RESENHAS BOOK REVIEWS
Eloisa Dutra Caldas
Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. eloisa@unb.br
É VENENO OU É REMÉDIO? AGROTÓXICOS, SAÚDE E AMBIENTE. Frederico Peres & Josino Costa Moreira, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. 384 pp.
ISBN: 85-7541-031-8
Este livro abrange diferentes aspectos relacionados aos agrotóxicos com artigos de 24 pesquisadores de várias áreas da ciência, na maioria, envolvidos diretamente com o problema da exposição humana e ambiental a esses compostos. Além de revisões de algumas questões básicas ligadas ao tema, o livro também apresenta os estudos conduzidos pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), numa região rural de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, situada na microbacia do Córrego São Lourenço e caracterizada pela agricultura familiar. O livro é divido em três partes: Agrotóxicos, Saúde e Ambiente Uma Introdução ao Tema; Metodologias de Pesquisa Avanços e Dilemas; e Perspectivas e Desafios. Essa lógica permite ao leitor o acúmulo progressivo de informações e chega-se ao final com a sensação de uma viagem através de um tema que afeta diretamente uma parcela importante da sociedade brasileira.
A primeira parte do livro discute aspectos legais de uso e a ação tóxica dos agrotóxicos no organismo humano. O primeiro artigo apresenta as inúmeras denominações relacionadas a esse grupo de substâncias e o significado de cada uma para os diferentes grupos sociais. Para os autores, apenas a denominação "agrotóxicos", utilizada pela legislação brasileira vigente, apresenta transparência e possui caráter ético para o leitor, usuário e consumidor de alimentos. Outras denominações reforçam o "caráter positivo" dessas substâncias e beneficiam as indústrias químicas, em detrimento da informação visando proteger a saúde humana. Em seguida, os autores descrevem o processo de registro de agrotóxicos no Brasil. Apesar de correta, a descrição, porém, omite informação da importante função do Ministério da Saúde, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), neste processo o estabelecimento de limites máximos de resíduos dos agrotóxicos nos alimentos (LMR). A presença de resíduos de agrotóxicos nos alimentos consumidos no país será, em tempo, objeto de discussão na segunda parte do livro.
Três outros artigos da primeira parte tratam da utilização dos agrotóxicos no campo e as conseqüências desse uso para a saúde humana e para o meio ambiente. Em A Exposição de Crianças e Adolescentes aos Agrotóxicos, Paula de Novaes Sarcinelli reporta um trabalho conduzido pelo CESTEH em Nova Friburgo, no qual indicadores biológicos de exposição a agrotóxicos foram avaliados em crianças e adolescentes que se ocupavam de atividades agrícolas nas propriedades familiares. O artigo Exposição a Agrotóxicos e Câncer Ambiental descreve as bases moleculares do desenvolvimento do câncer e do polimorfismo genético que podem envolver os agrotóxicos, bem como uma boa revisão dos trabalhos no Brasil e no mundo que relacionam a exposição a esses compostos e seus efeitos no organismo humano. Os aspectos biológicos e epidemiológicos dos desreguladores endócrinos estão no artigo, excelente e atual, Os Agrotóxicos e Sua Ação como Desreguladores Endócrinos. A comprovada ou possível ação sobre o sistema endócrino de algumas substâncias químicas, inclusive de alguns agrotóxicos, como o inseticida DDT, é discutida.
O terceiro artigo dessa primeira parte, O Uso dos Agrotóxicos no Semi-árido Brasileiro, é uma abordagem filosófica do problema da seca no semi-árido nordestino ao longo da história do país, e, apesar de correto, foge aos objetivos do livro, se encontrando deslocado no contexto geral da proposta.
Na segunda parte, o livro enfoca as metodologias de pesquisa nas áreas de exposição, avaliação, percepção e gerenciamento do risco humano a agrotóxicos. O primeiro artigo, Avaliação da Exposição Humana, apresenta, de maneira competente, os aspectos do monitoramento biológico das populações e a importância da escolha do indicador biológico adequado para acessar a exposição a agrotóxicos. O uso dos indicadores biológicos de efeito a inseticidas organofosforados e carbamatos, a butilcolinesterase e a acetilcolinesterase suas limitações e vantagens são discutidos através de dois estudos conduzidos pelo CESTEH. Questões como valores de referência e tempo adequado de coleta de amostras biológicas dos indivíduos expostos são abordados, ressaltando a necessidade de um planejamento criterioso de um estudo desse tipo e de uma avaliação crítica de seus resultados.
Metodologias para avaliar o impacto do uso de agrotóxicos no meio ambiente são discutidas nos três artigos seguintes. Em Avaliação de Ambientes Contaminados, o comportamento dos agrotóxicos nos diferentes compartimentos ambientais, como solo, água e ar, é apresentado. O artigo discute também os resultados de um estudo conduzido pelo CESTEH, no qual indicadores ambientais e sazonalidade de aplicação de agrotóxico são correlacionados com níveis de inseticidas organofosforados e carbamatos encontrados no Córrego São Lourenço. Os autores ressaltam a importância de uma estratégia de monitoramento ambiental que leve em conta características ambientais da região e físico-químicas das substâncias em estudo. O uso de Microinvertebrados como Indicadores de Ecossistemas Aquáticos Contaminados com substâncias químicas, inclusive os agrotóxicos, é apresentado no artigo seguinte. As diferentes metodologias e abordagens existentes, como a utilização de índices bióticos e modelos de predição de impacto e o uso de características individuais dos organismos ou de biomarcadores como indicadores da exposição, são discutidas. Excelente e esclarecedor, principalmente para o leitor não familiarizado com esses indicadores. No artigo Avaliação de Ambientes e Produtos Contaminados, o pesquisador Mauro Velho de Castro Faria descreve com detalhes a metodologia enzimática para determinação de inseticidas organofosforados e carbamatos em água e alimentos através da inibição da acetilcolinesterase, bem como os resultados de um estudo conduzido com alimentos comercializados pelas Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (CEASA/RJ) em 2000/2001. Como ressalta o autor, apesar de algumas limitações, o uso dessa técnica como triagem prévia a métodos cromatográficos clássicos pode ser vantajoso, principalmente em programas de monitoramento, já que diminui substancialmente os custos de análise.
No artigo Por Um Gerenciamento de Riscos Integrados e Participativo, os autores abordam a questão do risco, nele inserido a exposição humana e ambiental a agrotóxicos e os processos de avaliação e gerenciamento do risco, dentro de um contexto histórico e filosófico. Os modelos circulares, que integram os dois processos, são discutidos com detalhes, contrapondo-se ao modelo linear clássico, já que permite a participação de todos os envolvidos em qualquer etapa do modelo, possibilitando redefinir o problema original, reconsiderar ações e repetir etapas, num processo transparente que permite, de maneira mais democrática, a solução dos problemas e a aceitação dos seus resultados pelos atores envolvidos. O artigo Os Desafios da Construção de Uma Abordagem Metodológica de Diagnóstico Rápido da Percepção de Risco no Trabalho apresenta uma excelente análise crítica das metodologias qualitativas de investigação, baseadas nos procedimentos de diagnóstico rápido, conhecidos como RAP, através do relato de sua aplicação num estudo de percepção de risco ao trabalho na região agrícola de Nova Friburgo. As várias etapas do procedimento, como a fase exploratória de campo, definição e elaboração do instrumento de coleta de dados, definição dos informantes e levantamento e análise dos dados, são discutidas.
A terceira e última parte do livro enfoca as perspectivas e desafios da problemática que envolve o uso de agrotóxicos em questões como segurança alimentar e ocupacional, e a comunicação-educação das populações rurais. No artigo Um Esforço para Garantir a Segurança Alimentar Nacional, o pesquisador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da FIOCRUZ (INCQS), Armi Nobrega, apresenta o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), coordenado pela ANVISA e pelo INCQS, com a participação das vigilâncias sanitárias estaduais. O autor discute alguns resultados obtidos no primeiro ano do programa (2001/2002), bem como do estudo interlaboratorial de qualidade analítica, realizado com 17 laboratórios de resíduos de pesticidas do país. O autor apresenta alguns impactos que esse programa já apresenta no cenário nacional e estadual, e os desafios futuros, inclusive o de aumentar a rede de laboratórios participantes e o credenciamento dos mesmos junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Acreditamos que, sem dúvida, a implementação do PARA foi um marco na questão de resíduos de agrotóxicos em alimentos no país.
Dois artigos abordam o Sistema de Notificação de Intoxicações, enfocando o problema da subnotificação, que impossibilita pesquisadores e autoridades de saúde dimensionar a problemática das intoxicações por agrotóxicos no país e propor ações para diminuir o problema. Questões relacionadas à vigilância epidemiológica são apresentadas, e, principalmente, os problemas e desafios encontrados pelos centros de informação toxicológica, nos níveis municipal, estadual e federal. No artigo O Desafio da Comunicação Rural, o leitor encontra uma discussão interessante sobre a transferência de informação sobre o uso de agrotóxicos e dos riscos desse uso para os principais atores desse processo o agricultor, pelas indústrias de agrotóxicos, vendedores e agrônomos. Os resultados de um trabalho conduzido na região da microbacia do Córrego do São Lourenço são apresentados. Claramente, as informações passadas aos agricultores, através de rótulos, bulas e folders dos produtos, não são totalmente compreendidas e, em alguns casos, podem levar a interpretações pelos agricultores que implicam em práticas que podem aumentar o risco à saúde. No artigo Os Desafios Interdisciplinares da Avaliação da Exposição Humana, os organizadores do livro, Frederico Peres & Josino Moreira, sumarizam os resultados dos estudos conduzidos pelo CESTEH em Nova Friburgo já apresentados anteriormente, bem como introduzem novos estudos conduzidos na região, como o impacto do uso dos agrotóxicos sobre a biota do Córrego São Lourenço e novos dados relacionados aos níveis de inibição de colinesterases dos agricultores. O aspecto multidisciplinar dos estudos demonstra que o desafio para compreender e solucionar os problemas de uma região sujeita ao uso intenso desses agrotóxicos envolve profissionais de várias áreas e uma visão holística do problema.
O artigo Reflexões sobre a Educação Relacionada aos Agrotóxicos em Comunidades Rurais encerra o livro com uma reflexão profunda e crítica do modelo educacional colocado para as populações rurais do país. As idéias de Paulo Freire, dos próprios e de outros autores permeiam a discussão e mostram a necessidade de compreender-se e valorizar o pensar e o viver dessa população, para, então, construir-se um modelo para educar.
A estrutura do livro, com artigos independentes, escritos, na maioria das vezes, por vários autores, é interessante e essencial, já que permite uma discussão ampla e diversa dos temas abordados. Porém, algumas vezes, esse formato levou a repetições desnecessárias de informações entre os artigos, e mesmo num mesmo artigo. Alguns artigos não apresentam a referência bibliográfica no texto, o que dificulta, para o leitor, a identificação da fonte da informação. Em alguns momentos, informações contraditórias podem ser encontradas nos artigos. Por exemplo, o DDT foi considerado, em alguns textos, como comprovadamente ou provavelmente carcinogênico (p. 79), ao contrário da classificação atual, dada pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC, 2001. http://www.iarc.fr), que o classifica como um possível carcinogênico humano (Classe 2B). A ausência de evidências concretas que relacionem a exposição humana a DDT e câncer foi discutida na pp. 83. Os PCBs, compostos clorados persistentes encontrados no meio ambiente, e o DDE, um metabólito do DDT, foram descritos, inadequadamente, como agrotóxicos no quarto artigo (p. 82). O uso de PCBs como isolantes térmicos e como componentes de adesivos e plásticos foi comentado no capítulo seguinte (p. 106). O mecanismo de ação tóxica dos inseticidas organofosforados e carbamatos, descritos nas páginas 34 e 126, não está totalmente correto. Enquanto esses compostos inibem tanto a acetilcolinesterase quanto a butilcolinesterase, apenas a primeira é responsável pela hidrólise do neurotransmissor acetilcolina, levando aos efeitos adversos observados em organismos expostos. Esse mecanismo está descrito na página 179 e em outros textos do livro. Esses detalhes, porém, não comprometem a qualidade deste livro, que, como toda informação, deve ser lida criticamente.
É Veneno ou Remédio? Agrotóxicos, Saúde e Ambiente é, com certeza, uma importante fonte de consulta para estudantes de pós-graduação e pesquisadores que trabalham com a questão da exposição humana e ambiental, não só a agrotóxicos, mas a contaminantes químicos de maneira geral.