ARTIGO ARTICLE

 

Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no Estado de São Paulo, Brasil, 2002

 

Dental caries in 15-to-19-year-old adolescents in São Paulo State, Brazil, 2002

 

 

Lívia Litsue GushiI; Maria da Candelária SoaresII; Tania Izabel Bighetti ForniII; Vladen VieiraII; Ronaldo Seichi WadaI; Maria da Luz Rosário de SousaI

IFaculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba, Brasil
IISecretaria de Saúde do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Verificou-se a experiência da cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos, considerando-se prevalência e severidade da doença, segundo idade, gênero, etnia e fluoretação das águas. Foi um estudo transversal realizado com dados do levantamento epidemiológico do Estado de São Paulo, Brasil, 2002, no qual 1.825 adolescentes foram examinados em seus domicílios, por 132 cirurgiões-dentistas em 35 municípios. Utilizaram-se os testes qui-quadrado, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney (a = 5%). Com o SiC Index, definiu-se um terço dos indivíduos com maior experiência de cárie. O índice CPO-D foi 6,44 (dp = 4,60) e o SiC Index 11,68. O percentual de livres de cárie foi 9,6%. Não houve diferença entre o CPO-D dos municípios com e sem fluoretação, entretanto houve maior porcentagem de livres de cárie nos municípios com água fluoretada. O gênero masculino teve pior condição em relação à cárie que o gênero feminino. Os não-brancos tiveram maior percentual de dentes cariados e perdidos que os brancos. Sugere-se, portanto, a ênfase em estratégias que possam atenuar os danos causados pela progressão da doença, especialmente no grupo com maior experiência de cárie dentária.

Saúde Bucal; Cárie Dentária; Adolescente; Índice CPO


ABSTRACT

Dental caries was evaluated by surveying 15-to-19-year-olds in the State of São Paulo, Brazil, in 2002, concerning disease prevalence and severity according to age, gender, ethnicity, and public water supply fluoridation. This cross-sectional study was based on data collected through an oral dental health epidemiological survey. Adolescents (n = 1,825) were examined at their homes by 132 dentists from 35 cities in the State of São Paulo. Chi-square, Kruskal-Wallis, and Mann-Whitney tests were used (a = 5%). The SiC Index was used to determine the groups having higher caries experience. DMF-T was 6.44 (sd = 4.60) and SiC Index was 11.68. Caries-free frequency was 9.6%. No statistically significant difference was observed for DMF-T in relation to public water supply fluoridation; however, there was a high percentage of caries-free individuals in cities with fluoridation. Caries conditions were worse in males. A higher prevalence of decayed and missing teeth was observed in the non-white groups. Therefore, emphasis is recommended on strategies to mitigate harm by caries progression, especially in higher-risk groups.

Oral Health; Dental Caries; Adolescent; DMF Index


 

 

Introdução

Diversos estudos realizados a partir da década de 70 apontaram uma expressiva redução na prevalência da cárie dentária na maioria dos países desenvolvidos 1,2,3. Esse fato também foi observado no Brasil em pesquisas epidemiológicas nacionais realizadas em 1986 e 1996 4,5 e em várias investigações realizadas em municípios brasileiros 6,7,8,9.

Em 1986, o CPO-D aos 12 anos de idade foi de 6,65, ou seja, uma prevalência muita alta segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Já em 1996, um levantamento epidemiológico de saúde bucal realizado em todas as capitais brasileiras apontou um CPO-D médio de 3,06 aos 12 anos de idade, o qual estava bastante próximo da meta estabelecida para o ano 2000 pela OMS (CPO-D < 3,0), vinte anos antes. Atualmente, aproximadamente 70,0% dos países no mundo alcançaram a meta de CPO-D < 3,0 aos 12 anos de idade 10,11.

Os fatores apontados como prováveis responsáveis pelo declínio na prevalência de cárie no Brasil são: o aumento e a universalização da exposição das pessoas ao flúor em suas variadas formas de aplicação, com destaque especial para a água de abastecimento e os dentifrícios fluoretados, a maior ênfase nas atividades de promoção de saúde, a melhoria nas condições de saúde e qualidade de vida, além da mudança nos critérios de diagnóstico de cárie 6,12.

No entanto, certas comunidades brasileiras não foram beneficiadas da mesma maneira, pois a ausência de fluoretação da água de abastecimento, a falta de acesso a programas preventivos e o nível sócio-econômico-cultural baixo tornaram as pessoas suscetíveis a concentrarem níveis mais elevados da cárie, polarizando, dessa forma, a distribuição da doença 8. Esse fenômeno, conhecido como polarização, consiste na concentração da maior parte da doença ou das necessidades de tratamento em uma pequena parcela da população 13.

Como o índice CPO-D sozinho proporciona uma visão incompleta da cárie dentária em distribuições assimétricas, um novo índice, denominado Significant Caries Index (SiC Index), foi proposto no ano 2000 14, calculando-se a média CPO-D para um terço do grupo com os maiores níveis da doença, a fim de focalizar a atenção nessa assimetria. Assim, o SiC Index pode fornecer informações adicionais importantes sobre o impacto da cárie naqueles mais afetados 15.

Apesar de a cárie dentária ser a doença bucal mais estudada em todo o mundo, a maioria das pesquisas concentra-se em crianças em idade escolar, não havendo dados suficientes na literatura sobre a prevalência de cárie dentária em adolescentes 16,17. Portanto, tendo em vista essa escassez, o objetivo deste estudo foi delinear o perfil epidemiológico da cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no Estado de São Paulo, mediante o conhecimento da prevalência e severidade da doença, segundo a análise das variáveis idade, gênero, etnia e fluoretação das águas de abastecimento público.

 

Metodologia

O delineamento do estudo foi do tipo transversal e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (FOP/ UNICAMP) (Processo n. 029/2003). Foi realizado com base nos resultados do levantamento epidemiológico em saúde bucal Condições de Saúde Bucal no Estado de São Paulo em 2002 18, estudo decorrente do Projeto SB 2000 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira no Ano 2000, do Ministério da Saúde (MS), tendo recebido aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Processo CONEP n. 581/2000). No Estado de São Paulo, o levantamento foi operacionalizado pela Secretaria de Saúde (SES-SP) em parceria com a Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (FSP/USP).

Em todo o estado foram sorteados 35 municípios e examinados 16.708 indivíduos. Nesta investigação, foram analisados os dados secundários da faixa etária de 15 a 19 anos de idade, totalizando 1.825 exames.

A amostra foi probabilística e estratificada por idade e, de acordo com os parâmetros estabelecidos para o levantamento, obteve representatividade estadual 18. Desta amostra, 76,3% residiam em municípios com flúor na água de abastecimento.

O processo de calibração foi planejado considerando-se um número máximo de cinco examinadores por município e foi dimensionado para abranger no mínimo 24 horas de trabalho da equipe. Foram aferidas as porcentagens de concordância interexaminador e intra-examinador, sendo estes percentuais de 98,9% (IC95%: 98,0-99,4) e 99,0% (IC95%: 98,1-99,5), respectivamente, estando dentro dos limites aceitáveis para estudos epidemiológicos 19.

Os exames foram realizados por 132 examinadores e seguiram a metodologia proposta pela OMS 20. Utilizou-se espelho bucal plano e a sonda CPI, da OMS, sob luz natural, com o examinador e a pessoa examinada sentados.

O índice CPO-D foi utilizado para verificar a experiência de cárie dentária, ao passo que o SiC Index foi empregado para focalizar a atenção nos indivíduos com os valores mais altos de cárie. Este índice é calculado da seguinte forma: os indivíduos são ordenados de acordo com os valores CPO-D; um terço da população com os mais elevados índices de cárie são selecionados; a média CPO-D deste subgrupo é calculada. O resultado é o valor do SiC Index 10.

As informações secundárias foram obtidas por meio do programa Visual Fox Pro versão 5, convertidas para o programa Excel e posteriormente para o Epi Info versão 5.01, para serem analisadas.

Os dados obtidos foram estratificados segundo a idade, gênero, etnia e municípios com e sem fluoretação das águas de abastecimento público. Para a categorização dos diferentes grupos étnicos, foi adotada a classificação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que leva em consideração a autodeclaração do indivíduo e, a fim de possibilitar a análise estatística, a variável etnia foi estratificada em dois grupos: brancos (70,3%) e não brancos (amarelos + pardos + indígenas + negros); neste segundo grupo, os pardos constituíram 22,1% e os negros, cerca de 7,0%.

Utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney (para comparação das médias CPO-D) e do qui-quadrado (para comparação dos componentes cariado, perdido e obturado do índice CPO-D e grupos de indivíduos livres de cárie), com nível de significância de 5%.

 

Resultados

A taxa de resposta foi de 97,9%. A amostra estratificada quanto a idade, gênero e etnia foi detalhada na Tabela 1.

A prevalência da cárie dentária entre os adolescentes de 15 a 19 anos de idade foi de 90,4%, enquanto o índice CPO-D encontrado foi de 6,44. O componente obturado constituiu 71,26% do índice, ao passo que os componentes cariado e perdido constituíram, respectivamente, 22,24% e 6,5%. O detalhamento da prevalência da cárie e índice CPO-D por idade encontra-se na Tabela 2.

Na Figura 1, observa-se a diferença entre os dois terços da população com menor índice de cárie e o terço dos indivíduos mais afetados pela doença, de acordo com o SiC Index.

A análise dos componentes do índice CPO-D (cariado, perdido e obturado) foi realizada comparando-se o terço da população com maiores índices de cárie dentária com os outros dois terços. Observou-se que o terço da população com os maiores índices de cárie possuía menor porcentagem de cariados (19,68% e 26,14%, respectivamente; p = 0,000); maior porcentagem de dentes perdidos (7,26% e 5,33%, respectivamente; p = 0,000) e maior número de dentes restaurados (73,06% e 68,52%, respectivamente; p = 0,000).

De acordo com a Figura 2, verificou-se que nos municípios com fluoretação das águas de abastecimento público o índice CPO-D foi de 6,43 e que nos municípios sem esse benefício o índice foi de 6,45, portanto não foi encontrada diferença estatística quando comparados (p = 0,656). Houve, porém, maior porcentagem de adolescentes livres de cárie nos municípios com água fluoretada (p = 0,020), tendência ratificada pelos resultados obtidos da análise dos componentes do índice CPO-D, pois, nestes municípios, encontrou-se menor número de dentes cariados (p = 0,000) e perdidos (p = 0,002), além de maior número de dentes obturados (p = 0,000).

 


 

A média e porcentagem dos componentes do índice CPO-D de acordo com as variáveis idade, gênero e etnia (brancos e não brancos) podem ser observadas na Tabela 3.

 

 

Em relação à variável gênero, verificou-se que, na amostra total, tanto a média do índice CPO-D quanto seus componentes apresentaram diferenças entre os gêneros (p = 0,003). O gênero masculino apresentou maior porcentagem de dentes cariados (p = 0,000) e perdidos (p = 0,046) que o gênero feminino. O gênero feminino apresentou maior porcentagem de dentes obturados (p = 0,000).

Considerando a variável etnia, as diferenças entre as médias CPO-D não foram estatisticamente significantes na amostra total (p > 0,05). Entretanto, existiram diferenças com relação aos componentes do índice CPO-D: o grupo dos não brancos teve maior porcentagem de dentes cariados (p = 0,000) e perdidos (p = 0,000), enquanto os brancos obtiveram maior porcentagem de dentes obturados (p = 0,000).

 

Discussão

Sabe-se que os dados sobre cárie dentária em adolescentes são escassos e que não se realizaram muitos estudos em países desenvolvidos 3,16,21. Diversas vezes, as informações epidemiológicas são pouco utilizadas e sequer chegam a ser publicadas. Com isso, várias investigações são subutilizadas e seus achados e conclusões raras vezes derivam em conseqüências efetivas, ficando inexplorado o potencial dos dados produzidos 22. Além disso, os estudos epidemiológicos realizados em adolescentes, tanto no Brasil como em países desenvolvidos, não apresentam uniformidade em relação aos critérios de diagnóstico e procedimentos amostrais, o que torna difícil estabelecer comparações.

Em 1986, foi realizado o primeiro levantamento nacional em saúde bucal, realizado nas capitais brasileiras. Dentre outras idades ou faixas etárias, foram examinados adolescentes entre 15 a 19 anos de idade, encontrando-se CPO-D médio de 12,40 na Região Sudeste (representada pelas capitais do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, e de São Paulo, São Paulo); no Brasil, a média CPO-D encontrada foi de 12,70 4.

Logo, se, para a faixa etária em estudo, o CPO-D era 12,40 em 1986 e 6,44 em 2002 (Tabela 2), os dados parecem demonstrar tendência de declínio da cárie dentária no Estado de São Paulo. Todavia, deve-se ter cautela nessa comparação, pois foram estudos com metodologias diferentes.

Em 1998, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em parceria com a Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, realizou o Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal do Estado. No entanto, considerando a faixa de adolescentes, apenas a idade de 18 anos foi contemplada, tendo obtido um valor para o índice CPO-D de 8,64 23. Passados quatro anos desse estudo, encontrou-se, em 2002, CPO-D de 7,14 aos 18 anos (Tabela 2).

Salienta-se que, neste estudo, a amostra estratificada por gênero não correspondeu às porcentagens encontradas no último censo realizado no Estado de São Paulo (gênero masculino: 49,90% e gênero feminino: 50,10%), por isso os resultados devem ser analisados cuidadosamente e essa tendência deve ser mais investigada para que futuras afirmações possam ser elaboradas. Por outro lado, a amostra segundo etnia correspondeu aos resultados do último censo, no qual houve predomínio de brancos (70,30%), seguidos pelos pardos (22,10%) e negros (3,79%), ratificando a validade deste estudo (Tabela 1). Deve-se destacar, contudo, que, como nesta investigação a variável etnia foi dicotomizada entre brancos e não brancos, os resultados devem ser interpretados à luz deste enfoque.

Um estudo realizado em Salvador, Bahia 24, em 2001, apresentou CPO-D = 2,66 aos 15 anos de idade; outro, realizado em Florianópolis, Santa Catarina 17, em 1999, apresentou um CPO-D = 4,50 aos 18 anos de idade, portanto valores menores que os encontrados nesta investigação (5,04 e 7,14, respectivamente) (Tabela 2). Porém, esses levantamentos foram realizados em capitais brasileiras, enquanto este estudo também abrangeu municípios do interior do estado. Assim, sabendo-se que as capitais apresentam uma qualidade de vida diferente daquela do interior, pode estar havendo um reflexo favorável nas condições de saúde bucal nas capitais.

A realidade da saúde bucal em adolescentes no Estado de São Paulo está distante ainda da encontrada em países desenvolvidos. Em um estudo realizado na Holanda 16, no ano de 1993, já fora encontrado CPO-D = 6,60, semelhante ao encontrado neste estudo, realizado 11 anos depois, para a faixa etária de 15 a 19 anos de idade. Na Austrália 21, em 1992, foi encontrado CPO-D = 4,33 na mesma faixa etária, indicando que, apesar dos avanços na saúde bucal alcançados no Estado de São Paulo, principalmente em pré-escolares e escolares, os adolescentes ainda apresentam necessidades preventivas e/ou curativas.

Uma análise mais detalhada da situação da cárie em muitos países mostra que há uma distribuição assimétrica da prevalência de cárie – significa que uma proporção da população ainda tem valores de CPO-D altos, enquanto outra proporção é totalmente livre de cárie. A média CPO-D não reflete essa distribuição assimétrica, podendo levar à conclusão incorreta de que a situação da cárie para toda a população está controlada, quando, na realidade, muitos indivíduos ainda têm cáries 10,15.

Portanto, a fim de focalizar a atenção nessa distribuição assimétrica da cárie dentária, foi empregado o SiC Index, e encontrou-se um valor médio de 11,68 no grupo em questão (Figura 1). Comparando-se estes resultados com os de um estudo realizado na Dinamarca 3 em 1993, apenas 9,0% dos jovens entre 18 e 25 anos tinham CPO-D > 12,0; portanto, apesar de o Estado de São Paulo ser o mais populoso e industrializado do País e apresentar os maiores índices de desenvolvimento humano, a prevalência de cárie permanece alta entre os adolescentes, demonstrando a necessidade de programas em saúde bucal que atendam às reais necessidades dessa população.

O SiC Index pode, também, trazer importantes informações adicionais sobre o impacto da doença nos indivíduos mais afetados. Marthaler 25 reforça a importância dessa ferramenta, pois, por ser uma média, não depende de avaliações do nível sócio-econômico e, conseqüentemente, das possíveis formas de interpretação que podem ocorrer de um país para outro, permitindo, assim, comparações entre populações distintas.

No terço da população com os maiores índices de cárie dentária, verificou-se haver acesso aos serviços odontológicos, em virtude da alta porcentagem de dentes restaurados; entretanto, houve considerável porcentagem de dentes perdidos, demonstrando que muitas vezes a falta de serviços públicos que ofereçam tratamentos de qualidade e a baixa renda per capita da população, que acaba tendo como alternativa apenas tratamentos de menor custo ou a simples falta de acesso ao tratamento adequado, podem tornar a exodontia a única conduta possível. Conseqüentemente, há a necessidade de ênfase em estratégias que possam atenuar os danos causados pela progressão da doença, tais como medidas preventivas e programas de saúde pública estruturados que atendam a essa demanda.

Embora no Brasil a fluoretação seja o componente essencial de um programa preventivo abrangente e exista, desde 1975, uma lei que obriga todas as cidades a implantarem o sistema de fluoretação da água de abastecimento público, muitos municípios no interior são privados desse benefício 8.

Os resultados não mostraram diferença entre o CPO-D dos municípios com e sem água fluoretada no estado (Figura 2), divergindo de diversos estudos encontrados na literatura 21, 26,27,28,29, o que pode ser explicado pela natureza multifatorial da cárie. Existem outros fatores importantes no processo saúde/doença que não foram avaliados, como padrão de higiene bucal, microbiota da placa bacteriana, hábitos alimentares, condições sócio-econômicas, entre outros, que atuam como fatores confundidores 8. Sabe-se, também, que o efeito da fluoretação das águas sobre a prevalência e severidade da cárie dentária requer algum tempo para produzir benefício máximo, não tendo sido descritas informações sobre quando cada município começou a adicionar flúor à água de abastecimento público. Assim, não foi possível estabelecer diretamente uma relação causal entre menor prevalência e severidade da cárie dentária e fluoretação das águas de abastecimento público. Por sua vez, a maior porcentagem de indivíduos livres de cárie nos municípios com água fluoretada (Figura 2) sugere a importância da continuidade do método para o controle da progressão da doença.

Dessa forma, os resultados sugerem que os efeitos benéficos da fluoretação das águas são contínuos, embora a diferença na experiência de cárie não seja comparada à redução de 50,0% que tem sido amplamente relatada em crianças 30,31. Atualmente, o efeito da fluoretação da água no declínio da cárie dentária tem sido atenuado por outras medidas para o controle da doença, e o impacto se reduziu para valores de 20,0%, com tendência a decrescer. É o que os sanitaristas denominam de "atenuação relativa da força do método" 32.

Quanto à estratificação da amostra por gênero (Tabela 3), pode-se verificar que o gênero masculino obteve maior experiência de cárie que o gênero feminino. Estes resultados diferenciam-se daqueles da maioria dos trabalhos da literatura, que afirmam que a maior prevalência de cárie ocorre no gênero feminino. Segundo muitas pesquisas relacionadas por Lopes & Bastos 31, a maior prevalência de cárie se dá no gênero feminino pela erupção precoce dos dentes neste gênero. Porém, as justificativas sugeridas por Sales-Peres & Bastos 32, que o gênero feminino tem uma maior conscientização quanto ao autocuidado, realização melhor e por mais vezes ao dia do controle mecânico de placa, ou, por outro lado, que os meninos talvez tenham menor rigor com a própria saúde, aplicam-se de melhor forma para justificar os resultados relacionados aos adolescentes desta investigação.

Em relação à etnia (Tabela 3), verificou-se que o grupo dos não brancos apresentou piores condições quanto à cárie dentária, divergindo de dois estudos realizados no Brasil 33,34 nos quais se constatou que crianças brancas apresentaram índices de cárie em dentes permanentes mais elevados que crianças negras, em decorrência do maior acesso aos serviços odontológicos, ou seja, tratamento restaurador (componente obturado elevando o índice CPO-D). Porém, naqueles estudos a amostra foi constituída por crianças entre 11 e 12 anos de idade, o que difere deste no que se refere à faixa etária da amostra; além disso, os resultados mostraram que os adolescentes entre 15 e 19 anos de idade ainda não possuem todas as suas necessidades de tratamento atendidas, principalmente entre os não brancos.

Assim sendo, os resultados demonstraram alguns aspectos do perfil epidemiológico da cárie dentária em adolescentes no Estado de São Paulo, segundo a idade, gênero, etnia e fluoretação das águas de abastecimento público. Em adição, mostraram a necessidade de ênfase em estratégias que possam atenuar os danos causados pela progressão da doença na idade adulta, especialmente nos grupos com maior experiência de cárie dentária.

 

Conclusões

A prevalência de cárie dentária no grupo de 15 a 19 anos de idade foi de 90,4%, sendo o índice CPO-D de 6,44, enquanto o SiC Index foi de 11,68, no Estado de São Paulo, 2002, demonstrando que a cárie dentária em adolescentes ainda constitui um problema de saúde pública. A análise das variáveis gênero e etnia demonstrou que o gênero masculino e os não brancos apresentaram piores condições em relação à cárie dentária. Portanto, o conhecimento da distribuição da cárie em adolescentes, identificando o grupo de risco nesta faixa etária, bem como a necessidade de tratamento, pode auxiliar na priorização de uso dos recursos, que são sempre aquém das necessidades, a fim de racionalizar tempo e recursos financeiros.

 

Colaboradores

L. L. Gushi participou da análise e interpretação dos resultados; levantamento das referências bibliográficas e redação do artigo. M. C. Soares, T. I. B. Forni e V. Vieira participaram da organização e coleta de dados do levantamento, discussão dos resultados e revisão do artigo. R. S. Wada contribuiu na análise estatística e discussão dos resultados. M. L. R. Sousa participou da idealização, interpretação e discussão dos resultados e redação deste artigo.

 

Agradecimentos

À Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, por ter permitido a utilização do banco de dados do levantamento epidemiológico realizado no estado; às equipes de examinadores, monitores e anotadores que realizaram os exames; aos adolescentes que consentiram em participar do levantamento e à sugestão de Sílvia Cypriano para a realização deste estudo.

 

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Endereço para correspondência
M. L. R. Sousa
Departamento de Odontologia Social
Faculdade de Odontologia de Piracicaba
Universidade Estadual de Campinas
Av. Limeira 901, Piracicaba, SP 13414-903, Brasil
luzsousa@fop.unicamp.br

Recebido em 22/Mar/2004
Versão final reapresentada em 10/Mar/2005
Aprovado em 16/Mar/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br