ARTIGO ARTICLE
Controle do dengue em uma área urbana do Brasil: avaliação do impacto do Programa Saúde da Família com relação ao programa tradicional de controle
Dengue control in an urban area of Brazil: impact of the Family Health Program on traditional control
Francisco Chiaravalloti NetoI, II; Angelita A. C. BarbosaII; Marisa B. CesarinoIII; Eliane A. FavaroII; Adriano MondiniII; Amena A. FerrazIII; Margareth R. DiboI; Maria Elenice VicentiniIII
ISuperintendência de Controle de Endemias, São José do Rio Preto, Brasil
IIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, Brasil
IIISecretaria Municipal de Saúde e Higiene, São José do Rio Preto, Brasil
RESUMO
Avaliaram-se os resultados da integração do Programa Saúde da Família (PSF) e do Programa de Controle do Dengue em São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. O estudo foi realizado em uma área com PSF e outra sem PSF. Na primeira, os agentes comunitários de saúde, de modo integrado com as suas atribuições, orientavam os moradores sobre as medidas de controle de dengue, incentivando-os a realizá-las. Na segunda área, os agentes de controle de vetores orientavam os moradores e realizavam as atividades de controle de criadouros. Conduziram-se, de outubro de 2001 a janeiro de 2003, levantamentos para mensurar conhecimentos e práticas dos moradores sobre dengue. Na área com PSF comparativamente com a sem PSF as proporções de entrevistados que afirmaram ter como fonte de informação o serviço de saúde apresentaram aumento significante. Nas duas áreas ocorreram mudanças significantes em termos de ganhos de conhecimento e diminuição de recipientes. Os resultados mostraram que a integração entre os dois programas é viável, representa otimização de recursos ao evitar a duplicidade das visitas e possibilita um maior envolvimento da comunidade no controle do dengue.
Dengue; Aedes aegypti; Controle de Vetores; Programa Saúde da Família
ABSTRACT
A study was performed in different areas of São José do Rio Preto which include the Family Health Program (FHP) and the Dengue Control Program, and the results of integration between the two programs were evaluated. In addition to other responsibilities, community health agents instructed residents on dengue control measures, encouraging the population to adopt the practices in areas with the FHP. Vector control agents were responsible for breeding site control and instructed local residents on the Dengue Control Program. From 2001 to 2003, surveys were conducted to measure residents' dengue control knowledge and practices. The proportions of residents in the FHP area that reported health services as a source of information increased significantly as compared to the other area. There were significant changes concerning the increase in information about the disease and reduction in vector breeding sites. The results show that integration between the programs is possible and could help optimize resources, avoiding duplicity of procedures and fostering greater community involvement in dengue control.
Dengue; Aedes aegypti; Vector Control; Health Family Program
Introdução
O dengue, uma das doenças infecciosas de maior incidência nas regiões intertropicais, é um subproduto da urbanização desordenada que se verifica em países de economia emergente. Seu vetor, o Aedes aegypti, apresenta grande adaptação à vida urbana e sua propagação é privilegiada devido aos hábitos consumistas modernos 1. Segundo Tauil 2, os fatos para o agravamento da transmissão de dengue no Brasil são complexos e não totalmente compreendidos e uma das razões é que o Programa de Controle de Vetores baseou-se em métodos verticais que buscavam a eliminação do mosquito por meio de inseticida, o que mostrou pouco impacto na diminuição da proliferação do Aedes aegypti. Neste programa a população teve o papel de expectadora e manteve-se na dependência de ações previamente definidas.
No desenvolvimento das atividades do programa, o agente de controle de vetores é reconhecido como uma porta de entrada para efetuar reclamações sobre a atuação do poder público e requerer resolução de problemas que vão além da presença do mosquito A. aegypti 3,4. Além dessas dificuldades, observa-se também que a falta de atuação do poder público e o não atendimento às demandas promovem um crescente descrédito da população em relação às competências do agente, o que interfere na sua atuação 4,5,6. Um outro problema que o agente enfrenta está relacionado ao caráter emergencial das campanhas de controle e prevenção, aliados a ações antes fiscalizadoras do que educativas no repasse do conhecimento técnico à população, o que desencadeia a falta de adesão ao programa 7,8.
A grande ameaça da expansão de doenças infecciosas, como o dengue, aponta para a necessidade da reestruturação da vigilância epidemiológica e da mudança das políticas de controle 1. Isto deve ter como base a visão de que a saúde pública é um problema amplo que não comporta soluções imediatistas, pois envolve a participação conjunta das agências governamentais e de toda a sociedade num processo contínuo.
O Ministério da Saúde propôs ações integradas de saúde, educação e mobilização, que levaram à criação do Programa Saúde da Família (PSF). Seu propósito é reorganizar os serviços de saúde e melhorar a qualidade de vida da população. O PSF prioriza ações de prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integral e contínua. O atendimento é feito na Unidade de Saúde da Família (USF) ou no domicílio, por médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS) 9.
A partir da perspectiva de que as atividades conjuntas dos PSF e do Programa de Controle do Vetor poderiam evitar a duplicidade de ações, melhorar o aproveitamento das visitas realizadas e estimular a participação da comunidade no desenvolvimento de ações para redução da infestação pelo A. aegypti, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo fez proposta de integração dos dois programas 10. Em 3 de janeiro de 2002, o MS publicou a Portaria n. 44/GM 11, que definiu e estabeleceu as atribuições do ACS em relação à prevenção e controle do dengue.
O ACS, ao inserir em sua rotina de trabalho essas ações, poderá atuar como multiplicador em suas visitas domiciliares, já que conhece as realidades locais por ser morador da área de atuação. Desta forma, um programa de controle de dengue que leve em conta a realidade local e que ofereça outra série de serviços, pode manter um elo entre comunidade e o serviço público, aumentar o grau de confiança entre as partes e estimular a comunidade a exercer a cidadania e, desta forma, produzir efeitos positivos na redução do risco de transmissão de dengue 4,12.
Assim, este trabalho teve os objetivos de avaliar se a introdução do controle do dengue no PSF em São José do Rio Preto, São Paulo, produziria ganhos de conhecimentos sobre dengue, seu vetor e medidas de controle em relação ao programa tradicional e avaliar se ocorreriam mudanças nas práticas para o controle do vetor nas populações atendidas.
Metodologia
São José do Rio Preto localiza-se na região noroeste do Estado de São Paulo, e, em 2001, tinha 367.248 habitantes 13. Após a erradicação do A. aegypti do Brasil, o primeiro encontro do vetor no município se deu em 1985 e a primeira ocorrência de dengue em 1990 14. O controle do vetor é desenvolvido no município pela equipe municipal de controle do A. aegypti por meio de seus agentes de controle de vetores (ACV), distribuídos em 14 Áreas. O PSF está implantado em cinco USF: Gonzaga de Campos, Cidadania, Renascer, Rio Preto I e Talhado. Enquanto as três primeiras áreas são urbanas, as últimas têm parte urbana e parte rural composta na maioria por chácaras.
O estudo foi realizado em duas áreas: região do PSF (região PSF) englobando as cinco áreas onde o programa atua, excluídas a parte rural das USF Rio Preto I e Talhado; e a região Controle de Vetores (região CV) correspondente à Área de Controle de Vetores número 5. As duas localizam-se na periferia. Em 2001, a região PSF tinha 4.633 domicílios urbanos e contava com 37 ACS. A região CV tinha 9.440 domicílios, todos em área urbana, e dispunha de equipe com dez ACV e um Supervisor.
O projeto constituiu-se de levantamento inicial; implantação e acompanhamento das atividades de controle de vetores; levantamentos intermediários e final. Os levantamentos foram realizados por amostragem de conglomerados 15. No levantamento inicial realizou-se avaliação, entre outubro e dezembro de 2001, para identificar os conhecimentos dos moradores sobre dengue e sua prevenção, utilizando-se questionário pré-testado; entre novembro e dezembro de 2001, contagem de recipientes potenciais e com água e identificação de domicílios com larvas de A. aegypti, para cálculo do Índice Predial (IP), definido como proporção de domicílios com larvas do vetor 16.
Após o levantamento inicial, as atividades de controle de vetores foram implantadas e acompanhadas durante o período de um ano. Na região PSF, o trabalho foi desenvolvido tendo como base as diretrizes estabelecidas pela Secretaria de Estado da Saúde 10 e pela Portaria n. 44/GM 11 do MS. Para implementação da atividade de controle de vetores foi necessário na região PSF:
incluir nas visitas domiciliares realizadas pelo ACS, a vistoria completa da casa e dos imóveis não-residenciais cadastrados (excluídos os recipientes de difícil acesso), e orientações ao morador para eliminação de criadouros potenciais de A. aegypti: o ACS visitou, mensalmente, a metade das famílias da área sobre sua responsabilidade, e procedeu a identificação dos tipos e quantidades de recipientes potenciais e com larvas de mosquitos. Estas atividades foram realizadas em conjunto com as demais atribuições do ACS;
redimensionar o número de ACV levando-se em conta a reorganização do trabalho de controle de vetores, de modo que eles realizassem visitas a imóveis não-residenciais não cadastrados e terrenos baldios; a Pontos Estratégicos para pesquisa e tratamento químico; a imóveis residenciais com problemas não solucionados pelo ACS; a casas vazias, fechadas e recusas; e visitas para controle de criadouros em casos de transmissão de dengue 10.
Na região CV, o ACV visitou mensalmente metade dos imóveis da área realizando: vistoria completa do imóvel, acompanhado do responsável, orientando-o sobre as várias medidas de controle que poderiam ser utilizadas para eliminar os criadouros potenciais encontrados e executando, junto com o morador quando possível, todas as medidas de controle 10.
Inicialmente foram realizados treinamentos para os ACS e ACV. Após, foi desencadeado processo de educação continuada com supervisão semanal das atividades e reuniões quinzenais para discussão de problemas e possíveis soluções.
Realizaram-se posteriormente as seguintes avaliações: o primeiro levantamento intermediário (L int 1) apenas com contagem de recipientes e medida do IP, entre março e abril de 2002; o segundo intermediário (L int 2) com aplicação do mesmo questionário utilizado no inicial, contagem de recipientes e medida do IP, entre junho e julho de 2002; o terceiro intermediário (L int 3) apenas com contagem de recipientes e medida do IP, em setembro de 2002; e o final (L fin), com aplicação de questionário, entre novembro de 2002 e janeiro de 2003, e contagem de recipientes e medida do IP, em janeiro de 2003.
O cálculo do tamanho da amostra para cada levantamento foi realizado considerando-se duas situações: obtenção dos intervalos de confiança e teste de hipóteses. Para a primeira, considerou-se um erro alfa de 5%, uma proporção esperada de 50% e uma precisão de 3,7%. Para estas condições obteve-se uma amostra de 701 domicílios. Em relação a segunda situação, calculou-se tamanho de amostra para testes de hipóteses entre as regiões PSF e CV, fez-se a suposição de que cada região contribuiria com metade do total de domicílios, considerou-se um erro alfa de 5%, um poder de 84% e que, para uma proporção esperada de 50%, poderíamos identificar diferenças de 8%. Nesta situação chegou-se a uma amostra de 1.400 domicílios.
Assim, para cada levantamento e região, estabeleceu-se como necessária uma de amostra de 700 domicílios. Considerando-se uma proporção de casas fechadas de 20%, aumentou-se o tamanho da amostra para 900. Para ser possível a obtenção das várias amostras de domicílios necessárias para o levantamento inicial e as avaliações intermediárias e final, o passo inicial foi o levantamento do número de casas por quarteirão de cada uma das regiões. Para cada uma das quadras levantou-se o total de casas existentes e, utilizando-se um mapa, atribuiu-se um número para cada quarteirão. Elaborou-se, para cada região, uma listagem contendo todos os quarteirões com os respectivos números de casas e o número de casas acumulado.
As amostragens de domicílios foram obtidas das listagens supracitadas, com base no sorteio sistemático, para cada levantamento e região, de um número entre 60 a 75 quarteirões, tendo cada um participado do sorteio com peso proporcional a seu número de casas. Os quarteirões sorteados foram visitados para realização de um mapa de casas e, de posse dele, realizou-se o sorteio de 15 casas em cada um, para se atingir o número de domicílios esperado. O processo de amostragem utilizado foi o de uma amostra por conglomerados em dois estágios (quarteirão e domicílios), com partição proporcional ao tamanho 15. Para obtenção das listagens acima e para efeitos de sorteio, os quarteirões com menos de 15 casas foram juntados a outros, de modo a só participarem do sorteio quarteirões com 15 ou mais imóveis.
Os quarteirões e domicílios sorteados foram visitados por entrevistadores treinados que aplicaram questionários às mulheres responsáveis pelos cuidados da casa. Só foram entrevistados moradores homens se não houvesse uma mulher responsável. Em momento posterior à aplicação do questionário, as mesmas casas foram visitadas por funcionários treinados para a realização da contagem de recipientes e identificação da presença de larvas.
Os dados obtidos nas aplicações dos questionários e nas contagens de recipientes foram digitados em um banco de dados do programa Microsoft Access (Microsoft Corp., Estados Unidos), tabulados e analisados usando-se os programas Microsoft Excel (Microsoft Corp., Estados Unidos), Epi Info 2002 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e Stata (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos).
Todos os cálculos estatísticos foram feitos sob a consideração de amostragem por conglomerado e os quarteirões foram considerados como unidades primárias de amostragem 15. A diferença entre o número de domicílios previstos e o número realmente pesquisado em cada quarteirão foi corrigida por meio da atribuição de peso igual a divisão do primeiro número pelo segundo. As variáveis dicotômicas foram comparadas utilizando-se os testes z, como o pressuposto da aproximação da binomial pela normal, e as variáveis discretas e contínuas foram comparadas pelos testes t. Quando se julgou importante, os resultados foram apresentados com os respectivos intervalos de 95% de confiança.
Inicialmente realizou-se análise para verificar a semelhança entre as duas regiões. Para isto, utilizaram-se os dados do levantamento inicial que foram comparados por meio de testes bilaterais com nível de significância de 5%. Em seguida foi feita análise, utilizando-se os dados dos levantamentos inicial e final das duas regiões, para comparar a efetividade das duas estratégias empregadas. Aqui, utilizou-se o desenho do estudo de intervenção que, de acordo com Escosteguy 17, é aquele em que há a alteração de algumas variáveis em condições controladas para avaliação dos efeitos resultantes das modificações dos fatores sobre uma determinada população. Numa perspectiva metodológica quantitativa, este desenho corresponde à comparação de um grupo de intervenção (região PSF) a um grupo controle (região CV) observados antes e depois da intervenção. Se houver diferença significante entre os grupos pode-se considerar que a intervenção teve resultados positivos 18.
Dentro dessa perspectiva, para cada variável analisada calcularam-se, separadamente para as regiões, "saldos" entre os resultados obtidos nos levantamentos inicial e final, e realizaram-se testes bilaterais, com nível de significância de 5%, para verificar se a diferença entre estes saldos era igual ou não a zero. Neste caso mudanças ocorridas e não devidas à intervenção foram controladas por meio dos resultados da região CV.
Para avaliar separadamente a efetividade de cada uma das duas estratégias utilizadas, os dados obtidos para cada região foram considerados isoladamente e fizeram-se as diferenças entre os resultados obtidos nos levantamentos inicial e final. Quando se esperavam, por hipótese, aumentos nos valores das variáveis, as diferenças foram calculadas descontando-se dos valores finais os iniciais. Quando se esperavam diminuições, as diferenças tiveram sentido contrário. Os testes foram realizados para verificar se as diferenças obtidas eram iguais ou maiores que zero, portanto unilaterais e com nível de significância de 5%.
Resultados
Os tamanhos das amostras para a região PSF nos cinco levantamentos foram, respectivamente, 568, 634, 596, 467 e 669, e para a região CV foram respectivamente, 658, 803, 744, 820 e 785.
Para comparar as regiões quando do início da pesquisa, apresentam-se na Tabela 1 os resultados do levantamento inicial. Entre todas as 27 variáveis analisadas, apenas três apresentaram diferenças significantes: idade dos entrevistados, proporção de entrevistados que citaram os serviços de saúde como fonte de informação sobre dengue e a proporção de domicílios sem recipientes potenciais. Os resultados obtidos antes da realização da intervenção pretendida, em termos de conhecimentos e práticas da população, mostraram que ambas as áreas eram semelhantes e adequadas para avaliar a intervenção pretendida.
Na comparação entre os resultados dos levantamentos inicial e final para a região PSF em relação aos da CV, somente as proporções de entrevistados que afirmaram ter como fonte de informação o serviço de saúde apresentaram diferença significante (p = 0,000). Neste caso, obtiveram-se melhores resultados para o serviço de saúde como fonte de informação para a região PSF. Para as demais variáveis, os resultados obtidos foram equivalentes na comparação entre as regiões.
Na Tabela 2 têm-se, para cada região, os resultados das comparações entre os dados obtidos no levantamento final (L fin) em relação ao inicial (L inic), que apresentaram diferenças significantes ou próxima ao limite de significância. Em relação às fontes de informação, as únicas que apresentaram diferenças significantes foram os Serviços de Saúde e os funcionários, sendo que foram observados aumentos nas duas regiões. Na Figura 1, pode-se verificar que o aumento da participação dos serviços de saúde como fonte de informação ocorreu com maior intensidade na região PSF, enquanto que o aumento da participação dos funcionários ocorreu com maior intensidade na região CV.
As proporções de entrevistados que afirmaram conhecer larvas de mosquitos, que associaram mosquitos com transmissão de dengue, que sabiam afirmar o que é dengue hemorrágico e onde se criavam os mosquitos apresentaram aumentos significantes para as duas regiões. As proporções de entrevistados que sabiam como o dengue era transmitida e que responderam corretamente as perguntas sobre os cuidados com os criadouros do mosquito, não tiveram diferenças significantes em nenhuma das regiões analisadas entre os dois levantamentos. Notam-se para estas variáveis, porcentagens de respostas corretas bastante elevadas.
As proporções de domicílios sem recipientes potenciais e sem recipientes com água apresentaram aumentos significantes e os seus números médios apresentaram diminuições significantes nas duas regiões. Na Figura 2 são apresentados os valores das variáveis proporção de domicílios sem recipientes potenciais e número médio de recipientes potenciais por domicílio para os cinco levantamentos realizados, onde notam-se comportamentos semelhantes para as duas regiões.
Na Figura 3 são apresentados os valores do IP para os cinco levantamentos realizados para as duas regiões. Os IP medidos na região CV foram, respectivamente para os levantamentos inicial e final, 9,6% e 7,9%, resultados sem diferença significante (p = 0,154) e na região PSF foram respectivamente 6,9% e 4,4%, resultados com diferença significante (p = 0,040).
Discussão
A avaliação da qualidade dos serviços de saúde pode constituir um importante instrumento para o planejamento e tomadas de decisão que possibilitam, em última análise, a melhoria dos serviços de saúde. É fundamental, certamente, desenvolver ou aprimorar metodologias de avaliação da qualidade da assistência que tenham agilidade suficiente para reverter os conhecimentos em informações que orientem tomadas de decisão, com a elaboração de indicadores que sirvam de subsídios para aumentar a eficiência dos serviços de saúde 19. Para Silva & Formigli 18, a incorporação da pesquisa avaliativa nos diversos níveis dos serviços de saúde pode fornecer aos gestores informações necessárias para a adoção de estratégias de otimização dos mesmos.
Dentro dessa perspectiva e tendo como base o desenho escolhido, a comparação realizada entre os resultados iniciais e finais das variáveis medidas para as regiões PSF e CV mostrou que ações de controle do dengue desenvolvidas no âmbito do PSF e do Programa de Controle de Vetores tiveram efetividade semelhante. Assim, pode-se concluir que a integração dos dois programas é viável e representa otimização de recursos ao evitar a duplicidade das visitas, isto é, onde atuam os ACS, o controle de vetores pode atuar de forma complementar, além de possibilitar um maior envolvimento da comunidade no controle do dengue.
O ganho observado na região PSF em relação à região CV, o aumento da menção dos serviços de saúde como fonte de informação, é um resultado coerente com a realidade observada e que demonstra a integração existente entre os ACS e as USF e desta com a população local. Em contrapartida, estudos já mostraram que o ACV não é identificado como um funcionário do Serviço de Saúde que presta serviço à população, mas como um agente fiscalizador ou um indivíduo que executa a limpeza dos quintais nas residências 3,4.
Essa visão é decorrente de um programa que ainda mantém características verticais típicas de países em desenvolvimento, está dissociado do SUS e apresenta um custo-benefício baixo quando comparado às demais ações básicas de saúde. Além disto, o repasse do recurso financeiro ainda está vinculado ao cumprimento de metas preestabelecidas, não havendo possibilidades dos municípios adaptarem as atividades às suas necessidades locais 20. Para Penna 21, uma das principais críticas ao programa é que a tomada de decisões ocorre no nível nacional, sem considerar as realidades municipais.
A análise da Figura 1 revela que, na região PSF, a participação do serviço de saúde como fonte de informação foi pequena inicialmente e semelhante à da região CV. O grande aumento verificado nesta variável mostrou que o PSF tem boas condições de interferir sobre as questões de prevenção nas comunidades em que atua. A exemplo, uma atuação integrada dos ACV com as unidades básicas de saúde poderia trazer benefícios como o aumento da adesão da população às práticas preventivas, melhorar o vínculo do serviço com a comunidade 3,4 e promover a integração do controle do dengue com as demais atividades dos SUS.
Ao se maximizar a dimensão técnica da avaliação de serviços, apesar de ser este um ponto fundamental, pode-se comprometer a discussão do problema, uma vez que reduz um campo de produção de conhecimento abrangente a apenas uma instância técnica e, conseqüentemente, restringe a viabilização de melhores práticas sociais. Pode-se afirmar que a avaliação de serviços de saúde ultimamente deixou de ser considerada um processo exclusivamente técnico, em que métodos com procedimentos e indicadores poderiam medir com coerência a efetividade de serviços ou programas 22. O desenho utilizado para o presente estudo foi apropriado e, com base nele, resultados importantes para a resolutividade de questões para otimização de serviços foram identificados. No entanto, alguns resultados obtidos separadamente para cada uma das regiões analisadas (Tabela 2) merecem destaque, apesar de extrapolarem o modelo avaliativo escolhido.
O aumento significante, nas duas regiões, na proporção de pessoas que reconheciam as formas imaturas do A. aegypti, mostrou que atividades que incluem o uso de mostruários pelos agentes, incentivo à visualização das formas larvárias pelos moradores quando do encontro de focos e demonstrações do ciclo do vetor são procedimentos importantes que não vêm sendo realizados rotineiramente e que podem contribuir para a melhoria das práticas. Os conhecimentos sobre as medidas de controle e sobre a forma de transmissão da doença alcançaram valores bastante satisfatórios como em outros estudos realizados, 12,23,24 e confirmam que estão bem disseminados entre a população.
O aumento das proporções dos domicílios sem recipientes e a diminuição dos seus números médios nas duas regiões mostrou que o trabalho desenvolvido pelos ACV apresentou significativa melhora, e que o trabalho realizado pelos ACS produziu resultados positivos e semelhantes aos dos ACV, apesar das diferenças entre eles. Aqui deve ser destacada a influência positiva dos treinamentos e do processo de educação continuada realizados nas duas regiões e também dos esforços realizados pela Secretaria Municipal de Saúde para a melhoria da qualidade do trabalho dos ACV.
O encontro de resultados semelhantes em termos de controle de criadouros para os ACV e ACS deve ser destacado em função das diferenças entre eles, sendo a principal a ser citada é que, enquanto o ACV orienta e retira os recipientes, o ACS apenas orienta, incentivando o morador a realizar a atividade de controle. Este resultado é importante, pois o que se nota é a falta de relação entre conhecimentos e práticas 23,24. Em áreas com infra-estrutura mínima presente em termos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo, as atividades desenvolvidas pelos ACS mostram que é viável que o morador fique responsável por seus recipientes e que este tipo de trabalho pode também ser desenvolvido pelos ACV. Este novo modo de controlar o A. aegypti apresenta vantagens pois incentiva a mudança de hábitos, tornando o programa sustentável a médio e longo prazo e abre a perspectiva para que os ACV atuem de forma mais educativa e menos fiscalizadora.
O maior controle alcançado em termos de recipientes não teve, na região CV, reflexo no valores dos IP, que não apresentaram diferenças significantes entre os levantamentos inicial e final. Resultado semelhante foi encontrado por Chiaravalloti Neto et al. 12, em estudo realizado no Município de Catanduva, onde a diminuição de recipientes não foi acompanhada pela diminuição dos níveis de infestação do vetor. Mesmo na região PSF, onde os valores dos IP apresentaram diferença significante, o valor final obtido foi bem superior aos níveis considerados seguros para não ocorrência de transmissão 25.
Esses dados apontam para o grau das dificuldades envolvidas no controle do vetor do dengue em países em desenvolvimento, onde geralmente é negligenciada uma abordagem intersetorial entre as várias áreas administrativas dos governos. Segundo a Organização Mundial da Saúde 26, os programas de controle em países desenvolvidos, além de envolverem menores quantidades de recursos humanos e disporem de recursos econômicos e tecnológicos de melhor qualidade, estão associados a métodos de gestão ambiental.
Os achados deste estudo devem ser avaliados à luz da estratégia avaliativa utilizada e das limitações a ela inerentes. Estudos mais abrangentes devem ser realizados, uma vez que a avaliação dos programas e serviços quando tratada unicamente com base em sua dimensão formal pode conferir ao trabalho um tratamento reducionista e unidimensional que não vislumbra a realidade em suas múltiplas dimensões 26. Matida & Camacho 27 também consideram importante a análise multifatorial em pesquisa avaliativa para que, na perspectiva da gestão de programas, possa trazer subsídios necessários à tomada de decisão com vistas a adequação às realidades que precisam ser enfrentadas quando se trata de promoção de saúde.
Desta maneira, e com base em uma perspectiva de análise mais ampla, pode-se reconhecer que a resolutividade das ações de controle e combate ao dengue depende da transposição de uma série de obstáculos, especialmente a forma fragmentada como o Estado lida com as questões sociais, aspecto que contribui para o crescente descrédito da população em relação à efetividade e às competências das ações do poder público. Como representante último deste poder, o ACV encontra-se sem respaldo frente à população que quer ver os seus problemas mais emergentes solucionados e que, quase sempre, vão muito além do perigo de infestação do A. aegypti e da vulnerabilidade diante da doença.
Entretanto, em São José do Rio Preto a incorporação do ACS no controle do dengue abre novas possibilidades, pois ele lida diretamente com as questões de saúde das famílias e repassa orientações sobre prevenção. Ao tratar de problemas de saúde de forma mais ampla e agir como facilitador na relação entre o serviço e a população, observa-se maior adesão desta às atividades desenvolvidas por esse agente. A atuação do ACS trouxe novos elementos à discussão do papel do ACV e de sua relação com a população e desta com o serviço.
O quadro epidemiológico do dengue tem se agravado nos últimos anos 29, e o que se nota é a manutenção das formas tradicionais de controle. Dentro desta perspectiva, este estudo mostra que outras formas de atuação, como o trabalho desenvolvido pelos ACS, podem dar bons resultados e apresentarem-se como alternativas viáveis. Mas, é importante destacar as limitações da atuação do serviço de saúde no controle do dengue, de modo que os problemas só poderão ser resolvidos a partir da integração com áreas como saneamento, habitação, educação, entre outras, além da necessária melhoria das condições de vida da população.
Colaboradores
F. Chiaravalloti Neto colaborou na elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados, amostragem, análise estatística, discussão dos resultados e redação do artigo. A. A. C. Barbosa contribuiu na elaboração, teste e supervisão da aplicação dos instrumentos de coleta de dados, supervisão das equipes municipais, tabulação dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo. M. B. Cesarino, A. A. Ferraz e M. E. Vicentini participaram na elaboração dos manuais de instrução, treinamento e supervisão das equipes municipais, discussão dos resultados e redação do artigo. E. A. Favaro e A. Mondini supervisionaram a aplicação dos instrumentos de coleta de dados, supervisão das equipes municipais, tabulação dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo. M. R. Dibo contribuiu na elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados, discussão dos resultados e redação do artigo.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos moradores do município; aos funcionários da Secretaria Municipal de Saúde; a Beatriz A. C. Belini, Dora B. Defende, Marcelo D. Papa, Marlene C.G. Souza, Neusa F. Adami, Perpétua M. M. Sereno, Carmen Moreno Glasser e aos demais funcionários da Superintendência de Controles de Endemias.
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Correspondência
F. Chiaravalloti Neto
Superintendência de Controle de Endemias
Av. Philadelpho Manoel Gouveia Netto 3101, 3º andar
São José do Rio Preto, SP 15060-040, Brasil
fcneto@famerp.br
Recebido em 29/Set/2004
Versão final reapresentada em 01/Jul/2005
Aprovado em 27/Set/2005