RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Aluísio J. D. Barros

Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. abarros@epidemio-ufpel.org.br

 

 

EPIDEMIOLOGÍA BÁSICA. Beaglehole R, Bonita R, Kjellström T. Washington DC: Organización Panamericana de la Salud; 2003. (Publicación Científica 551).
ISBN: 92-75-31551-5

O texto originou-se da necessidade percebida em muitos países de um texto básico sobre epidemiologia publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Um grande número de epidemiologistas de todo o mundo colaborou na preparação do livro, que foi testado em dez países diferentes antes da publicação da primeira edição em inglês, em 1993.

O livro foi preparado claramente com a idéia de oferecer um texto de apoio para um primeiro curso em epidemiologia. No contexto brasileiro, é um livro para uso na graduação de cursos da área de saúde. Com menos de duzentas páginas, não tem a pretensão de ser exaustivo do tema, mas sim de introduzir o iniciante nos conceitos básicos da epidemiologia, assim como apresentar sua aplicação em algumas áreas, como na clínica, em questões ocupacionais, ambientais e nos serviços de saúde.

A estrutura do texto, dividido em 11 capítulos, é clara e lógica. A seqüência dos temas também segue uma ordem lógica e um curso pode ser montado em cima do livro seguindo essa seqüência. Os primeiros seis capítulos tratam de conceitos básicos: o que é epidemiologia, medidas de ocorrência e efeito, tipos de estudo, estatística, causalidade e prevenção. Cinco desses capítulos tratam da epidemiologia aplicada a situações mais específicas: doenças transmissíveis, clínica, saúde ambiental e ocupacional e serviços de saúde. O último capítulo versa sobre o aperfeiçoamento do leitor na disciplina, abordando questões como leitura de artigos, preparo de um projeto de pesquisa e indicando outras fontes de informação sobre epidemiologia, seja na forma de cursos, livros ou periódicos.

Uma das maiores dificuldades em se preparar um texto introdutório, em que se queira limitar a complexidade e o tamanho, é onde parar. Neste caso, parece-me que decisões acertadas foram tomadas na maioria das vezes. Em alguns momentos, porém, o conteúdo é muito superficial e demanda algum material adicional. Mas, é importante reafirmar que este é um texto introdutório.

O primeiro capítulo apresenta a já tradicional história de John Snow e a epidemia de cólera em Londres no século XIX, antes de dar uma definição da epidemiologia e de discorrer sobre sua utilidade. O capítulo é completado com alguns exemplos de aplicação da epidemiologia com sucesso no controle e diagnóstico de algumas doenças. Funciona bem para despertar o interesse do estudante, que freqüentemente vê a epidemiologia como algo complicado e distante.

O capítulo seguinte trata da mensuração de saúde e doença, e apresenta com clareza as medidas de ocorrência de doenças. Aborda a idéia de padronização de taxas, mas não trata de sua operacionalização. A seção sobre medidas de efeito, no entanto, é bastante sucinta, e me parece que a discussão sobre riscos relativos e atribuíveis necessitará, num curso, de complementação. Não se aborda nem chance (odds) nem a razão de chances e sua relação com a prevalência. Como muitos estudos epidemiológicos apresentam resultados em termos de chance, este parece outro tópico que merecerá aprofundamento.

Tipos de estudo e vieses são abordados no capítulo 3, com um bom número de exemplos para ilustrar diferentes situações. Estudos observacionais e experimentais são tratados e discutidos com bom equilíbrio entre os conteúdos. Também os capítulos 5 (causalidade) e 6 (prevenção) apresentam cobertura suficiente dos tópicos para um curso introdutório. O capítulo sobre causalidade tem como eixo os critérios de Bradford Hill 1. Já o capítulo sobre prevenção é fortemente baseado nas idéias de Geoffrey Rose 2. Na minha experiência pessoal com o livro, o que atrapalha neste capítulo é a inclusão de prevenção primordial ­ um conceito um tanto artificial que os alunos de graduação têm dificuldade em apreender, diferente do que ocorre com prevenção primária, secundária e terciária, bem mais concretizáveis.

Estatística é uma matéria sempre difícil de ser trabalhada nas graduações da área de saúde. Não raro, os alunos não chegam mesmo a entender a necessidade desta ferramenta, visto que não apreendem a idéia de variabilidade amostral e suas conseqüências nas estimativas obtidas em estudos científicos baseados em amostras, especialmente a questão da precisão e a necessidade de testes. Nesse sentido, o capítulo 4 do livro não ajuda muito. Apresenta-se o essencial sobre tabelas e gráficos, e as definições das medidas de tendência central e variabilidade. Há uma seção sobre intervalo de confiança e outra sobre testes de hipóteses em que o teste Z e o teste t são apresentados. O capítulo termina com o teste do qui-quadrado, correlação, e um par de parágrafos sobre regressão linear. Diferente do restante do livro, que é rico em exemplos, este capítulo quase não os tem. Isso dificulta bastante a utilização do capítulo num curso. Ele serve basicamente como uma referência teórica para as definições e algumas fórmulas.

A partir do capítulo 7, inicia-se a parte mais ligada à aplicação da epidemiologia com doenças transmissíveis. O capítulo sobre epidemiologia clínica é particularmente curto, talvez porque alguns tópicos já tenham sido trabalhados em capítulos anteriores. Seguem-se os capítulos sobre saúde ambiental e ocupacional e serviços de saúde, com um conjunto de exemplos que permitem um trabalho adequado sobre os temas, lembrando sempre o nível introdutório do livro.

No geral, este é um livro atualizado e equilibrado para servir de base para um primeiro curso em epidemiologia, em nível de graduação. Alguns temas, dependendo das características do curso, deverão ser complementados. O livro está disponível em português, tradução da versão original em inglês de 1993, editado pela Livraria Santos Editora, com custo em torno de R$ 40,00. Há uma reimpressão atualizada de 2003, em espanhol, que inclui pequenas alterações. Sugere-se ao professor que investigue alternativas brasileiras de textos introdutórios à epidemiologia, como o livro de Almeida Filho & Roquayrol 3, ou o mais extenso de Pereira 4.

 

 

1. Hill AB. The environment and disease: association or causation? Proc R Soc Med 1965; 58:295-300.

2. Rose G. Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol 1985; 14:32-8.

3. Almeida Filho N, Rouquayrol MZ. Introdução à epidemiologia. Rio de Janeiro: Medsi; 2002.

4. Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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