EDITORIAL
Os indígenas nos censos nacionais no Brasil
Nas últimas décadas aconteceu o que já se denominou de "revolução demográfica" indígena no Brasil. Essa revolução diz respeito a alterações nas tendências populacionais, que até um passado recente sinalizavam para possibilidades de desaparecimento. De um quarto de século para cá ficou evidente que os indígenas não somente estão crescendo no país, como em ritmo superior às médias nacionais (ver coletânea Demografia dos Povos Indígenas no Brasil. Editora Fiocruz/Associação Brasileira de Estudos Populacionais; 2005).
Sempre foi uma tarefa árdua investigar a demografia indígena no Brasil. Os sistemas de informação ainda se mostram deficientes, além da existência de notáveis dificuldades metodológicas. Por exemplo, em muitas sociedades indígenas, os sistemas numéricos são diferentes, não havendo o registro de variáveis (como idade) na forma como requerido pela demografia.
Em anos recentes, graças a iniciativas como a formação do Comitê de Demografia dos Povos Indígenas na Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) e o Grupo de Trabalho sobre Saúde Indígena da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), nota-se um revigoramento do campo da demografia indígena no Brasil. Ademais, em 1991 houve a inclusão da categoria indígena nos censos decenais conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A partir de um esforço de um grupo de antropólogos, demógrafos, epidemiologistas e estatísticos está sendo lançada pelo IBGE uma publicação que coloca a demografia indígena em um novo patamar (Tendências Demográficas: Uma Análise dos Indígenas com Base nos Resultados da Amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000. IBGE; 2005). Trata-se de um inovador olhar sobre os dados censitários a respeito dos indígenas, no tocante à distribuição espacial, estrutura etária, fecundidade, mortalidade, migração, dentre outros aspectos. Aborda inclusive uma instigante questão demográfica recente no país: o significativo aumento no número de pessoas, de 294 mil para 734 mil (uma taxa média geométrica de crescimento anual de 10,8%), que se declararam indígenas nos censos de 1991 e 2000, respectivamente.
A partir do Censo Demográfico 2000, aprendemos que os níveis de escolaridade dos indígenas permanecem muito baixos e que há diferenças importantes nas taxas de fecundidade total das mulheres indígenas urbanas (2,7 filhos) e rurais (5,7 filhos). O mergulho nos dados censitários mostrou também uma taxa de mortalidade infantil para os indígenas em 2000 (51,4 por mil) significativamente mais elevada que a taxa nacional (de 30,1 por mil). A mortalidade infantil indígena é muito superior a dos demais grupos de cor/raça, inclusive das crianças "pretas" e "pardas" (34,9 e 33,0 por mil, respectivamente). Chamam atenção também as elevadas taxas de mortalidade infantil dos indígenas nas regiões socioeconomicamente mais desenvolvidas do país (Sudeste e Sul).
No atual patamar de discussão sobre a demografia indígena, é imprescindível refletir comparativamente, de modo a situar os parâmetros dos indígenas no âmbito nacional. Inquestionavelmente a sociedade brasileira tem uma importante dívida para com os povos indígenas. Análises demográficas podem se constituir em exercícios que, respeitando as particularidades socioculturais dos povos indígenas, evidenciam situações de desigualdade. Os indicadores demográficos ajudam-nos a melhor visualizar esse quadro que, embora amplamente conhecido, ainda precisamos melhor compreender em seus contornos específicos.
Ricardo Ventura Santos
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
santos@ensp.fiocruz.br
Nilza de Oliveira Martins Pereira
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, Brasil
nmartins@ibge.gov.br