ARTIGO ARTICLE

 

Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000

 

Factors associated with precarious prenatal care in a sample of post-partum adolescent mothers in maternity hospitals in Rio de Janeiro, Brazil, 1999-2000

 

 

Silvana Granado Nogueira da GamaI; Célia Landmann SzwarcwaldII; Adriane Reis SabrozaI; Viviane Castelo BrancoI; Maria do Carmo LealI

IDepartamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIDepartamento de Informações em Saúde, Centro de Informação Científica e Tecnológica, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO  

Caracterizou-se o perfil das gestantes com pré-natal precário, segundo variáveis sócio-demográficas, história reprodutiva da mãe, apoio familiar, satisfação com a gestação e comportamentos de risco durante a gravidez. Foram entrevistadas 1.967 adolescentes no pós-parto imediato de maternidades públicas, conveniadas com o SUS e particulares no Município do Rio de Janeiro. A variável dependente foi o número de consultas de pré-natal (0-3; 4-6; 7 e mais). A análise estatística testou a hipótese de homogeneidade de proporções mediante análises bi e multivariada, com o uso de regressão logística multinomial, cuja categoria de referência da variável-resposta foi a realização de > 7 consultas. Foram encontradas maiores proporções de 0-3 consultas nos grupos de mães com grau de escolaridade < 4a série do ensino fundamental; que não têm água encanada; não vivem com o pai do bebê; tiveram nascidos vivos anteriores; não ficaram satisfeitas com a gestação; não tiveram apoio do pai do bebê; tentaram interromper a gestação e as que fumaram, beberam e/ou usaram drogas durante a gestação. Pode-se concluir que as mães com piores condições de vida e comportamentos de risco na gravidez foram as que mais ficaram à margem da assistência pré-natal.

Gravidez na Adolecência; Condições Sociais; Regressão Logística


ABSTRACT  

This study characterizes the women receiving precarious prenatal care according to socio-demographic variables, mother's reproductive history, family support, satisfaction with pregnancy, and risk behavior during pregnancy. A total of 1,967 adolescents were interviewed in the immediate post-partum in public and outsourced maternity hospitals in the City of Rio de Janeiro. The dependent variable was the number of prenatal appointments (0-3; 4-6; 7 or more). The statistical analysis aimed to test the hypothesis of homogeneity of proportions, including bi- and multivariate analysis, using multinomial logistic regression, in which the reference category for the response variable was 7 or more prenatal visits. Higher (and statistically significant) proportions of insufficient number of prenatal visits (0-3) were associated with: precarious sanitation conditions; not living with the child's father; attempted abortion; and smoking, drinking, and/or drug use during pregnancy. The results strongly indicate that mothers with worse living conditions and risk behavior during pregnancy were the same who lacked access to prenatal care.

Pregnancy in Adolescence; Social Conditions; Logistic Models


 

 

Introdução  

Numerosos estudos têm mostrado o efeito protetor do acompanhamento pré-natal sobre a saúde da gestante e do recém-nascido, contribuindo, entre outros, para uma menor incidência de mortalidade materna, baixo peso ao nascer e mortalidade perinatal 1,2,3.

Compreendendo-se a importância de avaliação da cobertura do acompanhamento pré-natal, foi introduzido no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), a partir de 1995, um campo referente ao número de consultas de pré-natal realizadas durante a gestação. Para o ano de 1996, mais de 90% das gestantes do Município do Rio de Janeiro receberam assistência pré-natal. Entretanto, apenas 59% das mulheres tiveram o número de consultas maior ou igual a seis, número mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde para assegurar uma adequada atenção pré-natal 4.

Dentre as grávidas, é nas adolescentes que os prejuízos de uma atenção precária à gestação se mostram mais intensos 5. Discute-se a possibilidade de que os efeitos de um pré-natal inadequado nesse grupo sejam mais pronunciados porque a gravidez na adolescência é um fenômeno muito mais presente nas jovens de grupos sociais excluídos, freqüentemente desprovidas do apoio da família, do pai do bebê e da sociedade.

Alguns estudos têm mostrado que a grávida adolescente inicia mais tardiamente o acompanhamento pré-natal e termina por fazer um menor número de consultas, quando comparada às mulheres com vinte anos e mais 6,7,8. Esse fato é coerente com o momento de vida peculiar da adolescente, que geralmente não reconhece a importância de planejar o futuro 9.

A maioria das investigações relaciona a adequação do pré-natal ao período em que ele é iniciado e ao número de consultas realizadas, sendo pouco freqüentes avaliações sobre a qualidade da assistência. Mathias et al. 10 indicam que o ideal é que se iniciem as consultas no primeiro trimestre da gestação, o que possibilitaria diagnóstico e tratamento precoces de doenças e outras intercorrências que trariam conseqüências adversas à gestante e ao bebê. Além disso, sabe-se que os efeitos protetores do pré-natal podem se estender para além do período neonatal. Donovan et al. 11 chegam a afirmar que a realização de um número mínimo de consultas de pré-natal está associada ao acesso posterior de bebês aos serviços de saúde, mostrando-se como fator relevante para a prevenção de resultados adversos tanto na gestação, quanto no primeiro ano de vida.

Sob outra perspectiva, Halpern et al. 12 questionam se os efeitos positivos verificados nas gestantes de Pelotas, Rio Grande do Sul, que receberam atenção pré-natal, são de fato resultados da qualidade do atendimento prestado ou se apenas expressam um fenômeno de auto-seleção, em que as mulheres atendidas apresentam características que permitiriam ter menor freqüência de resultados adversos, ainda que não tivessem acompanhamento pré-natal. Achados discordantes foram apontados por Liu 13, em estudo realizado na Virgínia, Estados Unidos. O autor encontrou resultados que mostram que o papel protetor do atendimento pré-natal sobre o baixo peso ao nascer em gestantes com vinte anos ou mais é, inclusive, subestimado. Ao controlar o efeito de auto-seleção das grávidas, determinado pela raça e local de moradia, o resultado benéfico do pré-natal em relação ao baixo peso ao nascer aumentou cinco vezes.

O objetivo do presente trabalho foi o de identificar o perfil das gestantes que tiveram um número insuficiente de consultas de atendimento pré-natal, mediante variáveis sócio-demográficas, história reprodutiva da mãe, apoio familiar, satisfação com a gestação e alguns comportamentos de risco durante a gravidez. Pretende-se, assim, fornecer subsídios para políticas de expansão da cobertura do acompanhamento pré-natal e implementação de medidas que propiciem a melhoria da qualidade do atendimento, especialmente no que se refere à gestante adolescente.

 

Material e método  

Este estudo faz parte de um subprojeto do "Estudo da Morbi-mortalidade e da Atenção Peri e Neonatal no Município do Rio de Janeiro", desenvolvido a partir de uma amostra de puérperas que se hospitalizaram em maternidades localizadas no município por ocasião do parto.

A seguir será apresentado um breve resumo dos procedimentos de definição da amostra, coleta de dados, variáveis selecionadas e da análise estatística utilizada neste estudo.  

Amostra  

Foram entrevistadas 10.072 puérperas no pós-parto imediato em maternidades no Município do Rio de Janeiro. A amostragem foi estratificada, agrupando-se os estabelecimentos de saúde em três estratos: maternidades municipais e federais; maternidades estaduais, militares, filantrópicas e privadas conveniadas com o SUS; maternidades privadas não conveniadas com o SUS. Em cada estrato, foi selecionada uma amostra de, aproximadamente, 10% de parturientes do número previsto de partos em todos os hospitais de cada estrato, exceto naqueles com menos de duzentos partos por ano. Foram amostrados 12 estabelecimentos no primeiro estrato, 10 no segundo e 25 no terceiro.

O tamanho da amostra em cada estrato foi estabelecido com o objetivo de comparar proporções em amostras iguais no nível de significância de 5% e detectar diferenças de pelo menos 3% com poder do teste de 90% 14, baseando-se na proporção de baixo peso ao nascer (< 2.500g). O tamanho inicial calculado foi de 3.282 puérperas para cada estrato. Considerando-se a possibilidade de perdas, o total de cada estrato foi estabelecido em 3.500 puérperas.

Serão consideradas nesta análise apenas as mães adolescentes, entrevistadas em maternidades dos estratos 1 e 2, com idade até 19 anos.  

Considerações éticas  

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Para todas as puérperas do estudo ou seu responsável, em caso de menores de idade, foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual, após exposição dos objetivos da pesquisa, era solicitada sua autorização por escrito.  

Desenvolvimento do estudo  

O trabalho de campo foi realizado por equipes formadas por acadêmicos bolsistas de medicina e enfermagem, contratados pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, através de concurso público. Houve uma supervisão de campo realizada por duas médicas, além de uma coordenadora geral. Foram empregados na coleta de dados três questionários padronizados, um deles utilizado para a entrevista com a mãe, outro para coleta de dados do prontuário e um terceiro sobre as condições de alta da mãe e do recém-nascido.

O número de consultas de pré-natal, objeto principal desta análise, foi categorizado em: 0-3, 4-6 e 7 ou mais consultas. Para caracterizar as gestantes com número insuficiente de consultas, foram consideradas todas as variáveis descritas por nível de agregação, na Tabela 1.

 

 

A variável "idade ginecológica", definida como o intervalo de tempo entre a menarca e a concepção, foi calculada subtraindo-se a idade da mãe (em anos) ao engravidar pela primeira vez da idade da mãe na menarca. As questões "satisfação do pai" e "apoio do pai" expressam a percepção da mãe em relação ao sentimento e apoio recebido dele e referem-se às respostas obtidas respectivamente às perguntas: "E o pai, ficou satisfeito?" e "Você se sentiu apoiada pelo pai do bebê?". Na abordagem das variáveis fumo de cigarro", "ingesta de bebida alcoólica", "uso de drogas ilícitas" e "fumo anterior à gravidez", foi considerado apenas o consumo (sim/ não), sem avaliar, nesse momento, a intensidade do uso.  

Análise estatística  

Foram realizadas análises bivariadas com as variáveis consideradas, descritas na Tabela 1. Utilizaram-se testes qui-quadrado (c2) para testar a hipótese de homogeneidade de proporções, comparando grupos de mães adolescentes segundo o número de consultas realizadas no pré-natal: 0-3; 4-6; e 7 e mais consultas.

Para a análise multivariada foram utilizados procedimentos de regressão logística multinomial, cuja variável dependente foi categorizada pelo número de consultas realizadas no pré-natal (0-3; 4-6; 7 e mais consultas), sendo a última a categoria de referência. O nível de significância para inclusão de variáveis foi estabelecido em 5%, utilizado para qualquer uma das categorias da variável-resposta. Dentre o conjunto de variáveis consideradas neste estudo, foram incluídas neste procedimento aquelas listadas nos itens 1, 2 e 3 do quadro de variáveis, excetuando-se as variáveis "satisfação paterna" e "apoio do pai do bebê", por serem muito correlacionadas com a variável "vive com o pai do bebê", e a variável "idade materna na primeira gestação", por ser muito correlacionada com "idade ginecológica na primeira gravidez".

Foram estimadas as razões de produtos cruzados odds ratio (OR) brutos e ajustados e os respectivos intervalos de 95% de confiança para as variáveis que permaneceram no modelo.  

 

Resultados  

Das 6.974 mulheres entrevistadas, as 1.801 puérperas adolescentes, objeto deste estudo, representaram 25,8%, após exclusão das perdas (2,2 % da amostra).

Na Tabela 2, podem ser observadas as distribuições de freqüências relativas segundo o número de consultas realizadas no pré-natal e alguns fatores sócio-demográficos. Não foram encontradas diferenças estatísticas entre as proporções de mães dos dois grupos etários em relação ao número de consultas. Portanto, procedeu-se à análise sem a categorização pelas faixas etárias.

 

 

Ainda analisando os dados dispostos na Tabela 2, pode-se observar que foi mais elevado o percentual de mães com menor grau de instrução (até a 4a série do ensino fundamental) e residentes em domicílios sem água encanada que fizeram 0-3 consultas de pré-natal (26,0% e 23,1% respectivamente), em relação àquelas que tinham 5a série ou mais e dispunham de água encanada em casa (14,6% e 16,3%). Das que viviam com o pai do bebê, observam-se proporções significativamente menores (14,4%) com 0-3 consultas em relação àquelas que não viviam com o pai (21,5%).

No tocante à história reprodutiva das mães, as proporções de puérperas foram estatisticamente diferentes segundo os grupos de freqüência de consultas de pré-natal (Tabela 3). Entre as diferenças, destaca-se que as mães que tinham idade entre 10 e 14 anos na época da primeira gravidez apresentaram maior proporção de precária assistência pré-natal (21,3%), em comparação com as que engravidaram mais tarde (11,1%). Situação semelhante foi observada quando as mães foram comparadas pela idade ginecológica segundo o número de consultas. Naquelas com intervalo menor que dois anos, há maior proporção de mães com 0-3 consultas (25,7%). Comparando os grupos com e sem experiência de maternidade anterior, observa-se associação inversa, ou seja, o número de consultas diminui à medida que cresce o número de nascidos vivos anteriores.

 

 

A Tabela 4 mostra as distribuições de freqüências relativas segundo o número de consultas de pré-natal e o apoio recebido do pai do bebê e de familiares, bem como a satisfação com essa gestação. Os resultados apontam uma maior proporção de mães insatisfeitas com a gestação (23,9%) com número insuficiente de consultas, quando comparadas com as satisfeitas (15,9%). Ou seja, à medida que se eleva o grau de satisfação com a gravidez aumenta o número de consultas. O mesmo ocorre em relação à satisfação paterna. Adicionalmente, no que diz respeito ao apoio do pai, foram apresentados valores também significativamente menores (15,3%) entre as que fizeram menor número de consultas.

 

 

Nas mulheres que tentaram interromper essa gestação, foi maior a proporção de gestantes que fizeram um número insuficiente de consultas. Pode-se observar também maior proporção com 0-3 consultas no grupo que não teve a companhia de familiares para chegar à maternidade (22,7%).

Na Tabela 5, são apresentados dados sobre hábitos e comportamentos de risco praticados pelas puérperas durante a gestação, segundo o número de consultas de pré-natal. Observa-se que aquelas que fumaram na gestação (32,0%) fizeram menor número de consultas do que as que não fumaram (14,8%). Também foi significativa a diferença entre as que consumiram bebida alcoólica, 24,6%, em relação às outras, 15,3%. O número de gestantes que informaram uso de drogas ilícitas foi pequeno, porém significativamente maior nas adolescentes que receberam nenhuma ou pouca atenção pré-natal (53,8%). Chama a atenção que, dentre as adolescentes que fumavam antes de engravidar, foi tanto maior a proporção de mães que abandonaram o hábito, quanto maior o número de consultas.

 

 

A Tabela 6 expõe os resultados da análise de regressão logística multinomial. Do conjunto de variáveis independentes, foram selecionadas sete variáveis para inclusão no primeiro modelo, de acordo com os critérios estatísticos previamente estabelecidos, e apenas três no segundo.

Em relação à realização de número precário de consultas (0-3), as variáveis com efeito significativo foram: "filhos nascidos vivos anteriormente", sendo a razão ajustada de produtos cruzados (OR) igual a 3,181 e (p = 0,000); "baixo nível de escolaridade materna" (OR ajustado = 1,628; p = 0,006); "consumo de bebidas alcoólicas" e "uso de cigarros na gestação" (OR ajustado = 2,581; p = 0,000); "tentativa de interromper esta gestação". Os fatos de a mãe "viver com o pai do bebê" (OR ajustado = 0,462; p = 0,000) e dispor de "água encanada em casa" (OR ajustado = 0,564; p = 0,024) apareceram como variáveis de proteção para uma melhor atenção pré-natal. A última variável com efeito parcial significativo, controlada pelas demais, foi a, "tentou interromper essa gestação" constituindo-se em fator associado ao número insuficiente de consultas de pré-natal (OR ajustado = 1,644; p = 0,033).

Quanto à realização de número intermediário de consultas (4-6), as variáveis com efeitos significativos foram: "uso de cigarros na gestação" (OR ajustado = 1,632; p = 0,012), a presença de "filhos nascidos vivos anteriores" (OR ajustado = 1,786; p = 0,000). Já "viver com o pai do bebê" (OR ajustado = 0,622 p = 0,000) foi um fator de proteção.  

 

Discussão  

Dados da pesquisa não expostos neste artigo apontam para uma ampla cobertura do pré-natal entre as adolescentes entrevistadas, embora limitada no que diz respeito ao número adequado de consultas e ao período de início do atendimento. Quase 95% delas referiram ter tido pelo menos uma consulta, mas somente 42% compareceram a seis consultas ou mais. A inserção das adolescentes no pré-natal se deu em diferentes estágios da gravidez, tendo apenas a metade delas iniciado o acompanhamento no primeiro trimestre da gestação (51%).

Encontrou-se no presente estudo uma associação entre as diversas variáveis de baixa condição de vida com a não realização ou realização inadequada do pré-natal, tais como o baixo grau de escolaridade e a não disponibilidade de água encanada em casa. É importante destacar que a cobertura da rede pública de água no Rio de Janeiro é bastante ampla; assim, não dispor desse serviço representa uma condição de vida bastante desfavorável. Entretanto, uma das limitações para avaliar condição de vida foi a resposta inadequada em relação à questão sobre o local de moradia (favela ou não), visto que uma parcela das adolescentes não respondeu corretamente, como verificado em uma subamostra por visita domiciliar. Sendo assim, essa variável foi descartada da análise.

Os resultados do presente estudo corroboram achados anteriores. No Estado de São Paulo, foi encontrada uma forte associação entre o baixo grau de escolaridade e o menor número de consultas de pré-natal 15. Em relação à má condição de vida, em Pelotas, Rio Grande do Sul, Silveira et al. 16 mostraram que, apesar da ampla cobertura do pré-natal naquele município, as mulheres que não receberam assistência pré-natal eram as mais pobres e seus filhos apresentaram incidência de baixo peso ao nascer 2,5 vezes maior do que os daquelas que realizavam mais do que cinco consultas.

Uma outra dimensão relevante diz respeito ao apoio familiar e do pai da criança. Viver com o pai, perceber sua satisfação com a gravidez e sentir-se apoiada por ele influenciaram significativamente no número de consultas realizadas pela gestante. A experiência do Teenage Pregnancy and Parenting Project (TAPP), em São Francisco, Califórnia, descrita por Fonseca 17, revelou que o envolvimento do pai do bebê nas atividades de educação para a saúde e na preparação para o cuidado infantil levou a uma maior participação dele no pré-natal, chegando a influenciar o aumento do peso dos bebês ao nascer. Também Wiemann et al. 7 encontraram que a falta de contato com o pai do bebê e um menor grau de instrução em gestantes adolescentes se associavam com a entrada tardia no pré-natal, acarretando um número reduzido de consultas.

Chegar à maternidade sem a companhia de familiares ou do companheiro relacionou-se com o menor número de consultas, reforçando a hipótese de que a jovem que se sente pouco apoiada tem menos motivação para integrar-se adequadamente ao programa de pré-natal. Daí a importância do apoio familiar e, em especial, do companheiro. Este apoio aparece associado positivamente tanto ao bem-estar psicológico da adolescente grávida, quanto ao grau de satisfação que ela apresenta em relação à vida. Outros estudos realizados revelam que o apoio conjugal estaria associado à diminuição do estresse emocional e da depressão, bem como ao aumento da auto-estima da mãe adolescente 18,19.

Entre as adolescentes entrevistadas, 9,4% relataram ter tentado abortar o bebê, expressão máxima do não desejo de levar a termo a gestação. Pôde-se constatar que entre elas foi realizado um menor número de consultas de pré-natal.

A proporção de usuárias de drogas ilícitas neste grupo foi de 0,8% (15 gestantes adolescentes). Embora numericamente pequeno, esse valor foi quatro vezes maior do que o identificado em estudo desenvolvido em Helsink, Finlândia, onde a proporção encontrada foi de 0,2% nas gestantes em geral. Após trabalho voltado para redução ou mesmo interrupção do hábito, os resultados de prematuridade, baixo peso ao nascer e Apgar foram significativamente melhores nas que foram acompanhadas pelo programa 20.

No presente trabalho, não foi possível obter a informação sobre o consumo de bebida alcoólica ou drogas ilícitas pela adolescente antes de engravidar, impossibilitando a avaliação do abandono desses hábitos.

No âmbito deste estudo, foi possível perceber que tanto as adolescentes que fumaram, quanto as que beberam e/ou consumiram drogas na gestação fizeram um número menor de consultas comparadas às demais. As informações disponíveis neste banco de dados mostram que esses fatores apresentam-se interligados e com outras características desfavoráveis, como: baixo grau de escolaridade, filhos anteriores, história pregressa de aborto provocado, idade entre 10 e 14 anos na primeira gestação, falta de apoio do pai do bebê, tentativa de interromper a gestação atual, entre outras, gerando um perfil da gestante com maior dificuldade de adesão ao programa de pré-natal.

Uma questão que merece destaque é a identificação de um gradiente na proporção de mães que abandonaram o fumo na gestação na mesma direção em que cresceu o número de consultas realizadas. Embora não se possa afirmar que esses resultados sejam efeitos do pré-natal no grupo das adolescentes, podendo ser meramente resultado de auto-seleção das gestantes, essa evidência merece investigação particular e encontra suporte na literatura internacional. O efeito do conselho médico na redução desses hábitos foi avaliado por Jones-Webb et al. 21, que encontraram que a prevalência de tabagismo e etilismo na gestação foi menor em gestantes aconselhadas em comparação com as demais.

Os achados deste estudo levam a refletir sobre o papel do serviço de saúde na captação deste grupo excluído para o qual, certamente, o pré-natal teria um efeito fundamental sobre o resultado da gestação. Vimos que as adolescentes que já haviam vivenciado a experiência de ter pelo menos um nascido vivo anterior, 26% das mães, freqüentaram menos os serviços de saúde nesta gravidez. Uma gestação anterior deveria ter sido o momento adequado para o encaminhamento da adolescente a uma assistência multiprofissional no serviço de saúde 22. A perda dessas "oportunidades" acabam por produzir uma atuação menos efetiva da equipe, refletindo diretamente na saúde da adolescente, deixando de prevenir uma nova gestação em curto prazo, junto ao serviço de anticoncepção e orientação sobre a necessidade de um intervalo mínimo de dois anos entre os partos. Caso a gravidez já tenha ocorrido, cabe ao serviço garantir o encaminhamento da gestante ao pré-natal o mais precocemente possível.

A implementação do Programa de Saúde da Família (PSF) no Município do Rio de Janeiro deverá ter um papel fundamental enquanto ponte entre comunidade e serviço de saúde, através de busca ativa de gestantes no estágio inicial, encaminhando-as ao Programa de Pré-natal e buscando as faltosas. Enfim, criado o vínculo entre a gestante e o serviço, aumenta a chance de acompanhamento materno regular no período pré, peri e pós-natal, propiciando cuidados com o bebê desde a gestação, encaminhando-o para consultas de puericultura/pediatria e serviço de imunização, garantindo, assim, melhores resultados em seu primeiro ano de vida.

Analisando os motivos citados pelas gestantes que não fizeram o pré-natal (5,2%), a falta de interesse e a desinformação representaram mais de 40,0% das justificativas apresentadas pelas mães. Fedak et al. 9 mostraram que a reformulação do pré-natal com base na demanda das próprias adolescentes garantiu um aumento expressivo no número de participantes no programa.

De acordo com resultados encontrados por Amazarray et al. 23 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a participação das adolescentes em programa de assistência pré-natal é considerada uma experiência interessante e válida, especialmente por esclarecer dúvidas e por proporcionar uma conscientização da condição de mãe, assim como um maior amadurecimento pessoal. Outros estudos, no entanto, relatam dificuldades em conseguir a adesão do grupo das adolescentes ao atendimento pré-natal 24.

 

Colaboradores  

S. G. N. Gama participou de todas as etapas da análise e elaboração do texto. C. L. Szwarcwald foi responsável pela amostragem do estudo, colaborou em todas as etapas da análise e na revisão e redação final do artigo. A. R. Sabroza contribuiu no levantamento bibliográfico, na redação e na discussão dos resultados. V. C. Branco participou da redação da introdução e discussão dos resultados, além de ter contribuído com o levantamento bibliográfico sobre o tema. M. C. Leal colaborou na análise e interpretação dos resultados e na redação de todos os tópicos do artigo.

 

Referências  

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Endereço para correspondência
Silvana Granado Nogueira da Gama
Rua Leopoldo Bulhões 1480
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil
granado@ensp.fiocruz.br

Recebido em 30/Out/2001
Versão final reapresentada em 06/Jun/2003
Aprovado em 19/Dez/2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br