EDITORIAL
Doença diarréica por rotavirus: magnitude, introdução da vacina e desafios para a vigilância epidemiológica
A infecção por rotavirus constitui-se na principal causa de diarréia grave em crianças, contribuindo para elevada morbidade hospitalar e mortalidade. No Brasil, estudos realizados nos últimos sete anos têm evidenciado que entre 20,6% a 37,6% dos atendimentos hospitalares por doença diarréica em menores de cinco anos estiveram associados à infecção por rotavirus. Em termos absolutos, se considerarmos a média de internações na rede própria e contratada do SUS por doença diarréica de origem infecciosa presumível, nesse grupo etário, nos três últimos anos, podemos estimar a média de internações anuais por diarréia associadas aos rotavirus entre 25.660 e 46.836. O impacto na mortalidade por doença diarréica associada aos rotavirus também é relevante. Admitindo-se que 40% dos óbitos por doença diarréica em menores de cinco anos são devidos aos rotavirus, e considerando a estimativa de óbitos por doença diarréica de origem infecciosa presumível, nos últimos três anos, é possível estimar a média de óbitos por doença diarréica por rotavirus em aproximadamente mil óbitos. Outra característica relevante da doença é a sua elevada capacidade de disseminação, como tem sido evidenciado pela ocorrência de epidemias nos últimos anos em vários Estados.
Entretanto, existe uma diversidade na distribuição dessa doença no país, relacionada à sazonalidade que aparentemente ocorre em diferentes períodos e intensidade de acordo com a região de ocorrência. Outra fonte de diversidade refere-se aos diferentes sorotipos (ou genótipos) detectados, o que tem variado não somente entre os Estados onde têm sido realizados estudos pontuais, como também ao longo dos anos. Nos últimos anos têm sido detectados novos sorotipos, que passam a predominar durante um período variável de tempo.
Considerando tal magnitude e gravidade da doença, acometendo prioritariamente um grupo etário especialmente vulnerável, a recente disponibilidade de vacinas, com eficácia e segurança comprovada em estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, bem como a factibilidade de sua aquisição, o Ministério da Saúde (MS) introduziu a vacina contra rotavirus no calendário básico de vacinação em março de 2006, oferecendo gratuitamente a todas as crianças menores de seis meses.
Entretanto, para que os resultados favoráveis sejam alcançados e evidenciados, bem como visando à ampliação do conhecimento sobre a doença, torna-se fundamental a estruturação de uma vigilância epidemiológica em todos os Estados, o que impõe alguns desafios para a sua efetiva implantação. Como visto, inexistem dados populacionais específicos para a doença diarréica por rotavirus, devendo-se aperfeiçoar a utilização de estimativas baseadas em estudos realizados em hospitais, aplicando-as às bases de dados hospitalares e de mortalidade. Uma estratégia que vem sendo adotada pelo MS, visando a subsidiar a construção de dados populacionais e avaliar o impacto da vacina, é a constituição de uma rede de hospitais sentinela, que possibilite o registro mais preciso e de forma contínua da doença na população menor de cinco anos. De forma complementar e para tornar mais oportuna a adoção de medidas de controle, impõe-se o aperfeiçoamento da vigilância das doenças diarréicas, atualmente implantada em todos os Estados, adequando-a à detecção de epidemias, nas quais sejam identificados os sorotipos circulantes. Nesse particular, vem sendo assegurada a ampliação da realização de exames pela rede nacional de laboratórios de saúde pública. Por fim, a implantação de uma rede de vigilância de eventos adversos tem permitido o monitoramento de eventual ocorrência de casos graves em especial de intussuscepção que possa estar associada temporalmente à vacinação.
Eduardo Hage Carmo
Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde.
Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.
eduardo.carmo@saude.gov.br