NOTA RESEARCH NOTE

 

Avaliação de medidas de controle de flebotomíneos no Município de Lobato, Estado do Paraná, Sul do Brasil

 

Evaluation of sandfly control in Lobato municipality, Paraná State, southern Brazil

 

 

Ueslei TeodoroI; Demilson Rodrigues dos SantosII; Ademar Rodrigues dos SantosII; Otílio de OliveiraII; Elcio Silvestre dos SantosII; Herintha Coeto NeitzkeIII; Wuelton Marcelo MonteiroIV; Robson Marcelo RossiV; Maria Valdrinez Campana LonardoniI; Thaís Gomes Verzignassi SilveiraI

IDepartamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil
IINúcleo de Entomologia de Maringá, Secretaria de Saúde do Paraná, Maringá, Brasil
IIIPrograma de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil
IVPrograma de Pós-graduação em Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil
VDepartamento de Estatística, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Avaliam-se medidas de controle de flebotomíneos no Município de Lobato, Estado do Paraná, Brasil. Esses insetos foram coletados com armadilhas de Falcão em residências, num curral e na mata, de julho a novembro de 1999 e de fevereiro a junho de 2000. Em dezembro de 1999 e janeiro de 2000, foram utilizadas as seguintes medidas na tentativa de diminuir a densidade de flebotomíneos no peridomicílio e domicílio: (i) as janelas das edificações (residências, alojamento, refeitório) foram teladas; (ii) todo tipo de matéria orgânica existente na área peridomiciliar foi retirada, e as edificações foram desinsetizadas. Nyssomyia whitmani, Pintomyia fischeri, P. monticola e Brumptomyia brumpti predominaram no primeiro período de coletas, enquanto N. neivai, Migonemyia migonei e N. pessoai predominaram no segundo. No primeiro período, a maioria dos flebotomíneos foi coletada na mata, e no segundo, nas residências. Não houve diferença entre o número de flebotomíneos coletados no primeiro período e no segundo. Esses resultados mostram uma possível frustração das medidas empregadas para diminuir a população desses dípteros na Fazenda da Barra, em Lobato. 

Controle de Vetores; Psychodidae; Leishmaniose


ABSTRACT

Sandfly control measures were evaluated at the Da Barra Ranch, Lobato municipality, Paraná State, Brazil. The insects were captured with Falcão traps in houses, a cattle corral, and a forest area from July to November 1999 and from February to June 2000. In December 1999 and January 2000 the following measures were taken to decrease the sandfly density in peridomiciliary areas and domiciles: (i) screens were placed on windows of buildings (domiciles, dormitory, cafeteria); (ii) all organic material was cleaned from the peridomiciliary area; and (iii) buildings were sprayed for insects. There were more Nyssomyia whitmani, Pintomyia fischeri, P. monticola, and Brumptomyia brumpti specimens in the former period, while N. neivai, Migonemyia migonei, and N. pessoai predominated in the latter. In the initial period most of the sandflies were captured in the forest and in the latter period in the houses. The sandfly control measures did not reduce the sandfly population on the Da Barra Ranch, but they led to significant proportional changes in the insect fauna composition.

Vector Control; Psychodidae; Leishmaniasis


 

 

Introdução

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma zoonose que tem ocorrido em todos os estados do Brasil. No Sul, de 1980 a 2003, registraram-se 12.304 casos da doença, dos quais, 99,3% no Estado do Paraná, especialmente no norte e oeste 1,2.

Os trabalhos de reorganização e limpeza do peridomicílio, bem como a desinsetização de edificações (residências, alojamentos, abrigos de animais domésticos e outras), utilizados para o controle de flebotomíneos, têm diminuído a freqüência desses dípteros no peridomicílio e domicílio, em áreas endêmicas de LTA 3,4,5.

Na Fazenda da Barra, Município de Lobato, foram registrados 16 casos de LTA entre 19 moradores, dos quais, cinco ainda estavam em tratamento no início das coletas de flebotomíneos. Os quatro cães existentes na fazenda tiveram os títulos de anticorpos anti-Leishmania positivos na sorologia por imunofluorescência indireta, constatando-se, num deles, a presença de formas amastigotas de Leishmania sp., em esfregaço de lesão. Daí o interesse de se conhecer a fauna e a freqüência de flebotomíneos em diversos ecótopos da referida fazenda, aplicando-se, em seguida, medidas para diminuir a densidade desses insetos no peridomicílio e, especialmente, no domicílio.

 

Métodos

O Município de Lobato localiza-se na mesorregião norte central do Estado do Paraná, a 23º30' Latitude Sul e 51º54' Longitude Oeste. O clima é do tipo subtropical úmido, com verões quentes e geadas pouco freqüentes no inverno e temperatura média de 22ºC; o solo é do tipo arenoso, bem drenado e derivado do arenito Caiuá. Na Fazenda da Barra, onde as coletas de flebotomíneos foram realizadas, há setecentos hectares de reserva de mata nativa.

As coletas de flebotomíneos foram feitas com nove armadilhas de Falcão distribuídas na mata (3), em residências (5) e num curral de bovinos (1). As coletas foram realizadas das 21 horas à 1(uma) hora, duas vezes ao mês, de julho de 1999 a junho de 2000, exceto nos meses de dezembro de 1999 e janeiro de 2000. O horário de coletas foi estabelecido tendo em vista que, nessas horas, a freqüência de flebotomíneos costuma ser elevada no norte do Paraná 6. Em dezembro de 1999 e janeiro de 2000, como medidas para o controle de flebotomíneos e a proteção dos habitantes, as janelas das residências foram teladas, e toda matéria orgânica (folhas e frutos caídos, restos de alimentos, fezes de animais domésticos etc.) presente no peridomicílio foi retirada. A limpeza do peridomicílio foi feita levando em conta a possibilidade da formação de criadouros de flebotomíneos em solos úmidos e ricos em matéria orgânica. As outras medidas consistiram na desinsetização de edificações (residências, galinheiros, pocilgas, curral, paióis etc.) com cipermetrina 125mg/m2, na determinação de um local para o armazenamento do lixo doméstico e no corte do capim colonião (Panicum maximum), que ocupava uma área de aproximadamente 500m de extensão, com 15 a 30m de largura, entre a mata nativa e o ambiente de ocupação humana.

A nomenclatura das espécies segue Galati 7, respeitando a nomenclatura das referências citadas. Na análise de dados, utilizou-se o teste qui-quadrado para a comparação da quantidade de flebotomíneos entre os períodos, em nível de 5% de significância.

 

Resultados

As espécies de flebotomíneos coletadas foram Brumptomyia brumpti (Larousse), Brumptomyia cunhai (Mangabeira), Expapillata firmatoi (Barretto, Martins & Pellegrino), Evandromyia cortelezzii (Brèthes), Migonemyia migonei (França), Nyssomyia neivai (Pinto), Nyssomyia whitmani (Antunes & Coutinho), Pintomyia fischeri (Pinto), Pintomyia monticola (Costa Lima), Pintomyia pessoai (Coutinho & Barretto) (Tabela 1).

 

 

Nota-se que, no primeiro período, a proporção de N. whitmani foi de 65,9%, seguido por M. migonei (8,6%), P. pessoai (7,7%), P. fischeri (7,3%) e N. neivai (3,3%). No segundo período, a proporção de N. neivai foi de 37,3%, seguido por N. whitmani (25,9%), N. migonei (17,5%), P. pessoai (12,8%) e P. fischeri (5,4%) (Tabela 1).

Verificou-se que, no primeiro período, nos ecótopos 5 (mata) e 9 (mata), coletaram-se 451 (16,2%) e 2.029 (73,1%) flebotomíneos, respectivamente. No segundo período, coletaram-se 1.022 (39,4%) flebotomíneos no ecótopo 9 (mata), 534 (20,6%) no ecótopo 8 (residência/varanda), 439 (16,9%) no ecótopo 1 (residência/varanda/fundo) e 214 (8,2%) no ecótopo 3 (residência) (Tabela 2).

Entre outubro e novembro de 1999, coletaram-se 846 (30,5%) e 1.658 (59,7%) flebotomíneos, respectivamente. Em março, coletaram-se 1.870 (72%) flebotomíneos, e em fevereiro, 600 (23,1%) (Tabela 2).

 

Discussão

As espécies de flebotomíneos coletados na Fazenda da Barra têm sido constatadas em diversos municípios do Estado do Paraná, em áreas com as características ambientais semelhantes às dessa fazenda 3,4,5,6,8,9.

No primeiro período, predominou N. whitmani que juntamente com as espécies M. migonei, P. pessoai, P. fischeri e N. neivai representaram 92,8% dos flebotomíneos coletados. No segundo período, após as modificações ambientais, prevaleceu N. neivai, que somada às espécies N. whitmani, N. migonei, P. pessoai e P. fischeri representaram 98,9% dos flebotomíneos coletados. As quantidades de N. neivai, N. migonei, P. pessoai cresceram em detrimento das demais espécies, especialmente de N. whitmani. Vale ressaltar que N. neivai, no primeiro período, representou apenas 3,3% do total de flebotomíneos coletados. Verificou-se que as quantidades de N. whitmani e B. brumpti foram maiores no primeiro período, enquanto N. neivai e N. migonei foram maiores no segundo (p < 0,001). As alterações do número e da proporção de espécies de flebotomíneos já foram observadas em áreas que também sofreram modificações ambientais no Paraná 3.

As quantidades de flebotomíneos coletados nas armadilhas 5 e 9 (mata) foram maiores no primeiro período, enquanto que, nas armadilhas 1, 3 e 8 (residências), foram maiores no segundo período (p < 0,001). No primeiro período, a densidade de flebotomíneos (89,3%) foi maior na mata. No segundo período, as maiores proporções de flebotomíneos ocorreram nas residências (45,7%) e na mata (39,4%), na armadilha 9, mostrando maior dispersão desses insetos entre os ecótopos.

As medidas empregadas para diminuir a população de flebotomíneos no peridomicílio e domicílio aparentemente falharam, pois não houve alteração numérica da população desses dípteros, do primeiro para o segundo período de coletas. O que contradiz os resultados obtidos anteriormente em outras localidades do norte do Paraná, onde medidas de controle semelhantes reduziram a população desses insetos 3,4,5.

A possível falha das medidas empregadas para o controle de flebotomíneos pode ser explicada pela presença da área densamente ocupada pelo capim colonião, no primeiro período de coletas, que pode ter atuado como uma barreira física, impedindo que um número maior de flebotomíneos alcançasse o ambiente peridomiciliar. No segundo período, o corte do capim deixou as residências mais expostas, atraindo maior número de flebotomíneos, em função da presença de luz elétrica nas residências à noite. Nesse período, as outras medidas utilizadas para diminuir a população de flebotomíneos podem ter contribuído para que esse número não fosse ainda maior. É importante destacar que, de 1999 até o momento, foram registrados apenas dois casos de LTA em 2001, na Fazenda da Barra.

O crescimento da quantidade de N. neivai no segundo período é relevante, pois essa espécie, além de endofílica, tem sido muito freqüente nos ambientes peridomiciliar e domiciliar, no norte do Paraná 6,9. Essa espécie é filogeneticamente próxima de L. intermedia 10, que, além de se adaptar bem no ambiente antrópico, tem caráter endofílico e foi encontrada naturalmente infectada 11. Por outro lado, as taxas de infecção de L. intermedia têm sido baixas, em contraposição ao registro simultâneo de altas densidades desse inseto e surtos de LTA 12. Os dois últimos fatos foram observados em Doutor Camargo, no Paraná 4, o que pode vir a ocorrer em Lobato, uma vez que N. neivai passou a predominar. O aumento da população de M. migonei também é relevante, pois, no Estado de São Paulo, esse inseto foi associado à transmissão de LTA 11.

No primeiro período, a maioria dos flebotomíneos foi coletada em outubro e novembro de 1999, e, no segundo, em fevereiro e março de 2000. Via de regra, a população desses dípteros costuma ser mais elevada de dezembro a abril, quando as temperaturas e as precipitações de chuva são mais elevadas no norte do Paraná 6.

Aparentemente as medidas empregadas para o controle de flebotomíneos não atingiram os objetivos propostos. Os resultados precisam ser melhor avaliados, pois não se conhece a importância das espécies de flebotomíneos, especialmente de N. neivai, na epidemiologia da LTA no Paraná. A verificação da taxa de infecção por Leishmania das espécies de flebotomíneos com potencial vetorial e a aplicação de medidas semelhantes às empregadas neste estudo vêm sendo realizadas em outras áreas endêmicas para a LTA, no Paraná.

 

Colaboradores

U. Teodoro orientou a realização do trabalho e a elaboração do manuscrito. D. R. Santos, A. R. Santos, O. Oliveira e E. S. Santos contribuíram com a coleta e identificação dos flebotomíneos. H. C. Neitzke e W. M. Monteiro contribuíram na identificação dos flebotomíneos e elaboração do manuscrito. R. M. Rossi contribuiu com a análise estatística. M. V. C. Lonardoni e T. G. V. Silveira contribuíram na elaboração do manuscrito.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à Fundação Araucária (processo 40.0227/1999-1) pelo apoio financeiro.

 

Referências

1. Ministério da Saúde. Leishmaniose tegumentar americana ­ distribuição de casos confirmados, por Unidade Federada. Brasil, 1980 ­ 2003. http:// dtr2001.saude.gov.br/svs/epi/situacao_doencas/lta.pdf (acessado em 04/Ago/2005).        

2. Lima AP, Minelli L, Comunello E, Teodoro U. Distribuição da leishmaniose tegumentar por imagens de sensoriamento remoto orbital, no Estado do Paraná, Sul do Brasil. An Bras Dermatol 2002; 77:681-92.        

3. Teodoro U, Kühl JB, Thomaz-Soccol V, Barbosa OC, Ferreira MEMC, Lozovei AL, et al. Environmental sanitation and peridomiciliar organization as auxiliary practices for the control of phlebotomines in Paraná State, Southern Brazil. Braz Arch Biol Tecnol 1999; 42:307-14.        

4. Teodoro U, Silveira TGV, Santos DR, Santos ES, Santos AR, Oliveira O, et al. Influência da reorganização, da limpeza do peridomicílio e da desinsetização de edificações na densidade populacional de flebotomíneos, no Município de Doutor Camargo, Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2003; 19:1801-13.        

5. Teodoro U, Thomaz-Soccol V, Kühl JB, Santos DR, Santos ES, Santos AR, et al. Reorganization and cleaness of peridomiciliar area to control sand flies (Diptera, Pschodidae, Phlebotominae) in South Brazil. Braz Arch Biol Tecnol 2004; 47:205-12.        

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8. Membrive NA, Rodrigues G, Membrive U, Monteiro WM, Neitzke HC, Lonardoni MVC, et al. Flebotomíneos de municípios do norte do Estado do Paraná, Sul do Brasil. Entomol Vectores 2004; 11:673-80.        

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10. Andrade Filho JD, Galati EAB, Falcão AL. Redescription of Nyssomyia intermedia (Lutz & Neiva, 1912) and Nyssomyia neivai (Pinto, 1926) (Diptera: Psychodidae). Mem Inst Oswaldo Cruz 2003; 91:1059-65.        

11. Camargo-Neves VLF, Gomes AC, Antunes JL. Correlação da presença de espécies de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) com registros de casos da leishmaniose tegumentar americana no Estado de São Paulo, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2002; 35:299-306.        

12. Silva AC, Gomes AC. Estudo da competência vetorial de Lutzomyia intermedia (Lutz & Neiva, 1912) para Leishmania (Viannia) braziliensis, Vianna, 1911. Rev Soc Bras Med Trop 2001; 34:187-91.        

 

 

Correspondência
U. Teodoro
Departamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo 5790, Maringá
PR 87020-900, Brasil
uteodoro@uem.br

Recebido em 12/Set/2005
Versão final reapresentada em 20/Dez/2005
Aprovado em 26/Dez/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br