RESENHAS REVIEWS
Maria de Fátima Nunes Marucci
Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
NUTRIÇÃO NO ENVELHECER. Andréa Abdala Frank & Eliane de Abreu Soares (org.). São Paulo: Editora Atheneu, 2002. 320 pp.
ISBN: 85-7379-541
O livro em questão, sem dúvida nenhuma, vem preencher uma lacuna na literatura nacional.
Considerando o processo de envelhecimento populacional, observado especialmente a partir de meados do século passado, nos países desenvolvidos e, de forma mais acelerada, nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, torna-se imprescindível conhecer as características das pessoas que envelhecem, sob vários aspectos (biopsicossociais).
Esse conhecimento tem importância fundamental para que se possa atuar no sentido de prevenir doenças, promover saúde e contribuir para a melhor qualidade de vida desse segmento populacional. Essa atitude vem ao encontro, não somente das expectativas pessoais da população, mas também do poder público e da sociedade, pois pode provocar impacto relevante na redução das despesas com tratamento de saúde.
Um dos aspectos que tem influência inegável no processo de envelhecimento, ainda que não seja o único, é relativo à alimentação e nutrição das pessoas. Assim, as autoras Andréa A. Frank & Eliane A. Soares, na qualidade de nutricionistas que atuam com indivíduos idosos, reuniram profissionais tão qualificados quanto elas para colaborar nesta publicação.
O livro apresenta-se dividido em quatro partes: Parte 1 Características Biopsicossociais do Envelhecimento; Parte 2 Conduta Nutricional no Envelhecimento; Parte 3 Perfil Dietético de Idosos; e Parte 4 Nutrição e Qualidade de Vida.
Cada uma das partes está subdivida em capítulos que abordam diferentes temas teóricos e/ou práticos.
A primeira parte apresenta dois capítulos que abrangem os aspectos teóricos relativos aos fatores econômicos, sociais e psicológicos que interferem no estado nutricional, e a metodologia de avaliação nutricional por meio da antropometria e bioimpedância. Neste segundo capítulo, recomenda-se aos leitores que consultem a literatura original quanto às equações para cálculo da circunferência e da área muscular do braço (p. 24 e 25) e também quanto às tabelas apresentadas, sob forma de anexos (p. 28 a 38).
A segunda parte comenta sobre diversos nutrientes (macro e micronutrientes) e sua relação com saúde e doença, também sob o ponto de vista teórico.
Na terceira parte, são apresentados resultados e discussões de trabalho realizado pelas autoras, demonstrando sua experiência na atuação com a população idosa. Neste caso, também recomenda-se, aos leitores, atenção quanto à classificação de Índice de Massa Corporal, apresentada na página 180 (Garrow & Webster).
Na quarta parte, as autoras abordam a importância da atividade física e da alimentação na saúde dos indivíduos, comentam, de forma bem sucinta e baseadas em referencial teórico, sobre práticas alimentares na Doença de Alzheimer e, por fim, no último capítulo (n. 16), apresentam sugestões de preparações culinárias, adequadas do ponto de vista qualitativo, o que colabora com um desfecho muito agradável.
Enfim, o livro apresentado é muito útil e prático para os profissionais que se interessam em estudar as questões nutricionais relativas aos idosos e que atuam, ou desejam atuar, com essa população.
Ricardo Ventura Santos
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz/Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
OS POVOS INDÍGENAS E A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL. Luiza Garnelo, Guilherme Macedo & Luiz Carlos Brandão. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003. 120 pp.
ISBN: 85-87943-28-6
Já não é sem tempo que as discussões sobre a saúde dos povos indígenas no Brasil atinjam um novo patamar, no qual se fazem presentes não somente análises mais sofisticadas, como também baseadas em dados epidemiológicos e de avaliação do modelo de gestão e de assistência de abrangência nacional. Ao longo dos últimos anos, face aos novos rumos da política de atenção à saúde dos povos indígenas (com a criação de um subsistema no âmbito do Sistema Único de Saúde SUS) e à consolidação de grupos de pesquisa em diversas instituições de norte a sul do país voltados para a temática da saúde indígena, percebe-se um notável amadurecimento dos debates. O livro de Luiza Garnelo, Guilherme Macedo & Luiz Carlos Brandão é a mais nova e bem-vinda adição a esse cenário.
Os Povos Indígenas e a Construção das Políticas de Saúde no Brasil está dividido em nove capítulos, que cobrem temas como caracterização sócio-antropológica dos povos indígenas, antecedentes e contextos da política de saúde indígena, análise de dados relativos aos serviços de saúde e à epidemiologia de agravos infecciosos e crônico não-transmissíveis, controle social e desafios e perspectivas do modelo gestor e assistencial. Conta ainda com quatro anexos, com mapas, análises epidemiológicas adicionais e indicações bibliográficas sobre temas específicos. O livro tem uma excelente apresentação, com uma diagramação que torna a leitura agradável, complementada por mapas e outras figuras em cor. Ao longo da leitura, os mais atentos hão de perceber alguns problemas de editoração (como tabelas com legendas trocadas), o que merece correção em tiragens futuras.
Dentre os vários pontos que merecem destaque no livro, chama a atenção a imbricação entre a implantação do subsistema de atenção à saúde indígena e a produção de dados epidemiológicos, demográficos e de uso de serviços. Garnelo e colaboradores analisam dados oriundos do SIASI (Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena), operado pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e alimentado pelas equipes dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), distribuídos em todo o país. Portanto, são informações de abrangência nacional. Revelam, por exemplo, que o coeficiente de mortalidade infantil dos indígenas foi de 74,6 por mil em 2000, mais que o dobro do número para o país (31,8 por mil). Mostram também que, ainda que constituindo 12,8% do total da população indígena, 43,3% dos óbitos concentraram-se nas crianças entre 0-4 anos de idade em 2001. Revelam ainda que a morbi-mortalidade é concentrada nas doenças infecciosas e parasitárias, com 75,4% das notificações ambulatoriais e 25,4% dos óbitos em 2001 relacionados às DIPs e às doenças do aparelho respiratório. Tendo o cuidado de alertar para as limitações do SIASI, os autores concluem que "os dados disponíveis reforçam a idéia geral de que os indicadores de saúde dos povos indígenas são piores que aqueles referentes à população geral brasileira" (p. 64).
Outro aspecto enfatizado pelos autores vincula-se aos desafios da implantação de um modelo de atenção à saúde voltado para povos culturalmente diferenciados, mas que se pauta em "lógicas ocidentais". Nesse ínterim, como lidar com as sensíveis questões relacionadas ao "controle social", tais como "participação", "representatividade" e "legitimidade"? É também candente o desafio inerente à dupla inserção de organizações indígenas como, na qualidade de entidades conveniadas, executoras da política de saúde indígena e também representantes dos usuários do sistema, o que pode comprometer (ou pelo menos influenciar) suas relações com os grupos e indivíduos os quais representam sócio, étnica e politicamente.
Garnelo e colaboradores concluem, com base na análise do processo de implantação do subsistema de saúde indígena, que aconteceram avanços. Mesmo os indicadores epidemiológicos (a despeito das fragilidades das bases de dados e do curto período de tempo coberto) apontam para melhorias, com uma tendência de redução da mortalidade infantil, que ainda se mantém em patamares elevadíssimos. Na opinião dos autores, o processo de implantação, por mais percalços que venha enfrentando (restrita capacidade gerencial da FUNASA e das convenentes, impasses e dificuldades gerados pela terceirização, alta rotatividade de profissionais de saúde, recursos financeiros aquém do necessário, entre outros), fortalece o reconhecimento pelo poder público de que é de fato necessário avançar no aprimoramento do subsistema de saúde indígena.
É amplamente reconhecido que uma etapa fundamental do processo de melhoria das condições de saúde dos povos indígenas passa pela reversão do persistente quadro de invisibilidade demográfica e epidemiológica, com desdobramentos para as agendas de ação política não somente do Estado, como também dos povos indígenas e de grupos de apoio. O trabalho de Garnelo, Macedo e Brandão é mais um passo nessa direção, contribuindo para dar visibilidade a importantes dimensões das condições de vida dos povos indígenas. No mais, como ressalta o Ministro da Saúde Humberto Costa, que assina a apresentação, Os Povos Indígenas e a Construção das Políticas de Saúde no Brasil demonstra como um exercício de caracterização e a análise (em outras palavras, a sistematização do conhecimento) podem servir de instrumentos na tarefa de construir uma nova sociedade, respeitando-se características e especificidades étnico-culturais e buscando-se resgatar a dívida histórica que o Estado brasileiro tem para com os povos indígenas.