RESENHAS BOOK REVIEWS
Darci Santa Rosa
Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil. darcisantarosa@gmail.com
BIOÉTICA: RISCOS E PROTEÇÃO. Schramm FR, Rego S, Braz M, Palácios M, organizadores. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Editora Fiocruz; 2005. 256 pp.
ISBN: 85-7108-293-6
O livro Bioética: Riscos e Proteção, lançado em 2005 pela Editora UFRJ e pela Editora Fiocruz, é uma excelente obra organizada competentemente por Fermin Roland Schramm, Sergio Rego, Marlene Braz e Marisa Palácios, é leitura obrigatória por explorar as interfaces entre a bioética de proteção, os desafios da biotecnociência, questionamentos e propostas que envolvem a saúde pública.
Fruto de Seminário que congregou especialistas das mais variadas disciplinas, tendo como tema central a ética, aplicada às novas relações e questões geradas na construção do conceito de Bioética de Proteção.
A bioética surgiu como uma ponte entre a filosofia e as ciências biológicas. Essa ponte tornou-se necessária para fazer frente às conseqüências do desenvolvimento tecnológico sobre o meio ambiente e a sobrevivência da espécie humana. Hoje há necessidade de destacar seu interesse nos aspectos ligados à saúde pública por analisar, refletir e prescrever determinada conduta moral partindo de um diálogo pluralista.
A bioética de proteção considera que o governo tem o compromisso de proteger todos os membros da sociedade, diante de qualquer intervenção que não seja estável, independente da estrutura de Estado, a consciência da vulnerabilidade enquanto condição humana, e que a filosofia e a política propostas às sociedades devem garantir a proteção de seus cidadãos contra a violência, pobreza e quaisquer tipos de violação aos direitos humanos 1.
Sua preocupação particular é com os riscos e a vulnerabilidade, que as pessoas vulneráveis correm de serem prejudicadas pelas conseqüências das ações realizadas por profissionais da saúde 2.
As políticas públicas de distribuição de recursos em saúde, com as restrições de acesso a determinadas tecnologias, dão origem a dilemas éticos relacionados aos princípios de beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e dignidade da natureza humana para tratá-lo como fim e não como meio, na tomada de decisão diante desses dilemas quando devem ser considerados valores sociais, éticos e critérios técnicos.
A bioética de proteção reconhece as desigualdades que ferem a estrutura social, preocupa-se com a população e com as maiorias que sofrem restrições da liberdade decorrentes de privações, falta de empoderamento, predisposição ao aumento de suscetibilidades.
Ela propõe à saúde pública, enquanto prática social, com matizes distintos segundo as práticas e programas aos quais se aplica, a fundamentação em valores distintos dos tradicionais, para lidar com conflitos e dilemas morais emergentes da aplicação de biotecnociência e da biopolítica no mundo vivo.
Esse livro oferece ao leitor a oportunidade de entrar em contato com textos e pensamentos de docentes, pesquisadores europeus, americanos e brasileiros argumentando a favor de uma bioética de proteção aos vulneráveis e aos susceptíveis e sobre o dever de todos os profissionais das ciências da saúde e da vida necessitarem incorporá-la às discussões levantadas no campo da bioética no seu fazer cotidiano.
Tem como eixos a proteção e os riscos. Proteção entendida como dimensão ética que vem participando da vida política, social e filosófica e instalada na base da trama social que tem no modo de ação preventiva a finalidade de colocar cada ser humano em condição de segurança. Argumenta a favor da responsabilidade de propor esta proteção sanitária e brigar por sua efetiva realização com vistas à modificação dos problemas de vulnerabilidade e de suscetibilidade humanas 1.
Os riscos são abordados a partir da vulnerabilidade existencial entendida por Kottow 1 como estado de integridade de onde se protege a fragilidade intrinsecamente humana frente aos danos, e da susceptibilidade como estado de destituição e de privação, em que a integridade lesada predispõe o indivíduo a sofrer novos danos.
A importância desse livro está em sua marcada contribuição na abordagem de temáticas e reflexões bioéticas ao focalizar estudos sobre proteção, risco e ética, considerando as características do país em todas as populações, nas pesquisas, no ensino e na práxis em saúde pública.
Os temas de maior importância e condutores de reflexões são bioética e risco, cujas premissas básicas são: vulnerabilidade e susceptibilidade das populações; assimetrias sociais; diversidades morais, econômicas, políticas e de acesso aos serviços de saúde pública; prática cotidiana dos profissionais; formação ética dos profissionais de saúde e as implicações éticas dos conflitos de interesses nas pesquisas com seres humanos e animais, entre outras.
Ao longo de seus 15 capítulos cuidadosamente construídos, onde pesquisadores, trabalhadores, docentes e estudantes das ciências da vida e da saúde encontrarão conceitos, pesquisas e reflexões bioéticas que focalizam temas pertencentes à saúde pública, e ao agir profissional, apontando instrumentos de aplicação nos campos em pauta, fortalecendo, assim, a necessidade de a Bioética brasileira incumbir-se das questões referentes à saúde das populações, contexto em que emergem conflitos morais e éticos significativos.
No capítulo 1, Schramm argumenta a favor de um possível diálogo entre a biotecnociência, biopolítica e bioética, considerando a dupla face da bioética de proteção, ampliando sua ação contra as ameaças à vida e medidas protetoras diante dos desafios dos avanços da tecnociência.
No capítulo 2, Kottow propõe uma Bioética de Proteção que reflita e forneça a orientação sobre as práticas biomédicas (públicas) que ocorrem nas sociedades marginalizadas, tecendo considerações claras sobre as visões da ética nas práticas biomédicas de proteção para atender demandas específicas, alertando para desatualização da ética na vida política, social e filosófica.
No capítulo 3, Braz enfoca, de forma instigante, aspectos psicológicos e filosóficos da proteção e diversidade moral da Bioética, sua compreensão do pluralismo como desafio doviver com a diversidade de visões de mundo.
No capítulo 4, Pegoraro reflete sobre a concepção de Bioética de Justiça considerando como cuidado na área de saúde as seguintes vertentes: a eqüitativa alocação de recursos para o desenvolvimento da pesquisa biomédica; o equipamento clínico moderno; o cuidado com as pessoas enfermas, desvalidas e excluídas, pela falta do cuidado e da proteção à capacidade física e decisional.
No capítulo 5, Herzlich em reflexão bioética considera os efeitos do desequilíbrio entre o desenvolvimento da pesquisa e da atividade médica, e os problemas decorrentes dos avanços: da falta de ética médica, das modificações nas definições de pessoa, gênero, filiação, morte; da dualidade da bioética contrapondo a experimentação terapêutica e o tempo impreciso da existência humana de um lado e da extensão da atividade médica e social do outro.
No capítulo 6, Palácios discute, com propriedade, o conflito de interesses nas pesquisas chamando a atenção para a evolução das relações entre cientistas e entidades financiadoras de experimentos. O ponto forte está no alerta que faz quanto às ofertas de recursos.
No capítulo 7, Hottois, em reflexão filosófica, crítica e pertinente, aponta a preocupação com as gerações futuras, destacando a temporalidade moderna do progresso e sua relação com o processo democrático, reafirmando que a história humana é fundamentalmente simbólico-espiritual e não tecnomaterial, e alertando que essa preocupação com as gerações futuras e o futuro da espécie humana devem considerar o tempo integral e o tempo a curto e médio prazos.
No capítulo 8, Engelhardt Jr. apresenta clara e sinteticamente a proposta de Bioética do risco, os conceitos de risco e dano, o enfrentamento da finitude da vida nas UTIs, suas relações com as políticas públicas de assistência à saúde. Relaciona danos e benefícios com autoridade e possibilidade de administrá-los e o papel dos postulados kantianos da responsabilidade/liberdade, das capacidades e da incapacidade individuais e responsabilidade governamental da bioética no agir dos profissionais.
No capítulo 9, Siqueira-Batista discute com clareza a obstinação terapêutica, lançando o olhar da bioética de proteção sobre o viver e o morrer dignamente, na formação dos profissionais de saúde, destacando a vulnerabilidade dos pacientes de UTI à distanásia argumentando a favor do respeito à autonomia.
No capítulo 10, Guilam apresenta relato de pesquisa sobre o discurso do risco do aconselhamento genético identificando os princípios que direcionam os discursos, as práticas dos médicos geneticistas e as razões morais na discriminação do aborto.
No capítulo 11, Milnitsky-Sapiro aborda a relevância da educação moral na formação dos profissionais de saúde, e das teorias de desenvolvimento sócio moral de Jean Piaget, Lawrence Kohlberg e Elliot Turiel e como marcos referenciais para o estudo e compreensão das estruturas psicológicas na conduta moral e reflexão ética.
No capítulo 12, Rego & Costa-Macedo, com o mesmo referencial, situam o ensino nas escolas médicas relatando pesquisa que objetivou a determinação da importância na capacidade de julgamento no desenvolvimento moral como condição prévia parta o comportamento ético no cotidiano da formação clínica.
No capítulo 13, Diniz & Guedes considerando a anemia falciforme como problema de saúde pública apresentam resultado de pesquisa sobre a informação genética em dois jornais de grande circulação, considerando a bioética a força política da mídia na formação de opiniões. Propõe a prevenção como vantajosa estratégia para impedir o crescimento da anemia falciforme e a informação como fundamento para conscientização e decisão no campo reprodutivo.
No capítulo 14, Paixão, na perspectiva do conhecimento ético-científico-conseqüencialista, descreve as principais premissas morais constantes da regulamentação referente ao uso de animais em pesquisas, relacionando ao crescimento destas e ao nascimento da indústria de animais de laboratório fundamentada na ética de Peter Singer e nos direitos dos animais.
No capítulo 15, Labarthe et al. discutem práticas alternativas na perspectiva do conhecimento ético-científico no uso de animais na vida doméstica e nas pesquisas, considerando a saúde pública, o combate ao desrespeito à vida e ao sofrimento animal.
Bioética: Riscos e Proteção contribui com profissionais, estudantes e pesquisadores da área de saúde pública e ciências da vida e da saúde no auxílio de análises, reflexões e prescrições de condutas morais em diálogo pluralista, partindo do compromisso político, do fundamento ético da convivência, das limitações de um pensamento principialista e da proposta de uma ética própria para a América Latina 1.
Assim, o livro é de interesse para todos os profissionais que atuam na Saúde Pública, como docentes e discentes de graduação e pós-graduação, por chamar a atenção para o ensino e a formação ética dos profissionais da área de saúde, alertar aos pesquisadores quanto aos conflitos de interesses oriundos das relações destes com os financiadores de pesquisas e para a justiça na assistência individual e coletiva. O que torna o livro altamente instigador é a riqueza de conteúdo bioéticos. É de leitura significativa o capítulo da proposta de uma bioética de proteção, ponto alto, por instrumentalizar o leitor para compreender as diversas abordagens, sobre uma mesma temática, na perspectiva de lidar com os problemas próprios de um país considerado periférico como é o caso do Brasil.
Particularmente desperta para os conflitos de interesses, nas atividades de pesquisas em saúde pública, bem-estar do paciente, bem-estar de animais, validade da pesquisa e ganhos financeiros; análise de riscos que envolvem o uso de informações em saúde pública, a formação de profissionais na área de ciências da vida e da saúde, medidas de proteção sobre os limites da terapêutica com pacientes vulneráveis, minimização de riscos de agressões às pessoas com autonomia reduzida e animais, entre outras.
O que chama a atenção no livro Bioética: Proteção e Riscos para a saúde pública são, entre outros desafios, os de orientar a bioética para a coletividade, para atender aos objetivos da saúde pública e encontrar soluções para os seus problemas sem permitir que medidas parciais tragam riscos para algum segmento social.
Recomendo esse livro por sua contribuição nas abordagens de temáticas que lidam com a reflexão bioética e a escassez de estudos sobre a bioética de proteção, considerando o incremento da vulnerabilidade e da suscetibilidade aos riscos em todas as populações, em pesquisas, no ensino e na prática cotidiana daqueles que lidam com a vida.
1. Kottow M. Vulnerabilidad, susceptibilidades y bioética. Lexix Nesis-Jurisprudência 2003; (4):23-9.
2. Gonçalves ER, Verdi MIM. A vulnerabilidade e o paciente da clínica odontológica de ensino. Revista Brasileira de Bioética 2005; 1:195-205.