NOTA RESEARCH NOTE
Fluorose dentária em escolares de um município da serra gaúcha, Rio Grande do Sul, Brasil
Dental fluorosis in schoolchildren in a county in the mountainous region of Rio Grande do Sul State, Brazil
Ramona Fernanda Ceriotti ToassiI; Claídes AbeggII, III
IFaculdade de Odontologia, Universidade do Planalto Catarinense, Lages, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Brasil
IIIFaculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
RESUMO
O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência e a severidade da fluorose dentária em todos os 259 escolares de 4 a 18 anos de idade do Município de Santa Tereza, Rio Grande do Sul, Brasil, e investigar possíveis fatores associados. Os dados foram coletados por meio de um questionário e de um exame clínico. Para a determinação da fluorose, foi utilizado o índice de Dean. A prevalência de fluorose foi de 63,7%. O grau predominante foi o muito leve (43,6%), seguido pelo grau leve (12,0%), moderado (7,7%), questionável (7,3%) e severo (0,4%). Cerca de 85,0% dos escolares apresentaram acesso atual ou passado a formas tópicas de utilização do flúor. Associações significativas foram encontradas entre local de moradia, prática atual ou passada de bochechos fluoretados e a prevalência/severidade de fluorose, como também entre a prevalência de fluorose e o nível de escolaridade dos pais dos escolares, freqüência de escovação, acesso a bochechos fluoretados e uso do flúor gel (p < 0,05).
Fluorose Dentária; Sáude Bucal; Saúde Escolar; Prevalência
ABSTRACT
The aim of the present study was to determine the prevalence and severity of dental fluorosis in all schoolchildren (ages 4 to 18 years, n = 259) from the town of Santa Tereza, Rio Grande do Sul, Brazil, and to investigate associated factors. Data were obtained through a questionnaire and by means of clinical tests. Dean's index was used to determine fluorosis occurrence. Prevalence of fluorosis was 63.7%. The predominant category was very mild (43.6%), followed by mild (12.0%), moderate (7.7%), borderline (7.3%), and severe (0.4%). Approximately 85.0% of the schoolchildren currently have, or have had, access to other topical sources of fluoride. Significant associations were found between place of residence and previous or ongoing fluoride mouth rinsing and prevalence and severity of fluorosis (p < 0.05). There was also a significant association between dental fluorosis and parents' level of schooling, frequency of brushing teeth, fluoride rinsing, and use of fluoride gel (p < 0.05).
Dental Fluorosis; Oral Health; School Health; Prevalence
Introdução
Na Odontologia, reconhece-se que, quando utilizado em níveis ideais, o flúor tem efeitos altamente positivos na prevenção e controle das cáries dentárias 1.
Sabe-se, porém, que quando ingerido cronicamente e em doses excessivas, durante o período de formação dos dentes, o halogênio pode levar ao aparecimento de uma anomalia de desenvolvimento que afeta a estética do esmalte dos dentes sob a forma de manchas conhecidas como fluorose dentária 2.
No Brasil, existem registros de fluorose endêmica em Pereira Barreto, Cosmópolis, Icém, São João do Pau d'Alho São Paulo; em Cocal do Sul Santa Catarina 3; e em Santa Tereza Rio Grande do Sul 4.
Dados do relatório anual do Sistema de Vigilância Sanitária dos Teores de Flúor de 1997 mostraram que, em 28 municípios do Estado do Rio Grande do Sul, a presença de flúor natural encontra-se acima de 0,59ppm (Divisão de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, 1998).
A existência de concentrações naturais de flúor acima do aceitável para o consumo em dois poços artesianos do Município de Santa Tereza (até 1,6ppmF Relatório Anual do Flúor: ano base 1997, Divisão de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo, 1998), aliada a uma prevalência de 68,7% de fluorose dentária em sua população escolar 4, justificou a realização de um estudo atualizado para verificar a prevalência e a severidade da fluorose dentária nessa população, como também para investigar fatores associados a essa patologia.
Materiais e métodos
Foi realizado um estudo descritivo transversal com todos os 259 escolares do município, sendo 52,0% do sexo masculino e 48,0% do feminino, com idade compreendida entre 4 e 18 anos, tendo como pré-requisito residirem em Santa Tereza desde o nascimento. Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado e de um exame clínico; para a determinação da prevalência e da severidade da fluorose dentária, utilizou-se o índice de Dean 5.
Foram considerados com fluorose os escolares que apresentaram pelo menos o grau "2" muito leve.
Os exames foram realizados por uma examinadora calibrada, nas escolas, em uma sala de aula, sobre uma mesa, sob luz natural, com auxílio de espelhos bucais planos e gazes esterilizadas. A calibração foi intra-examinador, utilizando-se o teste kappa, cujo valor foi 0,82 boa concordância 5. Os dados foram processados e analisados pelo programa SPSS 10.0.
A possível associação entre a presença e a severidade de fluorose dentária e as variáveis pesquisadas foi realizada pelo teste estatístico qui-quadrado (nível de significância 5%).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e Animais, da Universidade Luterana do Brasil, Rio Grande do Sul.
Resultados
A prevalência de fluorose encontrada foi de 63,7% (Tabela 1). Todos os tipos de fluorose dentária estiveram presentes, predominando o grau muito leve (43,6%), seguido pelo grau leve (12,0%), moderado (7,7%), questionável (7,3%) e severo (0,4%). Considerando apenas os graus de fluorose que determinam comprometimento estético (leve, moderado e severo), o percentual de escolares afetados foi de 20,1% (Tabela 2).
Todos os escolares relataram escovar seus dentes com dentifrício e escova. Com relação ao bochecho fluoretado, 43,2% deles já o haviam feito no passado e 44,4% o estão fazendo, uma vez por semana. Além disso, 0,4% dos escolares afirmou estar recebendo aplicações tópicas de flúor gel e 84,6% já o fizeram no passado.
Foi encontrada associação significativa entre o local de moradia dos escolares, o contato atual ou passado com os bochechos fluoretados e presença/severidade de fluorose dentária (p < 0,05), bem como entre nível de escolaridade dos pais dos escolares, freqüência de escovação dos dentes, acesso a bochechos fluoretados e a presença de fluorose.
Discussão
No presente estudo, a fluorose foi detectada em 63,7% dos escolares. Essa prevalência é um pouco mais baixa do que a encontrada em outros estudos brasileiros, que relataram o aparecimento de fluorose endêmica 6.
Com relação ao grau de severidade, todos os tipos de fluorose dentária estiveram presentes na população examinada, predominando o grau muito leve e o leve, o que está de acordo com Cangussu et al. 7 e Cypriano et al. 8.
Para Oliveira et al. 9 e Brandão et al. 10, os estudos transversais sobre fluorose dentária no Brasil relatam uma prevalência da patologia em zonas urbanizadas abaixo de 30,0% para cidades com até 0,8ppmF na água de consumo. Uma prevalência acima desse percentual tem sido atribuída ao efeito combinado de produtos dentários e fluoretos em águas de abastecimento.
Neste estudo, observou-se uma associação significativa entre grau de instrução dos pais, dos escolares e a fluorose dentária destes. Esse resultado corrobora o de Maltz & Silva 11, que também encontraram relação entre nível educacional dos pais e presença de fluorose em escolares de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
A freqüência de escovação dentária, os bochechos fluoretados, que aconteciam ou já haviam acontecido em mais da metade dos escolares, e a utilização do flúor gel, podem ter causado uma exposição excessiva a formas tópicas de utilização do flúor, uma vez que eles estavam associados com a presença da fluorose.
Ainda que o flúor na água de abastecimento público seja considerado uma medida necessária para o controle de cárie dentária, os achados no presente estudo corroboram os relatos da literatura de que a difusão maciça do uso do flúor, nas diversas formas de utilização, tem contribuído para o aumento da prevalência de fluorose 9.
Ressalta-se que, pelos objetivos e características desta pesquisa, as associações encontradas devem ser vistas com cautela, embora salientem aspectos importantes relacionados ao uso combinado de fluoretos.
Colaboradores
R. F. C. Toassi redigiu o artigo. C. Abegg escreveu a discussão e revisou o texto final.
Referências
1. Fomon SJ, Ekstrand J, Ziegler EE. Fluoride intake and prevalence of dental fluorosis: trends in fluoride intake with special attention to infants. J Public Health Dent 2000; 60:131-9.
2. Fejerskov O, Manji F, Baelum V. The nature and mechanisms of dental fluorosis in man. J Dent Res 1990; 8:15-31.
3. Silva ALC, Paiva SM. Ocorrência de fluorose dentária em escolares de Belo Horizonte. Revista do CROMG 1995; 1:49-53.
4. Toassi RFC. Prevalência de fluorose dentária em escolares de 5 a 19 anos do Município de Santa Tereza Rio Grande do Sul Brasil, 1997 [Monografia de Especialização]. Florianópolis: Escola de Aperfeiçoamento Profissional, Associação Brasileira de Odontologia; 1997.
5. Organização Mundial da Saúde. Levantamento epidemiológico básico de saúde bucal. Manual de instruções. 4ª Ed. São Paulo: Editora Santos; 1999.
6. Silva MFA. Flúor: metabolismo, toxicologia, fluorose e cárie dental. In: Kriger L, organizador. ABOPREV promoção de saúde bucal. 3ª Ed. São Paulo: Editora Santos; 2003. p. 153-79.
7. Cangussu MCT, Narvai PC, Fernandez RC, Djehizian VA. A fluorose dentária no Brasil: uma revisão crítica. Cad Saúde Pública 2002; 18:7-15.
8. Cypriano S, Souza MLR, Rihs LB, Wada RS. Saúde bucal dos pré-escolares, Piracicaba, Brasil, 1999. Rev Saúde Pública 2003; 37:247-53.
9. Oliveira AC, Amaral CRFL, Pereira CRS. Fluorose dentária: uma revisão bibliográfica. Revista ABO 2000; 8:92-7.
10. Brandão IMG, Peres AS, Saliba NA, Moimaz SAS. Prevalência de fluorose dentária em escolares de Marinópolis, São Paulo. Cad Saúde Pública 2002; 18:877-81.
11. Maltz M, Barbachan-e-Silva BB. Relação entre cárie, gengivite e fluorose e nível sócio-econômico em escolares. Rev Saúde Pública 2001, 35:170-6.
Endereço para correspondência
R. F. C. Toassi
Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde
Faculdade de Odontologia
Universidade do Planalto Catarinense
Av. Castelo Branco 170
Lages, SC
88509-900, Brasil
ramonafernanda@zipmail.com.br
Recebido em 27/Mai/2004
Versão final reapresentada em 06/Out/2004
Aprovado em 13/Dez/2004