EDITORIAL

 

Juventude, sexualidade e reprodução

 

 

A juventude é contemporaneamente considerada como a melhor fase da vida e, ao mesmo tempo, período de grande risco. O primeiro caso diz respeito aos potenciais físicos e psíquicos e o segundo se refere, em especial, aos possíveis danos à saúde. Como palcos desses riscos, duas esferas: a da sociabilidade, na qual se teme a exposição à violência e ao uso de drogas, e a da sexualidade, em que se problematiza a iniciação sexual precoce, a AIDS e a "gravidez na adolescência". Essas concepções, muito difundidas pelo senso comum e pela mídia, apresentam os jovens como incapazes de gerir a vida afetiva e sexual e, com freqüência, como irresponsáveis em seus comportamentos. A imagem dominante é de uma vida sexual desregrada, na qual predominam os relacionamentos efêmeros. Imagem que se nutre de variada gama de preconceitos que a pesquisa científica deve ajudar a desconstruir.

Este fascículo temático de Cadernos de Saúde Pública aposta na ampliação da mirada pluridisciplinar da saúde coletiva, possuindo uma peculiaridade ­ concentrar uma série de trabalhos que se debruçaram sobre os bancos de dados da Pesquisa GRAVAD ­ Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil. O projeto originou-se da constatação de importantes lacunas de conhecimento sobre um fenômeno que gera intenso debate público e é tratado como um problema social auto-evidente.

Outras contribuições foram incorporadas com base em pesquisas distintas sobre a etapa juvenil da vida, ou sobre práticas sexuais ­ o modo de estimá-las ­, em particular, a homossexualidade.

A sexualidade se apresenta na juventude como uma das esferas de aquisição de autonomia individual em relação à família de origem. A construção desse espaço privado pressupõe um aprendizado sobre relacionamento afetivo e sexual. Os modos de interação sexual derivam de prescrições culturais que mudam conforme o tempo histórico, o meio social e o gênero. O conhecimento acumulado sobre comportamentos sexuais, sobretudo após o advento da epidemia HIV/AIDS, tem assinalado a importância da modelação social para a conduta sexual e, em especial, da interface entre esta e a saúde. Fenômenos considerados alarmantes, como o baixo índice de uso de contracepção entre os jovens e a gravidez na adolescência, merecem exame detido. O aborto é o fenômeno reverso e ignorado: realizado em condições precárias entre as jovens pobres e em circunstâncias protegidas para aquelas dos estratos sociais superiores. Dois artigos dedicam-se ao tema.

No Brasil, as políticas voltadas à prevenção das DST/AIDS não incorporam em seu bojo a contracepção. Tal separação resulta da ausência de uma concepção mais abrangente sobre a esfera da sexualidade, e acaba por preconizar ações educativas e de saúde fundadas na mudança do comportamento individual. Essa postura desconsidera que os comportamentos são socialmente apreendidos, e importantes diferenças de gênero orientam a conduta dos sujeitos. É imperativo ampliar o foco das políticas públicas direcionadas à juventude.

Abordar juventude, sexualidade e reprodução sob uma ótica pluridisciplinar amplia a compreensão dos processos de aprendizado da sexualidade, das formas de interação afetivas e sexuais entre os parceiros, das prescrições dos papéis de gênero e, por fim, do desenrolar das trajetórias juvenis, em face dos eventos relativos à saúde, reprodução, sexualidade e exposição às doenças sexualmente transmissíveis.

 

 

Maria Luiza Heilborn
Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil.
heilborn@ims.uerj.br

Estela M. L. Aquino
Instituto de Saúde Coletiva,
Universidade Federal da Bahia,
Salvador, Brasil.
estela@ufba.br 

Daniela Riva Knauth
Núcleo de Antropologia do Corpo e Saúde,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Brasil.
knauth@portoweb.com.br

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br