EDITORIAL
Perinatalidade no Rio de Janeiro
Maria do Carmo Leal; Silvana Granado Nogueira da Gama
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
No Município do Rio de Janeiro ocorrem anualmente cerca de 90 mil partos hospitalares com nascimentos vivos, aproximadamente 70% destes em instituições do Sistema Único de Saúde, sendo 47% nas redes públicas federal, estadual e municipal e 23% em hospitais prestadores de serviço. Os 30% restantes ocorrem na rede privada. Por ter sido capital federal, o Município do Rio de Janeiro tem grande concentração de instituições públicas, o que confere uma configuração muito particular ao seu sistema de saúde. O processo de municipalização de um grande número de estabelecimentos hospitalares federais implicou a modernização física e funcional, com investimento em atenção de média e alta complexidade perinatal, bem como na implantação de um atendimento humanizado à clientela das gestantes e recém-nascidos.
A mortalidade infantil, que até meados dos anos 90 vinha caindo basicamente às custas do componente pós-neonatal, com estabilidade dos coeficientes do período neonatal, principalmente do componente precoce, iniciou um processo de declínio das taxas na primeira semana de vida. Atualmente, a mortalidade infantil situa-se na faixa de 15 óbitos por mil nascimentos vivos, com quase 70% das mortes ocorridas nos primeiros 28 dias de vida, mas ainda, com expressiva representação das causas evitáveis. Do total de nascidos vivos, cerca de 8 mil crianças são prematuras e têm baixo peso, constituindo-se em 9% dos nascimentos. Estes números falam por si só do desafio que ainda permanece no enfrentamento da mortalidade infantil na cidade. Merece ainda registro que os óbitos fetais tardios são em maior número que os neonatais precoces e, com estes, partilham da possibilidade de serem evitados, em mais da metade dos casos.
Diante desse quadro, no período 2000/2001, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e do Fundo das Nações Unidas para Infância iniciaram uma investigação, "Estudo da Morbi-mortalidade e da Atenção Peri e Neonatal no Município do Rio de Janeiro", em amostra de maternidades da cidade, buscando fazer um diagnóstico refinado da clientela e das práticas, processos e estrutura dos serviços de saúde que atendiam ao parto.
Este número temático conta com vários artigos da autoria de professores da ENSP e profissionais da SMS-RJ, bem como de alunos da pós-graduação da ENSP que desenvolveram suas dissertações e teses com os dados dessa investigação.
Analisam-se as características sócio-demográficas, comportamentais e de história obstétrica maternas, as desigualdades no acesso ao pré-natal, assistência ao parto e uso de medicamentos, tanto quanto os indicadores de resultados alcançados para puérperas e recém-nascidos. Por se tratar de grave problema de saúde pública, especial atenção foi dada à gravidez na adolescência, considerando as suas repercussões sobre a jovem mãe e seu concepto. Além disso, um conjunto de artigos trata da validade e confiabilidade dos dados do estudo, comparando, inclusive, os resultados obtidos com os informados em prontuários e pelos sistemas oficiais de informação de nascimentos e óbitos.
Este trabalho contou com a participação de muitos estagiários bolsistas, alunos da graduação de medicina e enfermagem, além de bolsistas de iniciação científica da ENSP, a quem a equipe dos autores agradece a colaboração. Às instituições de saúde envolvidas e, especialmente, às mulheres que nos confiaram suas histórias de vida e nos receberam em momento tão singular das suas trajetórias, esperamos estar devolvendo a confiança depositada, mostrando, à sociedade e aos gestores do sistema de saúde local, os problemas que ainda persistem no enfrentamento da atenção perinatal no Município do Rio de Janeiro.