ARTIGO ARTICLE

 

Programa de agentes comunitários de saúde: a percepção de usuários e trabalhadores da saúde

 

Community health agent program: perception by patients and health service workers

 

 

Flávia Mauad Levy; Patrícia Elizabeth de Souza Matos; Nilce Emy Tomita

Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Valorizar a família e a comunidade em que se insere, além de estimular a sua participação na promoção da saúde e na prevenção das doenças são linhas-eixo da filosofia do PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde). Este trabalho teve como elemento de estudo as ações desenvolvidas no PACS do Município de Bauru, São Paulo, segundo a percepção dos agentes comunitários de saúde (ACS) e das famílias por eles atendidas. Como ponto de partida para realização deste trabalho, foram entrevistados 22 agentes e 22 representantes de famílias, selecionadas aleatoriamente segundo a microárea de sua residência. Formaram-se dois grupos focais, a partir do PACS ao qual estavam vinculados agentes e usuários. A análise qualitativa das respostas demonstrou correspondência entre a percepção de ACS e comunidade nos dois grupos focais, que, no entanto, diferiram entre si. Foram observadas realidades distintas, norteando a realização de algumas ações programáticas e o enfrentamento das dificuldades locais.

Agente Comunitário de Saúde; Serviços de Saúde; Pesquisa Qualitativa


ABSTRACT

Two basic premises of Brazil's Community Health Agents Program (PACS) are to value the family and community to which the program belongs and to encourage their participation in health promotion and disease prevention. This study focused on the work developed by PACS in Bauru, São Paulo State, as perceived by the community health agents and the families served by them. As the study's point of departure, 22 community health agents and 22 representatives of families were interviewed, randomly selected according to residential micro-areas. Two focus groups were formed according to the PACS to which the community agents and families belonged. Qualitative analysis of the answers demonstrated agreement between the perceptions by community health agents and the community in the two focus groups. However, the two focus groups differed from each other. Distinct realities were observed in the two communities, thereby orienting new program actions and handling of local difficulties.

Community Health Agent; Health Services; Qualitative Research


 

 

Introdução

O Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) foi criado em junho de 1991, pelo Ministério da Saúde (MS), visando contribuir para uma melhor qualidade de vida, investindo maciçamente na educação em saúde. O programa ataca de maneira objetiva e direta os problemas cruciais da saúde materno-infantil, e o agente comunitário de saúde (ACS) atua como elo entre as necessidades de saúde das pessoas e o que pode ser feito para a melhoria das condições de vida da comunidade 1,2,3.

A regulamentação da profissão ocorreu em 2002 (Lei 10.501) 4. De acordo com um levantamento realizado pelo Departamento de Atenção Básica/SPS do Ministério da Saúde, em outubro de 2002, estima-se, no Brasil, a existência de 173.593 agentes comunitários em atuação, com maior concentração na Região Nordeste (75.138 ACS).

O PACS foi efetivado no Município de Bauru, Estado de São Paulo, em junho de 2000, com 22 agentes que atuam, especificamente, na região do Jaraguá e na região do Godoy, num total de 2.609 e 2.164 famílias atendidas, respectivamente, em cada bairro. A partir de julho de 2002, 26 agentes comunitários passaram a atuar nesses mesmos bairros. Na Regional de Saúde de Bauru, Diretoria Regional X (DIR X), entre os 38 municípios que a compõem, sete apresentam o PACS e, no município-sede, duas áreas são atualmente contempladas com o desenvolvimento de atividade pelo ACS.

Cada ACS passou por treinamento, sob supervisão da Direção Regional de Saúde, antes do início das atividades. No contrato atual, foi realizada uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde e a SORRI (Sociedade para Reabilitação e Reintegração do Incapacitado), que é uma entidade não governamental com objetivo de promover a reabilitação e educação profissional, bem como a inclusão social de pessoas com deficiência física, sensorial, mental e social 5.

A presente proposta foi desenvolvida com o objetivo de contribuir para uma melhor compreensão do trabalho realizado pelos agentes e de sua percepção sobre questões relativas à saúde bucal no PACS, além de fazer uma análise da satisfação de moradores das áreas de atuação do programa.

 

Método

O estudo foi realizado no Município de Bauru, localizado na região centro-oeste de São Paulo, nas áreas cobertas pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde, região do Godoy e região do Jaraguá.

A região do Godoy é constituída pelos bairros: Parque Novo São Geraldo, Jardim TV, Fonte do Castelo, Santa Cecília, Nossa Senhora de Lourdes, Jardim Godoy, Parque São Geraldo, Jardim Jacira, Maria Angélica, Vila Garcia, Jardim Marília, Jardim Maria Célia e Parque King, formando o grupo focal 1. A região do Jaraguá contempla os bairros: Parque Jaraguá, 9 de Julho, Parque Santa Edwirges e Núcleo Fortunato Rocha Lima, formando o grupo focal 2.

Um grupo focal é definido como uma forma de entrevistas com indivíduos com características que os tornem coesos como um coletivo, baseando-se na interação entre os participantes da pesquisa para gerar dados 6.

Trata-se de um estudo transversal, com a utilização de métodos qualitativos para análise do discurso, conforme preconizado por Minayo 7. Fez parte do processo de coleta de informações a utilização de entrevista realizada com auxílio de roteiro semi-estruturado. As entrevistas foram gravadas, mediante autorização e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, e posteriormente transcritas. Em cada território de abrangência do PACS, a totalidade de ACS em atuação e um número correspondente de usuários foram entrevistados, selecionados da microárea de residência. As questões abordaram a forma de seleção dos agentes, atividades desenvolvidas por eles, reuniões, freqüência de visitas às famílias, relação entre usuários e ACS e orientações em saúde bucal.

A pesquisa obedeceu à Resolução 196/96 1, sendo apreciada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo.

 

Discussão

Segundo Cunha 2 (p. 2), "a idéia ao escolher as regiões do Godoy e do Jaraguá foi buscar uma comparação de duas realidades distintas que pudesse dar parâmetros e subsídios para aplicar em outras regiões de Bauru-SP, por analogia". Doenças de pele, verminoses, falta de higiene, gestação precoce, depressão, solidão, foram alguns dos diagnósticos mais comuns levantados pelos projetos-piloto do PACS, revelando uma realidade desconhecida pelas Unidades de Saúde, pois mediu-se e identificou-se a demanda reprimida e não atendida. "O PACS deixa de lado os que procuram ajuda e vai literalmente atrás daqueles que não buscam tratamento e, conseqüentemente, são desprezados das estatísticas tradicionais" 2 (p. 2).

Na região do Godoy, 11 famílias e 11 ACS foram entrevistados, constituindo o grupo focal 1. O levantamento realizado pelo PACS detectou uma quantidade expressiva de moradores idosos vivendo sozinhos (famílias monoparentais) ou em famílias com precárias condições financeiras. Nunes 8 relata que essa área apresenta menos problemas sociais, financeiros e de infra-estrutura, quando comparada à área do Jaraguá.

O processo seletivo para a contratação dos agentes seguiu as normas e diretrizes básicas do programa, definidas pelo MS 9,10,11, o que foi confirmado pelos entrevistados.

"Foi realizado um processo seletivo que constou de uma prova escrita e de entrevista e depois passamos por um treinamento."

Todos os agentes residem na área de abrangência do PACS, e, segundo relato dos usuários entrevistados, de maneira geral, o agente é conhecido da comunidade. O fato de o agente comunitário de saúde residir na comunidade é de fundamental importância para a construção de uma relação de confiança com os moradores, que se sentem mais à vontade para falar sobre os seus problemas com uma pessoa que compartilha da mesma realidade. Isso deixa as fronteiras entre ele e os outros habitantes muito mais porosas, criando expectativas e julgamentos específicos, além de definir posições e papéis muito particulares 12.

"Eu já conhecia, mas fazia muito tempo que não a via, inclusive a irmã dela já trabalhou aqui em casa, ela é uma pessoa de boa índole, que gosta do que faz."

As reuniões ocorrem semanalmente às sextas-feiras, com o enfermeiro-chefe, na Unidade Básica de Saúde (UBS) da região do Godoy, onde há trocas de experiências, discussão de casos, existindo um momento de compartilhamento entre todos os profissionais 9. Esse encontro representa um momento em que os vínculos entre os profissionais de diferentes formações se efetivam por meio da discussão das dificuldades vividas e da busca conjunta de soluções. Dinâmicas direcionadas a promover uma interação entre os membros dos grupos são realizadas, e a livre expressão de idéias e sentimentos é estimulada.

"Existem reuniões aqui na Unidade Básica de Saúde onde trocamos nossas experiências e a Secretaria da Saúde nos manda folhetos indicando o que é para fazer, como campanhas de aleitamento materno e vacinação".

Dentre as atividades desenvolvidas, os agentes comunitários de saúde relataram realizar, em suas visitas domiciliares, um trabalho de prevenção, orientando os pacientes diabéticos, hipertensos e gestantes. Procurando solucionar os problemas de acordo com as prioridades de cada família, faz parte das atividades dos agentes dar orientações no que se refere ao lixo, à alimentação, além de esclarecer as mães de crianças menores de dois anos quanto à desnutrição e à vacinação.

"Atendo uma família que necessita de atenção, pois a mãe tem depressão, a irmã tem problema psiquiátrico e a filha faz tratamento com psicólogo, geralmente perco meio dia de trabalho nesta casa."

"Atuamos como psicólogos, dando orientações para as famílias que têm problemas de saúde e sociais e nos vêem como um amigo."

O usuário relata, por sua vez, que os procedimentos domiciliares realizados pelo ACS são orientações sobre diabetes, hipertensão e vacinação das crianças.

"Ela vem aqui, faz pergunta, vê minha pressão, eu tive derrame e não mexo um lado. Melhorou muito depois que ela veio trabalhar aqui, a atenção que ela dá pra gente é muito boa".

"Ela vem aqui em casa para saber se estamos bem de saúde, precisando de remédio, de uma ajuda, e fala para ir até o Posto de Saúde".

A fala destes atores demonstra concordância entre a proposta do PACS e a práxis dos agentes comunitários, o que é corroborado pela satisfação mostrada pelo usuário.

Quando indagado se existia alguma dificuldade para obter a confiança das famílias, os agentes, em sua maioria, não relataram dificuldade de ordem mais complexa. Em outro estudo, visando a uma análise qualitativa, todos os entrevistados perceberam que o trabalho com comunidades é dinâmico, passando por fase inicial de desconfiança, que evolui para participação efetiva 12.

"No começo, quando foi implantado o PACS tive dificuldade, as famílias eram desconfiadas, pois achavam que era política, atualmente está mais fácil, pois eles já conhecem os agentes."

Outro ACS relatou o seguinte:

"A resistência das famílias foi mínima, e com o tempo acabamos nos tornando amigos das famílias."

Uma usuária de 76 anos da área do grupo focal 1 faz o seu relato:

"Eu acho muito bom receber eles na minha casa, a qualquer hora, eu deixo até o meu serviço para atender eles. Eu adoro o João, sinto saudades dele, outro dia ele passou aqui pra me ver. Eu gosto muito dele. Sabe como eu chamo essas pessoas que trabalham assim? Anjo Bom. São Anjos Bons mesmo, porque, às vezes, você vai a certos lugares e é tão maltratado, e eles não, coitadinhos, vêm nesse sol quente, andando pra cima e pra baixo, eu adotei eles, se depender de mim eles não saem desse serviço. Tudo que é bom é comigo."

Esta postura é reforçada na visão de um casal, com idades de 64 e 69 anos:

"Ela nunca atrapalha, pode vir na hora que quiser, é até um prazer ela vir conversar com a gente, nós ficamos muito sozinhos, a gente gosta, são umas moças bacanas, que se preocupam com a gente. Arrumou os exames que a minha esposa precisava fazer e nós não tivemos que ficar na fila do Posto".

Essas falas refletem, tanto por parte do ACS, quanto por parte do usuário, a efetivação de um vínculo de relação.

O Ministério da Saúde, ao relatar as atribuições específicas do ACS explicita que este funciona como elo entre a equipe de saúde e a comunidade: um contato permanente com as famílias, o que facilita o trabalho de vigilância e promoção de saúde. É também um elo cultural, que potencializa o trabalho educativo, à medida que faz a ponte entre dois universos culturais distintos: o do saber científico e o do saber popular 10.

Os agentes comunitários de saúde têm realizado encaminhamento à Unidade Básica de Saúde dos casos identificados de hipertensão e diabetes; em casos de idosos acima de 65 anos impossibilitados de ir até a UBS, os agentes agendam a consulta.

"Encaminhamos primeiramente para a Unidade Básica de Saúde local e daqui eles fazem a seleção para a Unidade de Saúde do problema em questão."

"Em casos de idosos, pacientes acamados, o agente vai até a casa da pessoa para a coleta de exames, e também nos casos de crianças desnutridas, quando a mãe não tem conhecimento."

Na visão do usuário, esse encaminhamento toma duas formas.

De um lado, a orientação para a ida à UBS para consulta médica é freqüentemente subestimada:

"Ela pergunta muitas coisas, se eu estou bem de saúde, até uns negócios na minha mão, ela viu e falou que eu precisava ir ao médico, mas eu acho que só por causa disso não precisa não."

"Eu sou uma pessoa hipertensa, ela pergunta se eu estou regular com os remédios, se estou indo ao médico, inclusive eu não estou, tenho que entregar um exame e ainda não entreguei, eu estou em depressão, tudo pra mim está difícil..."

Por outro lado, o próprio ACS constata, na prática, uma taxa importante de não-procura pelos serviços ofertados na UBS.

"Algumas famílias reclamam para a gente, pois querem que nós marquemos consultas para elas na Unidade Básica de Saúde para elas poderem ficar dormindo até mais tarde e só irem para o posto na hora marcada, mas isso não é permitido, somente para pacientes idosos e acamados."

Sem dúvida, a atuação do ACS mostra repercussões importantes na relação comunidade-serviços de saúde. Os primeiros reflexos podem ser vistos na mudança de comportamento de usuários quanto à busca de atendimento.

"Eu gostei muito depois que eles vieram aqui pro bairro, são muito amáveis, procuram ajudar a gente; agora mesmo eu estou precisando fazer exame de osteoporose... Foi por causa do João (ACS) que fiz uns exames, eu nunca tinha feito o Papanicolau desde que meu filho nasceu, vai fazer 40 anos; aí o João falou que eu tinha que fazer, não tinha que ter vergonha, eu falei que não me sentia bem em fazer mas ele insistiu, me convenceu e arrumou tudo para eu fazer. Então eles são bons, né?"

Outras mudanças observadas na vida desta comunidade são atividades para a população idosa, que consistem em caminhadas semanais e oferecimento do café da manhã neste dia.

"Eu faço caminhada toda sexta-feira, com um grupo de pessoas e os agentes, eu gosto muito, só não vou no feriado. E só posso ir porque a ACS vem me buscar e me trazer, eu não enxergo. Eu não a conhecia, mas hoje ela é minha amiga, é uma companheira pra mim, muito boa."

O processo de mudança desencadeado pelo PACS nem sempre se mensura por indicadores epidemiológicos de saúde-doença. Uma outra dimensão de mudanças de consciência e um enfoque sobre a prática solidária de cidadania certamente têm repercussões na qualidade de vida desse bairro. A população se sente amparada, pois está sendo sempre acompanhada, não precisa que a doença se instale para que receba assistência.

"Melhorou muito, pois o ACS acompanha a pressão, eles vêem se precisa de remédio do posto de saúde, e antigamente a gente só tinha mesmo a ajuda de Deus".

Foi perguntado aos agentes se eles realizavam alguma atividade que envolvia orientações em saúde bucal, como a importância dos dentes, higiene bucal, dieta, entre outras, e todos os entrevistados responderam que dão orientações sobre higiene bucal para gestantes e crianças.

"Tivemos uma palestra sobre higiene bucal e orientamos as gestantes e as crianças, pois as mães acham que porque as crianças não têm dente estas não precisam de cuidados, e orientamos estas mães para o tratamento dentário que existe aqui no posto".

Não houve uma capacitação, no PACS, para o desenvolvimento de atividades visando promover a saúde bucal, e as orientações restringem-se às gestantes e aos bebês, não havendo uma programação definida para a comunidade.

Ao entrevistar usuários que pertencem a grupos fora da área programática gestantes-bebês, as respostas foram negativas quanto à orientação sobre cuidados com os dentes e a boca. Dentro de uma perspectiva de universalidade proposta pelo SUS 13, observa-se que, à parte os grandes avanços verificados, é importante ampliar o espectro de promoção de saúde bucal para os demais grupos etários.

Segue depoimento de uma senhora de 58 anos:

"Eu não tenho lembrança se a agente falou sobre os cuidados com os dentes e para eu escovar os dentes, ela vem para saber se eu e meu marido estamos bem de saúde, se estamos precisando ir ao médico, se precisamos de remédio. A gente fica até devendo obrigação, porque antigamente não tinha nada disso, só tinha a força para trabalhar e ajuda de Deus".

O grupo focal 2 foi constituído por 11 agentes comunitários de saúde, de um total de 15 inicialmente contatados, da região do Jaraguá. As perdas decorreram de recusas, e 11 usuários correspondentes às microáreas dos agentes completaram o estudo.

"A região do Jaraguá tem problemas de todos os tipos, sem falar que nem do núcleo de saúde o bairro dispunha na época em que foi implantado o PACS" 8 (p. 4). O PACS detectou um índice elevado de verminoses e parasitoses, constatando-se que a falta de informações da população e as precárias condições de infra-estrutura contribuem diretamente para a ocorrência dessas doenças. "Enquanto houver esgoto correndo a céu aberto e erosões impedindo a coleta de lixo e provocando rupturas nas redes de saneamento, dificilmente se conseguirá controlar o número de crianças com vermes ou piolho. Da mesma forma que os problemas respiratórios não serão sanados enquanto as ruas de terra prevalecerem no bairro" 8 (p. 4).

O processo seletivo para a contratação dos agentes da área do Jaraguá seguiu as normas e diretrizes básicas do programa definidas pelo MS, constituindo-se de prova escrita e entrevista 9,10.

Todos os agentes residem na área de abrangência do PACS 9, segundo relato dos usuários entrevistados. O agente é conhecido da comunidade, e faz suas visitas domiciliares uma vez por mês.

"Eu conheço a agente comunitária, mas não sei o nome dela".

"Eu não conhecia ela antes, só de ver na rua. Sei que ela mora aqui no bairro".

As reuniões ocorrem semanalmente na UBS.

"São feitas reuniões aqui na Unidade Básica de Saúde na sexta-feira à tarde, onde todos colocam os seus problemas e as suas dificuldades, explicam se houve alguma mudança, e a gente tenta resolver da melhor maneira".

Os ACS relataram realizar, em suas visitas domiciliares, primeiramente o cadastramento das famílias, seguido de orientações aos pacientes diabéticos, hipertensos, às gestantes, aos pacientes HIV e às mães de crianças menores de dois anos quanto à desnutrição e à vacinação.

"Tem casos específicos que eu passo mais de uma vez por mês, pois tem pessoas analfabetas que não conseguem ler o remédio, aí eu faço marcações com setinhas coloridas orientando através das cores".

"Vou nas casas orientar pacientes hipertensos, diabéticos, gestantes, mas cada caso é um caso, e também tem o lado espiritual, muitas vezes a gente leva uma palavra de conforto para as famílias".

O usuário relata os procedimentos domiciliares:

"Ela passou aqui em casa e perguntou quantas pessoas moravam, orientou sobre diabetes e carteira de vacinação".

"Ele pede para ver o meu cartão, pois eu tenho pressão alta e diabetes. Aí perguntam sobre a minha comida, se estou participando das reuniões no Posto e na Associação de diabéticos".

De acordo com as falas de usuários e agentes, o PACS na região do Jaraguá vem tendo um bom desenvolvimento, há correspondência entre o que é relatado pelos agentes e a comunidade, o que denota a organização do processo de trabalho.O papel de tradutor do ACS, veiculando na comunidade saberes e práticas biomédicas, foi verificado em ambos os grupos, a exemplo do referido por Nunes et al. 3.

Quanto às dificuldades na construção de vínculo com as famílias de suas microáreas, os ACS relatam

"Eles ficam desconfiados, com medo da gente, umas famílias reclamam e não gostam de atender a gente, não entendem que é o nosso serviço".

"A reclamação da visita é uma coisa que tem bastante. Tem famílias que não querem ser cadastradas, pois acham que é politicagem, xingam e falam que não fazemos nada e ganhamos dinheiro à toa".

Uma usuária dessa área confirma a dificuldade acima:

"A ACS é muito boa, mas demorei um pouco para confiar nela, porque aqui no bairro é perigoso a gente ir abrindo a porta de casa para qualquer pessoa".

Nessas falas, constata-se a precariedade das condições de vida, evidenciada em notas da imprensa local. Relatos de homicídios, tráfico de drogas e outras violências têm sido freqüentes no noticiário policial 14.

Contudo, as famílias atualmente cadastradas mostraram-se bastante satisfeitas com o trabalho dos agentes.

"Pra mim foi muito bom eles virem aqui pro bairro, agora eu fico sabendo mais das coisas do Posto, eles passam em casa e explicam tudo pra gente, respondem tudo...E com educação!".

Os ACS têm realizado encaminhamentos à Unidade Básica de Saúde dos casos identificados de hipertensão e diabetes e enfocam a necessidade e a dificuldade dos idosos em procurar os serviços médicos.

"Já encaminhei caso de tuberculose, hanseníase, um caso de paciente com câncer que não queria comentar e paciente HIV positivo. Muitos desses vêm até o posto para serem encaminhados para o local de tratamento correto".

As atividades de orientação sobre a saúde bucal, segundo os agentes, são limitadas:

"Eu entrego uns folhetos sobre higiene bucal e pergunto se a mãe está levando a criança ao dentista e se está escovando os dentes".

Ao entrevistar usuários, alguns relataram receber orientações para visitar o dentista e sobre como cuidar dos dentes das crianças; outros disseram não receber qualquer orientação em saúde bucal.

Uma moradora de 27 anos, com quatro filhos, relata:

"Ela falou para eu escovar os dentes e dos meus filhos também e falou da importância da água de beber, que deve ser filtrada e fervida".

"Ela pergunta se meu filho escova os dentes, se come muito doce, e ensina como escovar os dentes".

"Eles falaram que tem que ir ao dentista para ver como estão os dentes".

O usuário mostra capacidade de assimilar algumas informações relativas aos cuidados com a saúde bucal. Isso não exclui a necessidade de investir na adequada capacitação de agentes comunitários de saúde, para que participem do processo de promoção de saúde bucal a indivíduos que são membros de grupos sociais a quem, no dizer de Nunes et al. 3 (p. 1639), "tradicionalmente faltou a possibilidade de acesso a direitos básicos de cidadania".

 

Considerações finais

As realidades distintas observadas nos discursos dos dois grupos focais, nas áreas definidas como alvo para o PACS, refletem-se no desenvolvimento do programa. Partindo de uma concepção proposta pelo MS, é no cotidiano do território que as relações são construídas e o perfil do programa vai sendo delineado.

Trata-se de uma construção coletiva, e avaliar o Programa, por meio das falas dos atores que vivenciam estas realidades, tem por foco constituir uma contribuição para o permanente reconstruir das políticas de saúde.

Para a área de saúde bucal, o estímulo ao desenvolvimento de ações de promoção, proteção e educação se faz necessário, bem como a correspondente capacitação profissional, buscando ampliar, por meio do PACS, a conscientização da população quanto a essa importante questão da saúde.

 

Colaboradores

F. M. Levy e P. E. S. Matos contribuíram na realização e transcrição das entrevistas, e na discussão dos achados. N. E. Tomita participou do planejamento do estudo, discussão e redação do manuscrito.

 

Agradecimento

À Prefeitura Municipal de Bauru, através da Secretaria Municipal da Saúde.

 

Referências

1. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. Diretrizes e Normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 1996.        

2. Cunha J. Estatísticas não perfilam desassistidos. Jornal da Cidade, Bauru, 9 set. 2001, Jornal da Cidade nos Bairros, p. 2.        

3. Nunes MO, Trad LB, Almeida BA, Homem CR, Melo MCI. O agente comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico. Cad Saúde Pública 2002; 18:1639-46.        

4. Ministério da Saúde. Lei no 10.507, de 10 de julho de 2002. Cria a profissão de agente comunitário de saúde e dá outras providências. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.        

5. Sociedade para Reabilitação e Reintegração do Incapacitado. Sistema SORRI: uma história de trabalho pela inclusão dos excluídos. http://www. sorri.com.br/sistema.htm (acessado em 20/Dez/ 2002).        

6. Kitzinger J. Focus groups with users and providers of health care. In: Pope C, Mays N, editors. Qualitative research in health care. 2nd Ed. London: BMJ Books; 2000. p. 20-9.        

7. Minayo MCS. Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7a Ed. Rio de Janeiro: ABRASCO/São Paulo: Editora Hucitec; 2000.        

8. Nunes ET. Agentes tornam-se amigos dos assistidos. Jornal da Cidade, Bauru, 9 set. 2001, Jornal da Cidade nos Bairros; 2001. p. 4.        

9. Ministério da Saúde. Normas e diretrizes do programa de agentes comunitários de saúde, PACS, Portaria no 1886/GM. Anexo 1. Brasília: Ministério da Saúde; 1997.        

10. Ministério da Saúde. Cadernos de atenção básica ­ Programa Saúde da Família. Brasília: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério da Saúde; 2000.        

11. Ministério da Saúde. Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.        

12. Pedrosa JIS, Teles JBM. Consenso e diferenças em equipes do Programa Saúde da Família. Rev Saúde Pública 2001; 35:303-11.        

13. Zanetti CHG. Opinião: a inclusão da Saúde Bucal nos PACS/PSF e as novas possibilidades de avanços no SUS. http://www.saudebucalcoletiva.unb. br/ (acessado em Set/2001).        

14. Cornélio RC. Dig esclarece crime no Jaraguá. Jornal da Cidade, Bauru, Jornal da Cidade Polícia. http://www.jcnet.com.br/ (acessado em 28/Out/ 2002).        

 

 

Endereço para correspondência
Nilce Emy Tomita
Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva. Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo
Al. Dr. Octávio Pinheiro Brisolla 9-75, Vila Universitária, Bauru, SP
17012-901, Brasil
netomita@usp.br

Recebido em 27/Jan/2003
Versão final reapresentada em 20/Mar/2003
Aprovado em 16/Out/2003

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