado@famerp.br
RESUMO
Foi investigada a presença de enteropatógenos em 94 casos de diarréia e 45 casos-controle em crianças de 0 a 5 anos de idade, atendidas no Centro de Saúde Municipal de Criciúma, Santa Catarina. Entre os parasitos isolados, o Cryptosporidium (85,1%) foi o mais freqüente, seguido pela Entamoeba histolytica (56,4%) e a Giardia lamblia (4,3%). Quatro amostras apresentaram Escherichia coli enteropatogênica (4,3%). A Samonella e a Shiguella não foram detectadas em nenhuma amostra. Somente um caso foi positivo para o rotavírus (1,1%).
Palavras-chave: Diarréia; Parasitos; Enteropatias; Saúde Infantil
ABSTRACT
Enteropathogens were investigated in 94 children with diarrhea and 45 age-matched controls, 0 to 5 years old, attending an outpatient unit in Criciúma, Santa Catarina State, Brazil. Cryptosporidium (85.1%) topped the list of parasite isolates, followed by Entamoeba histolytica (56.4%) and Giardia lamblia (4.3%). Four samples contained enteropathogenic Escherichia coli (4.3%). Samonella and Shiguella were not detected. Only one sample contained rotavirus (1.1%).
Key words: Diarrhea; Parasites; Intestinal Diseases; Child Health
Em populações infantis expostas a altos riscos de aquisição de infecções intestinais, a diarréia se torna o segundo motivo de consultas em ambulatórios médicos. No Brasil, a maior casuística ocorre na região nordeste (Lima et al., 2000). Embora muitos enteropatógenos sejam incriminados na diarréia, o rotavírus tem sido reconhecido como a sua principal causa em crianças em todo o mundo. Algumas bactérias têm sido responsáveis por gastroenterites (El-Sheikh & El-Assouli, 2001) e, agentes parasitários também têm sido associados a esta nosologia (Chunge et al., 1991). A diversidade geográfica, climática, econômica e social do Brasil pode refletir-se na variedade de enteropatógenos nas diferentes áreas endêmicas. Este trabalho objetiva estudar a etiologia da diarréia infantil em amostra da população da área metropolitana de Criciúma, Santa Catarina.
Foram analisadas 94 amostras fecais de crianças (< 5 anos de idade), portadoras de diarréia (menos de sete dias), sem tratamento prévio e 45 amostras fecais de crianças de mesma faixa etária não portadoras de diarréia, atendidas no Centro de Saúde Municipal de Saúde de Criciúma (fevereiro a maio de 2002). Todas as amostras de fezes foram coletadas, transportadas em gelo e processadas dentro de quatro horas após a coleta. Uma alíquota de cada espécime fecal foi congelada para a pesquisa de rotavírus, Giardia lamblia, Entamoeba histolytica e Cryptosporidium. A pesquisa do coproantígeno dos protozoários foi efetuada pelo teste de ELISA (Alexon, Inc., BIOBRÁS). Já para o rotavírus foi realizado o teste de aglutinação (Biolab Merièux). Culturas bacterianas foram feitas para Salmonella, Shiguella e Escherichia coli em meio de MacConkey's, EMB e SS. As culturas com colônias sugestivas foram caracterizadas por análise bioquímica e sorológica (PROBAC). Para a significância estatística recorreu-se ao teste do c2 (Epi Info 6.0). O nível de segurança para inferência estatística foi de 5%.
Um total de 95,7% das amostras fecais diarréicas foi positiva para um ou mais enteropatógenos. Foram encontradas infecções mistas em 53% dos casos de diarréia. A freqüência dos enteropatógenos nas amostras diarréicas está sumariada na Tabela 1. Nas 45 amostras não diarréicas nenhuma bactéria e rotavírus foram detectados, enquanto foi observado positividade de 2,9% para a G. lamblia e 2,5% para a E. histolytica.
A utilização de teste imunoenzimático para pesquisa de coproantígenos é indicada em estudos epidemiológicos para o diagnóstico coletivo ou de populações e em casos isolados com clínica sugestiva e as metodologias microscópicas são inconclusivas (Chapman et al., 1990; Machado et al., 2001; Póvoa et al., 2000). O Cryptosporidium é a causa mais comum de diarréia entre as crianças admitidas, mesmo em associação com outros enteropatógenos. Estes resultados demonstram a importância da investigação de rotina deste parasito. A prevalência da E. histolytica varia em diferentes localidades (Khan et al., 1986; Ruiz-Pelaz & Mattar, 1999), sendo incriminada também em processos diarréicos infantis. Neste estudo, foi a segunda causa de diarréia, sempre associada com outros enteropatógenos. A Giardia lamblia tem sido associada com episódios diarréicos em inquéritos epidemiológicos, apesar de não ser uma importante causa de diarréia em crianças (Newman et al., 2001). Na população amostral avaliada, a freqüência encontrada não permite incriminá-la como um agente de significante expressão para diarréias entre as crianças estudadas. A baixa freqüência desta infecção pode estar relacionada ao fato de termos utilizado uma única amostra fecal, visto que a eliminação das formas parasitárias deste protozoário é intermitente. No entanto, acreditamos que ocorrência deste parasito seja realmente pequena, já que os resultados encontrados no grupo-controle foram próximos e, que este parasito apresentou, também, freqüências similares (3,4%) em pacientes não diarréicos em estudo anterior (Patrício et al., 2002).
A Escherichia coli enteropatogênica não tem sido encontrada na maioria dos países industrializados (Prado et al., 1984). No Estado de São Paulo, é o principal agente patogênico observado em crianças (Medeiros et al., 2001); entretanto, algumas evidências sugerem que elas não são muitos freqüentes em pequenas cidades e áreas rurais (Lima et al., 2001).
Estudos em diferentes regiões do Brasil mostram variadas taxas relativas à prevalência das diarréias causadas pelo rotavírus entre crianças (Linhares, 2000). Os resultados deste estudo podem estar associados à distribuição sazonal das gastroenterites pelo rotavírus nas regiões Centro-Oeste e Sudeste/Sul brasileiras. A maior incidência deste enteropatógeno ocorre nos meses de maio a setembro, período mais seco destas regiões (Pereira et al., 1993).
Os resultados deste trabalho nos permitem concluir que a alta prevalência de parasitos entre as crianças diarréicas pode ser um significante problema de saúde pública no Município de Criciúma. Novas investigações devem ser realizadas com o objetivo de detectar outros possíveis enteropatógenos e, especialmente, o levantamento de condições ambientais e de fatores de risco associados às diarréias.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos pais e responsáveis dos participantes deste estudo e aos funcionários do Laboratório de Análises Clínicas do Centro de Saúde do Município de Criciúma. À Professora Dra. Andréa Regina Rossit pela leitura crítica do manuscrito. Este estudo recebeu apoio financeiro da Body Shop Foundation.
Referências
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Recebido em 12 de setembro de 2002
Versão final reapresentada em 21 de fevereiro de 2003
Aprovado em 24 de março de 2003