DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Delma Pessanha Neves

 

Debate on the paper by Delma Pessanha Neves

 

 

Eurípedes Costa do Nascimento

Grupo de Pesquisa: Psicologia e Instituições, Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho, Assis, Brasil. ecnascimento@hotmail.com

 

 

Primeiramente, gostaria de congratular a autora Delma Pessanha Neves pelas reflexões elaboradas sobre uma temática tão ampla e complexa como o alcoolismo e acrescentar, também, que estudos dessa natureza tornam-se necessários em nossa época contemporânea. Após uma leitura reflexiva sobre este manuscrito e fundamentada em grande parte pela sociologia francesa, apresento as seguintes considerações:

• Uma questão que, ao meu ver, parece importante para compreendermos os aspectos sociais do alcoolismo contemporâneo está relacionado aos modos de ser do homem, compreendido aqui como modos de produção de uma individualidade narcisista 1 que busca a todo instante o reconhecimento e status por meio da encenação de si mesmo no espaço social 2. Nesse sentido, a necessidade de ser reconhecido no plano macrossocial, onde as aparências de sucesso contam mais que seus atributos pessoais, atinge também as relações estabelecidas pelo sujeito no plano microssocial, principalmente nas relações vivenciadas nos bares.

Desta forma, ser um "bom" bebedor significa se inserir num grupo onde sua mise-en-scène vale mais que suas qualidades, funcionando, assim, como um catalisador dos laços sociais. Essa busca por reconhecimento nas relações vivenciadas nos bares pode ser compreendida, em parte, por essa necessidade de admiração do outro, além de um jogo de trocas e vínculos sociais, em que podemos observar no discurso do "bom" bebedor a valorização de uma narrativa sempre voltada para realizações "grandiosas" ou simplesmente na célebre exaltação à figura feminina como alvo de possíveis conquistas.

Portanto, para compreendermos a questão social do alcoolismo na atualidade, precisamos levar em consideração os (d)efeitos dessa vanglorização preconizada pelo culto da performance 3, em que o sujeito precisa conquistar espaço e brilhar, custe o que custar, no cenário social. As implicações desse modo de se apresentar no mundo pode determinar, ao meu ver, as possíveis relações que estes sujeitos estabelecem consigo e com o uso de bebidas alcoólicas na contemporaneidade.

• Uma outra questão que me parece importante apresentar e está relacionada com a primeira, diz respeito aos avanços científico-tecnológicos que promete para o indivíduo o ideal de felicidade 4 e uma satisfação que pode ser perfeita, pois vivemos numa sociedade onde a técnica nos promete que não haverá mais nada impossível para nossa satisfação. Conjugado com o fenômeno da globalização, da flexibilização e da competitividade no mercado de trabalho, essa modalidade de discurso, ao meu entender, parece provocar uma certa instabilidade na constituição da subjetividade de determinados indivíduos que se preocupam mais com a aparência narcísica de si pela busca incessante de conquista e reconhecimento, que um posicionamento ético, estético e político.

Entretanto, se o indivíduo assim constituído não conquistar sua visibilidade no cenário social, potencializada, talvez, por possíveis fracassos pessoais, a necessidade de apaziguar essas frustrações 5 pode ser a recorrência ao consumo de álcool que, nessas circunstâncias, "solucionaria", mesmo que ilusória e temporariamente, esse sentimento de mal-estar vivenciado pelo sujeito tanto no plano micro como macrossocial. Nesse caso, não seria o alcoolismo contemporâneo o resultado de um sintoma social agravado pela cultura do narcisismo que prioriza a performance da imagem? Ou ainda: será que o avanço científico-tecnológico não produz um certo desamparo no sujeito e o impulsiona a buscar no uso do álcool as soluções aliviadoras para sua subjetividade?

Seja como for, para compreendermos a questão do alcoolismo na contemporaneidade torna-se necessário, também, investigarmos como se constitui o sujeito moderno não apenas epistemologicamente, mas sociologicamente, antropologicamente, numa perspectiva que possibilite a construção de conhecimentos que sejam capazes de ultrapassar conceitos pré-estabelecidos na cultura, pois, equacionar alcoolismo = doença é permitir que ele seja usado tanto pelo indivíduo como pela sociedade para atenuar ou obscurecer problemas subjacentes essenciais ­ pobreza, deficiência mental, criminalidade e similares 6.

 

1. Lasch C. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago; 1983.

2. Debord G. La société du spectacle. Paris: Gallimard; 1992.

3. Ehrenberg A. Le culte de la performance. Paris: Calmann-Lèvy; 1991.

4. Freud S. Malaise dans la civilisation. Paris: Presses Universitaires de France; 1971.

5. Ehrenberg A. L'individu incertain. Paris: Calmann-Lèvy; 1995.

6. Vaillant GE. A história natural do alcoolismo revisitada. Porto Alegre: Artes Médicas; 1999.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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