DEBATE DEBATE

 

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Hillegonda Maria Dutilh Novaes

 

 

Quero, de início, agradecer aos nove pesquisadores que aceitaram participar como debatedores do texto apresentado, contribuindo de forma importante para a identificação de lacunas e sinalizando desdobramentos possíveis para a discussão proposta. Buscou-se convidar para o debate pesquisadores destacados nas diferentes disciplinas que referenciam a área temática "pesquisa em serviços de saúde", para que as problematizações pudessem ser as mais amplas possíveis.

Célia Almeida apontou o não aprofundamento, no texto, das características diferenciadas de desenvolvimento dos sistemas de saúde no século XX, as suas crises e propostas de reforma em anos recentes, elementos constitutivos para a construção da área de pesquisa em saúde nos moldes atuais. Considerou também ser importante o reconhecimento do World Health Report de 2000 da OMS como uma das propostas que influenciaram a discussão de avaliação do desempenho de sistemas de serviços de saúde. Adicionalmente, alertou para o risco, de caráter reducionista, de uma visão utilitária, instrumental e imediata da pesquisa científica, como instrumento para a transformação de uma dada realidade. Concluiu apresentando uma questão: seriam as categorias adotadas para agrupamento das abordagens encontradas na literatura internacional úteis para identificar temas que poderiam estar sendo desenvolvidos no Brasil?

Quanto às lacunas apontadas, ainda que se tenha buscado delinear o contexto geral no qual a pesquisa em serviços de saúde se moveu historicamente, ele de fato não pôde ser aprofundado, pela necessidade de delimitação de um recorte mais restrito e modesto: discutir o panorama internacional atual da pesquisa em/ sobre/para serviços de saúde, identificando suas principais características e dificuldades, para inseri-las nas discussões sobre pesquisa em saúde no Brasil. Não pretendi realizar uma revisão sistemática da literatura internacional, muito menos da nacional, tendo sido utilizadas estratégias mais restritas, explicitadas no texto, na busca de elementos para a discussão proposta, a qual considerei poderia contribuir para pensarmos nas articulações possíveis, porém extremamente complexas, entre prática científica, política de C&T (Ciência & Tecnologia), política de saúde e práticas de atenção nos serviços de saúde, na realidade brasileira.

Maurício L. Barreto concentrou seus comentários na frase que inicia o Resumo do artigo — "Os serviços e sistemas de saúde têm uma participação importante na determinação dos níveis de saúde e condições de vida das populações" — e, citando McKeown, desenvolveu uma discussão muito pertinente sobre o impacto questionável da atenção médica sobre a mortalidade populacional, quando comparado com o impacto de mudanças nas condições sociais. Concordo inteiramente com ele e acredito que afirmações ao longo do texto deixam isso claro: "a atenção à saúde é considerada, nas sociedades contemporâneas ocidentais, como um direito fundamental do cidadão e adquiriu uma dimensão econômica crescente". "As décadas de 70 e 80 foram marcadas por uma expansão quase explosiva (...) tanto da cobertura populacional pelos sistemas de saúde (...) quanto da densidade tecnológica (...). Se de um lado essa expansão é considerada como essencialmente positiva pelos governos, pelas industrias e pela população, a sua intensidade gera (...) preocupações quanto à sua sustentabilidade econômico-financeira, efetividade técnica e impacto na saúde populacional".

A discussão proposta partiu de uma realidade, os serviços de saúde estão aí e, quando nos sentimos doentes, é neles que buscamos socorro, mas custam caro e não sabemos bem para que nos servem afinal. Por isso, buscou-se, por meio da análise da produção internacional sobre a temática "pesquisa em serviços de saúde" (que tem como pano de fundo o reconhecimento do desconhecimento sobre a sua contribuição para a saúde), apontar questões que poderiam "contribuir para o aprimoramento e fortalecimento do SUS e qualidade na atenção nos serviços de saúde, integrando-se aos processos sociais, econômicos e políticos que constróem a saúde atual e futura da população brasileira, fortalecendo da melhor forma possível o papel que a ciência e tecnologia podem e devem ter nas sociedades contemporâneas". Muita pretensão, certamente, mas indica o espaço no qual a discussão buscou se inserir.

Ana Maria Malik identificou uma série de problemas vivenciados por profissionais da área de gestão da saúde, na esfera tanto estrutural, quanto organizacional dos serviços de saúde, referindo haver uma produção no Brasil sobre esses temas, a qual fica, no entanto, freqüentemente restrita a textos apresentados em mestrados e doutorados, não se transformando necessariamente em artigos. Os administradores, ainda segundo a pesquisadora, pressionados pela necessidade de respostas rápidas para perguntas nem sempre muito claras, tendem a recorrer aos estudos de casos e consultorias externas, levando a produtos não publicados e geralmente também não publicáveis.

Fez também uma pergunta muito importante: o que os profissionais que trabalham nos serviços de saúde no Brasil consideram ser pesquisa e com que intenção ela é feita? Teriam eles interesse em conhecer a realidade na qual trabalham, sem necessariamente almejar se transformar em pesquisadores? Isso se comprovaria com a grande produção de pôsteres para eventos que acolhem essas questões, com informações muito interessantes, mas que não resistem ao crivo da metodologia de pesquisa "acadêmica" e não são aceitos em publicações de circulação ampliada. Considera que deveriam ser criados mecanismos que permitissem a divulgação dessa produção e que aumentassem o número de pesquisas nessa área. A essas considerações tão pertinentes gostaria de acrescentar que a busca dos profissionais da área da gestão por cursos de especialização poderia indicar, para além da necessidade de fortalecer a carreira em um mercado de trabalho competitivo, o reconhecimento de que uma formação básica em metodologia de pesquisa não é mais necessária apenas para quem quer ser pesquisador, mas se constitui em ferramenta essencial para um melhor reconhecimento da sua realidade.

Com o crescente poder de interferência nos processos biológicos e de invasão do corpo das tecnologias diagnósticas e terapêuticas utilizadas, Suely Rozenfeld alertou para a importância dos eventos adversos nos processos assistenciais desenvolvidos nos serviços de saúde, em particular os hospitalares, seja na freqüência, seja na gravidade. Tais eventos estão associados aos problemas na qualidade geral da assistência, indicando que, além de buscar estudar nas pesquisas em serviços de saúde os possíveis impactos positivos, devem ser também identificados os negativos. Apontou também para a dificuldade que, às vezes, coloca-se no estabelecimento dos limites entre as condições necessárias para se atingirem os objetivos de uma pesquisa e os parâmetros recomendados pela vigilância e regulação sanitária na assistência. A difícil acessibilidade aos serviços para a realização de pesquisas e o cuidado na adequação das questões éticas regulamentadas por normas que orientam a pesquisa em seres humanos são também elementos que tornam as pesquisas em serviços de saúde processos cada vez mais complexos e prolongados. Destacou a necessidade urgente do aprimoramento das bases de dados nacionais de assistência à saúde, recomendando a inclusão de informações disponíveis nos prontuários, como os medicamentos empregados durante as internações. São todas, sem dúvida, questões muito importantes na conformação da atividade de pesquisa nos serviços de saúde.

Eleonor M. Conill direcionou seus comentários para a questão da melhor difusão e utilização dos resultados das pesquisas, em geral, e, em particular, na área de serviços de saúde. Algumas iniciativas, como o estímulo à publicação de artigos na pós-graduação e presença de alunos vinculados aos serviços nos programas de pós-graduação, bem como a obrigatoriedade da difusão dos resultados como parte dos contratos de financiamento de pesquisas, poderiam contribuir para isso, tanto no momento da proposição das pesquisas, ao inseri-las em agendas de prioridades para os gestores, quanto na sua conclusão, por meio do desenvolvimento de redes e sites na Internet especialmente dedicados à difusão da produção nessa área. Uma discussão especialmente interessante, e que tem despertado muita polêmica, é a que tratou do desenvolvimento de metodologias de pesquisa que se propõem a preservar características atualmente consideradas essenciais aos processos de produção do conhecimento científico, buscando garantir a sua legitimidade nesse plano, ao mesmo tempo em que transformam/embaralham as posições de objeto e sujeito da pesquisa.

Moisés Goldbaum chamou a atenção para o que seria um paradoxo entre uma presença maciça de comunicações nos congressos de Saúde Coletiva e Epidemiologia, que se classificam como sendo sobre sistemas e serviços de saúde, e a presença bem mais reduzida dessa temática nas revistas científicas brasileiras da área de Saúde Coletiva. O que poderia explicar essa dissociação? Acredito que, em parte, os profissionais vinculados apenas aos serviços de saúde (sem laços com a academia) não têm motivações (internas e externas) suficientemente fortes, em face das dificuldades inerentes ao desenvolvimento de pesquisas mais ampliadas (falta de recursos de toda ordem), para enfrentar os obstáculos a serem transpostos para se chegar até a redação de artigos. A proposição de comunicações e pôsteres nos congressos seria a máxima socialização possível do conhecimento produzido, capaz de garantir a sua inserção nessa área de conhecimento. Por outro lado, pode haver efetivamente uma dificuldade desses profissionais em atender aos parâmetros exigidos pelos revisores e editores das revistas científicas, pois escrever artigos científicos se constitui também em uma tecnologia, que se aprende pelo exercício continuado.

Na perspectiva da aproximação entre o conhecimento produzido e aqueles que poderiam utilizá-lo nos seus processos de tomada decisão, deve ser, de fato, destacada a iniciativa do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde (BIREME/OPAS) para o desenvolvimento da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e os diferentes produtos ali inseridos, que se propõem a atingir públicos diversificados e atender às suas diferentes necessidades, como, por exemplo, o projeto Informação para Tomada de Decisão (ITD) (http://www.saudepublica.bvs. br/itd), dirigido aos gestores da área da saúde.

Márcia Furquim de Almeida aprofundou a discussão sobre o desenvolvimento e qualidade dos sistemas nacionais de informação em saúde no Brasil, apoiados fortemente em informações obtidas de dados existentes nos prontuários dos pacientes atendidos nos serviços de saúde, sem a explicitação da relação entre qualidade da atenção, qualidade dos registros clínicos e qualidade das informações nas bases de dados, nem a definição das responsabilidades de todos os envolvidos nos respectivos processos. A exemplificação com o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e os problemas com as variáveis que integram a Declaração de Nascido Vivo deixam bem claras as complexas articulações entre assistência/registros/dados/informações/produção de conhecimento nos serviços de saúde, nas perspectivas interna e externa. Sem dúvida, o melhor equacionamento da dissociação entre os processos assistenciais e os processos de produção da informação, vistos como antagônicos ao invés de complementares, e o desenvolvimento de ferramentas de informação capazes de reduzir o trabalho no preenchimento dos documentos utilizados nos serviços de saúde em muito poderiam contribuir para a otimização dessa cadeia de processos.

Kenneth Rochel de Camargo Jr. orientou suas observações pelas proposições centrais do artigo: a produção de conhecimento sobre a atenção à saúde nos serviços exige abordagens múltiplas disciplinares e metodológicas; a produção de um conhecimento "melhor" poderia contribuir para a qualidade da atenção; a produção brasileira orientada para essas questões é pequena. As observações do pesquisador se inserem de forma muito pertinente nessa discussão, pois, de fato, o objetivo central do texto foi identificar como as duas primeiras proposições referenciaram o desenvolvimento de uma área temática de produção de conhecimento nos países desenvolvidos, por meio da análise da literatura encontrada em revistas incluídas em bases de dados de acesso mais ampliado, procurando discutir as suas principais características e as dificuldades enfrentadas na realização desses pressupostos. Os pressupostos se realizam apenas parcialmente, como quase sempre acontece com os pressupostos... Quanto à produção brasileira, foi utilizada uma estratégia semelhante de busca em base de dados de literatura de acesso ampliado, apenas como uma primeira aproximação, reconhecidamente limitada e parcial, da presença dessas proposições e área temática no Brasil.

Milton de Arruda Martins destacou a importância de uma melhor compreensão das articulações possíveis entre produção e utilização do conhecimento nessa área temática e a necessidade de serem pensadas formas de estimular a produção brasileira. Apontou questões específicas que deveriam merecer uma atenção especial, como o estudo da qualidade da atenção básica, a integralidade na assistência, o impacto do Programa Saúde da Família. Deu um destaque importante, e que não foi explorado no texto, para a influência do tipo de formação dos profissionais de nível superior nas questões que irão priorizar para a pesquisa e no seu envolvimento com a qualidade da atenção, reconhecendo-a como uma construção coletiva que articula dimensões técnicas, econômico-financeiras e sociais.

Em conclusão, agradeço mais uma vez por todas as contribuições, as quais permitiram um grande enriquecimento do debate proposto.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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