EDITORIAL
Saúde Pública e controle do tabagismo no Brasil
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabagismo responde por 5 milhões de mortes anuais, podendo chegar a 10 milhões nos próximos 15 anos, se nada for feito para impedir a expansão do consumo, atualmente concentrada em países em desenvolvimento.
Esse cenário levou 190 países a proporem, durante a Assembléia Mundial da Saúde (AMS) em 1999, a negociação do primeiro tratado internacional de saúde pública, a Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco, que visa "proteger a população mundial das devastadoras conseqüências do consumo de tabaco". A Convenção cria padrões internacionais para o controle do tabaco na área de propaganda, política de impostos e preços, etiquetagem dos produtos, comércio ilícito, tabagismo passivo e outros.
Após quatro anos de negociações, o tratado foi adotado por consenso na AMS e aberto aos países para assinatura, entre junho de 2003 e junho de 2004, conseguindo 168 adesões. Depois, iniciou-se a etapa de ratificação dessa adesão, que envolve a sua aprovação pelos Congressos Nacionais de cada país. Em novembro de 2004, a Convenção alcançou as 40 ratificações mínimas necessárias para que pudesse entrar em vigor, o que se deu a partir de 28 fevereiro de 2005. Com isso, a Convenção faz história como o tratado internacional ligado à ONU que mais rapidamente ganhou adesões e entrou em vigor.
Até um ano após o início de sua vigência, deverá ser estabelecida a Conferência das Partes (COP), entidade formada pelos Estados Partes que ratificaram o tratado. As funções da COP são promover mecanismos técnicos e financeiros para que os países procedam à sua implementação, bem como negociar protocolos que envolverão detalhamentos técnicos de medidas a serem adotadas de forma integrada pelos países. A primeira sessão da COP será decisiva, pois nela serão definidas suas regras de procedimentos, de financiamento, assim como sua secretaria, participação da sociedade civil, dentre outros. O Brasil desempenhou um papel de destaque na negociação da COP ao ser eleito por consenso para presidir o seu Órgão de Negociação Intergovernamental (ONI), sendo, também, o segundo país a assiná-la.
Quanto às proposições da Convenção-Quadro, a situação do Brasil é confortável, pois praticamente já as cumpre quase que na totalidade. Além disso, apesar de o Brasil ser o maior produtor e o maior exportador de tabaco, a prevalência de fumantes caiu em quase 50% entre 1989 e 2003, graças à eficácia do Programa Nacional de Controle do Tabagismo articulado pelo Ministério da Saúde, por intermédio do INCA.
O processo de ratificação pelo Brasil está em andamento no Congresso Nacional, tendo sido aprovado na Câmara dos Deputados desde maio de 2004. No momento, porém, enfrenta grandes dificuldades no Senado Federal em virtude de pressões do setor fumo, que tem utilizado argumentos econômicos para obstruir essa ratificação, criando um embate entre a saúde pública e interesses comerciais (para maiores detalhes, vide http:// www.inca gov.br/tabagismo).
Para que o Brasil possa participar da primeira sessão da COP como Estado Parte, deverá depositar a ratificação desta na ONU até 7 de novembro de 2005. Isso significa que precisará ratificá-la até, no máximo, outubro de 2005.
Ressalto que, se o Brasil não for Estado Parte da COP por ocasião da primeira sessão, não poderá deliberar sobre as regras da entidade que dizem respeito a procedimentos e financiamento. Essas decisões certamente influenciarão na forma como se dará a utilização dos recursos para as ações da COP, no sentido de apoiar os países, principalmente aqueles em desenvolvimento, na implementação desta. Nesse contexto, as discussões provavelmente abrangerão possíveis mecanismos de financiamento para culturas alternativas ao fumo, tema que tem sido utilizado de forma frontal pela indústria do fumo no Senado Federal e na mídia, para obstruir a ratificação da COP pelo Brasil.
José Gomes Temporão
Diretor Geral do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, Brasil.