CARTAS LETTERS
Impacto da vacinação em massa contra a doença meningocócica na epidemia da década de 70
The impact of mass vaccination on meningococcal disease in the 1970s epidemic in Brazil
Rita Barradas Barata
Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, Brasil
Senhor Editor,
O artigo Controle de Surto de Meningite Meningocócica do Sorogrupo C no Município de Corupá, Santa Catarina, Brasil, com Ações Rápidas e Efetivas de Vigilância Epidemiológica e Imunização de autoria de Puricelli et al. 1, publicado no volume 20, número 4, de julho-agosto do presente ano, traz o relato interessante de um surto ocorrido no interior do Estado de Santa Catarina, Brasil.
Os autores relatam de maneira correta a investigação realizada e apresentam os resultados da adoção de medida de controle baseada na imunização em massa da população exposta.
A tese principal dos autores é que a vigilância epidemiológica ativa associada à intervenção oportuna é capaz de interromper o processo epidêmico.
Apesar dos dados apresentados reforçarem adequadamente a tese apresentada, gostaria de, na qualidade de estudiosa do assunto, fazer um comentário acerca de um erro de análise presente na discussão.
Na página 966, os autores comentando intervenções habitualmente tardias, na última frase no primeiro parágrafo afirmam: "para combater esta epidemia (a da década de 70), que chegou a registrar, em algumas cidades, incidência de 170 casos/100.000 habitantes, foi desencadeada campanha de vacinação em massa contra a enfermidade em abril de 1975, somente após o início do declínio da incidência".
Esta afirmação está completamente equivocada e descaracteriza a importância da vacinação em massa no controle dessa que foi a maior epidemia de doença meningocócica ocorrida na história.
Vários autores pouco afeitos à análise de dados epidemiológicos cometem o mesmo erro, analisando a curva de tendência da incidência, avaliando na seqüência, as taxas mensais entre os anos de 1974 e 1975, conforme visualizada na Figura 1.
À primeira vista a vacinação teria sido realizada no momento em que a epidemia já estava terminando. Entretanto, há que se levar em conta a variação sazonal habitual. A doença meningocócica apresenta variação sazonal bastante característica que não sofre alteração nem mesmo durante os períodos epidêmicos.
O comportamento sazonal da doença mostra aumento da incidência a partir do início do outono, período em que a umidade relativa do ar começa a declinar, atingindo os maiores valores nos meses de inverno. Com o início da primavera, a incidência começa a diminuir e atinge seu valor mais baixo durante o verão, quando a umidade relativa do ar costuma ser alta.
Assim, é esperado que entre outubro e março a incidência esteja mais baixa, ainda que a epidemia continue ativa. Aliás, esse comportamento foi observado em todos os anos epidêmicos desde 1970.
A comparação correta, do ponto de vista epidemiológico, seria aquela que avalia a incidência em 1975 por comparação com o mesmo período do ano de 1974, como apresentado na Figura 2. Esta figura permite observar que nos quatro primeiros meses de 1975 a incidência apresentava-se bastante acima da observada em 1974, prenunciando assim, um aumento ainda mais espetacular do número de casos no inverno de 1975. O fato novo foi justamente a vacinação em massa realizada na última semana de abril, provocando a mudança do padrão sazonal observado até então.
Portanto, ainda que utilizada tardiamente, a vacinação em massa mostrou-se bastante eficaz para a interrupção do processo epidêmico.
A análise correta dos dados poderia assim reforçar a tese dos autores, demonstrando a utilidade da vacinação como medida de controle em surtos e epidemias de doença meningocócica.
Endereço para correspondência
R. B. Barata
Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo
Rua Dr. Cesário Motta Jr. 61,5º andar
São Paulo, SP 01220-120, Brasil
rita.barata@fcmscsp.edu.br
Recebido em 29/Set/2004
Aprovado em 01/Out/2004
1. Puricelli RCB, Kupek E, Bertoncini RCC. Controle de surto de meningite meningocócica do sorogrupo C no Município de Corupá, Santa Catarina, Brasil, com ações rápidas e efetivas de vigilância epidemiológica e imunização. Cad Saúde Pública 2004; 20:959-67.