RESENHAS REVIEWS

 

 

Sinval Pinto Brandão Filho

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, Brasil

 

 

FLEBOTOMÍNEOS DO BRASIL. Elizabeth Rangel & Ralph Lainson (org.). Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2003. 368 pp.
ISBN: 85-7541-0020-2

A carência de livros-texto em algumas áreas do conhecimento no Brasil é notória, sobretudo em entomologia médica, que envolve o estudo de diversos vetores de importantes doenças transmissíveis endêmicas no país. Embora com esporádicos lançamentos no mercado editorial, como o oportuno Entomologia Médica e Veterinária, de autoria de Carlos Brisola Marcondes, lançado em 2001 pela Editora Atheneu, existe uma demanda significativa nessa área de publicações específicas direcionadas ao estudo de vetores de importantes endemias como leishmanioses, malária, dengue e febre amarela, filarioses etc. Neste sentido, o lançamento de Flebotomíneos do Brasil visa a atender, na apresentação dos organizadores, aos estudantes, professores, pesquisadores e profissionais de serviços de saúde pública interessados no estudo dos vetores das leishmanioses tegumentar e visceral no Brasil, e demais espécies da nossa conhecida e diversa fauna flebotomínica. É esta a proposta geral do livro recentemente lançado pela Editora Fiocruz.

O livro é composto por oito capítulos em 367 páginas, que foram redigidos com a colaboração de dezessete especialistas na área e pelos organizadores. Os capítulos são constituídos pelos seguintes tópicos: importância médico-veterinária, morfologia e taxonomia, distribuição e habitats, bionomia, interação vetor-hospedeiro, ecologia das leishmanioses, transmissão de outros agentes e métodos de coleta. No prefácio, o eminente "leishmaníaco" inglês Robert Killick-Kendrick destaca o contexto especial do Brasil em relação à diversidade de Leishmania spp., no qual verifica-se a incidência de sete das 12 espécies de leishmânias neotropicais que acometem o homem e são associadas às diferentes manifestações clínicas das leishmanioses, cinco das quais exclusivas do país.

Do mesmo modo, o Brasil também se destaca pela ocorrência em sua área da maior parte das espécies de flebotomíneos registrados na até hoje maior e melhor compilação de espécies já realizada, o célebre clássico de Young & Duncan publicado em 1994: A Guide to the Identification and Geographic Distribution of Sand Flies in México, the West Indies, Central and South América (Diptera: Psychodidae). Até aquele ano, 229 das 400 espécies conhecidas eram verificadas em nosso território, reafirmando a importância de nossa notória biodiversidade também neste grupo de dípteros.

Embora de uma maneira geral ser uma obra oportuna e bem-vinda, o livro apresenta erros primários de revisão e algumas deficiências e limitações. A foto da capa não é das melhores, pois não representa fielmente a cópula natural dos flebotomíneos. Verifica-se também uma série de referências incorretas, revelando a falta de uma revisão acurada para uma publicação deste porte. O livro também peca pela falta de contextualização em relação à retomada da linha adotada por célebres estudos brasileiros realizados no século passado, em trabalhos notáveis de pesquisadores como Mauro Barreto e Samuel Pessoa, Otávio Mangabeira Filho, Oswaldo Paulo Forattini e Amílcar Vianna Martins, que tornaram-se clássicos como Entomologia Médica (v. 4, 1973) e American Sandflies (1978), esgotados e sem novas edições revistas e atualizadas.

Uma exceção talvez seja o capítulo de morfologia e taxonomia escrito pela professora Eunice Galati, discípula do Prof. Forattini, no qual ela desenvolve um notável esforço de revisão filogenética da subfamília Phlebotominae para propor uma reformulação na classificação e nomeação de gêneros, subgêneros e séries de 464 espécies, considerando outras estruturas morfológicas, além das usualmente consagradas e aceitas pala imensa maioria dos especialistas e utilizadas pelos técnicos que trabalham em serviços de vigilância epidemiológica. O principal problema para sua aceitação reside justamente aí, pois a nova sistemática considera aspectos morfológicos e caracteres bem mais complexos e de difícil assimilação sem o conhecimento acadêmico necessário para sua compreensão, o que complica ao invés de facilitar o que é já usualmente e internacionalmente aceito para classificar espécies, inclusive pelo notório grupo CIPA (A Programme for Computer Aided Identification of Phlebotomine Sandflies of the Americas), constituído nos anos 90 por especialistas sul-americanos e europeus justamente para elaborar, em programa de computador, uma lista de caracteres de consenso na identificação de flebotomíneos.

As fotos de estruturas morfológicas inseridas no livro poderiam ser reproduzidas em cores para melhor facilitar o aprendizado por estudantes e demais interessados na identificação de flebotomíneos. Da mesma forma, as ilustrações e fotos para o capítulo Interação Vetor-Hospedeiro seriam mais adequadas se fossem em cores. Pelo conjunto das fotos e ilustrações inseridas, certamente por problemas de limitações na produção gráfica, estes aspectos não puderam ser contemplados, pois os mapas e gráficos coloridos são bastante precários e mesmo improvisados.

Como afirmado, no início desta resenha, ficamos na expectativa de que esta louvável iniciativa da Editora Fiocruz venha suprir também, na mesma direção, outras lacunas, com a organização de edições voltadas para os vetores de outras importantes endemias no Brasil, como malária, dengue e febre amarela etc.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br