DEBATE DEBATE
Debate sobre o artigo de Hillegonda Maria Dutilh Novaes
Debate on the paper by Hillegonda Maria Dutilh Novaes
Marcia Furquim de Almeida
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. marfural@usp.br
O artigo de Novaes sobre pesquisas em serviços de saúde vem em boa hora, mostrando a diversidade e a complexidade que se encerram sob essa denominação. Apesar do enorme avanço ocorrido, nos últimos anos, com a proposta de construção do SUS e de seu processo de implementação, a produção científica realizada nos/sobre serviços de saúde é ainda pequena em nosso país. Novaes menciona que, entre as atividades e pesquisas realizadas nos serviços de saúde, há uma valorização dos bancos de dados secundários epidemiológicos, demográficos e sistemas de monitoramento, contudo essa prática não se encontra refletida em pesquisas específicas ou em elaboração de artigos científicos. O artigo traz pontos interessantes para a reflexão da relação entre os serviços de saúde e os sistemas de informação em saúde.
As informações em saúde resultantes desses bancos de dados/sistemas de informação, teoricamente, têm sido cada vez mais valorizadas, pois se constituem em instrumentos para obtenção de indicadores que balizam repasses financeiros entre as diferentes esferas do SUS e freqüentemente são apontados como elementos importantes no processo de decisão dos serviços de saúde. Estes, por sua vez, constituem-se na principal fonte de obtenção de dados dos principais sistemas de informação nacionais de epidemiologia, como o SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), SINAN (Sistema de Informação Nacional de Agravos Notificáveis) e SINASC (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos). Há também aqueles relativos à produção dos serviços de saúde, como o SIH-SUS (Sistema de Informações Hospitalares) e o SIA-SUS (Sistema de Informações Ambulatoriais), sem falar das dezenas de outros sistemas de informação, que têm por objeto dimensões específicas das atividades dos serviços de saúde, como SIAB (Sistema de Informação sobre Atenção Básica, que cobre as atividades do Programa Saúde da Família) SISPRENATAL (Atividades da Programação de Pré-Natal) e tantos outros.
Há poucos estudos no Brasil sobre a validação dos sistemas de informação nacionais. No caso do SINASC, os estudos têm mostrado que as variáveis que fazem parte da rotina dos serviços de saúde apresentam melhor completude e qualidade do que aquelas que deveriam ser obtidas por meio da informação do paciente. É o caso da variável peso ao nascer, sexo do recém-nascido e tipo de parto; nos estudos realizados, essas variáveis apresentam preenchimento superior a 90% 1,2,3, chegando a aproximar-se de 99% 3. A informação sobre duração da gestação é rotineiramente obtida na atenção ao parto e também apresenta elevado grau de preenchimento 2,3, entretanto sua acurácia é menor por causa das dificuldades próprias da obtenção desse tipo de informação, que se baseia na data da última menstruação fornecida pela mãe ou em técnicas de avaliação do recém-nascido, dados nem sempre comparáveis entre si. Outras informações, como o número de nascidos mortos ou abortos anteriores, também são rotineiramente registradas nos prontuários médicos, porém apresentam qualidade deficiente, a qual está relacionada à ausência de normatização do seu registro. Alguns serviços de saúde registram o número de partos anteriores, enquanto outros relatam as gestações prévias da mulher, o que pode incluir os abortos provados anteriores. Essas diferenças geram dúvidas de qual deve ser a conduta na coleta de dados. Outro problema refere-se à normatização do conceito sobre o que se considera nascido morto ou aborto natural, que se deve mais às mudanças introduzidas pela Classificação Internacional de Doenças na 9º e 10º revisão e a quanto os diferentes profissionais de saúde, que fazem os registros nos prontuários médicos, estão conscientes dessas mudanças, do que propriamente a falhas de registro nos prontuários médicos.
As variáveis que são obtidas por meio da informação direta da mãe, como escolaridade e situação conjugal, têm mostrado melhoria do seu grau de preenchimento, no SINASC, ao longo do tempo, no entanto sua qualidade ainda deixa a desejar 1,3. Com os dados disponíveis, até o momento, é possível apenas saber que eles terão melhor qualidade, quanto mais próximos se situarem da rotina de trabalho dos serviços de saúde. Isso não significa, todavia, que essas variáveis devam ser abolidas dos sistemas de informação, e, sim, que são necessários cuidados para sua utilização e indica, ainda, a necessidade de treinamento freqüente para garantir sua qualidade
Os serviços de saúde constituem-se na ponta da produção da maioria dos sistemas de informação, por meio de preenchimento de documentos e planilhas, nestes, o mesmo dado é coletado/registrado inúmeras vezes para os diferentes sistemas de informação. A prática de devolver as informações trabalhadas, por meio de indicadores, aos serviços de saúde é quase inexistente, contudo é freqüentemente mencionada como importante, para garantir a qualidade da informação. Dessa maneira, resta aos serviços de saúde quase que exclusivamente o papel de preenchimento de planilhas eletrônicas ou manuais, e os profissionais envolvidos nessa tarefa nem sempre recebem treinamento adequado ou têm a clareza da utilidade dos dados que estão sendo coletados.
Se há poucos estudos sobre validação dos sistemas de informação, praticamente inexistem aqueles que mostrem se há diferenças de qualidade na informação produzida em hospitais de ensino, públicos e privados, ou se há diferenças quanto ao porte do hospital (número de leitos). Também não se sabe se há diferenças na qualidade do dado, quando o documento é preenchido pelo médico, enfermeira, ou pelo responsável do Serviço de Arquivo Médico.
Outro ponto a ser mencionado é que a grande maioria de pesquisas utiliza os dados dos sistemas de informação de epidemiologia segundo o local de residência dos eventos. No entanto, é possível utilizar esses dados segundo local de ocorrência dos eventos, identificando os serviços de saúde onde os casos aconteceram, para avaliar o fluxo de pacientes e analisar em maior profundidade a questão de acessibilidade aos serviços de saúde 4, ou mesmo para identificar possíveis diferenças quanto ao perfil epidemiológico dos pacientes de diferentes serviços de saúde. Essas informações, aliadas às informações disponíveis em outros sistemas de informação, poderiam constituir-se em pistas importantes para avaliação da qualidade da atenção prestada, que Novaes aponta como sendo uma das vertentes importantes na pesquisa em/sobre serviços de saúde.
Houve enorme avanço com a implantação dos sistemas de informação de base nacional, os quais tiveram o mérito de padronizar a coleta, tratamento e disseminação de dados, dotando o país de informações mais confiáveis, comparáveis e ágeis 5. Os serviços de saúde são a principal fonte obtenção de dados, porém cabe, mais uma vez, retomar a discussão de que, até o momento, seu papel tem praticamente ficado restrito ao preenchimento de planilhas, muitas vezes duplicando ou mesmo multiplicando a coleta de dados para os diferentes sistemas de informação. Com o conhecimento disponível hoje em tecnologia da informação, seria possível buscar maior grau de informatização na produção de dados, promover a integração, interoperabilidade e flexibilidade dos sistemas de informação, otimizando a coleta de dados. Como resultado, haveria menor desgaste dos serviços de saúde nessas atividades, redução de custos para produção de dados (impressão, transporte, digitação e guarda de documentos) e, por último, uma melhoria da qualidade da informação.
1. Mello-Jorge MHP, Gotlieb SLD, Soboll MLMS, Almeida MF, Latorre MRDO. Avaliação do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos e o uso de seus dados em epidemiologia e estatísticas de saúde. Rev Saúde Pública 1993; 27 Suppl:2-21.
2. Silva AAM, Ribeiro VS, Borba Jr. AF, Silva RA. Avaliação da qualidade dos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos de 1997-1998. Rev Saúde Pública 2001; 35:508-14.
3. Theme Filha MM, Gama SGN, Cunha CB, Leal MC. Confiabilidade do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos hospitalares no Município do Rio de Janeiro, 1999-2001. Cad Saúde Pública 2004; 20 Suppl 1: S83-S91.
4. Campos TP, Carvalho MS. Assistência ao parto no Município do Rio de Janeiro: perfil das maternidades e o acesso da clientela. Cad Saúde Pública 2000; 16:411-20.
5. Almeida MF. Descentralização de sistemas de informação e o uso das informações em nível municipal. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:27-33.