ARTIGO ARTICLE

 

Avaliação do impacto de um programa de puericultura na promoção da amamentação exclusiva

 

Impact of a well baby care program on the promotion of exclusive breastfeeding

 

 

José Justino Faleiros; Gladis Kalil; Darci Pegoraro Casarin; Paulo A. Laque Jr.; Iná S. Santos

Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foi estudada a prevalência de amamentação exclusiva numa coorte histórica de crianças nascidas entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002, de famílias de baixo nível sócio-econômico, residentes na área de abrangência de um Posto de Saúde de Atenção Primária, na periferia da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Para a análise foi construída uma tábua de vida, cujo desfecho era a interrupção da amamentação exclusiva, mês a mês, após o nascimento. Entre as 112 crianças estudadas, a prevalência de amamentação exclusiva no primeiro mês de vida foi de 95,0%, caindo progressivamente para 81,0%, 64,0%, 53,0%, 39,0% e 35,0%, respectivamente, do segundo ao sexto mês. A mediana de duração da amamentação exclusiva foi de quatro meses; a mediana de duração da amamentação exclusiva e a prevalência de aleitamento exclusivo no sexto mês, superiores às taxas nacionais, indicam adequação do Programa de Puericultura na promoção da amamentação. No entanto, mais esforços devem ser despendidos para aumentar a prevalência da amamentação exclusiva até o sexto mês de vida.

Amamentação; Puericultura; Avaliação dos Serviços


ABSTRACT

A historical cohort of children born between January 2000 and December 2002 from low-income families attending a primary health care facility on the periphery of Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil, was studied in relation to prevalence of exclusive breastfeeding. Analysis was based on a life table focusing on interruption of exclusive breastfeeding (month-by-month after birth) as the target outcome. Among the 112 children followed up from birth by the Well Baby Program, prevalence of exclusive breastfeeding in the first month of life was 95.0%, declining progressively to 81.0%, 64.0%, 53.0%, 39.0%, and 35.0%, respectively, from the second to the sixth month after birth. Median duration of exclusive breastfeeding was four months. Median duration of exclusive breastfeeding and prevalence among six-month-old infants were both higher than the Brazilian national rates and indicate the Program's adequacy in promoting breastfeeding. However, more effort should be made to increase the prevalence of exclusive breastfeeding until the sixth month of life.

Breast Feeding; Child Care; Services Evaluation


 

 

Introdução

Desde 1979, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendava que a duração do aleitamento materno exclusivo fosse de quatro a seis meses. Em maio de 2001, a Assembléia Mundial da Saúde aprovou a recomendação de amamentação exclusiva por seis meses 1. As vantagens do aleitamento materno na redução da morbi-mortalidade por doenças infecciosas têm sido amplamente demonstradas 2,3, e há evidências de que a complementação do leite materno com água ou chás, nos primeiros seis meses de vida, é desnecessária do ponto de vista biológico, mesmo em dias quentes e secos 4. A amamentação significa, também, menor custo para os sistemas de saúde. Até em países onde a mortalidade infantil é baixa, tratamentos hospitalares demandados por crianças alimentadas artificialmente ocorrem cinco vezes mais do que para as amamentadas exclusiva ou parcialmente 5.

Apesar do amplo reconhecimento da importância do leite materno, na maioria dos países as taxas de amamentação exclusiva ainda são baixas, e a sua duração também é insatisfatória 6. Dados brasileiros mostram que, nas capitais e no Distrito Federal, em 1999, a mediana do tempo de amamentação exclusiva era de 33,7 dias 7. Em uma coorte de crianças nascidas em 1998 e 1999, no Município de São Paulo, a mediana de duração da amamentação foi de 205,0 dias e a da amamentação exclusiva, de 23,0 dias 8. Estudo realizado em 111 municípios paulistas, envolvendo 34.435 crianças, mostrou que apenas 13,9% das mães amamentavam exclusivamente no sexto mês de vida 9. Nos Estados Unidos, em 2001, a prevalência da amamentação exclusiva, aos seis meses de idade, foi de 17,2%. As mulheres menos prováveis de amamentar eram negras, menores de vinte anos de idade, com menor escolaridade, que trabalhavam à época do estudo e com piores condições sócio-econômicas 10. No Reino Unido, 69,0% das crianças nascidas em 2000 foram inicialmente amamentadas; aos quatro meses de idade, no entanto, apenas 28,0% ainda recebiam leite humano 11.

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto de um programa de puericultura na promoção do aleitamento materno exclusivo. Esse programa foi desenvolvido dentro do contexto de um serviço de atenção primária à saúde.

 

Material e métodos

Com base nos registros do programa, analisou-se uma coorte histórica de crianças nascidas entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002, as quais foram acompanhadas desde o nascimento em famílias moradoras na área de abrangência do serviço. O Posto de Saúde da Vila Municipal, na periferia do Município de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, em funcionamento desde o ano de 1977, é mantido pela Universidade Federal de Pelotas, Associação Beneficente Luterana de Pelotas, Fundação de Apoio Universitário e Prefeitura Municipal de Pelotas. Além das ações básicas de saúde, realiza atividades de ensino multiprofissional na graduação (medicina, enfermagem e nutrição) e na pós-graduação (residência em medicina preventiva e social e residência multiprofissional em saúde da família). Desde sua criação, essa unidade básica teve suas atividades dirigidas ao atendimento individual, mas também deu grande ênfase às intervenções preventivas, particularmente na atenção materno-infantil. Em 2001, agentes comunitários foram integrados à equipe e, em 2002, passou a fazer parte da rede do Programa Saúde da Família da Secretaria Municipal de Saúde e Bem-Estar de Pelotas. Detalhes sobre a organização do serviço e do ensino encontram-se publicados alhures 12,13.

A população estudada

Ao longo de 2002, os agentes comunitários localizaram 758 famílias moradoras na área de cobertura do posto de saúde. O número médio de moradores por domicílio era de 3,4; quase a totalidade das famílias (99,0%) tinha abastecimento de água da rede pública; 76,2% dos domicílios estavam ligados a sistema de esgoto; a coleta pública de lixo era universal; 93,0% das construções eram de tijolo ou adobe; 98,5% das crianças de 7 a 14 anos de idade freqüentavam a escola e 13,8% dos moradores estavam cobertos por planos de saúde. Entre os 2.603 usuários, 38 eram menores de um ano de idade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Censo demográfico 2000 — resultados do universo. Tabela 3.3.6.23 do sistema IBGE de recuperação automática de dados — SIDRA. http://www.ibge.gov.br), em 2000, 72,0% dos chefes de família tinham uma renda mensal média de, no máximo, dois salários mínimos, e 70,5% deles tinham escolaridade igual ou inferior a sete anos.

O programa de puericultura

Cuidados curativos e preventivos são dispensados às crianças tanto no posto de saúde, quanto no domicílio. Os cuidados preventivos são organizados sob a forma do programa de puericultura, cujas finalidades são executar ações de saúde para prevenir doenças e promover a saúde. Uma nutricionista é responsável pela operação do programa, sendo desenvolvidas as seguintes ações: monitorização do crescimento e desenvolvimento das crianças, imunizações, incentivo à amamentação, educação das mães e planejamento familiar.

O programa utiliza dois tipos de registros: o Cartão da Criança, em duas versões, com conteúdos semelhantes, uma que é mantida com a mãe e outra que permanece no posto de saúde, e o Cartão de Imunizações. No Cartão da Criança são registrados, mensalmente, o peso e o comprimento em relação à idade, a alimentação que a criança recebe e a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor. Mais informações sobre o programa de puericultura podem ser obtidas em outra publicação 14. Os dados utilizados para a presente avaliação foram extraídos do Cartão da Criança que permanece no posto de saúde.

O incentivo à amamentação

Desde o pós-natal imediato, quando a mãe retorna do hospital, a enfermeira e, mais recentemente, agentes comunitários de saúde fazem visitas domiciliares para apoio às mães quanto a dificuldades na amamentação.

No primeiro ano de vida, o programa preconiza que as crianças sejam vistas mensalmente. Tipicamente, em cada consulta do programa, a mãe é entrevistada quanto à alimentação da criança e aconselhada a amamentar exclusivamente por seis meses. Todas as mães são incentivadas a manter a amamentação até, pelo menos, os dois anos de idade. A vacinação da criança é também realizada nessas consultas, de acordo com a idade e o programa de vacinação vigente. Portanto, até os seis meses de idade, período a que se ateve essa avaliação, cada mãe deveria ter tido pelo menos seis oportunidades de incentivo à amamentação.

Foram analisados os registros das crianças nascidas no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2002 cujas mães buscaram o serviço no primeiro mês após o nascimento. Apenas uma categoria de prática de amamentação foi considerada para este trabalho, a amamentação exclusiva. De acordo com o preconizado pela OMS, diz-se que a amamentação é exclusiva quando a criança recebe leite materno, diretamente da mama ou extraído mecanicamente, e nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos 15. Crianças recebendo água ou chás (amamentação predominante) ou outros leites ou sólidos, além do leite materno (amamentação parcial), ou totalmente desmamadas foram consideradas como tendo experimentado o desfecho (interrupção da amamentação exclusiva).

A duração da amamentação exclusiva foi calculada por análise de sobrevivência desde o nascimento até os seis meses de idade 16. A probabilidade de mudança no padrão de amamentação ou de desmame foi avaliado para intervalos de um mês. As crianças perdidas no acompanhamento contribuíram para o cálculo do risco de interrupção da amamentação exclusiva até o mês para o qual tinham informação disponível, sendo consideradas censuradas para os cálculos dos meses subseqüentes. Os dados foram processados e analisados manualmente, usando-se calculadora eletrônica.

 

Resultados

Foram analisados os registros do programa de puericultura de 112 crianças acompanhadas desde o nascimento. Em 2000, 2001 e 2002, ingressaram no programa, respectivamente, 35, 32 e 45 recém-nascidos, 59 dos quais (52,6%) eram do sexo masculino. Entre as 106 crianças para as quais havia registro de peso de nascimento, 11 (9,8%) apresentaram baixo peso ao nascer (< 2.500g), sendo o peso médio ao nascer de 3.100g. A Tabela 1 e a Figura 1 mostram a duração da amamentação exclusiva, mês a mês, após o nascimento.

 

 

Na Tabela 1, a coluna 1 apresenta o número de meses após o nascimento. As colunas 2 e 3 apresentam, respectivamente, o número de crianças com amamentação exclusiva no início do mês e o número de crianças que passaram a receber outros líquidos ou sólidos durante o mês correspondente. No primeiro mês de vida, por exemplo, 6 das 112 crianças passaram a receber água ou chás. Ao iniciar o segundo mês de vida, 106 recebiam leite materno exclusivo.

A coluna 4 mostra o número de crianças censuradas, mês a mês. O número total de crianças em risco de interromper a amamentação exclusiva, ajustado para essas perdas, é mostrado na coluna 5. A coluna 6 apresenta o risco de interrupção da amamentação exclusiva em cada mês. Nas colunas 7 e 8 encontram-se as probabilidades de a criança ser amamentada exclusivamente, respectivamente, a cada mês e, acumuladamente, até o mês em estudo. O intervalo de confiança de 95% da probabilidade acumulada de amamentar até cada um dos meses após o nascimento é mostrado na coluna 9.

O risco de interromper a amamentação exclusiva no primeiro mês de vida foi de 0,05 e, no segundo mês, de 0,19. Sendo assim, as crianças que não tiveram a amamentação exclusiva interrompida até o final do primeiro mês (95,0%) tiveram uma probabilidade de 81,0% de continuarem no mesmo padrão de amamentação até o final do segundo mês. A probabilidade de uma criança receber amamentação exclusiva por dois meses foi de 77,0%. No quarto mês de vida, 53,0% (IC95%:40,0-66,0%) das crianças acompanhadas recebiam leite materno exclusivo. Mais de um terço das crianças atendidas pelo Programa (35,0%) recebia leite materno exclusivo ao sexto mês de vida. A mediana da amamentação exclusiva nessa coorte foi de quatro meses.

A Figura 1 apresenta a curva de sobrevivência acumulada da amamentação exclusiva. Metade das crianças recebia leite materno exclusivo após completar o quarto mês de vida.

 

Discussão

Esta avaliação mostrou que o Programa de Puericultura da Vila Municipal alcançou uma mediana de duração da amamentação exclusiva e uma prevalência de aleitamento exclusivo no sexto mês de vida superiores ao relatado por estudos nacionais de base populacional 7,8,9. O fato de a população do presente estudo pertencer a um baixo estrato sócio-econômico fortalece a hipótese de que o programa apresentou resultados positivos na promoção da amamentação exclusiva. Sabe-se que, nas décadas de 70 e 80, ocorreu expansão considerável da prática de amamentação no país 17, sendo essa tendência verificada em todos os estratos da população, porém mais acentuadamente na área urbana, na região Centro-Sul, entre mulheres de maior poder aquisitivo e de maior escolaridade 18. As coortes de recém-nascidos do Município de Pelotas de 1982 e 1993 confirmaram esse achado, uma vez que as mães de alta renda amamentavam mais nos primeiros meses de vida do que as de baixa renda 19. Na coorte de recém-nascidos de São Paulo, a escolaridade e a idade da mãe estavam diretamente associadas com a duração da amamentação 8. Outros países registraram achados semelhantes 20.

Que características do programa de puericultura seriam promotoras de tal resultado? Uma das conclusões do estudo dos municípios paulistas foi que, quanto maior o número de ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno implementadas pelo município, maior a probabilidade desse ser exclusivo até o sexto mês 18. Entre as ações, consideraram-se Iniciativa Hospital Amigo da Criança, Banco de Leite, treinamento de profissionais, implementação de atividades na Semana de Amamentação, políticas públicas de incentivo à amamentação, monitorização da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes, equipe multiprofissional trabalhando na promoção do aleitamento e atividades de pesquisa sobre aleitamento. À época em que foi conduzida a presente avaliação, nenhum dos hospitais da cidade de Pelotas cumpria todos os passos da Iniciativa Hospital Amigo da Criança. A cidade, no entanto, dispunha de um Banco de Leite, os profissionais da Secretaria de Saúde do município eram treinados para incentivar o aleitamento materno e inúmeras pesquisas em que a amamentação era tratada como desfecho ou exposição haviam sido implementadas. Além disso, na Vila Municipal, uma equipe multiprofissional prioriza o aleitamento materno em todas suas atividades específicas, ao longo de mais de duas décadas.

Outro aspecto a considerar é que tanto a promoção da amamentação como as imunizações são importantes intervenções para a saúde da criança 21. A vinculação entre as atividades de vacinação e de puericultura pode ter contribuído, sinergicamente, para o resultado observado, uma vez que cada contato da mãe e da criança com o serviço poderia ser aproveitado pela equipe de saúde para reforçar as mensagens de ambas as intervenções.

Por meio do programa de puericultura, cada criança que nasce na população usuária do serviço realiza, em média, durante o primeiro ano de vida, sete consultas preventivas. Estima-se, além disso, que cada mãe receba pelo menos 2 horas/ano de educação sobre alimentação da criança, além de informações sobre saúde, imunizações e planejamento familiar 14. Durante o pré-natal, que atinge mais de 85,0% das gestantes residentes na área de abrangência, são também rotineiramente veiculadas informações sobre as vantagens da amamentação. No pós-natal, as mães são visitadas em casa e apoiadas para solucionar problemas com a amamentação. É, portanto, plausível que esses esforços tenham impacto sobre as taxas de amamentação e que os resultados desta avaliação reflitam um real efeito do programa de puericultura sobre a duração observada da amamentação exclusiva até os seis meses de idade. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos de eficácia e de efetividade que utilizaram o aconselhamento materno face a face como intervenção. Em 1999, por exemplo, foi realizado, no México, um ensaio clínico randomizado com o objetivo de testar a eficácia do aconselhamento domiciliar na promoção do aleitamento exclusivo 22. As visitas, feitas por pessoas treinadas da própria comunidade, ocorriam durante a gestação e logo após o parto. Dois grupos intervenção, com diferentes intensidades de aconselhamento (seis ou três visitas), foram comparados a um controle (nenhuma visita). Aos três meses pós-parto, 67,0% das mães do grupo que recebeu seis visitas amamentavam exclusivamente, uma prevalência muito semelhante à verificada no presente estudo.

A estratégia de cuidado à saúde a que o programa está vinculado também deve ser um fator contribuinte para os resultados encontrados. A Atenção Primária à Saúde e, mais recentemente, o PSF são estratégias facilitadoras da promoção da amamentação, como também da proteção e do apoio a ela. Em primeiro lugar, essas estratégias atingem as mulheres que não buscam pré-natal espontaneamente. Em segundo lugar, a amamentação pode ser promovida longitudinalmente (durante o pré-natal; durante o período pós-natal, quando a mãe tem alta hospitalar e retorna para seu domicílio; e em eventuais futuras gestações de uma mesma mulher). Em terceiro lugar, a atenção oferecida às gestantes e às mães é personalizada.

Alguns vieses, no entanto, podem haver interferido com os achados desta avaliação. Em primeiro lugar, a ausência de um grupo-controle não permite afirmar que o resultado encontrado deva-se ao programa. Entretanto, este estudo não foi planejado para detectar eficácia do programa e, sim, verificar o alcance de um dos seus objetivos, qual seja o de estimular amamentação. Preferiu-se utilizar a expressão "adequação para alcançar objetivos" a "alcançar metas", uma vez que, até o presente momento, não foi estipulada uma quantificação a priori das taxas de amamentação exclusiva ou de duração da amamentação a serem atingidas, nessa população-alvo, nem em quais prazos. Essas diferentes abordagens têm sido discutidas na literatura, num contexto de saúde pública baseada em evidências 23,24.

Vários estudos randomizados 25 evidenciaram o efeito positivo do aconselhamento materno face a face sobre a duração do aleitamento exclusivo. Especificamente sobre o impacto de intervenções desenvolvidas em Atenção Primária à Saúde na duração da amamentação, duas revisões de literatura 26,27, a primeira, uma revisão sistemática, e a segunda, que inclui uma meta-análise, mostraram ser geralmente efetivas as que associavam interação face a face com a mãe, maior número de contatos e duração mais longa. Outra revisão de literatura 28 evidenciou que o apoio profissional era efetivo na duração da amamentação de modo geral e, especialmente, na redução da interrupção do aleitamento exclusivo antes dos seis meses de idade. Portanto, se o programa funcionar adequadamente, é esperado que esses benefícios se reflitam sobre a duração da amamentação exclusiva na população atingida. As prevalências de aleitamento materno exclusivo observadas mês a mês após o nascimento apontam positivamente para o alcance dessa adequação.

Em segundo lugar, o viés de seleção, em que seria incluído no estudo apenas um grupo selecionado de crianças moradoras na comunidade, precisa ser descartado. Seria necessário que um número substancial das crianças residentes na área fosse coberto pelo programa para que este pudesse ter efeito sobre o aleitamento materno na comunidade como um todo. Esse foi, provavelmente, o caso, uma vez que, assumindo-se uma taxa bruta de fertilidade de 15/1.000 (o que, em uma população de 2.600 pessoas, corresponde a 39 nascimentos/ano), as 112 crianças estudadas representam quase o total das residentes na área de abrangência do posto de saúde no período do estudo (Censo demográfico 2000 — resultados do universo. Tabela 3.3.6.23 do sistema IBGE de recuperação automática de dados — SIDRA. http://www.ibge. gov.br).

Em terceiro lugar, o viés de cortesia, em que as mães responderiam sobre a alimentação da criança aquilo que o profissional esperasse ouvir, poderia introduzir um erro sistemático de informação. O estudo utilizou a informação que estava registrada no Cartão da Criança, mas nenhum mecanismo foi implementado para certificar-se da veracidade da informação; a presença do viés de cortesia não pode ser, portanto, descartada. Seu efeito, se presente, seria no sentido de superestimar a duração da amamentação exclusiva. Tal como no presente estudo, a maioria dos autores que estudou prevalência de amamentação utilizou informação relatada pela própria mãe somente, porém, em virtude da ênfase que o serviço dá à amamentação, é possível que o viés de cortesia tenha ocorrido mais freqüentemente na população deste estudo do que em outras. As visitas domiciliares feitas pela equipe de saúde, no entanto, são oportunidades propícias para que o uso de mamadeiras, por exemplo, seja detectado. Um outro tipo de abordagem, aparentemente menos influenciada pelo viés de cortesia, foi desenvolvida em um estudo no Rio de Janeiro, que utilizou como indicador de efetividade a satisfação referida pela mãe com o apoio para amamentação recebido na unidade básica 29.

Estudos que avaliem a qualidade dos serviços de saúde são ainda escassos no Brasil. A presente avaliação é um exemplo de metodologia válida, simples e executável em nível local pelos gestores de saúde. Resultados de avaliações como esta podem reforçar estratégias ou apontar para a necessidade de reorientações em programas que estejam sendo executados. Da atual avaliação fica claro que, embora seus resultados apontem para a adequação do programa, mais esforços necessitam ser despendidos de forma a aumentar a prevalência do aleitamento materno exclusivo até os seis meses após o parto.

Ainda que o uso de microcomputadores esteja sendo progressivamente introduzido em postos de saúde, nem sempre as equipes dispõem de profissionais que dominem pacotes estatísticos o suficiente, para análise do impacto sobre a saúde das ações implementadas. Além disso, como este estudo demonstrou, dados epidemiológicos descritivos, simples, referentes a um número pequeno de indivíduos, podem ser processados e analisados facilmente e manualmente, com rapidez 30. A análise manual tem, outrossim, a vantagem de que os eventuais erros de registro e de codificação podem ser corrigidos imediatamente e que os analistas adquirem familiaridade com os dados e com seu significado.

Os resultados deste estudo sugerem a possibilidade de que o programa de puericultura, dentro de um contexto de atenção primária à saúde, tenha causado, na população estudada, impacto positivo sobre a taxa de amamentação exclusiva. Aumentar as taxas amamentação é um objetivo a ser considerado pela sociedade, pelos gestores dos sistemas de saúde e pelos provedores. As mães necessitam de maior conhecimento e maior apoio para tal prática, muito particularmente aquelas de grupos populacionais mais vulneráveis.

 

Colaboradores

J. J. Faleiros concebeu o trabalho, revisou parte da literatura e redigiu a primeira versão do texto. G. Kalil, D. P. Casarin e P. A. Laque Jr. realizaram o levantamento dos dados nos registros do programa de puericultura. I. S. Santos participou no planejamento de análise e fez a revisão final do manuscrito.

 

Referências

1. A duração ótima da amamentação exclusiva [Editorial]. Atualidades em amamentação 2002; 27/ 28. http://ibfan.org.br/userhtml/atam2728.pdf (acessado em 20/Nov/2003).        

2. Victora CG, Smith PG, Vaugham JP, Nobre LC, Lombardi C, Teixeira AM, et al. Evidence for protection by breast feeding against infants deaths from infectious diseases in Brazil. Lancet 1987; 2:317-22.        

3. César JA, Victora CG, Barros FC, Santos IS, Flores JA. Impact of breast-feeding on admission for pneumonia during postneonatal period in Brazil: nested case-control study. BMJ 1999; 318: 1316-20.        

4. Cohen RJ, Krown KH, Canahuati J, Rivera LL, Dewey KG. Effects of age of introduction of complementary foods on infant breast milk intake, total energy intake, and growth: a randomised intervention study in Honduras. Lancet 1994; 344: 288-93.        

5. A warm chain for breastfeeding [Editorial]. Lancet 1994; 344:1239-41.        

6. Albernaz E, Victora CG, Haisma H, Wright A, Coward WA. Lactation counseling increases breastfeeding duration but not breast milk intake as measured by isotopic methods. J Nutr 2003; 133: 205-10.        

7. Ministério da Saúde. Prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2000.        

8. Bueno MB, Souza JMP, Souza SB, Paz SMRS, Gimeno SGA, Siqueira AAF. Riscos associados ao processo de desmame entre crianças nascidas em hospital universitário de São Paulo, entre 1998 e 1999: estudo de coorte prospectivo do primeiro ano de vida. Cad Saúde Pública 2003; 19:1453-60.        

9. Dias V. Municípios devem implantar ações de incentivo à amamentação para evitar desmame precoce. Agência USP de Notícias 2003; 1251. http:// www.usp.br/agen/bols/2003/rede1251.htm#primdestaq (acessado em 22/Set/2004).        

10. Ryan AS, Wenjun Z, Acosta A. Breastfeeding continues to increase into the new millenium. Pediatrics 2002; 110:1103-9.        

11. Graffy J, Taylor J, Williams A, Eldrige S. Randomized controlled trial of support from volunteer counselors for mothers considering breastfeeding. BMJ 2004; 328:26-30.        

12. Faleiros JJ, Piccini RX, Gigante AG, Neutzling M. Praticando e ensinando medicina na comunidade: a assistência médica. Rev Bras Educ Méd 1986; 10:91-4.        

13. Piccini RX, Faleiros JJ, Gigante AG. Praticando e ensinando medicina na comunidade: o ensino. Rev Bras Educ Méd 1986; 10:95-7.        

14. Faleiros JJ, Pinto AC, Faria LH. Avaliação da puericultura em populações de baixa renda. Rev Assoc Méd Rio Gd do Sul 1989; 33:277-80.        

15. World Health Organization 1995. World Health Organization's infant feeding recommendation. Bull World Health Organ 1995; 73:165-74.        

16. Kirkwood BR. Essentials of medical statistics. Oxford: Blackwell; 1988.        

17. Rea MF. The Brazilian national breastfeeding program: a success story. Int J Gyneacol Obstet 1990; 31:79-82.        

18. Venâncio SI, Monteiro CA. A tendência da prática da amamentação no Brasil nas décadas de 70 e 80. Rev Bras Epidemiol 1998; 1:40-9.        

19. Horta BL, Olinto MTA, Victora CG, Barros FC, Guimarães PRV. Amamentação e padrões alimentares em crianças de duas coortes de base populacional no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 1996; 12 Suppl 1:43-8.        

20. Dennis CL. Breastfeeding initiation and duration: a 1990-2000 literature review. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs 2002; 31:12-32.        

21. Kim-Farley R, Collins C, Tinker A. Linkages between immunization and breastfeeding promotion programs. J Hum Lact 1990; 6:65-7.        

22. Morrow AL, Guerrero ML, Shults J, Calva JJ, Lutter C, Bravo J, et al. Efficacy of home-based peer counselling to promote exclusive breastfeeding: a randomized controlled trial. Lancet 1999; 353: 1226-31.        

23. Habicht JP, Victora CG, Vaughan JP. Evaluation designs for adequacy, plausibility and probability of public health programme performance and impact. Int J Epidemiol 1999; 28:10-8.        

24. Victora CG, Habicht JP, Bryce J. Evidence-based public health: moving beyond randomized trials. Am J Public Health 2004; 94:400-5.        

25. Albernaz E, Victora CG. Impacto do aconselhamento face a face sobre a duração do aleitamento exclusivo: um estudo de revisão. Rev Panam Salud Publica 2003; 14:17-24.        

26. De Oliveira MI, Camacho LA, Tedstone AE. Extending breastfeeding duration through primary care: a systematic review of prenatal and postnatal interventions. J Hum Lact 2001; 17:326-43.        

27. Guise JM, Palda V, Westhoff C, Chan BK, Helfand M, Lieu TA, et al. The effectiveness of primary care-based interventions to promote breastfeeding: systematic evidence review and meta-analysis for the US Preventive Services Task Force. Ann Fam Med 2003; 1:70-8.        

28. Sikorski J, Renfrew MJ, Pindoria S, Wade A. Support for breastfeeding mothers: a systematic review. Paediatr Perinat Epidemiol 2003; 17:407-17.        

29. De Oliveira MIC, Camacho LAB, Tedstone AE. A method for the evaluation of primary health care units practice in the promotion, protection, and support of breastfeeding: results from the state of Rio de Janeiro, Brazil. J Hum Lact 2003; 19:365-73.        

30. Vaughan JP, Morrow RH. Epidemiologia para os municípios: manual para gerenciamento dos distritos sanitários. São Paulo: Editora Hucitec; 1992.        

 

 

Endereço para correspondência
J. J. Faleiros
Departamento de Medicina Social
Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Pelotas
C. P. 464, Pelotas, RS
96001-970, Brasil
jjusfal@terra.com.br

Recebido em 01/Jun/2004
Versão final reapresentada em 29/Set/2004
Aprovado em 19/Out/2004

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br