ARTIGO ARTICLE

 

Reflexões sobre a qualidade do diagnóstico da leishmaniose visceral canina em inquéritos epidemiológicos: o caso da epidemia de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1993-1997

 

Quality of diagnosis of canine visceral leishmaniasis in epidemiological surveys: an epidemic in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil, 1993-1997

 

 

Waneska Alexandre AlvesI; Paula Dias BevilacquaII

IPrograma de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil
IIDepartamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No Brasil, a leishmaniose visceral (LV) apresenta quadros graves de endemias e epidemias havendo, nos últimos anos, uma propagação da doença por vários estados que antes não possuíam casos de pessoas e animais. O Ministério da Saúde recomenda, para os inquéritos caninos, o uso da reação de imunofluorescência indireta (RIFI), apresentando sensibilidade de 90-100% e especificidade de 80% para amostras de soro. A utilização da RIFI pode comprometer a efetividade do Programa de Controle do Calazar por estar deixando de detectar e sacrificar animais infectados (falsos negativos). Por outro lado, o programa estaria identificando e recomendando o sacrifício de animais não infectados (falsos positivos). Essas incertezas já geraram atitudes como a não indicação do sacrifício de animais positivos e a recomendação de tratamento desses animais por parte de clínicos veterinários. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a qualidade do diagnóstico de inquéritos epidemiológicos caninos, tendo como pano de fundo a epidemia de LV que ocorre no Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, desde 1993.

Leishmaniose Visceral; Diagnóstico; Cães


ABSTRACT

In Brazil, visceral leishmaniasis poses a serious endemic and epidemic problem. In recent years the disease has spread to several States that had not previously reported any human or animal cases. For canine surveys, the Ministry of Health currently recommends use of the indirect immunofluorescence assay (IIF), with a sensitivity of 90-100% and specificity of 80%. Use of IIF may decrease the effectiveness of the Kala Azar Control Program by not detecting, and thus failing to sacrifice, false-negative infected animals. On the other hand, the program incorrectly identifies and leads to the unwarranted sacrifice of false-positive uninfected animals. Such uncertainties have already led to disagreement over the Program's objectives, such as the recommendation by some veterinarians that infected animals be treated. This work analyzes the quality of diagnosis of canine epidemic surveys against the backdrop of a visceral leishmaniasis epidemic in Belo Horizonte, Minas Gerais State, from 1993 to 1997.

Visceral Leishmaniasis; Diagnosis; Dogs


 

 

Introdução

A leishmaniose visceral (LV) é uma doença grave, atingindo crianças, adultos jovens ou pessoas imunodeprimidas e, quando não tratada, pode apresentar letalidade de 95%. Em cães, seu principal reservatório doméstico, há uma prevalência significativa, sendo que muitos casos são assintomáticos ou oligossintomáticos 1,2,3.

Os diagnósticos humano e canino precoces se fazem necessários por se tratar de uma doença que pode ser fatal para o ser humano, e por ser necessária a adoção de medidas de controle específicas sobre o reservatório doméstico da doença, incluindo seu sacrifício quando este se encontra infectado.

 

Leishmaniose visceral: zoonose de caráter reemergente e emergente

Inicialmente, a LV foi descrita como uma doença esporádica, do ambiente silvestre ou rural, atingindo indiferentemente seres humanos ou cães que vivessem em contato íntimo com a mata 4; posteriormente foi caracterizada como de ocorrência endêmica, com surtos epidêmicos esporádicos, em zonas de "boqueirão" de áreas rurais do Nordeste brasileiro 5.

A LV, na atualidade, tem sido apontada como doença reemergente, caracterizando nítido processo de transição epidemiológica, apresentando incidência crescente nos últimos anos nas áreas onde ocorria tradicionalmente; expansão geográfica para os estados mais ao sul do país e também um franco processo de urbanização em cidades localizadas em regiões distintas, como o Nordeste e o Sudeste. Cidades como: Boa Vista e Santarém (Região Norte); Terezina, São Luiz, Natal e Aracaju (Região Nordeste); Montes Claros, Belo Horizonte, Araçuaí, Sabará, Perdões e Rio de Janeiro (Região Sudeste) e Cuiabá (Região Centro-Oeste) já vivenciaram ou vivenciam, recentemente, epidemias de LV humana e canina 6,7,8,9,10,11.

Crescem também, o número de casos de infecção concomitante por HIV (vírus da imunodeficiência humana) e Leishmania, fazendo com que a co-infecção entre HIV-Leishmania seja considerada como doença infecciosa emergente. A manifestação clínica mais freqüente na co-infecção é a LV, apesar de que várias formas cutâneas da doença também já foram descritas. Este quadro é bastante significativo nos países do sul europeu, onde mais de 70% dos casos de LV em adultos estão relacionados com HIV/AIDS e 9% de todos os pacientes com AIDS sofrem de LV recém-adquirida ou que foi reativada de uma infecção antiga 12.

A sobreposição das áreas geográficas de ocorrência de leishmanioses e HIV/AIDS tem sido recentemente acentuada pelo processo de urbanização vivenciado pela primeira e pela ruralização da segunda. O significado epidemiológico desta expansão simultânea, demostrado por vários estudos, reside no fato de que os pacientes com HIV/AIDS, que vivem em áreas endêmicas de leishmanioses, apresentam maior risco de manifestá-las e que a co-infecção entre HIV-Leishmania acelera o curso clínico da infecção por HIV 12,13. Dessa forma, as leishmanioses têm ganhado importância como infecção oportunística entre pacientes com infecção por HIV que vivem ou viveram em áreas consideradas endêmicas para essas parasitoses.

 

O diagnóstico e sua história

Até a década de 30, o diagnóstico humano e os inquéritos caninos eram realizados por meio dos exames diretos como a punção de fígado, de baço e o raspado de pele. Esses exames são seguros quanto à positividade dos casos, mas não eficazes para realizar uma cobertura total dos animais positivos 14.

O exame sorológico, realizado pela reação de fixação do complemento (RFC), foi utilizado pela primeira vez, para diagnosticar a LV humana, em 1938. Em 1957, pesquisadores brasileiros descreveram a RFC para inquéritos caninos, com antígeno extraído do bacilo da tuberculose, concluindo que, esta técnica possuía sensibilidade e especificidade melhores que os exames diretos. Com a demonstração da possibilidade de aplicação da RFC em eluatos de sangue colhidos em papel de filtro, essa técnica tornou-se largamente difundida 15, com a vantagem sobre os demais métodos sorológicos de não apresentar reações cruzadas com outras enfermidades, mesmo quando se utilizam antígenos heterólogos 16,17,18,19,20.

Contudo, reações cruzadas em títulos baixos com a doença de Chagas e a leishmaniose tegumentar americana (LTA) podem ocorrer. Nos casos de LV, comumente são observados títulos elevados de anticorpos no soro, geralmente superiores a 1:80, sendo que títulos inferiores a esse necessitam de confirmação por outras metodologias 3.

A reação de imunofluorescência indireta (RIFI), utilizada a partir da década de 60 3, demonstra sensibilidade que varia de 90 a 100% e especificidade aproximada de 80% para amostras de soro 21,22. A especificidade desse teste é prejudicada devido à presença de reações cruzadas com doenças causadas por outros tripanossomatídeos, como o da doença de Chagas e os da LTA 21,23. A utilização de formas amastigotas de L. (L.) donovani como antígeno nas RIFI aumenta significativamente a sensibilidade, sem perder a especificidade do teste, resultando numa maior precocidade do diagnóstico frente a animais assintomáticos ou oligossintomáticos 24.

A necessidade de uma técnica com alta sensibilidade e especificidade fez surgir, a partir da década de 70, muitos estudos avaliando e aprimorando o ELISA-padrão, assim como, as diversas variações de ELISA: Dot-ELISA, fucose manose ligant-ELISA ou FML-ELISA, bovine submaxillary mucin-ELISA ou BSM-ELISA, Fast-ELISA, micro ELISA, entre outras 17,18,25,26, 27,28,29,30. A utilização de antígenos recombinantes ou purificados como as glicoproteínas de membranas gp63, gp72, gp70 e rK39 específicas do gênero Leishmania, melhoram a sensibilidade e a especificidade da técnica. Entretanto, reações cruzadas com enfermidades causadas por outros tripanossomatídeos podem ainda ocorrer 21,31,32,33.

O teste de aglutinação em gota (DAT), citado como um método alternativo para o diagnóstico da LV, foi descrito pela primeira vez em 1975 e adaptado para o diagnóstico da infecção humana e canina no final da década de 80 34. Em trabalhos comparativos entre ELISA, RIFI e DAT, este último demonstrou ser igualmente sensível e específico como o ELISA 22,35. A grande vantagem desse teste está na sua simplicidade e baixo custo, quando comparado aos outros.

A performance dos testes diagnósticos utilizados atualmente é, em muito, limitada pelo antígeno utilizado na técnica. De uma forma geral, são utilizados parasitos totais ou lisados, o que interfere na expressão da especificidade do teste, não alcançando este o valor de 100% 36. A identificação de antígenos dominantes, que se caracterizam por induzir a formação de anticorpos específicos detectáveis nos testes sorológicos, tem contribuído para melhorar os testes diagnósticos. O mais potente e promissor antígeno sorológico, o rk39 clonado de L. chagasi, possui epítopos de alta densidade. A proteína A conjugada com ouro coloidal, como sistema de detecção deste antígeno, permite uma ligação com o anticorpo específico em segundos e a totalidade do teste pode ser completada entre 1-10 minutos. Este método, o TRALd, vem sendo testado no Brasil 36.

Recentemente, desenvolveu-se a técnica de PCR (reação em cadeia polimerase), que é a mais específica e sensível. Com essa técnica é possível identificar e ampliar seletivamente o DNA do cineplasto do parasita. Infelizmente, suas limitações para uso em inquéritos epidemiológicos se baseiam no custo, disponibilidade de reagentes, equipamentos e pouca adaptabilidade do método ao campo 36.

Apesar da grande variedade de testes já desenvolvidos, seja no passado, seja mais recentemente, a RIFI ainda é o teste de eleição para ser utilizado em inquéritos epidemiológicos por reunir uma série de vantagens como: ser de fácil execução, rápido, barato, apresenta adequadas sensibilidade e especificidade, quando comparado com outras técnicas.

 

Aspectos relacionados ao controle da leishmaniose visceral

As campanhas de controle para a LV no Brasil tiveram seu início na década dos anos 50, sendo os Estados do Ceará e de Minas Gerais os principais alvos das atividades planejadas e desenvolvidas. Entretanto, durante a década de 60, as ações foram interrompidas e apenas em 1982, o programa foi retomado, quando a extinta Superintendência de Controle de Endemias (SUCAM) detectou um aumento do número de casos de LV no Brasil 11,37.

Atualmente, o Ministério da Saúde (MS), por intermédio da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) e de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, realiza o Programa de Controle da LV centrado nas seguintes medidas: diminuir a densidade populacional do vetor, identificação e eliminação dos cães infectados e identificação e tratamento das pessoas doentes 10,38.

O teste diagnóstico recomendado pelo MS para ser utilizado nos inquéritos caninos é a RIFI. A despeito das reconhecidas vantagens apresentadas por esta técnica, como facilidade na execução, rapidez na emissão de resultados e baixo custo, alguns problemas existem com relação à sua precisão, expressos numa sensibilidade que varia de 90-100% e numa especificidade de 80% para amostras de soro 21,22,38.

A epidemia de LV humana e canina vivenciada em Belo Horizonte, Minas Gerais, representa uma situação interessante a ser exemplificada, por ter suscitado uma série de debates, por parte dos clínicos veterinários de pequenos animais, com relação à validade do teste diagnóstico RIFI, utilizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH).

Segundo esses profissionais, o teste estaria identificando grande número de animais falsos positivos e, sendo assim, não seria o mais específico para o diagnóstico da LV, pois poderia apresentar reação cruzada com outras enfermidades, como a LTA ou a doença de Chagas. Essas incertezas geraram atitudes como a não indicação do sacrifício de animais positivos, a orientação para que os proprietários retirassem os cães positivos do município e inclusive, a recomendação de tratamento desses animais 39.

Durante o período de 1993 a 1997, foram realizadas pesquisas sorológicas para detecção de animais positivos, como parte das ações do programa de controle desenvolvido pela prefeitura. Nesse período, de um total de 415.683 cães examinados, 15.117 foram identificados como positivos. Considerando a prevalência verificada no período acima (3,64%), os valores preditivos positivo e negativo da RIFI são, respectivamente, 14,5% e 99,5%, calculados conforme Soares & Siqueira 40. Verificamos que dos 400.566 animais diagnosticados como negativos, 2.003 seriam, na verdade, falsos negativos e dentre os 15.117 positivos, 12.925 seriam falsos positivos. De fato, corroborando as suspeitas levantadas pelos clínicos veterinários de pequenos animais.

Os valores preditivos são indicadores utilizados para a interpretação de um resultado de um teste diagnóstico, sendo influenciados pelas respectivas sensibilidade e especificidades do teste, além da prevalência da doença na área em questão. Percebe-se que, na situação da epidemia de LV canina em Belo Horizonte, o valor preditivo negativo alcança um valor elevado (99,5%), tanto pelo fato da sensibilidade da RIFI ser alta (90-100%) como pelo fato da prevalência da doença canina ser baixa (3,64%). O oposto é verificado para o valor preditivo positivo, cujo valor de 14,5% pode ser explicado pela menor especificidade da RIFI (80%) e também pelo fato da prevalência da LV canina ser baixa em Belo Horizonte.

Nesse contexto, podemos afirmar que existe uma elevada confiança no resultado negativo de um animal, não sendo verdade tal assertiva para um cão que apresente exame com resultado positivo para LV pela RIFI. Como implicações práticas nas atividades de controle da LV canina na capital mineira, o programa sacrificou 12.924 animais falsos positivos e deixou de sacrificar 2.003 animais falsos negativos.

Os números acima chamam a atenção pela diferença, entretanto, não podemos deixar de examiná-los à luz do fato de que a LV é uma zoonose e, associada à epidemia canina, a Cidade de Belo Horizonte também vivenciou uma epidemia humana, com 169 casos diagnosticados no período de 1994 a 1997 e 17 óbitos, sendo que ambos os eventos ainda acometem o município 10,39,41.

A questão que se coloca frente à situação de sacrifício de animais falsos positivos é a necessidade de aprimoramento das técnicas diagnósticas, principalmente no que concerne à especificidade do teste utilizado para detecção do reservatório animal, uma vez que essa propriedade interfere no valor preditivo positivo do teste. De fato, a história demonstra a preocupação dos pesquisadores com essa questão, como o trabalho desenvolvido por Silva 36 com antígenos mais específicos ou mesmo a aplicação da técnica do PCR para o diagnóstico da LV canina.

Entretanto, mesmo a utilização de técnicas mais sensíveis e específicas ainda apresentaria resultados falsos positivos, no contexto da epidemia de Belo Horizonte, ou de qualquer outra área que conviva com valores baixos de prevalência da doença.

A identificação e sacrifício do cão são atividades preconizadas pelo MS para o controle da LV humana. Essa recomendação está respaldada, dentre outras, na consideração de que o cão é um importante reservatório da doença para o ser humano e na demonstração de que a doença canina precede a doença humana, sendo a primeira um dos responsáveis pelo avanço tanto espacial como temporal da segunda. Na epidemia de LV em Belo Horizonte, essa associação foi muito bem demonstrada no trabalho de Oliveira et al. 42.

Nesse contexto, para que as ações de controle da doença humana sejam efetivas e alcancem resultado adequado, é inevitável o sacrifício de animais falsos positivos. A crítica ou insatisfação geradas com o sacrifício de animais assim caracterizados pode ser minimizada se considerarmos que a menor especificidade da RIFI é devida, em parte, à existência de reações cruzadas com doenças causadas por outros tripanossomatídeos, como a doença de Chagas e a LTA, ou seja, os animais falsos positivos para LV, podem ser, por seu turno, positivos para essas enfermidades. Da mesma forma que para a LV canina, o sacrifício do cão positivo para doença de Chagas e LTA também é recomendado por não existir tratamento eficaz e o animal também constituir importante reservatório dessas doenças para o ser humano.

Apesar de ser esse o aspecto privilegiado na contestação das ações de controle da LV humana desenvolvidas pela prefeitura de Belo Horizonte, a existência de animais falsos negativos é um problema que também chama a atenção. Considerando o valor preditivo negativo da RIFI, mesmo atingindo valor elevado como 99,5%, no período de 1993 a 1997, foram detectados 2.003 animais falsos negativos e que, assim, não foram sacrificados. Não se pode deixar de considerar que a permanência desses animais no ambiente epidêmico pode certamente ter comprometido a eficácia do programa de controle da LV em Belo Horizonte, contribuindo para a manutenção de focos da doença e, conseqüentemente, fontes de infecção para pessoas e outros cães.

 

Comentários

Os dados relativos à morbidade da LVA no país não são precisos, o que dificulta as estratégias de controle a serem adotadas nas regiões onde a doença ocorre. Inquéritos epidemiológicos baseados no diagnóstico laboratorial, em populações humanas e caninas sob risco de transmissão, são necessários para avaliar a extensão do problema. Os profissionais e pesquisadores se esbarram na escolha de um método apropriado, simples, sensível e específico, que possibilite o diagnóstico não apenas dos casos avançados, mas também dos iniciais, oligossintomático e assintomáticos.

A partir de trabalhos de pesquisadores brasileiros, como Chagas, Deane & Deane e Alencar, demonstrando a importância dos cães na transmissão da LV, os estudos sorológicos de cães infectados vêm aumentando. Visando a obter melhores resultados e métodos diagnósticos que facilitem a realização de inquéritos epidemiológicos, assim como, melhor conhecimento da distribuição geográfica, cientistas vêm desenvolvendo técnicas cada vez mais sensíveis, específicas e de fácil execução.

Observa-se, apenas recentemente, o progresso e aperfeiçoamento de técnicas para o diagnóstico da LV humana e canina como objeto de interesse de pesquisas nacionais e internacionais. O que diverge da constatação de que os indicadores de morbi-mortalidade desse agravo são indubitavelmente alarmantes em nosso meio e em outros países em desenvolvimento já há muitas décadas.

A avaliação dos valores preditivos é um raciocínio elaborado pelo clínico, notadamente quando se considera a recomendação de tratamentos que possam representar altos investimentos ou riscos à saúde.

No caso da LV canina, zoonose com repercussão considerável na saúde humana, os valores preditivos dos testes teriam um pequeno significado, uma vez que não há tratamento eficaz contra a doença, sendo considerada incurável até o momento.

Os indicadores de sensibilidade e especificidade de um teste devem ser, por sua vez, analisados atentamente quando da escolha de um teste diagnóstico para ser utilizado num programa de controle de qualquer enfermidade.

Para a LV canina, um teste que apresente elevada sensibilidade deve ser preferido para os inquéritos epidemiológicos. Esta medida visa a obter uma menor taxa de cães falsos negativos. A alta sensibilidade evitaria que animais positivos não permanecessem como fontes de infecção para o vetor e desse para o ser humano e outros animais.

O indicador especificidade deve também ser observado e ser, preferencialmente, o mais elevado possível. Entretanto, a existência de animais falsos positivos, para a eficiência de um programa de controle, é menos problemática, podendo-se recomendar para os inquéritos caninos testes com especificidade menor, quando comparada com a sensibilidade.

A RIFI, teste indicado pelo MS para levantamentos epidemiológicos e diagnósticos da LV canina, reúne essas características: valores elevados de sensibilidade (90-100%) e valores menores de especificidade (80%) para amostras de soro. Adicionalmente é conhecido que a identificação de indivíduos falsos positivos pela RIFI se deve a reações cruzadas entre LV e duas outras importantes zoonoses: LTA e doença de Chagas.

Esse fato pode ser inconveniente quando os objetivos são os levantamentos epidemiológicos e o conhecimento da distribuição espacial da LV, da LTA ou da doença de Chagas nos reservatórios caninos, já que as áreas de concomitância dessas doenças são comuns em nosso país.

Por outro lado, as falhas de especificidade das técnicas são minimizadas pois as três zoonoses, endêmicas no Brasil, apresentam a espécie canina como reservatórios do parasita e fontes de infecção para o ser humano e outros animais, não havendo tratamento eficiente para as enfermidades caninas. Portanto, faz-se necessário a conseqüente eliminação (sacrifício) dos animais infectados para se alcançar resultados efetivos nas ações de controle relacionadas a esses agravos.

 

Colaboradores

W. A. Alves dedicou-se ao levantamento bibliográfico para o trabalho e elaborou a parte referente ao referencial teórico, e P. D. Bevilacqua foi responsável pela redação da discussão, revisão final do texto e adequação às normas dos Cadernos de Saúde Pública.

 

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Endereço para correspondência
Paula Dias Bevilacqua
Departamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa
Av. P. H. Rolfs s/n, Campus UFV, Viçosa, MG
36570-000, Brasil.
paula@mail.ufv.br

Recebido em 18/Fev/2003
Versão final reapresentada em 08/Ago/2003
Aprovado em 23/Out/2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br