RESENHAS BOOK REVIEWS
Textos de apoio em saúde mental
Marcelo de Abreu Maciel
Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil. Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. mdabreu@uol.com.br
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, organizador. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003. 242 pp. (Série Trabalho e Formação em Saúde).
ISBN: 85-7541-023-7
Ao organizar o livro Textos de Apoio em Saúde Mental, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio não só apresenta um excelente material de estudo e consulta, mas disponibiliza em um só corpo importantes reflexões que compõem este vasto campo que é o da Saúde Mental. Fruto da trajetória do Grupo de Trabalho em Saúde Mental da Escola Politécnica, este material tem sua origem no trabalho de capacitação de trabalhadores de nível médio, majoritariamente, que atuam no referido campo.
O livro possui um percurso abrangente. Abre com A Organização da Assistência Psiquiátrica, passando por capítulos como O Indivíduo e o seu Contexto Social; O Sofrimento Psíquico e a Psicopatologia; As Estratégias de Intervenção e finaliza com a discussão bastante atual O Abuso de Álcool e Outras Drogas. Todos esses capítulos são escritos numa linguagem acessível sem, contudo, perder sua consistência teórica e informativa. Este, por sinal, é um dos pontos a ser destacado deste material, pois o livro consegue criar por meio do seu texto um campo de interlocução muito direto para quem o lê, apesar de tratar de temas que possuem muitas articulações teóricas, que atravessam diversos campos de conhecimento, como é, aliás, o próprio campo da saúde mental. Ao se preocupar com a linguagem, já que o livro majoritariamente fala para profissionais de nível médio, os "pesquisadores-autores" estão tentando dar conta, como diz Soares 1, de uma indagação básica e que deveria sempre ser feita na academia: afinal, para quem pesquisamos e para quem escrevemos? O livro parece tentar responder a este desafio vivido pelo pesquisador-autor que é o de "produzir textos em condições de produção diferentes daquelas que são inerentes ao contexto em que atua" 1 (p. 81).
Podemos pensar também este livro como um livro-dispositivo. Se estamos num momento no qual consolidamos muitas transformações no campo da assistência em saúde mental, fruto de uma trajetória e de uma militância de diversos atores sociais ao longo da história, este material é mais um dispositivo de intervenção nesse campo. A Reforma Psiquiátrica vem alterando o cenário do cuidado de pessoas portadoras de sofrimento psíquico, seja por meio do estabelecimento de novos dispositivos na assistência ou na quebra de paradigmas que até hoje sustentaram práticas "psis"de exclusão. Contudo, é necessário que nesse desafio não apenas possamos intervir nas práticas cotidianas do cuidar mas, também, produzir operadores que sejam capazes de intervir na formação daqueles que estão ali no trabalho micropolítico da assistência, pois ainda não é uma realidade que todos os envolvidos nessa trajetória possuem uma instrumentalização teórica-prática que possa dialogar com essas transformações históricas da saúde mental. Se estamos alterando o panorama desse campo da saúde no Brasil, faz-se necessário intervir na formação daqueles que estão ou querem contribuir com suas práticas no cuidado dos diversos usuários de dispositivos de saúde mental, sejam eles adultos, crianças, adolescentes ou idosos. Especificamente vale ressaltar ainda que, apesar do livro não abordar o tema da saúde mental na infância e juventude, é importante marcar que o mesmo contribui para todos aqueles que querem ou já possuem uma militância com esse público, já que, como coloca Couto 2, pela primeira vez temos o público de crianças e adolescentes sendo incluídos numa agenda, numa discussão sobre o sofrimento psíquico, e a criação de dispositivos de tratamento para esse público. Sendo assim, faz-se necessário, sem a menor dúvida, entender a constituição do campo da saúde mental.
É nesse sentido então, que o livro Textos de Apoio em Saúde Mental é um livro-dispositivo, já que possibilita e disponibiliza um material que tanto pode ser trabalhado com profissionais de nível médio, mas também pode ser um ótimo operador no trabalho de graduação em áreas que costumam intervir ou dialogar com a saúde mental. Pelas suas características, o livro dá um outro tipo de acesso a informações extremamente importantes, pois o campo da saúde mental nem sempre foi marcado, do ponto de vista das produções teóricas, por uma leitura muito acessível. A saúde mental tem mantido uma arquitetura teórica de diálogo com muitos campos de conhecimento, muitas epistemologias, metodologias e terapêuticas diferentes e divergentes. O livro não substitui essas leituras ou leituras clássicas, e nem é esse o objetivo dos autores. Ele possibilitará o início de uma conversa, o início de uma instrumentalização, principalmente para aqueles profissionais que estão fora do circuito formal universitário. Se estamos criando novos dispositivos de cuidado é necessário e urgente criarmos novos dispositivos de formação, já que continuar essas transformações históricas na saúde mental passa por despertar o desejo de novos atores que queiram se inserir nessa jornada em torno do cuidar, ou melhor, de uma ética do cuidar.
Podemos pensar então, que os textos de apoio podem funcionar como uma estratégia de "empowerment" 3, já que poderão possibilitar uma entrada no debate daqueles que estão na assistência, mas estão fora dos centros de formação e debates formais.
Outro ponto relevante é o livro deixar claro que não podemos dissociar uma discussão entre saúde mental e saúde pública. Isso fica claro logo no primeiro capítulo, quando seus autores encerram toda sua reflexão falando do SUS e suas principais diretrizes. Apresentam também a legislação em Saúde Mental, trazendo, em seus anexos, as principais portarias e a própria legislação vigente. Com esta configuração, os autores deixam claro uma posição, a saber: falar de saúde mental é falar do campo das políticas públicas e seus operadores regulamentais. Então, é fundamental que o trabalhador de saúde mental entenda minimamente das leis que regulamentam seu campo de atuação, já que isso o fará descobrir que não se trata meramente de acumular informações jurídicas, mas sim, dele se perceber como um pequeno gestor do seu fazer terapêutico, no sentido de saber com o quê e com quem ele poderá contar na rede e no campo da gestão pública em saúde, bem como quais são os direitos dos usuários de um serviço e o que os serviços podem e devem fazer por eles.
Essa discussão da política e seus elementos contextuais está totalmente de acordo com o capítulo que irá falar do Indivíduo e seu Contexto, já que quando chega alguém em nossos serviços é sempre alguém marcado por instâncias culturais, religiosas, familiares, simbólicas. Ouvir um usuário é ouvir sua história e se, trabalhamos com a idéia da (re)inserção, como grafada no texto, essa história se torna mais especial ainda. Ouvir suas histórias é permitir que esses usuários possam (re)inventá-las, lidando com os estigmas, com a vida comunitária-familiar, ou seja, lidando com o político numa leitura mais ampla. Estaremos assim, nos aproximando do conceito de integralidade, Mattos4, já que cuidar de alguém é entender a complexidade de sua vida, e os dispositivos de saúde não devem fragmentar existências, principalmente daqueles que sofrem.
O capítulo dirigido ao tratamento farmacológico traz uma didática que é importante dentro de um assunto nem sempre apresentado de forma acessível. Como é um tema relacionado especificamente ao campo médico, é necessário apreender de forma geral os principais grupos de medicamentos, suas indicações, dosagens e efeitos. Como já foi dito anteriormente, num campo marcado por tantos atravessamentos teóricos e práticos, um capítulo sobre fármacos é fundamental.
No que diz respeito às estratégias de intervenção, os textos de apoio fazem um painel de abordagens que transitam pela saúde mental. De forma simples e breve, as abordagens são apresentadas trazendo seus objetivos. Mais uma vez, revela-se um campo marcado pela pluralidade de ações e leituras. O leitor poderá encontrar neste capítulo algumas ferramentas de intervenção e seus aportes teóricos iniciais.
O livro encerra com abuso de álcool e outras drogas, tema constante na agenda das políticas públicas em saúde e, como é dito na abertura do capítulo, há muito deixou de ser uma questão médica ou psiquiátrica somente. Isso fica bem revelado na maneira como o texto é conduzido, trazendo aspectos que dizem respeito às políticas de combate às drogas e uma história do uso de "drogas" por outros povos em outros momentos da História.
Textos de Apoio em Saúde Mental é um livro que tem uma conseqüência prática, operativa e informativa. Podemos caminhar com ele de muitas formas, inclusive retomando sua função formadora no que diz respeito aos profissionais de nível médio. Sendo assim, é um material extremamente importante não só para aqueles que possuem uma trajetória de trabalho nos caminhos desafiadores da saúde mental, mas, também, para aqueles que queiram saber um pouco sobre este fascinante campo e com isso apostando numa ação que talvez mude uma cultura de informações e sentimentos em relação ao que chamamos de loucura.
1. Soares M. Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos? In: Moreira AF, Soares M, Follari RA, Garcia RL, organizadores. Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos? O impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez Editora; 2001. p. 65-90.
2. Couto MCV. Trilhando novos caminhos: a política pública de saúde mental para crianças e adolescentes. In: Guerra AMC, Lima NL, organizadores. A clínica de crianças com transtornos no desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Autêntica; 2003. p. 191-8.
3. Vasconcelos EM. O poder que brota da dor e da opressão: empowerment, sua história, teorias e estratégias. São Paulo: Editora Paulus; 2003.
4. Mattos RA, Pinheiro R. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2001.