ARTIGO ARTICLE

 

Gestão de sistemas regionais de saúde: um estudo de caso no Rio Grande do Sul, Brasil

 

Regional health systems management: a case study in Rio Grande do Sul, Brazil

 

 

Juliano de Carvalho LimaI, II; Francisco Javier Uribe RiveraI

IEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIDiretoria de Planejamento Estratégico, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil 

Correspondência

 

 


RESUMO 

Este trabalho tem como objetivo analisar o sistema de gestão de uma região de saúde no Rio Grande do Sul, Brasil, tendo como referencial para análise a Teoria das Macroorganizações. O estudo segue uma abordagem qualitativa e utiliza como estratégia metodológica o estudo de caso. O sistema de gestão da 6a Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) teve a conformação de uma missão clara e incorporada pelos seus trabalhadores como fator potencializador das práticas de organização do sistema de saúde. Apesar disso, o modo como os coordenadores organizam o seu tempo tem desviado seus olhares para problemas emergenciais e rotineiros, em detrimento de questões importantes. A 6a CRS fortaleceu o controle social para imprimir maior responsabilidade na região, no entanto o controle técnico da qualidade deixou a desejar, uma vez que não há objetivos, metas e prestação de contas por resultados. A assessoria descentralizada aos municípios e o modelo de financiamento promoveram descentralização e autonomia, embora esta estratégia careça de articulação regional e de dispositivos gerenciais mais comprometedores.

Administração Pública; Sistemas de Saúde; Planejamento em Saúde; Descentralização


ABSTRACT 

This article analyzes the management system in a health district in the State of Rio Grande do Sul, Brazil, through qualitative analysis, using a case study as the methodology and macro-organization theory as the analytical framework. For the current management system in the 6th Health Region, a clear mission statement and wide acceptance by health workers are facilitating factors for the current organizational practices within the health system. Nevertheless, the way health coordinators are currently prioritizing their time has diverted necessary resources from critical problems towards more remedial issues. The 6th Health Region has encouraged social control (or public oversight) in order to improve accountability. However, there is room for improvement in quality assurance management, since there were no well-defined goals, objectives, or accountability. Decentralized consultancy provided to the municipalities and the funding model itself have both promoted decentralization and autonomy, although the strategy requires better regional integration and greater commitment in managerial practices.

Public Administration; Health Systems; Health Planning; Descentralization


 

 

Introdução 

Modelos de gestão centralizados e de baixa responsabilidade nas organizações públicas de saúde tendem a gerar ineficácia. A gestão do sistema de saúde brasileiro exige modelos de gestão descentralizados e participativos, buscando a responsabilização de gestores e profissionais pelos resultados. Assim, mudanças se fazem necessárias em todos os espaços de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Entretanto, atualmente há um espaço em que, em virtude das políticas de descentralização que vêm sendo adotadas, essas mudanças assumem grande relevância: a região de saúde. Ao desafio colocado para o SUS e destacado na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS SUS 01/2001) 1 de construir sistemas de saúde integrados, com garantia de acesso a todos os níveis de assistência, contrapõe-se a falta de integração regional e o modo burocrático e centralizado com que atuam as instâncias de gestão regional, ligadas às secretarias estaduais. Assim, considerando a necessidade de se constituir uma gestão forte nesse espaço de gestão do SUS, realizou-se um estudo em uma regional de saúde do Rio Grande do Sul, Brasil, com o objetivo de analisar o modelo organizacional da gestão de uma região de saúde à luz da Teoria das Macroorganizações do Planejamento Estratégico Situacional (PES) 2,3.

Assume-se a Teoria Macroorganizacional do PES como adequada à gestão de regiões de saúde, uma vez que enfatiza "relações paralelas" ou de interação entre organizações, e nunca relações de dependência hierárquica, tal como ocorre em sistemas regionais de saúde. Além disso, segundo Rivera 4, a proposta matusiana é de uma organização planejada, criativa, participativa e responsável, adaptando-se, assim, aos desafios da descentralização com base na regionalização cooperativa.

Os componentes básicos da Teoria Macroorganizacional são: (i) a direcionalidade, que corresponde à missão, ao papel de uma organização; (ii) a departamentalização, que equivale à transformação da direcionalidade em formas organizativas específicas, constituídas por sistemas e mecanismos de coordenação e de comunicação definidos; (iii) a governabilidade, que expressa a distribuição do poder administrativo e das competências dos vários níveis organizativos; (iv) a responsabilidade, que explicita as formas como são atribuídas ou distribuídas as responsabilidades, e o modo como estas são cobradas.

Esses componentes traduzem-se em um sistema de direção estratégica: a direcionalidade se expressa no sistema de agenda do dirigente e nas estruturas organizativas; a governabilidade, no sistema de gerência por operações; a responsabilidade resulta no sistema de petição e prestação de contas.

Os objetivos específicos do trabalho foram: (i) identificar os modos de construção e implementação da missão e dos objetivos na gestão da saúde da região; (ii) analisar como os coordenadores da região de saúde administram seus tempos e como são selecionados os problemas a que destinam maior atenção; (iii) analisar os momentos, procedimentos e critérios de avaliação com que se dá o processo de petição e prestação de contas na gestão do SUS na região; (iv) analisar como são distribuídas as competências no interior do sistema regional de saúde; (v) debater uma estratégia de gestão de sistemas regionais de saúde, com base na Teoria Macroorganizacional do PES.

 

Material e métodos 

Este trabalho consiste em um estudo descritivo, que segue uma abordagem qualitativa e adota como estratégia metodológica o estudo de caso.

O local do estudo 

A escolha do Rio Grande do Sul deu-se pelo fato de o estado ter passado por um período de modificações na gestão do SUS entre os anos de 1999 a 2002, e dentre as políticas executadas encontrava-se a de fortalecimento dos espaços regionais de gestão da saúde. No Relatório de Gestão da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (SES/RS) 5, consta: "...a instância regional é o espaço da pactuação e do planejamento da atenção. (...)De simples repassadoras de papéis para o nível central, as CRSs passam a ser responsáveis pelo planejamento, acompanhamento e gerenciamento das ações e serviços de saúde...".

Essas características da gestão da saúde no Rio Grande do Sul despertaram para a possibilidade de se visualizarem novas formas de se gerenciar a saúde no nível regional.

A escolha da 6a Coordenadoria Regional de Saúde (6a CRS), na região de Passo Fundo, deu-se em virtude da proximidade de um dos autores com a experiência da região, tendo observado um movimento que tinha o intuito de fortalecer a gestão nesse espaço. Esta é a maior das 19 coordenadorias do estado em número de municípios. Possui 58 municípios, em sua grande maioria de pequeno porte, com uma população de 629.136 habitantes.

Procedimentos de registro dos dados 

Foram utilizadas duas técnicas combinadas de coleta de dados: a entrevista semi-estruturada e a análise documental.

As questões das entrevistas derivam do detalhamento de cada regra da Teoria das Macroorganizações e do Sistema de Direção Estratégica. Foram entrevistados o coordenador regional de saúde, o ex-coordenador adjunto e os coordenadores dos quatro setores da 6a CRS. Além disso, participaram os secretários municipais de saúde, mediante preenchimento de um questionário. Este último foi utilizado com o objetivo de captar a percepção dos gestores municipais quanto ao processo de intervenção, o que permitiu realizar um contraponto com as falas dos coordenadores da 6a CRS. Dos 58 secretários municipais de saúde, 28 responderam ao questionário.

Os documentos utilizados como fontes de informação e julgados como pertinentes ao estudo foram: relatórios das oficinas de planejamento, relatórios de gestão regional, atas do Conselho Regional de Saúde, documentos como resoluções, ofícios.

Conformação do modelo de análise 

As informações oriundas das entrevistas e dos documentos foram sistematizadas em três unidades de análise, a fim de caracterizar o funcionamento dos subsistemas que compõem a Teoria das Macroorganizações e o Sistema de Direção Estratégica do PES, na região da 6a CRS. Constituem unidades de análise a Direcionalidade/Sistema de Conformação da Agenda do Dirigente; a Descentralização e Autonomia/Sistema de Gerência por Operações e a Responsabilidade/Sistema de Petição e Prestação de Contas por Resultados.

Buscou-se enriquecer o modelo de análise com base em elementos provenientes de autores que discutem e utilizam o modelo de gestão proposto por Matus. Dentre as contribuições desses autores, estão, particularmente, a formulação da missão, de Cecílio 6, a importância do estabelecimento de espaços de comunicação na gestão, de Rivera 7, e a importância da definição de objetivos, de Lima 8. Utilizaram-se, ainda, alguns elementos provenientes das idéias da Nova Administração Pública 9, principalmente no que se refere à avaliação do desempenho por resultados. O modelo de análise está expresso na Tabela 1.

 

Resultados 

A seguir são apresentados os resultados do trabalho de campo, organizados conforme as três categorias de análise anteriormente apresentadas.

Direcionalidade/Sistema de Configuração da Agenda do Dirigente

A questão da direcionalidade está relacionada à missão e aos objetivos. Levou-se em conta, principalmente, o modo como se deu a definição da missão e dos objetivos da 6a CRS e a maneira pela qual esta se estruturou para concretizá-los.

Importante ênfase foi dada à análise do tempo e do foco da atenção dos dirigentes, procurando identificar as características que o sistema de configuração de suas agendas possui, relacionando-as com a missão e os objetivos da organização. A análise desta categoria está dividida em duas partes.

• Uma missão, nenhum objetivo 

A definição da missão da 6a CRS deu-se num movimento que iniciou de cima para baixo. Os coordenadores foram estimulando as discussões e buscando assegurar a construção do papel dessa Coordenadoria no sistema de saúde da região. Cada coordenador articulou debates e discussões internamente, nem sempre de forma regular, mas permanente, na tentativa de agregar os trabalhadores para a construção de um novo projeto. Novo porque, com base em um levantamento preliminar sobre a situação da 6a CRS, foi possível verificar que esta, como ainda é comum nas estruturas regionais dos estados, tinha um papel burocratizado, sem condições de pôr em execução uma política de construção do SUS de maneira regionalizada.

"Então a delegacia tinha um papel, como dizer, bastante ineficiente, não sei se é essa a palavra, mas era mais burocrática. Surgiu um termo agora: era despachante" (ex-Coordenador Adjunto).

A missão definida para a Coordenadoria foi expressa da seguinte forma: "construir uma defesa sanitária em defesa da vida, com participação e controle social, através de apoio técnico, político e financeiro aos municípios no processo de descentralização e implantação do SUS" (Relatório de Planejamento ­ 1999).

Tanto a missão expressa nos documentos da 6a CRS quanto as falas dos entrevistados deixam explícitas as intenções e funções da Coordenadoria no sistema regional. Identificaram-se no enunciado acima os elementos constitutivos de uma missão: produto ­ assessoria técnica, política e financeira aos municípios; cliente ­ municípios da região da 6a CRS; características ­ de forma descentralizada, ascendente e com controle social; resultado ­ implantação efetiva do SUS na região.

A missão da 6a Coordenadoria Regional de Saúde, assim formulada, atende à exigência de que a missão seja condicionada à demanda colocada pela sociedade. Tal demanda, no caso dessa Coordenadoria, consiste na necessidade de apoio às secretarias municipais de saúde, em geral com déficit de capacidade técnica e administrativa.

Com base na definição da missão, houve a criação de um papel, de uma identidade para a organização, que passou a assumir o papel de condutor na construção do sistema de saúde regional.

"Ele tem que acreditar no sistema em que ele está para poder defender, e então foi trabalhado várias vezes nesse sentido, e faz reunião, e traz pessoas para atuar nesse sentido, e isso foi uma colocação do planejamento estratégico, que primeiro nós tínhamos que ter essa compreensão, para depois poder convencer os outros" (Coordenador de Administração).

No que diz respeito à relação entre a missão e a estrutura organizacional para desenvolvê-la, a 6a CRS mostrou coerência entre o seu formato organizativo e a missão que se propôs desenvolver, dividindo e coordenando o processo de trabalho, de forma a dar à organização maior capacidade de relação com os municípios.

Além disso, incorporou a missão de cooperar técnica e financeiramente com os municípios para construir um sistema de saúde mais eficaz a partir do nível local. Para tanto, arquitetou um arranjo organizacional capaz de dar conta daquilo a que se propôs: é a única das 19 Coordenadorias existentes no Rio Grande do Sul que possui uma estrutura gerencial diferenciada. Enquanto nas demais CRS do Estado existiam três coordenações ­ Coordenação de Ações Integrais em Saúde; Coordenação de Planejamento e Regulação e Coordenação de Administração ­, a 6a CRS instituiu uma nova coordenação: a Coordenação de Descentralização, Municipalização e Controle Social, criando uma estrutura "que pudesse dialogar numa perspectiva solidária com os municípios, estabelecendo essa relação parceira de assessoria de fato à implantação do sistema" (Coordenador Regional de Saúde).

O organograma da 6a CRS também se mostrou coerente com a missão, implementando uma gestão compartilhada, contando inicialmente com uma Comissão Intergestores Bipartite (CIB) Regional; um Conselho Político; um Conselho Regional de Saúde e com o Orçamento Participativo. Mesmo após o esvaziamento de algumas dessas instâncias, como a CIB e o Conselho Político, a estrutura da gestão se mostrou bastante potente, tendo no Conselho seu principal apoio.

No entanto, apesar de uma missão definida e trabalhada e de uma estrutura organizativa coerente com ela, a 6a Coordenadoria não conseguiu construir objetivos claros e concretos, que expressassem cotidianamente aquilo em que estaria se empenhando para realizar sua missão. Não foram encontrados objetivos sistematizados nem nos documentos pesquisados, nem nas falas dos entrevistados. Sem objetivos claros, fica difícil definir prioridades e fazer escolhas, dificultando, ainda, a reflexão sobre se o que se está fazendo continua importante e adequado para os usuários.

Quando perguntado sobre os objetivos da 6a CRS, a tendência de cada entrevistado foi responder em termos de missão, e não em termos de produtos ou serviços oferecidos; as respostas foram de tal modo gerais que ficou difícil saber que práticas a CRS utiliza para chegar a eles. São poucos os registros escritos que expressam os objetivos e nestes os enunciados são tão genéricos quanto as falas; cada entrevistado citou objetivos diferentes em relação aos outros.

• Arrastados pela correnteza 

É importante para a direcionalidade de qualquer organização que o tempo e o foco da atenção dos dirigentes estejam voltados para as questões importantes da organização, orientadas pela missão.

Ficou bastante marcada a tendência de a equipe coordenadora da CRS "perder-se" nas rotinas de trabalho e na resposta a problemas imediatos, deixando de ter uma visão de longo prazo. A "demanda" e a "falta de tempo" são as justificativas para a não-realização de determinadas ações prioritárias para os próprios coordenadores, tais como as equipes organizadas para dar apoio técnico aos municípios. As reuniões de coordenação perderam espaço na agenda dos dirigentes para a resposta à demanda diária de problemas emergenciais.

"A gente foi engolido pela demanda na verdade; hoje nós estamos parados com as Assessorias. Todos os funcionários acharam importante continuar com as Assessorias, continuar porque esse é o nosso papel fundamental, elencamos como prioridade, mas estamos no mês de abril e ainda não conseguimos iniciar a rodada, porque a gente está com uma agenda maluca" (Coordenadora de Planejamento e Regulação)

Responsabilidade/Sistema de Petição e Prestação de Contas  

Somente através de mecanismos eficazes de petição e prestação de contas é possível gerar uma organização de alta responsabilidade, condição mínima para a realização de ações descentralizadas e eficientes.

• Apostando no controle social

A 6a CRS imprimiu ao sistema maior responsabilidade e, por meio da reestruturação do Conselho Regional de Saúde e do apoio a este, do envolvimento dos conselhos municipais de saúde em espaços de tomada de decisão regional e da capacitação de conselheiros, procurou ampliar o espaço de atuação dessas instâncias de gestão. Em adição, procurou articular-se com movimentos sociais e populares. Os principais achados que confirmam essa afirmativa foram:

a) reestruturação do Conselho Regional de Saúde, com infraestrutura garantida pela 6a CRS, baseada na ampliação da participação através de representações microrregionais;

b) política de relações da CRS: "Relação com o Conselho Regional de Saúde: participante na mesa do CRS; apoio e assessoria ao CRS; formação de Conselheiros; auxiliar no processo de regulamentação" (Relatório de Planejamento ­ 1999);

c) capacitação de conselheiros municipais de saúde, com capacitação de 40% em 1999, encontros de conselheiros em 56 dos 58 municípios da região e nova capacitação em 2001, atingindo 1.136 conselheiros de saúde;

d) envolvimento dos conselhos municipais em todas as atividades desenvolvidas com os secretários municipais de saúde: "...a gente achou que tinha que criar uma forma de comprometer de fato o gestor junto com o Conselho, porque a gente estava naquele momento de trabalhar junto" (Coordenadora de Descentralização, Municipalização e Controle Social).

Em relação aos municípios, a 6a CRS foi rigorosa na cobrança do Relatório de Gestão, principal instrumento de prestação de contas na região. No início da gestão, realizou-se um levantamento dos municípios que o haviam enviado nos anos de 1997, 1998 e 1999. Apenas dois municípios haviam elaborado e encaminhado para a CRS o relatório devidamente aprovado pelo conselho de saúde nos anos anteriores a 1999. Diante disso, o principal mecanismo utilizado pela 6a Coordenadoria para fazer com que os municípios apresentassem o documento foi condicionar o repasse de recursos estaduais à apresentação do relatório pelos municípios aos conselhos. Praticamente todos os 51 municípios da época habilitados em alguma condição de gestão naquele momento elaboraram e apresentaram o Relatório de Gestão aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde.

No ano de 1999, a 6a CRS aceitou que os municípios apresentassem apenas o Relatório de Gestão anual. Já a partir de 2000, passou a exigir a apresentação trimestral. Naquele ano, os 58 municípios da região apresentaram quatro relatórios de gestão, tanto no Conselho Municipal de Saúde quanto em audiência pública na câmara de vereadores.

O ano de 2001 não foi diferente. Na avaliação feita até o dia 23 de abril de 2002, apenas um município não havia apresentado nenhum Relatório de Gestão, um não apresentou três (2o, 3o e 4o trimestres), um não apresentou dois (3o e 4o trimestres) e dois não apresentaram um (4o trimestre). À exceção deste grupo, todos os demais municípios apresentaram, em 2001, quatro relatórios de gestão, devidamente aprovados pelos conselhos municipais de saúde e apresentados, trimestralmente, em audiências públicas nas Câmaras de Vereadores.

A exigência da prestação de contas das Secretarias Municipais de Saúde (SMS) aos conselhos e em audiência pública favorece a construção de uma cultura de transparência da gestão e conseqüente ampliação da responsabilidade. Dos secretários municipais de saúde que responderam ao questionário enviado, 53% afirmaram que a 6a CRS estimula as SMS a prestar contas ao conselho e 42% acreditam que ela vem obrigando os municípios a fazê-lo. Nenhum gestor respondeu que a CRS não interfere nesse processo. O mais interessante é que a exigência maior não foi de que os municípios prestassem contas para a 6a Coordenadoria, mas sim para os conselhos municipais de saúde e para a população em geral, através das audiências públicas.

Os secretários municipais de saúde da região apontaram o avanço no controle social como o principal resultado da obrigatoriedade da prestação de contas trimestralmente, pois 18 dos 28 secretários que responderam ao questionário marcaram essa alternativa. Além do fortalecimento do controle social, "menor possibilidade de desvio de recursos" (11 secretários assinalaram essa alternativa) e "mudanças no perfil do gestor" (8), como a necessidade de trabalhar mais em equipe e intersetorialmente, foram apontados pelos gestores municipais como avanços decorrentes daquela estratégia. Na pergunta relacionada às mudanças gerenciais causadas pela prestação de contas, 23 secretários de saúde apontaram que a principal mudança no seu trabalho, resultante da prestação de contas através do Relatório de Gestão, deve-se ao fato de "tornar a gestão mais transparente e permeável ao controle social", seguida pela "possibilidade de rever a programação dos recursos" (10) e pela "revisão de prioridades" (9).

Além do Relatório de Gestão, apreciado e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde e em Audiência Pública, outro instrumento utilizado para a avaliação e acompanhamento dos municípios são as equipes de assessoria. A verificação de que, para uma avaliação efetiva da gestão municipal, seria necessário o envolvimento de todos os setores da CRS suscitou a composição de equipes transversais que se envolveram no processo de avaliação da gestão municipal.

• Metas, indicadores e pactuação de resultados: os grandes ausentes

Apesar dos avanços na implementação de um sistema de petição e prestação de contas, a CRS não conseguiu realizar avaliação de resultados, enfatizando muito mais as questões financeiras que as ações e impactos.

As principais dificuldades enfrentadas pela 6a Coordenadoria para avaliar a gestão municipal decorrem da ausência de resultados definidos previamente e de forma pactuada com o conjunto dos secretários municipais de saúde. Isso permitiria o esclarecimento quanto a "o que" é importante se avaliar.

Quase todos os secretários municipais (26) que responderam ao questionário afirmaram desconhecer quais são os critérios de avaliação utilizados pela 6a CRS. Assim, às principais "queixas" da Coordenadoria em relação aos municípios ­ relatórios de gestão que pouco informam, desorganização da prestação de contas ­ equivalem as "queixas" dos municípios em relação ao desconhecimento dos critérios utilizados para avaliação.

Sem pactuação de resultados e metas entre os municípios e a 6a CRS ficará difícil tanto para os municípios prestarem suas contas quanto para a Coordenadoria avaliá-los. Assim, o sistema de petição e prestação de contas na região foi prejudicado pela deficiência no controle técnico da qualidade das ações e serviços prestados.

Descentralização e autonomia/Sistema de gerência por operações 

Nesta categoria de análise, foram analisados cinco aspectos importantes para a descentralização e para a autonomia, que se enquadram no sistema de gerência por operações de Matus: planejamento/plano; participação no processo decisório; espaços de comunicação; gerência orientada por resultados e financiamento das ações.

• Planejamento: um desafio para a 6a CRS e para os municípios

O planejamento realizado pelos coordenadores da 6a CRS no início da gestão foi o principal norteador das ações desenvolvidas na região, tendo por mérito o fato de ter definido a missão da Coordenadoria e suas principais diretrizes políticas.

Nesse planejamento, foram definidas as principais linhas de ação da 6a CRS: "construção do Modelo de Atenção Integral à Saúde em todos os níveis; Capacitação e valorização do/as trabalhadores/as de saúde; Crticulação intersetorial e interinstitucional; Fortalecimento da participação popular e controle social; Busca permanente de recursos para a saúde" (Relatório de Planejamento ­ 1999).

O relatório de planejamento realizado no início da gestão pelos coordenadores, principal instrumento no que diz respeito ao planejamento da 6a CRS, previa a seguinte seqüência para o processo de planejamento na região: "1. Diagnóstico/organização da casa/definições gerais; 2. Coordenação, definições gerais; 3. Planejamento dos setores/sensibilização dos funcionários; 4. Seminário geral/planejamento com todos os funcionários; 5. Municípios/Movimentos sociais populares".

Esta seqüência não se completou. Ainda em 1999, deu-se início ao planejamento envolvendo os funcionários da 6a CRS. O planejamento no interior da Coordenadoria foi mais rico no processo que nos resultados, pois não resultou num plano, perdendo sua instrumentalidade. Os problemas definidos tinham pouco a ver com a missão; as estratégias eram, em sua maior parte, genéricas, e os resultados não foram bem definidos.

Em relação aos municípios, o planejamento continua representando um desafio. Não há demanda por planejamento, os planos ainda são uma formalidade. A baixa capacidade de gestão, determinada principalmente pela falta de pessoal capacitado para a formulação do plano, parece continuar sendo o grande problema neste ponto.

"O plano municipal de saúde ainda é uma questão formal nos municípios. Em muitos municípios o próprio gestor desconhece o plano. Há uma decepção no momento em que você pede um plano municipal de saúde. Você pensa que esse plano foi elaborado por uma equipe e que o conselho acompanha de fato isso, e tal a surpresa que na maioria dos municípios não foi dessa forma" (Coordenadora de Descentralização, Municipalização e Controle Social).

Apesar dos esforços despendidos, a 6a CRS ainda não encontrou uma maneira eficaz de trabalhar o planejamento com o conjunto das secretarias municipais de saúde.

• Cooperação municipalizada X cooperação microrregional gerenciada: avanços e percalços na descentralização e autonomia 

O sistema de gerência organizado pela 6a CRS na região iniciou-se assentado numa proposta de gestão compartilhada, com um colegiado de gestão formado pela equipe coordenadora da Coordenadoria mais a CIB Regional, o Conselho Regional de Saúde, o Conselho Político e o Orçamento Participativo.

Dessas quatro estruturas, apenas o Conselho Regional de Saúde se sustentou até o final. O Conselho Político não teve caráter abrangente o suficiente para se tornar representativo. O Orçamento Participativo teve uma relação muito mais de parceria do que de parte integrante do sistema de gestão. Já a CIB regional acabou por esvaziar-se, conforme mostram as falas do Coordenador Regional de Saúde:

"Foi um processo interessante e democrático de descentralização de poder. Mas com o passar do tempo a nossa Bipartite foi inviabilizada porque a maioria das políticas não é pactuada de forma regional; as políticas são pactuadas município por município"; "...os Secretários que faziam parte da Bipartite não tinham uma estrutura de debate na própria microrregião e acabavam apenas legitimando o que a Regional propunha. Então tivemos que readequar essa política num processo de pactuação individual com cada um dos municípios. Por isso a CIB regional foi se esvaziando de forma natural, foi perdendo um pouco o sentido" (Coordenador Regional de Saúde).

Apesar do esvaziamento dessas instâncias, a 6a CRS desenvolveu vários mecanismos de comunicação/negociação no sistema de gestão da saúde da região, o que aproximou os municípios dos momentos de tomada de decisão. A maioria dos secretários (18) referiu ser o Conselho Regional de Saúde o principal mecanismo de participação na tomada de decisão regional, seguido das reuniões regulares com CRS e municípios (9) e das Conferências Regionais de Saúde (5).

No que diz respeito à comunicação entre municípios e CRS, vale a pena abordar a proposta de equipes de assessoria, que surgiu a partir do planejamento realizado pela 6a CRS, buscando dar resposta ao problema "ações fragmentadas nos setores, entre os setores e com os municípios".

"O planejamento que fizemos apontou que para fazer a ponte com os municípios era necessária a construção de equipes. E estas equipes não poderiam ser constituídas apenas por um setor; elas deviam ser constituídas pelo conjunto dos servidores da Coordenadoria, desde os técnicos até o pessoal de nível médio" (Coordenador Regional de Saúde).

"No ano de 1999 e 2000 criaram-se grupos dentro da Coordenadoria, que são grupos de assessoria (...); até o ano 2000 a gente trabalhou com esses grupos de uma forma que cada grupo trabalhava uma microrregional (...) que era um objetivo de chegar mais perto dos municípios." (Coordenadora de Descentralização, Municipalização e Controle Social)

Durante os anos de 2000 e 2001, essas equipes percorreram os 58 municípios da região. Elas eram compostas por, pelo menos, uma pessoa de cada CRS e iam até os municípios debater problemas enfrentados por eles, procurando soluções conjuntas. Municiavam-se de informações, procurando conformar um panorama geral do local a ser visitado, debatiam anteriormente a situação dos municípios e, quando da visita ao local, tinham uma idéia geral da situação: plano municipal de saúde, Relatório de Gestão, repasse e aplicação de recursos, indicadores de saúde. Solicitavam a presença também do conselho de saúde. Estabelecia-se um diálogo entre os atores envolvidos, identificando causas e soluções para os problemas levantados, tanto pela CRS quanto pelo próprio município.

A implementação dessas equipes deu uma outra dinâmica à relação municípios-CRS, aproximando-os mais. Tanto que, quando questionados sobre os principais espaços de comunicação entre os municípios e a 6a CRS, 19 dos 28 secretários que responderam ao questionário assinalaram as equipes de assessoria, seguidas por reuniões descentralizadas e pela CRS.

Mas houve algumas debilidades. Primeiro, o esvaziamento de algumas das iniciativas da CRS para se aproximar dos municípios, com a extinção da CIB Regional e as dificuldades para se manterem as equipes de assessoria atuantes. Em segundo lugar, a implantação das assessorias no nível municipal em detrimento da articulação supramunicipal.

Essa forma de assessoria não colabora para a criação de uma cultura de solidariedade entre os municípios, o que, segundo o próprio coordenador, foi um dos fatores que dificultaram o estabelecimento de instâncias de negociação microrregionais como a CIB. A realização desse trabalho de uma forma mais articulada poderia colaborar para a organização do sistema, uma vez que, em sua maioria, os municípios da região são pequenos e com pouca estrutura tanto administrativa, quando de serviços. Além disso, as assessorias não conseguiram estabelecer compromissos com resultados de longo prazo e metas com os municípios.

Reconhecendo a importância das equipes de assessoria como estratégia de rompimento com a lógica verticalizada de organização dos órgãos estaduais/regionais, o seu trabalho poderia ser potencializado caso fosse adotada uma estratégia de cooperação gerenciada microrregional, com fixação de objetivos, metas e sistemas de avaliação.

Quanto ao financiamento, a política vigente na região foi um dos principais fatores contribuintes para a descentralização. A lógica de financiamento da região seguiu a orientação da proposta da Municipalização Solidária da Saúde, implementada em todo o estado e que repassava recursos financeiros de maneira regular e automática, diretamente do fundo estadual de saúde para os fundos municipais.

Além do caráter inovador no que diz respeito ao repasse de recurso de uma esfera estadual para as municipais, o que chama mais a atenção nessa política é a transparência, a eqüidade e o estímulo à descentralização e ao controle social.

Transparência, porque estabelece critérios técnicos de repasse de recurso para os municípios, em contraposição à política comum nos estados de repasse via convênio, caso em que os municípios são obrigados a ficar de "pires" na mão, implorando por recurso, sem nunca se saber quais os critérios adotados para que um município seja contemplado e outro não. A adoção de critérios técnicos, definidos após discussões com o Conselho Estadual de Saúde, permite que todos saibam quanto vão receber, quando e o porquê da quantia.

Esses critérios permitem a promoção da eqüidade, favorecendo municípios que concentram populações nas faixas etárias menores de 14 anos e maiores de 60, que apresentam taxas mais elevadas de mortalidade infantil, que têm menor capacidade instalada, menor arrecadação própria de impostos, que utilizam maior volume de recursos próprios na saúde e que consideram a saúde como prioridade através do orçamento participativo. A estes critérios soma-se uma fração per capita, que garante a todos o recebimento de recursos 10.

Já em relação à autonomia, o recurso repassado pelo Governo Estadual não é "carimbado", ou seja, o município define como e onde aplicar o recurso, podendo empregá-lo de acordo com a sua necessidade e realidade.

Aliado a isso, exige-se dos municípios um plano de aplicação do recurso, aprovado pelo conselho municipal de saúde. Através do Relatório de Gestão, também aprovado pelos conselhos locais, verifica-se se o recurso foi realmente empregado conforme o compromisso do gestor diante da população. Assim, além de estimular a descentralização e a autonomia, submete o sistema ao controle social.

A percepção dos secretários municipais de saúde da região aponta para a ocorrência de maior descentralização e autonomia. Dos 28 secretários municipais de saúde que responderam ao questionário, 16 afirmaram que os municípios ganharam autonomia durante o período 1999-2002, e vinte declararam que a 6a CRS estimula a autonomia municipal.

 

Discussão 

A análise da gestão da 6a CRS à luz da Teoria Macroorganizacional do PES orienta a elaboração de uma estratégia de gestão para esse tipo de organização ­ regiões de saúde ­ uma vez que o modelo proposto por Matus enfatiza as "relações paralelas" ou de interação entre organizações.

A proposta do PES contrasta com as estruturas verticalizadas e centralizadas. No caso particular das regionais de saúde, essas estruturas devem ser substituídas por organizações mais descentralizadas e mais responsáveis. Para isso, novas práticas de gestão são necessárias. Modelos de gestão democráticos, baseados em comunicação intensa, com sistemas de avaliação que garantam os resultados orientados pela missão de cada organização participante e que enfatizem as visões de médio e longo prazo, são cada vez mais importantes.

No caso específico da análise feita na 6a CRS, acredita-se que ela pode, seja pelos seus aspectos positivos, seja pelas deficiências identificadas, ajudar a pensar a gestão de sistemas de saúde.

Para os dois primeiros objetivos do estudo, as variáveis e os critérios utilizados para analisar a gestão da 6a CRS suscitaram algumas discussões quanto à pergunta: como garantir a missão da organização?

Primeiramente, a delimitação clara da missão da organização, com discussões democráticas e difundidas por ela, é um potencializador das boas práticas de trabalho. Sem a clareza do papel da instituição no sistema, o que obriga um olhar para fora, e sem a clareza do papel de cada um dentro da organização, o que obriga um olhar para dentro, torna-se difícil a construção de um sistema solidário e com o olhar focado naquele que é a razão de ser da organização: a sociedade. Ademais, é fundamental destacar a organização, na Região, de uma estrutura organizacional com forte potencial para desenvolver a missão, principalmente através da criação da Coordenação de Descentralização, Municipalização e Controle Social e da conformação de um órgão gestor composto por diversos atores, principalmente no Conselho Regional de Saúde.

Em segundo lugar, verificou-se a importância da definição de objetivos concretos, articulados a curto, médio e longo prazos, no âmbito de sistemas regionais de saúde. No caso da 6a CRS, a ausência de objetivos específicos acabou por prejudicar a direcionalidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade.

Essa discussão tem relação com o terceiro ponto suscitado pelas análises: o descompasso entre as exigências colocadas pela missão e pelas prioridades da Macroorganização e o tempo e atenção dedicados a eles pelos coordenadores. Observou-se, na CRS, uma tendência a deixar as agendas dos dirigentes serem engolidas pelos problemas emergenciais. Isso faz com que não se tenha tempo para pensar sobre os objetivos a serem desdobrados das prioridades, a fim de dar-lhes maior concretude e facilitar o acompanhamento e a avaliação.

Em relação ao segundo objetivo deste trabalho, com base na experiência realizada, reafirma-se que há uma grande contribuição da Teoria das Macroorganizações, articulada a algumas idéias do Novo Gerenciamento Público (NGP). Isso porque essas duas Teorias abrangem elementos centrais colocados para a avaliação e chamam a atenção para a necessidade de se articular maior descentralização com maior responsabilidade.

A avaliação da gestão no âmbito da 6a CRS apresentou falhas quanto ao controle técnico da qualidade, pois não foram identificados mecanismos de avaliação de resultados, como sugerido pela Teoria das Macroorganizações e pelo NGP. Em face da dimensão do sistema de saúde e da necessidade de maior autonomia dos espaços descentralizados para responderem com maior agilidade às demandas, torna-se urgente a avaliação de resultados e não mais exclusivamente de processos.

Além disso, verificou-se certa incoerência entre as razões colocadas pela CRS para justificar as dificuldades no processo de petição e prestação de contas e o discurso dos secretários municipais. Enquanto aquela se queixava da pouca valorização ou não-utilização adequada do Relatório de Gestão Municipal como instrumento de gestão, estes afirmavam não conhecer os critérios utilizados pela Coordenadoria para realizar as avaliações desse recurso.

É necessário que os resultados sejam pactuados e conhecidos por todos os membros da Macroorganização. A condução eficaz do estabelecimento de objetivos, metas, indicadores e instrumentos para verificá-los colabora para a ampliação da responsabilidade.

Apesar das deficiências apontadas anteriormente, a região da 6a CRS demonstrou, em relação aos procedimentos de avaliação, uma preocupação que vai ao encontro dos critérios colocados tanto pela Teoria Macroorganizacional do PES, quanto pelo NGP: a preocupação com a transparência e com o envolvimento da população. O rigor na cobrança dos Relatórios de Gestão e das Audiências Públicas e a aposta feita no controle social suscitaram um movimento que encontra reconhecimento nos próprios secretários municipais de saúde. Por isso, destaca-se a importância da articulação de mecanismos de controle social do sistema com mecanismos de controle técnico da qualidade.

A análise da distribuição das competências no interior do sistema, outro objetivo deste trabalho, possibilitou uma discussão sobre a descentralização e a autonomia. É fundamental que a delegação de responsabilidades seja acompanhada de recursos que possibilitem o exercício do poder para realizá-las. Nesse sentido, a cooperação técnica e financeira da 6a CRS junto aos municípios foi uma das principais funções desempenhada por essa organização. O estabelecimento de uma estrutura organizacional que facilitasse a comunicação com os municípios e a aproximação com os mesmos, por meio de reuniões das equipes de assessoria, permitiu à Coordenadoria apoiar mais de perto as secretarias municipais de saúde.

Quanto ao planejamento, este é estimulado indiretamente pela descentralização e pela implementação de sistemas de cobrança e prestação de contas, segundo Matus. No entanto, essa relação não foi observada na 6a CRS, já que são raras as situações em que se pode verificar a existência de planos de saúde orientados por problemas, realizados espontaneamente e não por pressão externa, com definição de objetivos e de meios para a execução das estratégias previstas.

A cooperação técnica e financeira trabalhada pela 6a CRS deu maior ênfase aos sistemas municipais de saúde isoladamente. Contudo, em se tratando especificamente dos espaços regionais de construção do SUS, a organização da assistência no âmbito regional e microrregional exige um espírito de solidariedade entre as diferentes esferas de governo e entre os municípios entre si. Isso implica a realização de modelos de gestão com base na cooperação gerenciada microrregionalizada, ou seja, formas de gestão cuja ênfase está na capacidade de integração e na implantação de mecanismos gerenciais capazes de garantir o estabelecimento e o cumprimento de resultados assumidos com base na missão de cada organização participante, bem como garantir a autonomia e a democracia em todos os níveis da organização.

Por fim, cabe destacar um dos limites do estudo. A não-resposta a mais de 50% dos questionários encaminhados aos secretários municipais de saúde pode ter limitado as conclusões sobre a percepção das intervenções da 6a CRS pelos gestores municipais. Há que se considerar a possível ocorrência de viés de seleção interferindo na análise dos resultados, pois não se pode afirmar que essa amostra seja representativa da população de estudo, sendo plausível a existência de relação entre adesão à pesquisa realizada e a opinião desse grupo sobre a estratégia adotada pela CRS ou ainda sobre questões relativas ao controle social em saúde.

 

Colaboradores 

J. C. Lima realizou a coleta dos dados, a análise e a redação do artigo. F. J. U. Rivera colaborou na análise dos dados e na revisão do artigo.

 

Referências

1. Ministério da Saúde. Portaria n. 95. Aprova a Norma Operacional de Assistência à Saúde NOAS SUS 01/2001. Diário Oficial da União 2001; 26 jan.        

2. Matus C. Adeus, senhor presidente: governantes governados. São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Administrativo; 1996.        

3. Matus C. O líder sem estado maior. São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Administrativo; 2000.        

4. Rivera FJU. A gestão situacional (em saúde) e a organização comunicante. Cad Saúde Pública 1996; 12:357-72.        

5. Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Relatório anual de gestão do SUS ­ 1999. Porto Alegre: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul; 2000.        

6. Cecílio LCO. Trabalhando a missão de um hospital como facilitador da mudança organizacional: limites e possibilidades. Cad Saúde Pública 2000; 16:973-83.        

7. Rivera FJU. Agir comunicativo e planejamento social (uma crítica ao enfoque estratégico). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1995.        

8. Lima SML. O contrato de gestão e a conformação dos modelos gerenciais para as organizações hospitalares públicas. Rev Adm Pública 1996; 30:101-38.        

9. Trosa S. Gestão pública por resultados: quando o estado se compromete. Rio de Janeiro: Revan/Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2001.        

10. Ferla A, Martins Junior F. Gestão solidária da saúde: a experiência de gestão estadual do SUS no Rio Grande do Sul. Divulg Saúde Debate 2001; 23:8-20.        

 

 

 Correspondência
J. C. Lima
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juliano@fiocruz.br
julianolima1@aol.com

Recebido em 18/Mar/2005
Versão final reapresentada em 14/Dez/2005
Aprovado em 10/Jan/2006

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