EDITORIAL
A tuberculose nas prisões: uma fatalidade?
Atualmente, cerca de 350 mil pessoas estão encarceradas no Brasil. Embora as taxas de encarceramento (191/100 mil habitantes em 2005) estejam distantes das maiores mundiais (EUA, 738/100 mil; Rússia, 600/100 mil), aumentaram em 44% desde 2001, elevando a taxa de ocupação das prisões a 143%. Considerando essa superpopulação e as precárias condições de encarceramento, não causa surpresa que a tuberculose (TB), doença de transmissão aérea, constitua um problema maior para as pessoas presas que são em sua maioria oriundas de comunidades de alta endemicidade de TB e são expostas de maneira repetida ao risco de reinfecção tuberculosa pelas freqüentes recidivas penais.
Nas prisões do Rio de Janeiro, a taxa de incidência de TB (3.532/100 mil) foi, em 2005, 30 vezes superior à do Estado e estudos de rastreamento de casos por exame radiológico do tórax realizados desde 2002 (n = 6.500 presos) mostraram prevalências entre 4,6% e 8,2% segundo as prisões estudadas. Cerca de 3% dos presos ingressam nas prisões já com TB, o que pode estar relacionado à alta endemicidade na comunidade de origem, mas também às condições de encarceramento nas delegacias de polícia.
Para aqueles que não têm experiência em prisões, o controle da TB nesse meio pode parecer simples: os presos vivem em ambiente restrito, dispõem de serviço de saúde, os sintomas são facilmente identificáveis, o diagnóstico é simples, o tratamento é pouco custoso e sua supervisão aparentemente fácil, já que o indivíduo encarcerado parece disponível.
Mas na realidade, os obstáculos são múltiplos, especialmente a subvalorização dos sintomas num ambiente violento onde a preocupação com a sobrevivência é prioritária; o risco de estigmatização e de segregação considerando a importância da proteção gerada pelo pertencimento grupal e a fragilidade que produz o reconhecimento da doença num ambiente onde a imagem de força é fundamental; a falta de recursos; a inadaptação dos serviços de saúde e a dificuldade de acesso decorrente da priorização pelas autoridades penitenciárias, da segurança em detrimento da saúde. Sobretudo a restrição da autonomia das pessoas presas com a conseqüente redução de sua participação no tratamento e nas ações de prevenção, acabam por gerar ações de saúde essencialmente prescritivas, a tal ponto de criarem muitas vezes novos constrangimentos que se somam àqueles de ordem especificamente carcerária.
Nas prisões de vários países, a saúde ainda é considerada não como um direito, mas como uma concessão da administração penitenciária. Isso vale para a TB que continuará sendo uma fatalidade enquanto os detentos não se tornarem os atores centrais de sua saúde. Promover a saúde, e especialmente a luta contra a TB nas prisões, implica uma reflexão conjunta dos atores da "comunidade carcerária" de detentos, familiares, agentes de segurança, profissionais de saúde, professores...), todos eles expostos à TB, sobre estratégias participativas adaptadas às especificidades epidemiológicas, sociais e psicológicas desse meio altamente hierarquizado. Neste contexto, as ações de controle da TB serão otimizadas, sobretudo se articuladas com outros programas de saúde e acompanhadas da melhoria das condições de encarceramento e de uma real visibilidade dos problemas de saúde da população encarcerada... e das próprias pessoas presas.
Alexandra Roma Sánchez
Superintendência de Saúde,
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil.
asanchez@predialnet.com.br
Luiz Antônio Bastos Camacho
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
luiz.camacho@ensp.fiocruz.br
Vilma Diuana
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil.
vilmadiuana@gmail.com
Bernard Larouzé
INSERM UMR-S 707,
Université Pierre et Marie Curie, Paris, France.
larouze@u707.jussieu.fr