ARTIGO
Estudo da proporcionalidade corporal de recém-nascidos a termo segundo o Índice Ponderal de Rohrer e grau de retardo de crescimento intra-uterino
Study of body proportionality using Rohrers Ponderal Index and degree of intrauterine growth retardation in full-term neonates
José Carneiro Leão Filho; Pedro Israel Cabral de Lira
Universidade Federal de Pernambuco. Av. Professor Moraes Rego 1235, Recife, PE 50670-901, Brasil. joseleao@bol.com.br
RESUMO
Trata-se de estudo do tipo observacional, de corte transversal, para descrever as características antropométricas e proporcionalidade corporal de 549 recém-nascidos a termo (RNT). As medidas antropométricas usadas foram: peso (P), comprimento (C), perímetro cefálico (PC), índice ponderal de Rohrer (IP), razão peso/perímetro cefálico (P/PC) e razão comprimento/ perímetro cefálico (C/PC). Também foi estudada a severidade do retardo de crescimento intra-uterino (RCIU), através da distribuição do escore z quanto ao desvio do peso ao nascer. Os recém-nascidos pequenos para idade gestacional (PIG) foram definidos como aqueles com escore z < -2, e o ponto de corte do IP, P/PC e C/PC foi definido como a média menos 1 desvio-padrão na população local de referência. De acordo com o IP, 72,8% dos PIG e 12,8% dos adequados para idade gestacional (AIG) foram classificados como desproporcionais. Segundo o C/PC, 25,6% dos PIG e 11,6% dos AIG foram classificados como desproporcionais, o que ocorreu com todos os PIG e 16,3% dos AIG quando se usou a P/PC. Em todos os critérios, observou-se tendência linear significativa para aumento da desproporcionalidade à medida que aumenta o grau de severidade do RCIU.
Palavras-chave: Índice Ponderal de Rohrer; Retardo do Crescimento Fetal; Antropometria
ABSTRACT
An observational, cross-sectional study was used to describe the anthropometric characteristics of 549 full-term neonates with respect to body proportionality. The anthropometric measures used were: weight (W), length (L), head circumference (HC), Rohrers Ponderal Index (PI), W/HC ratio, and L/HC ratio. Severity of intrauterine growth retardation (IUGR) was studied through z-score distribution. Small-for-gestational-age (SGA) was defined as a z-score value < -2, and the cutoff for PI, W/HC, and L/HC was determined as the mean minus one standard deviation for the local reference population. Based on PI, 72.8% of SGA neonates and 12.8% of appropriate-for-gestational-age (AGA) neonates were disproportionate. Based on the L/HC ratio the results were 25.6% and 11.6%, respectively, while with the W/HC ratio, all SGA and 16.3% of AGA neonates were disproportionate. According to all criteria there was an observed significant linear tendency to increase the disproportionality as IUGR increased.
Key words: Rohrers Ponderal Index; Fetal Growth Retardation; Anthropometry
Introdução
Definir proporcionalidade corporal do recém-nascido é ir além do conceito corrente de baixo peso ao nascer. É certo que o baixo peso ao nascer, por si só, é fator preditivo positivo para inúmeros agravos à saúde que ocorrem tanto no período neonatal, como na infância e vida adulta. Dentro desse conceito, já estão devidamente individualizados os fatores determinantes e as conseqüências do parto a termo e prematuro. Para o parto a termo de recém-nascidos pequenos, são determinantes: altura materna, peso pré-gestacional, intervalo intergestacional, hábito de fumar (Barros et al., 1992), baixa educação materna e cuidado pré-natal inadequado (Ferraz et al., 1990). Já para os que nascem prematuramente, são determinantes: a idade da mãe, peso pré-gestacional (Barros et al., 1992), hábito de fumar e número de visitas pré-natais (Ferraz et al., 1990).
Barros et al. (1992) verificaram que os prematuros tinham risco duas vezes maior de morrer no período perinatal do que os pequenos para idade gestacional (PIG), e ainda que, nos primeiros dois anos de vida, os pequenos nascidos a termo tinham quase duas vezes mais chances de serem hospitalizados por diarréia do que os nascidos com peso adequado (AIG), enquanto os prematuros tinham risco pouco maior do que estes últimos. Quanto ao crescimento, os prematuros progressivamente adquirem o perfil de crescimento normal, enquanto os pequenos para idade, em média, crescem mais lentamente.
No entanto, é difícil dizer qual recém-nascido pequeno para idade gestacional continuará a ser pequeno e sofrerá danos a curto e longo prazos e quais os que crescerão e se desenvolverão normalmente (Harvey et al., 1982).
A discussão do tamanho ao nascer (ou tipo ao nascer, do inglês "size at birth") engloba o conceito de proporcionalidade. Albertsson-Wikland et al. (1997), Kramer et al. (1989), Lubchenco et al. (1966), Miller et al. (1971), Newman et al. (1997), Taylor et al. (1997), Villar et al. (1984), Walther et al. (1982) e Williams et al. (1997) estudaram a proporcionalidade e o efeito desta sobre o crescimento pós-natal e desenvolvimento mental, assim como sua associação com morbi-mortalidade na infância e adolescência. O foco da discussão é se a proporcionalidade corporal é determinante "per se" do prognóstico, como propõe Villar (1984, 1990), ou se é uma função da severidade do retardo de crescimento intra-uterino, hipótese defendida por Kramer (1989, 1990a, 1990b).
Neste artigo, os objetivos foram estudar a proporcionalidade corporal segundo o índice ponderal de Rohrer, em recém-nascidos PIG (representados aqui por recém-nascidos a termo com < 2.500g, nascidos em 1993-1994 na coorte de nascimento denominada Projeto ENSUZI) e AIG (recém-nascidos da mesma coorte com pesos entre 3.000g-3.499g), e estudar a severidade do retardo de crescimento intra-uterino, relacionando-o com o índice ponderal, a razão comprimento/perímetro cefálico e a razão peso/perímetro cefálico na população de estudo.
Métodos
Este é um estudo observacional, descritivo, de corte transversal, baseado no estudo seccional que deu origem à coorte prospectiva de base populacional denominada Projeto ENSUZI, coordenado por Lira (1996) e realizado em 1993-1994 na Zona da Mata Sul de Pernambuco.
A população de estudo foi formada por todos os nascidos vivos dos anos 1993/1994, de cinco cidades (Palmares, Ribeirão, Catende, Água Preta e Joaquim Nabuco) da Zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco.
Determinados os critérios de inclusão e exclusão, todos os recém-nascidos (RN) selecionados foram avaliados. A população estudada, de 549 RN, é representativa da população-base.
Critérios de inclusão: recrutamento nas primeiras 24 horas, renda familiar mensal de até três salários mínimos, consentimento dos pais para participar do estudo, idade gestacional maior que 37 semanas e peso ao nascer menor que 2.500g (Grupo PIG) ou entre 3.000g 3.500g (Grupo AIG).
Critérios de exclusão: prematuridade (idade gestacional < 37 semanas), gestações múltiplas, evidência de infecções congênitas na fase neonatal, anomalias cromossômicas, malformações maiores e distúrbios neurológicos, necessidade de tratamento intensivo no período pós-parto.
A classificação em grupos PIG e AIG de acordo com os critérios supracitados não garante que todos os recém-nascidos PIG estejam no respectivo grupo, ou que todos os AIG estejam no grupo AIG, mas, com certeza, garante que, segundo os conceitos de PIG e AIG (adequação do peso para idade gestacional), todos os RN do grupo PIG sejam classificados como tal, assim como os do grupo AIG sejam considerados. Além disso, a aplicação do escore z <-2 para definição da população de PIG corresponde exatamente ao critério usado. Para a distribuição do escore z, foi utilizado o programa EPINUT, incluso no pacote Epi Info 6.04, o qual utiliza parâmetros da curva do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), National Center for Health Statistics (NCHS), de 1983.
O ponto de corte do IP de Rohrer para definição da proporcionalidade corporal foi de 2,49, representando a média menos 1 desvio-padrão do índice encontrado na população total de nascidos vivos com idade gestacional de 38 a 42 semanas e peso ao nascer entre 3.000g e 3.500g. Os pontos de corte para os demais critérios foram 1,381 para a razão comprimento/perímetro cefálico (C/PC) e 88,93 para a razão peso/perímetro cefálico (P/PC), definidos pelo mesmo critério do IP.
Os procedimentos para coleta dos dados antropométricos seguiram as normatizações da OMS, descritas por Gibson (1990), e foram exaustivamente treinados pelos pesquisadores e auxiliares. Todas os recém-nascidos e suas mães foram pesados e medidos com a presença de pelo menos um dos pesquisadores.
Os dados foram processados com os programas Epi Info versão 6.04 e EPINUT. As informações obtidas no questionário e na avaliação antropométrica foram codificadas e armazenadas no banco de dados. Foi feita dupla entrada de dados para validação. As variáveis derivadas das informações originais foram calculadas a partir do próprio programa.
Realizou-se uma análise estatística descritiva univariada, para a apresentação da distribuição de freqüência das variáveis entre todos os recém-nascidos e prevalência da proporcionalidade corporal, e bivariada, quando se buscou a associação entre variáveis explanatórias.
Os dados antropométricos foram apresentados em média e desvio-padrão, sendo categorizados de acordo com critérios próprios. Os testes estatísticos utilizados foram: qui quadrado(corrigido de Yates)para as diferenças de proporções;qui quadradopara tendência linear, no estudo da associação de duas variáveis categóricase teste F para as diferenças de médias. Para a aceitação dos testes estatísticos, segundo Fletcher et al. (1996) considerou-se um nível de confiança de 5%, ou seja, os testes foram considerados estatisticamente significantes quando a probabilidade de ocorrência do erro tipo 1 (a) foi menor que 5% (p < 0,05).
Os pais concordaram em participar do estudo e foram devidamente esclarecidos sobre os objetivos e métodos deste. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco e submetido às regionais de saúde para apreciação e parecer, os quais foram favoráveis.
Resultados
O índice de Rohrer (IP) foi calculado em função do peso (em g) pelo comprimento (em cm) ao cubo, fornecendo uma visão da proporcionalidade corporal de todos os recém-nascidos, com e sem retardo de crescimento intra-uterino. Assim, os recém-nascidos foram classificados em proporcionais (se IP > 2,49) e desproporcionais (se IP < 2,49).
Portanto, entre todos os RN, 64,7% foram classificados como proporcionais e 35,3%, como desproporcionais. A proporcionalidade corporal distribuiu-se diferentemente entre os recém-nascidos PIG e AIG. Entre os AIG, 87,2% eram proporcionais, e somente 27,2% tinham esta condição entre os PIG (Tabela 1), diferença que se mostrou significativa.
Houve diferença significativa na distribuição da proporcionalidade entre os dois sexos nos dois grupos de recém-nascidos. O sexo masculino está associado significativamente com maior desproporcionalidade corporal (p < 0,001), independentemente do peso ao nascer (Tabela 2).
Para o estudo do retardo de crescimento intra-uterino segundo o grau de severidade foi utilizada a distribuição do escore z para o peso ao nascer, conforme padrão de referência do CDC/NCHS de 1983. Os recém-nascidos foram classificados de acordo com o valor do escore z em três categorias, a saber: sem retardo de crescimento intra-uterino (quando o escore Z foi maior que -1), com peso insuficiente (se o valor do escore Z ficou entre -1 e -2) e com retardo de crescimento intra-uterino (quando escore Z < -2).
Evidenciou-se a concentração dos que tinham algum grau de retardo de crescimento intra-uterino entre os PIG, contrastando com os AIG, que não apresentaram recém-nascidos com retardo de crescimento intra-uterino. Não houve diferença na distribuição do RCIU entre os sexos.
A Tabela 3 apresenta a média e desvio-padrão de cada variável antropométrica estudada dos 549 recém-nascidos, classificados de acordo com a severidade do retardo de crescimento intra-uterino.
Os recém-nascidos com maior grau de retardo de crescimento intra-uterino apresentaram menor média de comprimento, peso e circunferência cefálica. O teste de Fischer revelou ser significativa a diferença do peso ao nascer, comprimento, perímetro cefálico, índice ponderal e da razão peso/perímetro cefálico quando os recém-nascidos são classificados de acordo com o grau de retardo no crescimento intra-uterino (p < 0,001). Já a razão comprimento/perímetro cefálico foi igual do ponto de vista estatístico nas três categorias (p = 0,12).
Na Tabela 4, são apresentados os 549 recém-nascidos classificados em proporcionais ou desproporcionais pelo índice ponderal, de acordo com o grau de retardo do crescimento intra-uterino segundo a proporcionalidade corporal. Os dados revelaram uma associação significante, com aumento percentual da desproporcionalidade, à medida que aumenta a severidade do retardo de crescimento intra-uterino entre todos os recém-nascidos (c2 para tendência linear, p < 0,001).
Discussão
No presente estudo, foram encontrados 72,8% de recém-nascidos desproporcionais entre os pequenos para idade gestacional, segundo o índice de Rohrer, em contraste com os resultados de Villar et al. (1984), que encontraram 35,6% de desproporcionais entre a população de quatro vilas rurais na Guatemala; Walther et al. (1982), que encontraram 38,6% na Holanda, numa população de quinhentos recém-nascidos vivos caucasianos, e de Ferraz et al. (1990), que encontraram 29,8% na cidade de Natal, situada no Nordeste do Brasil, todos também utilizando o índice ponderal de Rohrer (peso em g X 100/comprimento em cm3) como critério de classificação. Essas diferenças podem ser explicadas por três razões:
1) A população dos países desenvolvidos (caso da Holanda) tem menor prevalência de má nutrição materna, maior cobertura de pré-natal, melhores condições sócio-econômicas e educacionais do que a população do presente estudo, localizada na Região Nordeste, uma das áreas mais pobres do Brasil.
2) O critério usado para definir o ponto de corte nos trabalhos de Ferraz et al. (1990) e Villar et al. (1984) foi o percentil 10 da Curva de Denver descrita por Lubchenco et al. (1963), o que reduz o limite do índice ponderal (2,20 para 37 semanas e 2,26 para 42 semanas, enquanto as médias foram de 2,61 e 2,65, respectivamente). Pelo método usado no presente trabalho (média -1 desvio-padrão DP na população de referência) o limite inferior do índice ponderal foi 2,49 (média de 2,78 para 37 semanas com p10 em 2,58 e média de 2,63 para 42 semanas com p10 em 2,43). Walther et al. (1982) basearam-se na curva de índice ponderal obtida por Miller et al. (1971) no Kansas, Estados Unidos, a qual traz como p10 o valor de 2,3 para 42 semanas.
3) Deve ser lembrado também que, como comprovou Monteiro et al. (1995), o Brasil vive hoje um processo de transição nutricional, o qual se caracteriza por regressão na prevalência de desnutrição e aumento na prevalência de obesidade, principalmente entre os adultos. Esta transição foi observada comparando-se inquéritos nacionais feitos em 1974-1975 e 1989. Será que esse processo reflete-se numa mudança do perfil de proporcionalidade corporal dos recém-nascidos?
Cabe aqui uma breve discussão sobre os critérios de definição dos pontos de corte para diagnóstico da proporcionalidade. Tem sido advertido que a proliferação de curvas-padrão de crescimento podem dificultar a comparabilidade dos estudos de fatores de risco associados com o retardo de crescimento intra-uterino, prognóstico e intervenções desenhadas para reduzir a incidência e evoluções adversas relacionadas com o retardo de crescimento intra-uterino. No entanto, outros autores têm defendido a criação de curvas locais para determinar o ponto de corte adequado da população de estudo, aumentando a acurácia das medidas (Goldenberg & Cliver, 1997).
Os valores de ponto de corte deste estudo aproximam os resultados da definição de proporcionalidade corporal, medindo com mais precisão os desvios encontrados na população de estudo.
De fato, se uma população de recém-nascidos é dicotomizada em proporcionais e desproporcionais, utilizando-se um determinado ponto de corte, corre-se o risco de classificar erradamente. Esse risco aumenta consideravelmente se o ponto de corte se baseia num padrão contextualmente distante do da população de estudo, segundo alertam Lubchenco et al. (1963).
Assim, defende-se que o ponto de corte deve ser definido dentro da população de estudo, ou numa população-controle o mais próximo possível daquela, no que se refere ao contexto sócio-biológico. Ademais, critérios padronizados para a definição do ponto de corte, como sugerido por Bakketeig et al. (1992, apud Goldenberg & Cliver, 1997), a saber, os percentis e o desvio do escore Z, respondem à demanda de manter-se a comparabilidade dos estudos, sem necessariamente recorrer-se a curvas-padrão nacionais, ou mundiais.
Neste estudo, se fosse o usado o padrão de referência de Williams et al. (1982), por exemplo, seriam encontrados 24,2% dos recém-nascidos adequados para idade gestacional com algum grau de retardo do crescimento intra-uterino. Com o uso do escore z, pelo padrão do CDC/ NCHS esse percentual caiu a zero. Encontraram-se 12,8% dos AIG com IP < 2,49, ou seja, desproporcionais, achado semelhante ao de Chard et al. (1992). Estes recém-nascidos "adequados", mas desproporcionais, provavelmente sofreram retardo do crescimento intra-uterino, o que valoriza o índice ponderal como indicador em comparação ao peso ao nascer isoladamente ou escore z, para os desvios do crescimento fetal, como sugeriram Miller & Hassanein (1971). Esse índice fornece a informação de quanto o peso do recém-nascido está distante de seu comprimento e de sua idade gestacional.
A única variável estudada neste trabalho que demonstrou alguma associação estatisticamente significante com a proporcionalidade corporal foi o sexo do recém-nascido. Os recém-nascidos desproporcionais concentraram-se mais entre os meninos do que entre as meninas, diferença que pode ser explicada pela tendência de os meninos serem maiores em comprimento e perímetro cefálico do que as meninas.
No presente estudo, em concordância com o estudo de Kramer et al. (1989), uma progressiva e significativa queda no peso ao nascer, comprimento, perímetro cefálico, índice ponderal e na razão peso/perímetro cefálico foi observada à medida que aumenta o grau de retardo de crescimento intra-uterino. Talvez, como a queda observada no comprimento e perímetro cefálico é menor do que no peso, a razão que utiliza estas duas medidas (razão comprimento/perímetro cefálico) não reflita a tendência observada para as outras.
Quando os recém-nascidos foram categorizados em desproporcionais e proporcionais pelo índice ponderal de Rohrer, evidenciou-se a tendência de aumento da desproporcionalidade com o aumento sucessivo do grau de retardo do crescimento intra-uterino, achado também de Kramer et al. (1989). Assim como no destes autores, no presente trabalho não foi encontrada a bimodalidade na curva de distribuição do escore z do índice ponderal de Rohrer, que seria esperada se proporcionais e desproporcionais fossem dois subtipos de recém-nascidos pequenos para idade gestacional. Isso não quer dizer que não existe diferença de proporcionalidade, mas que a distinção proporcional/desproporcional é artificial e dinâmica, já que representam um continuum da medida e são áreas de uma mesma distribuição normal. Fundamental é, portanto, o cuidado na definição do ponto de corte, que deve estar baseado o mais proximamente possível da população de estudo.
Kramer et al. (1990b), usando a razão peso/perímetro cefálico, não classificaram os recém-nascidos em proporcionais ou desproporcionais, mas verificaram que a média e o desvio-padrão caíam significativamente à proporção que aumentava a severidade do retardo de crescimento intra-uterino. Achado semelhante foi encontrado no presente estudo. Essa tendência reflete o distanciamento entre o peso do recém-nascido e o que seria esperado para ele na sua idade gestacional, muito mais do que a queda do perímetro cefálico de acordo com o grau de severidade do retardo de crescimento, que, embora significante, é bem menor do que a observada pelo peso.
Na população estudada, a severidade do retardo de crescimento intra-uterino está associada com a proporcionalidade corporal segundo a razão comprimento/perímetro cefálico: quanto maior a severidade, maior a desproporcionalidade. Isto é consistente com os argumentos de Kramer et al. (1989) de que quanto mais severo o agravo ao feto, maiores as conseqüências no seu crescimento, afetando, inclusive, de forma ainda mais aguda o comprimento do que o perímetro cefálico. Ou seja, o feto reagiria a um agravo intra-uterino, primeiro com a perda de peso, depois com queda no seu comprimento e, por fim, com queda no crescimento da cabeça.
Conclusões e recomendações
Conclui-se que os recém-nascidos desproporcionais, segundo o índice ponderal, são mais freqüentes entre os pequenos do que entre os adequados para idade gestacional. Observou-se ainda que quanto maior o grau de retardo do crescimento intra-uterino, maior a desproporcionalidade corporal do recém-nascido. Por fim, recomenda-se a realização de estudos analíticos, tipo caso-controle ou coorte para determinar causas e conseqüências das alterações da proporcionalidade corporal dos recém-nascidos, controlando o grau de severidade do retardo de crescimento intra-uterino, através da distribuição do escore Z.
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Recebido em 6 de agosto de 2002
Versão final reapresentada em 19 de março de 2003
Aprovado em 4 de junho de 2003